quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5438: Controvérsias (58): Do revisionismo da história e da memória ao branqueamento do papel da PIDE/DGS (João Tunes)



Guiné > Mato Farroba > Catió > Abril de 1970 > João Tunes (à esquerda), ex-Alf Mil Trms,  CCS do BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71) e CCS do BART  2865 (Catió (1969/70)... Na peluda, foi engenheiro químico na GALP. Ingressou no nosso blogue em Agosto de 2005, numa altura em que o número de 'tertulianos' ainda se podia contar pelos dedos: Sousa de Castro, David Guimarães, A. Marques Lopes, Humberto Reis,  Afonso Sousa, Jorge Santos ... (E ainda Américo Marques, Belmiro Vaqueiro, Carlos Fortunato, Fernando Gomes de Carvalho, Joaquim Guimarães,  José Carlos Mussá Biai, Leopoldo Amado, Luís Carvalhido, Manuel Cruz, Manuel Castro, Manuel Ferreira)...

Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.

1. Texto do nosso amigo e camarada João Tunes, enviado em 24 de Novembro último (*):

Fomos todos bons rapazes
por João Tunes

Há uma nítida tendência de revisão histórica sobre o colonialismo, a descolonização e a guerra colonial a espraiar-se em literatura de ensaio publicada e na blogosfera, ambas animadas ou por militares profissionais na reserva ou por antigos combatentes milicianos.

É uma espécie de reflexo de curto prazo para com a memória de um envolvimento militar que sofreu um recalcamento sem direito a catarse. Sem hipóteses regressivas, no social, no político e no cultural, sem projecto mobilizador que a empenhe em lutas pela mudança do presente e construção do futuro, há muita gente a querer viver o seu resto de vida sem remorso nem autocrítica, muito menos justiça histórica e política para com os povos africanos (os pretos “terroristas”, "turras" como síntese de ódio pronto a disparar, que se combateram com as armas mas também com a tortura, a prisão, o assassinato, a violação, a assimilação e a corrupção, quando muito dando-lhes o "benefício" das "delícias" - para os "tugas" - de uma cafrealização nos momentos compensatórios do "repouso do guerreiro"), para com acontecimentos marcantes verificados na transição da sua juventude para a primeira idade adulta.

Assim, a revisitação da experiência na guerra colonial tende a tornar-se um branqueamento forçado e necessário para reconciliações individuais e grupais que tendem a reintegrar no imaginário colectivo o mito da passagem, dramática mas limpa, de centenas de milhares de portugueses pelos cenários africanos incendiados pela guerra.

Lendo-os, aos auto-reciclados da guerra colonial, a impressão que se colhe, quanto à guerra colonial, é a de um patriotismo difuso e serôdio, empenhado numa guerra “limpa”, generosa e que até podia ter sido ganha se a democracia demorasse mais uma década a regressar à política portuguesa, e que, no mínimo, foi geradora de uma vivência de fraternidade de bons amigos e camaradas de armas. É, claro, uma memória filtrada dos “sobreviventes da guerra”. Sem actos assassinos e indignos, sem a génese da ocupação de "terra alheia", sem os muitos milhares de mortos e estropiados nos dois lados da guerra, sem os efeitos devastadores para o reencontro de Portugal com a democracia que teve de fazê-lo após gerações terem passado por treze anos de guerra em África e onde se tinham consumido enormes recursos (na fase final do fascismo-colonialismo, cerca de metade do Orçamento era consumido em gastos militares com a guerra colonial) e cedendo-se a independência aos países africanos num cenário político de transição de guerra pela independência para guerra civil, onde se forjaram, simetricamente, elites políticas militarizadas e formadas no marxismo de guerra.

Mas há um “ponto negro” de que, por regra, o revisionismo da memória foge. Refiro-me ao facto de a polícia política do salazarismo-marcelismo, a PIDE depois rebaptizada de DGS (**), ter sido o braço direito do exército colonial em África, no período 1961-1974. Militares e polícias políticos foram “unha com carne” na guerra colonial. Cada qual desempenhando o seu papel, mas casando-os sempre na maior intimidade e impunidade. Por muito que custe aos memorialistas da revisão em marcha, o que foi, aconteceu.

Dalila Mateus, num livro editado há tempos atrás mas que é uma referência da historiografia dedicada à guerra colonial (&), portanto sempre actual, aborda as actividades da PIDE/DGS nas antigas colónias no período 1961-1974, uma questão que ainda é tabu, até pelos desassossegos que desperta em grande parte dos militares que participaram naquela guerra. A historiadora expõe os mecanismos de actuação da PIDE/DGS em África e os meios que dispunha e que utilizava (na medida do que é possível saber-se e escapou à destruição dos arquivos).

Além de demonstrar que o que se passou nas frentes das guerras coloniais foi um genocídio intermitente gerido contra as populações africanas (confirmando a caracterização feita pela ONU), para além de actos de brutalidade generalizada e de máxima crueldade praticados pelas Forças Armadas, sobretudo durante o primeiro período da guerra mas que se verificaram pontualmente até ao fim, o grosso das acções de obtenção de informação, infiltrações entre os guerrilheiros, atentados contra os seus líderes, tortura de prisioneiros, gestão de prisões e de campos de concentração (onde o internamento era ordenado pela própria PIDE, sem julgamento e como sendo um ”acto administrativo”de “fixação de residência”) foram cometidas à PIDE/DGS. Ou seja, na maior parte dos casos, as Forças Armadas passavam para a PIDE a maior parte do “trabalho sujo” relativamente a militantes, simpatizantes ou suspeitos de simpatias para com as causas nacionalistas.

Esta “repartição de tarefas” assentou numa cumplicidade e complementaridade totais e absolutas. Para além de permitir que as Forças Armadas salvaguardassem a sua imagem de “combatentes” apenas “guerreiros”, cumprindo uma qualquer ética castrense, e com margem para a chamada “psico”, o trabalho entregue à PIDE “ganhou” em “especialização” e em “eficácia” (embora, por regra, as operações ofensivas tenham sido conjuntas).

Mais, tornou as duas organizações numa espécie de irmãs siamesas em que uma não podia viver sem a outra. As operações militares faziam-se com base nas informações da PIDE, a PIDE trabalhava os prisioneiros feitos pelas Forças Armadas. Neste sentido, as torturas, os assassinatos, as prisões indiscriminadas, cometidas pela PIDE durante a guerra colonial, foram crimes da polícia política mas mancharam, na mesma dimensão de iniquidade e responsabilidade, os comandos militares irmanados com a polícia. E sabendo como sabiam o que a PIDE aplicava aos guerrilheiros, a co-responsabilidade é absoluta.

Como entender a resistência havida após o 25 de Abril, em extinguir a PIDE em África, em que, sobretudo em Angola, ainda trabalharam durante muito tempo integrados na PIM (Polícia de Informação Militar)? Como entender a excelente apreciação que a maioria dos oficiais de carreira fazia sobre os méritos da PIDE em África? Como entender que o Alto-Comissário em Moçambique (Vitor Crespo), onde a PIDE foi desmantelada mais cedo, se tenha encarregado de destruir os ficheiros da PIDE? Como perceber a ausência de escrúpulos dos militares golpistas após o 25 de Abril trabalharem em estreita colaboração com ex-pides, retomando velhas cumplicidades? Finalmente, como perceber que, enquanto na metrópole, a PIDE era odiada pela população, em África ela era considerada e acarinhada pela maioria dos colonos (por vezes, mais estimada que os militares que faziam a guerra)?

A resposta a estas últimas questões está, como hipótese, na noção que os militares profissionais tinham que não haveria condições para fazerem a guerra sem a PIDE. E sabiam que a PIDE  “fazia bem” o papel que lhe estava atribuído (a maioria dos guerrilheiros reconhece isso, sendo uma das raras excepções a prosápia estúpida de Marcelino dos Santos da Frelimo que afirmou que a PIDE não sabia nada). Compreende-se assim que, no início da pós-revolução, a PIDE continuasse viva e bem viva nas ainda colónias. Ou pela integração no PIM, ou, clandestinamente, a ajudar a “resistência branca”, transbordando depois para o combate ao MPLA e, em Moçambique, na criação da Renamo.

Parte dos oficiais de carreira profissionalizados na guerra colonial (muitos deles com três comissões feitas) deram a “volta política”, participaram na descolonização e seguiram o paradigma político do MFA. Mas um número significativo de oficiais de média e alta patente (a partir de Major na altura do 25 de Abril) foi incapaz de digerir a descolonização e entender o papel da PIDE como sendo um alicerce do regime (o que, sendo verdade, não abona sobre o regime). É que não foram as Forças Armadas (só por si) que fizeram as guerras nas colónias, a PIDE (só por si) tão pouco. Foi uma e outra. Foi o regime salazarista-marcelista. Quando o regime caiu, o colonialismo caiu e a descolonização só podia ter como ponto de partida o ponto de chegada do colonialismo português.

O “depois” “devia” ter sido diferente e melhor. Mas o “depois” que houve partiu do “antes” herdado. Alguns militares da época não o entenderam na descolonização e cada vez o entendem menos, servindo a profusa literatura de memória e análise que publicam, em blogues e em livros, como demonstração dessa fixação, porque o ressentimento cresce com o tempo, sem que a catarse tenha sido feita. À força de “justificarem”, perante a sociedade e eles próprios, os anos de profissão naquelas guerras, perderam essa capacidade, a da catarse da participação de uma guerra injusta, impossível de vencer, iníqua nos meios utilizados e nos crimes cometidos, directamente ou com sua colaboração.


(&) – A Pide/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974, Dalila Cabrita Mateus, Ed Terramar, 2004. (***)

João Tunes

Nota: Este texto resulta da junção de outros dois, editados em:

- http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1592621.html

- http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/11/24/a-questao-mais-incomoda-da-guerra-colonial/

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
______________

Notas de L.G.:

(*) O João Tunes já publicou, desde 11 de Agosto de 2005, cerca de 35 postes no nosso blogue:

Vd. último postes:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (27): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4722: Depois da guerra, o stresse... da paz (4): Os dois piores anos da minha vida (João Tunes)

(**) Sobre a PIDE/DGS há 35 referências na II Série do nosso blogue e outras 15 na I Série. Cite-se, a título de exemplo:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5267: História de vida (17): Um homem no Cachil, Ilha do Como, CCAÇ 557, 1964 (José Augusto Rocha)

(...) Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo. Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo Monteiro, filho do exilado político Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva. (...)

19 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina

(...) Por sorte não fui comandar um Pelotão de Reconhecimento como aconteceu com a maior parte dos meus colegas do Pel Rec Inf de Mafra. Fui sim destinado às Informações, nomeadamente a Oficial de Informações do Comando de Agrupamento de Bafatá.

Entrando directamente na estória que hoje aqui me traz, começo por dizer que as minhas funções no Comando de Agrupamento eram na prática, e principalmente, receber, triar e registar de várias formas todas as notícias (informações) que iam chegando, normalmente via mensagens rádio referentes quer ao IN, quer às NT.

Abrindo aqui um parênteses, referirei que durante os dois anos em que lá exerci essas funções, nunca em caso algum tive qualquer contacto com elementos da PIDE, o que sempre achei estranho. Ainda bem que assim foi, mas não posso deixar de referir que essa indiferença por parte da PIDE era talvez um prenúncio da sua decadência, bem como do regíme que a sustentava. (...)


25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971 (Luís Graça)

(...) Nas conversas que tenho tido com ele, ao telefone, o Puim nunca refere a presença de nenhum agente da PIDE/DGS... Afirma categoricamemente que quem passou a revista ao seu quarto (de resto, partilhado pelo Dr. Vilar, o médico, também conhecido pela alcunha O Drácula), quem mexeu nos seus objectos pessoais, na sua mala... e quem confiscou o seu diário, foi o 2º comandante. De qualquer, a meticulosa e ominipresente PIDE/DGS averbou esta cena no ficha do Puim... O que sugere alguma promiscuidade entre a PIDE/DGS e a hierarquia militar...

Admito que a PIDE/DGS (de Bafatá) estivesse por detrás de tudo isto, ou pelo menos acompanhasse o processo do polémico capelão de Bamadinca... Mas como o Puim era um oficial miliciano e ainda por cima capelão, é natural que Bissau tenha dado ordem para ser a hierarquia militar a encarregar-se do caso... e não armar escândalo. Afinal, os tempos já eram outros... Spínola tinha a PIDE/DGS ao seu serviço, ou pelo menos sobre a sua tutela e protecção. (...)

[Vd. 17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)]

18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (31): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

(...) Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro. Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar.

A única alteração foi alterar o local da pistola Walther, pois esta estava sempre pendurada num cabide na parede do posto rádio. Nessa noite andou no coldre mas na cintura do militar.

Era um homem mais ou menos dos seus cinquenta e picos anos. Eram cerca das 3 horas e 30 minutos, depois de termos tido uma conversa, posso dizer de amigos. Olhei para ele, de olhos nos olhos, e notei o seu estado de fraqueza. Fiz-lhe a seguinte pergunta:
- Não tens fome? - Ao que ele respondeu com um sim tímido. Então disse-lhe:
- Fica aí sossegado, está bem ?!, que eu vou arranjar comida. (...)

10 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3593: História da CCAÇ 2679 (9): Boas recordações da PIDE (José Manuel Dinis)
 
(...) Em Buruntuma, localidade que acolhia uma Companhia do BArt 2857, sediado em Piche, sector L-4, havia um Agente daquela instituição que desenvolvia a sua actividade de compra e troca de informações, em regime de residência permanente. Todavia, apesar de independente da tropa e de exercer o seu importante mister com toda a autonomia, dependia do BArt para efeito de recebimento salarial. Nessas ocasiões, o individuo, de fraca figura, mas arguto e importante pela benção do regime, apanhava boleia numa das colunas de ligação a Piche, onde tinha o hábito de permanecer uma ou duas noites. (...)
 
4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3564: História de Vida (20): Meninos Soldados (Juvenal Amado)
 
(...) Filho de operário vidreiro, aí [, em Alcobaça,] comecei a moldar o meu sentimento político.

Uma madrugada ouvi bater as portas de carro, mesmo debaixo da janela do quarto, onde dormia mais o meu irmão. Em 1960 os carros eram raros e, que eu me lembre, no bairro não havia nenhum. As visitas não eram para nós, mas sim para a casa ao lado. Ouvi vozes graves, alguma turbulência, o choro de uma mulher, palavras nervosamente balbuciadas, várias pessoas entram no carro e este parte.

No dia a seguir apercebo-me, entre as meias palavras da minha tia e da minha mãe, que o senhor Loureiro tinha sido preso. Deixava a esposa e filhos num total desespero. O senhor Loureiro era operário vidreiro na Crisal. Era por demais reconhecido por toda a gente, que os vidreiros eram firmes opositores ao regime de Salazar. A Pide prendeu muitos militantes anti-salazaristas nessa altura e o senhor Loureiro foi um deles.

A partir daí passei a viver com o terror, de que viessem buscar o meu pai também, não que percebesse o porquê, mas na minha ingenuidade, pensei que prendessem todos os que fossem vidreiros. (...)

4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)

Carta, Bissau, 30/4/74

Querida mãezinha: (…) Isto aqui anda a ‘ferver’. Os africanos andam aos montes na cidade e partem montras e há porrada. Acabou a DGS e eles andam loucos de alegria, só querem é apanhar ex-membros da extinta DGS., que estão a ser evacuados da Província.

Andam com cartazes deste génerio: 'Abaixo a repressão / Abaixo a DGS / Viva Spínola, pai do nosso povo / Liberdade ao nosso povo', etc

Andam às centenas. Tropas às centenas (armadas até aos dentes) patrulham a cidade dia e noite, até dormem nas ruas com ração de combate. Parece Belfast. À noite não me atrevo a ir à cidade. É por isso que estou a escrever-lhe senão levava mais uns dias.(…)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3366: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) Em Tanéné fomos recebidos pelo camarada Tomás Queta, chefe da aldeia. Por seu intermédio, conseguimos falar com o camarada do Partido, Daudá Camará, de Cacoca. Depois de uma longa sessão informativa sobre a vida do Partido no chão dos nalús e mais particularmente sobre a sua organização do interior da região, o camarada Daudá Camará mereceu a nossa confiança. E foi assim que nós o encarregámos de uma missão junto do camarada Pedro Duarte, em Cacine.

No regresso, recebemos as seguintes informações:

(i) É difícil contactar o Duarte, é vigiado dia e noite por um Alferes Indiano, que trabalha no mesma repartição com o seu adjunto, um caboverdiano de nome Carvalho, que é um grande inimigo da nossa causa, juntamente com o régulo de Cacine, de seu nome Tomás Camará, igualmente nefasto.

(ii) A casa do Duarte é guardada dia e noite por soldados africanos; já não tem jipe de serviço, desloca-se agora num jipe do exército. A sua mulher, que o denunciou, regressou a 7/12/1961;

(iii) Todos os régulos nalus foram convocados a Cacine, para receber as seguintes informações: Supressão do sistema de registo de denominação indígena; deixa de haver distinção entre brancos e negros, tanto os grandes como os pequenos devem passar a possuir um bilhete de identidade de cidadão português; este bilhete de identidade deve ser pago, mas ainda não foi fixado o respectivo preço. Supressão do imposto indígena. O preço dos produtos agrícolas passam a ser fixados pelos proprietários (sic). As regiões convocadas foram Catió, Cacine, Buba, Fulacunda, Gadamael, Bedanda, Cacoca, Quitafine, Sanconhá, Camissoro, etc.,

(iv) Que é preciso ter muito atenção a Álvaro Queta, de Sanconhá, Munini Camará (Lumba jodo), de Cacoca, que são elementos muito perigosos da PIDE. Circulam por todas as regiões (do sul). (...)

7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3181: História de vida (17): A falsa Mariama, mandinga de Bambadinca, a sua filha, e o seu amigo... (Alberto Nascimento)

(...) Soubera, do muito comentado entre a população, caso do padre Grillo, e tinha ouvido falar do que se passara em Samba Silate, em Poindom e também se apercebera dos prisioneiros que os militares tinham feito nestas povoações, sem uma única crítica, somente uma grande preocupação pela segurança e futuro da filha, e sem deixar transparecer simpatia por qualquer das partes já em conflito, ou eu não quis ou não consegui entender...

Alguns dias antes da partida de Bambadinca para Bissau, a Mariama disse-me que tivera conhecimento que um rapaz de quem era amiga, e já não via há bastante tempo, estava preso em Bafatá “por ser contra os brancos”. Pediu-me que se parasse em Bafatá falasse com ele para lhe dar cumprimentos. Não sabia se era possível ter acesso à zona onde estavam os prisioneiros, mas prometi que faria o possível.

No dia da partida fizemos realmente uma paragem em Bafatá e um camarada indicou-me a prisão e até me elucidou, julgo que com verdade, sobre o destino dos presos que tinham um trapo atado ao pescoço, a marca dos que foram considerados mais activos nas acções contra colonialismo e, por conseguinte, sujeitos a maior pressão nos interrogatórios, que podiam determinar o seu fim.

Frente à grade da cela, como não o conhecia, pronunciei o seu nome. Aproximou-se e transmiti-lhe o recado que ouviu com um sorriso e agradeceu. Ele tinha o trapo no pescoço. (...)

10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3125: História de vida (15): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)

(...) Entre 1970 e 1973 foi estudante da Escola Industrial e Comercial de Bissau, tendo também trabalhado, em 72 e 73, como acompanhante na Ponte Cais de Bissau (trabalho nocturno); em 2 de Novembro de 1972 foi preso pela PIDE, por ordem expressa do General Spínola, na sequência de uma greve dos estudantes; em 8 de Maio de 1973 foi novamente preso pela PIDE, tendo sido condenado, em Setembro desse ano, a 3 anos de prisão e deportação para a Ilha das Galinhas (campo de concentração na Guiné para presos políticos). Foi libertado a 3 de Maio de 1974, na sequência do 25 de Abril.

Após a independência, foi dirigente da Juventude Africana Amilcar Cabral, tendo também trabalhado como funcionário público nos Arquivos da Segurança do Estado, entre Novembro de 1974 e Setembro de 1978, e sendo Comandante do Departamento Central da Migração em 1978-1980; foi preso em Novembro de 1980, depois do golpe de Nino Vieira de 14 de Novembro desse ano, tendo sido deportado, em Dezembro de 1982, para trabalhos forçados na ilha de Carache (nos Bijagós). Foi libertado em 1 de Maio de 1983, tendo fugido para o Senegal em Julho desse ano.

É exilado político na Suíça desde Novembro de 1983. A alcunha de "O Cote" foi-lhe dada pela PIDE, disse-me ele. Os seus pais eram empregados de um alemão, de nome Cote, que estava na Guiné, e começaram a chamar-lhe assim. E é o nome por que ficou conhecido entre os seus camaradas do PAIGC. (...)

17 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)

(...) O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.Obrigado, Alferes Mota. (...)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...
 
(...) Havia um PIDE, mais propriamente, um agente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado.

O PIDE estava instalado numa casa junto ao arame farpado do quartel e tinha uma mulher. Ter uma mulher era vulgar. Muitos tinham, também, mulher. Se não oficialmente, pelo menos oficiosamente. No caso do PIDE era a mulher oficial e estava ali naquela casa. Isso era proibido aos militares. Naquele lugar um tanto ou quanto perigoso.

Além disso, o PIDE tinha muitos informadores. Pagava-lhes para trazerem novas sobre as movimentações e intenções da insurreição política. Para ele tratava-se de insurreição política. Para os militares, se havia insurreição, era armada.

Além disso, o PIDE tinha antenas altas. Não era dessas. Eram mesmo antenas de comunicações. Telecomunicações, como agora se diz. Tinha, também, antenas horizontais, que ligavam as tais antenas altas à torre da igreja (das Missões). E, assim, falava com Bissau, ou com Lisboa, passando uma tangente sobre Bissau. (...)

Vd. também na I Série do Blogue:

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

29 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

20 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/4 - DCCLXXXVIII: Os crimes da Pide, dos comandos e dos camaradas (Pepito)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVI: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)

14 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVIII: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo

(***)  Vd. poste de João Tunes >

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1337: O campo de concentração da Ilha das Galinhas (João Tunes)

(...) Caro Luís e restantes camaradas,

Como era incontornável, o nosso blogue, cada vez mais rico e recheado de facetas mais encadeadas, assenta sobretudo na visão da guerra de um dos lados, o das NT. Não podia ser de outra forma. Mas, julgo eu, sobretudo a esta distância no tempo, não entenderemos o que passámos e lá estivemos a fazer, sem compreender o outro lado, o lado do IN. Só numa compreensão abrangente das duas metades, é que, nós e os guineenses, podemos ter a percepção da epopeia daquele drama comum e que nos ficou a unir.

Infelizmente, da parte do PAIGC, há uma exiguidade de produção histórica e tratamento documental e testemunhal sobre a sua luta. A par do facto terrível de que a grande maioria dos antigos combatentes do PAIGC ou morreu ou para lá caminha proximamente sem deixar lavrados os seus imprescindíveis relatos e testemunhos (é muito curto o horizonte de vida na Guiné). (...)

Entretanto, aproveitando para o divulgar e recomendar, saiu um livro importante da Dalila Cabrita Mateus em que ela apresenta um conjunto de depoimentos recolhidos e verificados junto dos prisioneiros africanos no período da guerra colonial. Julgo até que este livro é de leitura impositiva pois possibilita, coisa rara, que se oiçam vozes do sofrimento daqueles que combatemos e nos combateram.  O que é útil a vários níveis - permite-nos relativizar os nossos sofrimentos enquanto combatentes coloniais; traz à luz do dia uma bestialidade escondida no tratamento da pessoa humana que era o lastro do suporte ao nosso combate e sobrevivência. Sem aquilo, sem aquela PIDE, poucos de nós estaríamos aqui a escrever e a contar.

Uma parcela importante do livro de Dalila Cabrita Mateus é composta de entrevistas com prisioneiros da segunda fase de funcionamento do Campo de Concentração do Tarrafal (Ilha de Santiago - Cabo Verde). Como se sabe, o Campo (também conhecido como Campo da Morte Lenta) funcionou entre 1936 e 1954 para prisioneiros políticos portugueses e o seu encerramento deveu-se ao escândalo internacional devido à demasiada semelhança com os campos nazis. (...).

[ MATEUS, Dalila Cabrita - Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: Edições ASA. 2006. Colecção: Arquivos Históricos. 672 pp. Preço: 24 € ].

A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961-1974), Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar. 2004.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5437: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (24): João Turé de “puto” a Homem Grande


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 24ª mensagem, com data de 9 de Dezembro de 2009:


Camaradas,

Como no nosso blogue estão a aparecer ultimamente histórias de guineenses que lutaram pela nossa Bandeira e tiveram como "recompensa"o fuzilamento, lembrou-me de vos enviar um conto verídico - e não romanceado - com final feliz.

João Turé de “puto” a Homem Grande
Guiné 1965/Alcobaça 2009

Quem havia de dizer que 40 e tal anos depois dois indivíduos de uma velha fotografia da Guiné se iriam reencontrar a milhares de quilómetros de distância, na evocação do regresso de uma Companhia que tinha estado na Guerra do Ultramar no período de 1964 a 1966!!!

Dois indivíduos que, pela ordem natural da vida, se afastaram e que, até pela diferença de idades, tinham tudo para viver... desencontrados!

Mas assim não aconteceu.

O miúdo em primeiro plano na foto, de veste azul, João Lássana Turé, tinha então 8 anos de idade. De raça mandinga tinha nascido em Binta, Norte da Guiné, então Província do Império Português, que se espalhava pelo Mundo, do Minho a Timor!!!

João Turé está acompanhado na fotografia de um irmão e primos.

O outro indivíduo, de camuflado verde, Furriel Oliveira, então um jovem militar de 24 anos, tinha nascido em Alcobaça.

E o que aconteceu ao João Turé depois daqueles militares terem saído da sua terra em Maio de 1966?Muita coisa – que quase daria para escrever um livro ou fazer um filme – mas encurtando “páginas e/ou imagens” pode-se resumir assim a vida daquele miúdo que, embora protagonista de muitos e variados dramas, consegue ser hoje uma pessoa de riso fácil, sem ressentimentos em relação às “coisas más” que lhe calharam na sorte até agora...

E quando já ultrapassou o meio século (conta 53 anos de idade feitos em 13 de Março de 2009).

À (relativa) estabilidade que os militares da CCaç 675 conseguiram para a sua aldeia, nomeadamente no segundo ano da sua acção da zona – o primeiro ano foi fértil em “acções de fogo” na quadrícula da Companhia, com algumas flagelações ao quartel de Binta – deixaram--lhe uma boa recordação – a si e aos seus familiares.

Com efeito a “tropa do Capitão de Binta” deixou saudades pelas melhorias que deixou na aldeia ao nível sanitário e social.Recuperou cerca de 900 antigos residentes, que tinham fugido para o Senegal, ajudando as populações na recuperação da aldeia (“a tabanca”) e das suas habitações ( “as moranças”), nas sementeiras e na pesca a aldeia situava-se junto ao Rio Cacheu).

Abrem-se ruas, faz-se um pequeno campo de aviação de terra batida (onde aterram e levantam avionetas tipo DO), um furo de captação de água, uma escola, uma enfermaria, uma capela, um campo de futebol e... depois de muitas canseiras... acordamos todos os dias numa povoação modelo onde, ao domingo, é hasteada, com a pompa possível, a Bandeira.

A Bandeira de Portugal.

Os militares da “675” trouxeram a paz e a dignidade a quem tinha andado fugido da guerra... !

Muita(s) da(s) história(s) da “guerra colonial” passaram por estas acções que não mais foram esquecidas pelas populações nativas.

Se não fosse assim porque é que hoje o João Turé procura e se sente em família com os antigos militares da CCaç 675, que estiveram na sua terra entre Junho de 1964 e Maio de 1966!? João Turé, que ainda viveu na sua aldeia até aos 16-17 anos, e conheceu militares de outras Companhias que passaram por Binta.

Depois da “675” voltaram os tempos difíceis pois a guerra instalou-se com redobrada dureza na zona Norte da Guiné (Binta ficava apenas a 20 Kms da fronteira com o Senegal).

Cresceu na inquietação da guerra com quem se habituou a conviver.

Um dia – anos mais tarde – vai para Bissau estudar e completa o antigo 5º. Ano do Curso Comercial.

Depois frequenta durante 12 meses o Curso de Fuzileiros Especiais em Bolama, fazendo uma pequena “batota” com a data do seu nascimento para ser admitido na vida militar.

É um militar distinto nesta tropa de elite onde até 1974 entra em mais de 140 acções especiais (desembarques e combates em todo o território) debaixo das ordens do Comandante Amadeu Cardoso Anaia.Foi louvado pelo Comandante do Dest. Fuz. Especiais nº. 22, em 5 de Outubro de 1973, que além de referir o seu excelente desempenho como encarregado de secretaria do destacamento, destaca ainda a sua grande coragem como operacional.

É um excelente atirador de ALG’s, arma que domina como poucos. A sua impetuosidade em combate e a sua serena energia debaixo de fogo são particularmente salientadas neste louvor, de que o João Turé particularmente se orgulha.

Casa com Binta Turé (natural da sua aldeia) em 8 de Abril de 1974.

Dá-se pouco depois a Revolução de 25 de Abril de 1974 e, poucos meses depois, é preso em Bissau pela Segurança do PAIGC.É acusado de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas como fuzileiro e ter, eventualmente, conhecimento de “segredos militares” por ter desempenhado funções na Secretaria do Comando da Companhia.

Abandonado à sua sorte tem mais sorte que muitos guineenses que serviram o Exército Português e que são então perseguidos e fuzilados.

Quantos?! Ainda hoje não se sabe!

Mas não é seguramente uma página de ouro da história recente de Portugal que não soube proteger quem serviu sob a sua Bandeira!

João Turé cumpriu 9 meses de prisão – sem ser julgado – é libertado e “desenrasca-se” no novo País.

O seu País – a Guiné-Bissau – de que tem orgulho e onde continuam muitos familiares.

E depois de alguns anos sem “grandes recordações” vem para Portugal.

Chega sozinho em Agosto de 1982 e consegue emprego como escriturário na Secção de Contabilidade dos “Explosivos da Trafaria”.

Há alguma ironia do destino nesta fase da sua vida.Depois de vida explosiva (e de acção nos fuzileiros) vem trabalhar com papéis que dizem respeito a explosivos... para construção.

Continuou no ramo e passados dois anos já faz parte do sector comercial.

Estabiliza a sua vida e a sua família, já aumentada com quatro filhos, vive consigo na região da Amadora e cresce longe da “sua” Guiné.

Em 1990 transfere-se para a SPEL – Sociedade Portuguesa de Explosivos, S.A.

Trabalha duramente e em 1992 já tem responsabilidades no Departamento de Vendas. É aliás o principal responsável para os Distritos de Lisboa e de Leiria.

Nada mau para um rapaz de Binta, uma aldeia a 80 kms da Foz do Rio Cacheu, no Norte da Guiné!A vida não é só trabalho e vai de vez em quando visitar o seu País Novo, onde ainda vivem a sua mãe e seus irmãos.

Acompanha com interesse tudo o que se passa na sua Terra e... tem esperança. Esperança em melhores dias.

E um dia... muitos e muito anos mais tarde encontra os “tios mais velhos” da “675”.

Velhotes, carecas, barrigudos mas... encantados de reencontrarem o “puto” Turé.

Estamos então em Maio de 2001.A Companhia festeja em Évora os “seus” 35 anos do regresso da Guiné e o João Turé é recebido como “um Homem Grande”.

Na noite desse dia memorável este reencontro com os militares da 675 “abre” o telejornal da TVI.

João Turé assume-se publicamente como guineense e português e refere que a sua gente muito ficou a dever “à tropa do capitão de Binta”!

A reedição desse “momento mágico” voltou a acontecer noutros convívios dos ex-combatentes da “675 que todos os anos se reúnem no primeiro (ou segundo) domingo de Maio. Aconteceu também em 5 Maio de 2009 em Alcobaça no lançamento do livro “GOLPES DE|MÃO’s”.

João Turé usou da palavra e foi aplaudido de pé.
Numa vida em que, por vezes, os grandes valores são “outros” sabe bem recordar que a guerra não se fez só com tiros e que há “miúdos” que ainda hoje respeitam (e se sentem bem) junto dos “velhos combatentes”.

João para o próximo ano o nosso convívio é em Aveiro.

Vai calhar a vez ao nosso Furriel “Juca”, também conhecido por António Miranda Soares Correis.

Até lá não tem nada que saber: A AMIZADE NUNCA CEDERÁ.

675 SEMPRE!

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5436: Notas de leitura (43): Operação Mar Verde, Um documento para a história, de António Luís Marinho (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Aqui vai a recensão do livro sobre a Operação «Mar Verde», talvez o relato mais completo.

Agora vou ler o romance do Luís Rosa, que acaba de sair, para a semana dou notícias.

Um abraço do
Mário


A última grande batalha naval de Portugal

Beja Santos

Tudo leva a crer que Alpoim Calvão, um dos mais condecorados oficiais que fizeram a guerra colonial, não gosta de falar na primeira pessoa do singular. Logo em 1976, surgiu o livro “De Conacri ao MDLP”, Calvão deu uma entrevista onde falou largamente sobre a sua infância e juventude, a vida na Armada, a história das suas duas comissões na Guiné, o seu trabalho no Serviço de Informações que ele próprio criou e dirigiu até ao 25 de Abril, as actividades do MDLP, onde ele colaborou directamente com Spínola. Há hoje um conjunto de obras que referem as suas façanhas, certamente que Calvão aqui e acolá dá informações e presta esclarecimentos, mas não possuímos nenhum relato assinado pelo seu punho do que realmente se passou nos diferentes “golpes de mão” que ele liderou com tanto êxito no Sul da Guiné bem como na operação “Mar Verde”, destinada a inverter o curso da História, mudando o regime político da República da Guiné, onde se passaria a hostilizar o PAIGC, capturando ou aniquilando os seus dirigentes máximos. Calvão parece que cultiva o mito de deixar aos outros a narrativa do seu heroísmo.

Operação Mar Verde, Um documento para a história”, é muito provavelmente o relato mais completo sobre a Operação da invasão de Conacri, é desencadeada em 22 de Novembro de 1970 (por António Luís Marinho, Círculo de Leitores, 2005). Calvão não é alheio à obra, escrevendo a introdução, concedendo vários depoimentos que aparecem ao longo do livro.

O relato inicia-se com os dados curriculares de Alpoim Calvão, voltamos ao teatro de operações da Guiné em 1963 onde ele, como Comandante do Destacamento 8, se notabilizou. O autor revela o papel desempenhado pelo diplomata Luís Gonzaga Ferreira, colocado em Dakar em 1961, que tudo fez para sentar à mesa das negociações os representantes do Governo de Salazar com líderes do PAIGC. Descreve-se o início da luta armada (mais uma vez verificamos existir uma lacuna que ninguém parece saber preencher, e que é a explicação do sucesso organizativo que levou o PAIGC a conseguir a desarticulação do território, deixando-o dividido entre “zonas libertadas” e territórios sob influência portuguesa, entre 1963 e 1964), a desarticulação dos grupos guineenses hostis ao PAIGC, a participação de Calvão na Operação Tridente, a crescente capacidade de manobra do PAIGC, fortalecido por uma cena internacional onde a ONU condenava com cada vez mais vigor a política de Portugal em África. Em Fevereiro de 1969, Calvão desembarca de novo em Bissau. Spínola entusiasma-se com as suas propostas em atacar o PAIGC num ponto onde este é mais vulnerável, o controlo e a navegação nos rios. Nas Operações Nebulosa e Gata Brava, Calvão e os seus homens destroem embarcações, apreendem armamento, aniquilam tripulantes. O PAIGC, temporariamente, vê-se obrigado a reformular a sua presença nos rios do Sul da Guiné.

Em finais de Agosto de 1969, Calvão propõe a Spínola uma Operação altamente sensível: ir até Conacri, libertar os prisioneiros militares portugueses e destruir a força naval do PAIGC. De repente, o quadro de operação altera-se, Spínola anunciou a Calvão que elementos dissidentes do regime de Sékou Touré tinham solicitado apoio para um golpe de Estado. Foi assim que nasceu a Operação Mar Verde: apoiar um golpe de Estado e apear Sékou Touré, desmantelar as instalações do PAIGC, aprisionar Amílcar Cabral e libertar os 26 militares portugueses detidos nas prisões do PAIGC, também em Conacri. Silva Cunha opôs-se, Marcello Caetano deu o seu apoio. Em Janeiro de 1970, a Operação estava em marcha: estabeleceu-se na ilha de Soga (arquipélago dos Bijagós) a base operacional para treinos; Calvão percorreu várias cidades europeias acompanhado pelo inspector da PIDE, Matos Rodrigues, onde contactou dissidentes de Sékou Touré; nos bastidores trabalhou-se com esses dirigentes para formar um novo Governo de Conacri; recrutaram-se tropas em diversos países de África, como a Serra Leoa, Gâmbia e Senegal (ao que parece, ninguém reparou que os dissidentes eram líderes de opereta e que os militares não estiveram devidamente informados até ao fim do que é que iam fazer a Conacri; fabricaram-se fardamentos especiais para as tropas invasoras e comprou-se armamento em países do Leste.

O que se passou na ilha de Soga parece um romance de Kafka: para lá convergem uma Companhia de Comandos Africana e um Destacamento de Fuzileiros Africanos, duas centenas de rebeldes guineenses, os colaboradores de Calvão, quando estão todos juntos começam os protestos e descobrem-se várias lacunas. Algumas delas, ir-se-ão revelar fatais para o desfecho da Operação. Os Comandos Africanos mostraram-se reticentes em ir até à Guiné Conacri, o seu coordenador, o Major Leal de Almeida disse categoricamente que não ia invadir um país estrangeiro. É nesta atmosfera pesada que Spínola faz uma arenga às tropas, os barcos põem-se a caminho e pelas 9 da noite de 22 de Novembro, a força naval avista Conacri.

Como já se escreveu muitas vezes, encontrou-se o aeroporto às moscas (os temíveis MIG não estavam lá), desactivou-se a central eléctrica, quem ia procurar conquistar a emissora nunca lá chegou, os barcos do PAIGC foram todos destruídos, os prisioneiros portugueses foram libertados, nunca se encontrou nem Sékou Touré nem Amílcar Cabral (se bem que a sua residência tenha sido danificada, o que dá que pensar que tipo de captura se pretendia deste líder). A Operação semeou o pânico em Conacri mas Calvão, durante a madrugada, consciente dos grandes riscos de se manter numa cidade sem a poder conquistar, e estando abortado o golpe de Estado, mandou retirar, ainda por cima com uma baixa terrível que foi a deserção do Tenente Januário Lopes e dos seus homens. Mais tarde, os rebeldes da República da Guiné irão ser internados no seu próprio território, presos e executados.

Para o Governo de Caetano, iniciava-se um pesadelo diplomático. Sékou Touré deu jus à sua imagem de tirano diabólico, começaram as atrocidades, os interrogatórios iníquos e a caça às bruxas. Spínola ficou profundamente desapontado, percebeu que o fracasso iria ter consequências no curto e médio prazo: admoestou uns, enfureceu-se com outros, nasceu nesse momento a directiva para proteger Bissau de eventuais ataques aéreos, Spínola temeu retaliações. Calvão mostrou-se e mostra-se orgulhoso dos resultados, sobretudo face à libertação dos militares portugueses. Mas a factura diplomática foi pesadíssima, o PAIGC reacendeu os seus ataques e sentiu-se motivado a pedir armamento mais sofisticado dos países de Leste. Como se sabe, no início de 1972 começou a formação de pilotos aéreos, os soviéticos redobraram o apoio à preparação de futuros oficiais navais, chegou armamento mais sofisticado, anunciou-se a oferta de mísseis Strella, etc.

O livro de António Luís Marinho inclui um conjunto de anexos muito úteis para entender a evolução na guerra da Guiné a partir de 1970, a saber o documento “A solução do problema na Guiné”, de autoria do Comando-Chefe; diferentes relatórios da Operação Mar Verde, a Directiva da defesa de Bissau, na sequência da previsão de ataques aéreos, entre outros.

O livro ficará na propriedade do blogue.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5425: Notas de leitura (42): Reportagem, Uma Antologia, de José Vegar (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)



Texto de Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69, enviado em mensagem com data de 4 de Dezembro de 2009, relembrando uma data marcante, o dia de embarque no Uige que o traria definitivamente ao solo pátrio depois de 23 meses de comissão.





4 DE DEZEMBRO DE 1969
Há quarenta anos


Há quarenta anos que, a um quatro de Dezembro, embarquei no Uíge a caminho de minha Pátria, do meu País. Vinte e três meses depois de ter na Guiné desembarcado. Parecia que fora há muitos anos e só dois, menos do que dois, tinham passado. Vinha indelevelmente marcado. Era outro que naquele dia regressara. Quarenta anos se passaram e sempre este dia e o dez de Dezembro, por mim foram recordados.

Lembro o dia a amanhecer, quente, as gentes atarefadas a embrulhar as trouxas, o 1.º Sargento a querer mais umas assinaturas, a incerteza se embarcava ou ficava na Comissão Liquidatária. Evidentemente, quer eu quer os profissionais da Companhia torciam pela minha partida.Obviamente.

Juntamo-nos nas traseiras dos Comandos e recordo dois amigos da 15.ª ou 16.ª a chamarem pelo meu nome. Despedimo-nos e depois foi a formatura, ouvir uns discursos, o desfile com a fanfarra à frente e nós a não sabermos já acertar o passo, ou, num marchar desengonsado e esquecido. Lá fomos a marchar e a bater pés, a olhar à direita em cumprimento a gentes no palanque postadas. Fartos, mais que fartos com aquela cerimónia toda. Pior que ida ao Poidom...

Juntamo-nos e embarcamos em viaturas ali colocadas. Destino o cais com o Uíge à vista.


Depois foi a espera, a distribuição de uma ração diferente e melhor.
O protesto de alguns:
- Agora é que dão disto?

Eu e todos esperavamos e desesperavamos. Mais eu porque olhava para todas as viaturas que ali chegavam. Ai que ainda recebo ordem de voltar atrás... e foi o tempo passando... finalmente a ordem de embarque. Primeiro para umas lanchas e depois para o Uíge que, devido ao calado, tinha do cais ficado afastado. E fui a medo, quase no tente não caias e subi as escadas. Instalei-me e esperei e o barco não partia, não partia e havia ainda gentes a irem e virem... que merda, que merda e fui até ao camarote. Olhava para a mala e os sacos... arrumo ou não?

Esperei e fumava. Bebida ká tem e o bar fechado. Sacanas. Quase sem dar por isso senti o barco a afastar-se e vim ver... e Bissau a ficar mais além, mais ao longe. Agora já não me vêm buscar e não vieram e o mar veio chegando e nós nele entrando.

Que coisa boa aí vou eu e muitos mais, não todos infelizmente, não todos.

A dez, seis dias depois chegamos, diferentes, olhares meio assustados, envelhecidos por dois anos ou por duas dezenas? Não sei. Todos os anos recordo aquele dia, o último em terra da Guiné e nunca mais voltei ou voltarei - nunca digas nunca? Não, não voltarei. Tenho saudades da Gente das Tabancas, dos homens que comigo andaram no mato e muito me ensinaram, das mulheres ou de algumas que comigo se deitaram ou não e das crianças, das crianças lindas que eram o fruto do amor daquele Povo. Ainda recordo o respeito que tinham pelos mais velhos, os velhos, certamente mais novos do que eu sou hoje, a quem uns parvos chamam sénior para não dizerem descartável...

Adeus Guiné. Abraço o teu Povo das Tabancas, abraço os Militares que comigo vieram e, se acreditasse na vida do além abraçava quem não veio... Assim curvo-me em respeito à sua memória.

Espero recordar muitos 4 de Dezembro e que outros o possam igualmente fazer.

Meus Caros Editores aí vai o meu regresso à Lusa Pátria. Fui escrevendo ao sabor da tecla...

Abraços para todos e o mail qual é? Deu-me esta droga... depois vejo...

AB do TM
Torcato Mendonça
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5281: Blogoterapia (128): (Im)possível regress(ã)o (Torcato Mendonça, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3470: Os nossos regressos (18): Desenraizados, nas esplanadas das Lisboas deste País...(Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P5434: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (16): Guileje não caiu, foi abandonado (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de hoje, 9 de Dezembro de 2009:

Olá Carlos Vinhal,
Mais uma vez o dossiê Guileje aqueceu. Insuficiente, porém, para derreter a neve que cobre a Vila de Stoughton. Apraz-me registar que os comentários ao poste do ex-Furriel Alfaiate foram bastante comedidos.

Nunca me referi a este caso. Sempre entendi que muitos dos nossos camaradas tinham tido o cuidado de, a favor ou contra, terem escalpelizado este assunto até ao ponto de saturação.

O ex-furriel Alfaiate trouxe-nos mais uma achega, se quisermos uma acha para a fogueira. E se é certo que o conteúdo envereda pelo mesmo diapasão de outros escritos anteriormente postados no blogue, a forma como escreveu foi, no mínimo, deselegante e mesmo desleal, não se coibindo de ofender um camarada de luta, neste caso o Constantino. Tenho a certeza que o ex-Furriel Alfaiate mais tarde ou mais cedo reconhecerá o seu deslize. E ficar-lhe-á muito bem. E nós estaremos aqui para o aplaudir.

Em anexo encontrarás um escrito meu. Com o que escrevi não pretendo relançar este dossier noutra direcção, e muito menos criar mais um problema para o blogue.

Deixo-te à vontade para fazeres dele o que quiseres. Publicá-lo como poste, publicá-lo como comentário ao Poste do ex-Fur Alfaiate, ou pura e simplesmente pô-lo no lixo. Nem tens que dar explicações se esta última hipótese for a escolhida. Não me preocupo com coisas assim pois entendo que o bem estar colectivo do blogue é, de longe, muito mais importante que a vontade das partes.

Com votos de muita saúde.
Um abraço do tamanho do oceano,
José Câmara


Guileje não caiu, foi abandonado

Camaradas:
Quando aconteceu o caso Guileje já eu estava nos Açores a contar os dias para emigrar para os EUA. Por lá dizia-se o quartel de Guileje caiu. Era, desta forma dita, a primeira vez que acontecia a um quartel de tropa regular no TO da Guiné. Não interessa o que então senti.

Depois de emigrar, e durante muitos anos, fiquei sem saber o que então acontecera. Guileje não caiu! Foi, independentemente das circunstâncias, abandonado pelas nossas tropas. Soube-o muito mais tarde.

Também confesso que não li o livro do Major Coutinho e Lima, e a minha informação é toda ela dos depoimentos das pessoas que por lá andaram e daqueles que têm comentado este abandono. Aqui, neste blogue.

O dossier Guileje tem causado discórdia e controvérsia apaixonantes entre os que defendem a posição assumida e aqueles que dela discordam. Entre os postes publicados e os comentários, um dos pontos mais quentes é aquele em que opõe o direito à verdade dos que lá estavam acima daqueles que apenas ouviram falar do caso.

Nada mais errado! A verdade é de quem a diz e, neste caso, de quem a escreve. Qualquer verdade será tanto mais firme e lícita quando melhor puder sobreviver ao contraditório.

Independentemente dos pontos de vista de cada lado, direi o seguinte. Fomos todos treinados (bem ou mal) para enfrentar situações adversas. E, os graduados treinaram as suas tropas para os ajudarem a produzir o melhor trabalho possível em circunstâncias muitas vezes imprivisíveis. Guileje foi um caso difícil, mas não único. Guidaje e Gadamael falam por si. Com estratégias diferentes os resultados foram diferentes.

A partir daqui terei que assumir princípios básicos que a consciência me dita. Não conheço nenhum dos intervenientes, e não me passaria nunca pela cabeça pensar que um oficial do exército português, neste caso o Major Coutinho e Lima, tivesse tomado a atitude inglória de se acobardar perante a monstruosidade de uma possível carnificina. Dito isso, também tenho a certeza que os graduados de Guileje ao solidarizarem-se com o seu comandante partiram, na altura, do princípio que era a melhor solução.

Em quase todos os postos de referência escritos pelos que lá estiveram, o que mais me chama a atenção é a unicidade de que não havia outra solução. Ponto em discordância é o artigo do Constantino que, tal como os outros, viveu o mesmo problema. Só que o não sentiu da mesma maneira. Agora há que acrescentar o poste do ex-Fur Mil Trms Victor Alfaiate. Alguns aspectos do conteúdo e da forma utilizada para os descrever são, no melhor das palavras que poderia usar para os qualificar, deselegantes.

Vamos começar pelas fotografias que mais me chamaram a atenção. Não só do poste do ex-Fur Alfaiate. São imagens falantes e, como tal, não é a minha intenção qualificar, individualmente, qualquer das fotografias.

Numa das fotografias, publicada pelo ex-Fur José Casimiro, aparece um grupo de militares em calção, sem camisa e sem nenhuma arma à vista, mostrando uma moto-bomba junto ao poço abastecedor de água, a cerca de 4 kms do quartel, e cujo itinerário era, assim percebi, frequentemente emboscado.

No poste do ex-Fur Alfaiate aparece duas fotografias falantes. As tropas em fila indiana, de mala nas mãos ou às costas, armas a tiracolo, e encaixadas com os populares civis (mulheres e crianças). Numa dessas fotografias é bem visível uma viatura ao lado da coluna.

Em fotografias de diferentes épocas é notório que, à medida que o tempo passou, o quartel estagnou. E as árvores de grande porte que dividiam o quartel das tabancas lá continuaram como ponto de referência de tiro para o IN, em caso de postos de observação adiantados. A descapinação também se manteve ao mesmo nível.

Das defesas dos quartéis, passando pelos abrigos, havia em Guileje pelo menos, quatro abrigos em cimento armado, construídos pela Engenharia e que eram, segundo alguns, à prova de foguetões 122. Os demais abrigos eram semelhantes àqueles que, falo por mim, encontrei pelos aquartelamentos onde passei. Buracos no chão com grandes troncos de palmeira e árvores a servirem de suporte, massame por cima.
A saída de um grupo reduzido em patrulha de reconhecimento (julgo eu) num terreno extremamente perigoso que, ao ser emboscado, resulta em algumas mortes.

A chegada do Major Coutinho e Lima, a pé, e atravessando uma zona (escaldante) cercada, segundo o poste do ex-Fur Alfaiate, pelo PAIGC.

E usando as palavras do referido furriel, os civis tinham tomado lugar nos abrigos, onde por razões fisiológicas o cheiro era nauseabundo.

Acrescenta ainda que, a voz discordante vem do Constantino que perdeu a oportunidade de ser um herói (morto).

E por último o ex-Furriel Alfaiate não se coíbe de acusar a Força Aérea de ter sido ineficaz na ajuda a Guileje.

Estes pontos são suficientes para eu chegar a uma conclusão, não acusatória, mas de dúvida. Continuo a acreditar que a história, tal como tem vindo a ser contada, não se coaduna com os básicos princípios de defesa e ética militares (obrigados ou não).

Começando pelas fotografias, onde estavam os princípios básicos de segurança no poço de água? E no itinerário vestiam os camuflados?

Ao saírem de Guileje com as armas a tiracolo, para dar lugar às malas, quando se sabia que o quartel estava cercado? Pergunto, e julgo que a pergunta é legítima, se os militares que deixaram Guileje naquele dia estiveram expostos a uma inconsciência colectiva?

No enquadramento de militares e civis (sobretudo crianças e mulheres) , estiveram os militares expostos a uma falta de ética militar que qualquer exército regular e digno respeita?

No abandono do quartel, onde o silêncio deveria ser condição fundamental no sucesso da operação, como foi possível que cerca de 800 pessoas rompessem o cerco sem que os guerrilheiros do PAIGC dessem por isso? E, se deduzi bem (da observação de uma viatura na fotografia), com viatura(s) a acompanhar?

Se o quartel estava cercado, como se justifica que os guerrilheiros do PAIGC tenha continuado a bombardear (e a cercar) o quartel durante mais 3 dias? Não me peçam para perguntar a eles. Já o podiam ter feito, e oportunidades não faltaram para isso.

Como foi possível consertar, montar e hastear a antena de radio sempre que era derrubada, mas não era possível despejar os vasilhames (parto de principio que haveria algum tipo de vasilhame nos abrigos) das necessidades fisiológicas?

Como se compreende que, a pedido do próprio Major Coutinho e Lima, os patrulhamentos tenham sido reduzidos, para que as tropas pudessem beneficiar o quartel, e afinal os melhoramentos principais – abrigos - não tenham sido efectuados (afirmação feita de que havia alguns abrigos com falhas de suporte)?

Em Guileje, de quem era a responsabilidade de trazer o armamento e respectivas munições para a defesa do quartel? Por onde andei, essa responsabilidade cabia às forças que lá estavam.

Os obuses estiveram calados. Foi só porque não tinham muitas munições e não tinham o tiro regulado?

A defesa de qualquer quartel é de quem lá está. É da sua responsabilidade criar as condições suficientes para sobreviverem para além do dia a dia. Não pretendo, aqui, escamotear a dificuldade porque passaram. Mas, em consciência, foram tomadas as diligências suficientes para o que desse e viesse?

A Guiné não era só Guileje. As nossas tropas especiais que, nem eram muitas, estavam espalhadas pela Província em diferentes patamares de necessidade. Não era de um dia para o outro que se fazia deslocar tropas de pontos sensíveis, para socorrer outros.
Havia que dar espaço (tempo) de manobra suficiente. Em consciência isso foi feito?

Da morte, infeliz e possivelmente por falta de apoio, é afirmado que ficaram todos abalados. Não era a responsabilidade dos comandantes a todos os níveis, chorarem por dentro, e por fora incentivar, apoiar e animar os seus comandados?

Quanto à Força Aérea devo dizer que, pessoalmente, nunca tive que pedir o seu auxílio. Mas é do nosso conhecimento quão preciosa foi a abnegação dos pilotos e das enfermeiras pára-quedistas no TO da Guiné. A eles, com risco das suas próprias vidas e das suas aeronaves, se ficaram a dever muitas vidas, e é verdade o correio, os víveres e porque não algumas douradas. Aqui e ali uma boleiazinha até Bissau também dava jeito quando tínhamos que apanhar o avião para férias.

Uma palavra para a referência que é feita ao Constantino: “pelos vistos terá um certo sentimento de frustração por não ter sido herói (morto)”. Mal de nós se, em democracia, não nos sujeitássemos ao contraditório. Neste caso, o Constantino usou do seu direito ao contraditório. No entender dele foi-lhe vedado o direito de ter sido um herói (morto) e, também, de o ter sido (vivo). Onde está o mal para que a sua premissa não seja igualmente respeitada?

A decisão de abandonar Guileje foi tomada. A história a julgará. Para o bem segundo a maioria das vozes dos elementos da CCAV 8350 que neste blogue se têm manifestado.

Não contesto o vosso sentir. Arrepio-me, isso sim, com a mentalidade de única verdade possível que alardeais.

Deixo-vos com um comentário que o nosso camarada Cap Mil Vasco da Gama escreveu a um comentário que nada tinha a ver com Guileje, mas que julgo de todo pertinente aqui:

“Bom é aquele que não dá lições de história (…….) e que é constantemente assaltado por dúvidas...
Os das "certezas absolutas, "sopradas" ou não", jamais evoluirão...e serão "os grandes mestres da razão", deixá-los ser...”.


Um abraço de respeito por todos aqueles que sofreram (e continuam a sofrer) os efeitos de Guileje,
José Câmara

(Título da responsabilidade do editor)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5356: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (9): Histórias palacianas: tiros indiscretos...

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5433: Comentários que merecem ser postes (11): O Viegas contava apenas 21 anos; não vai escrever a mais ninguém (A. Graça de Abreu, CAOP1, Mansoa, 1973)

1. Comentário do António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74)  ao poste de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5431: O Nosso Livro de Visitas (73): Doce lembrança do meu tio José Raimundo, da 38ª CComandos, Os Leopardos, natural da Azambuja, morto em Guidaje em 12/5/73 (Isabel Conde



O soldado condutor que perdeu a vida ao lado do Raimundo era o David Ferreira Viegas.


No meu Diário da Guiné, em Mansoa, logo após aqueles dias tenebrosos, escrevi assim a seu respeito:

Lá (em Guidaje) morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do nosso CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.


Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.


Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:


0 2 3 4 4 5 5
___________
4 7 8 0


A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:


“Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem?"


O David Ferreira Viegas, contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

Guiné 63/74 - P5432: FAP (39): Guileje, outra vez?!... (António Martins de Matos)


1. Mensagem de António Martins Matos (ex-Ten Pilav, BA12, 1972/74)  com data de 7 do corrente:
Assunto - Poste 5417

Amigo  Luís Graça


 Confesso ter ficado surpreendido e desagradado com a leitura do poste 5417 do Victor Alfaiate [VA] (*). Surpreendido porque julgava que já tudo tinha sido dito acerca do Guileje e que a nova edição de comentários apenas se iria dar quando o documentário "A Guerra" do Joaquim Furtado abordasse o tema.


Surpreendido pelo ataque directo que o VA me dirige. Surpreendido porque, quando em Setembro de 1974 o encontrei fortuitamente no Restaurante das Marés onde trabalhava, me contou uma outra visão dos acontecimentos.


Surpreendido finalmente pelo facto dos editores do blogue não me terem dado conhecimento de um texto a todos os títulos ofensivo e que me era especialmente dirigido, procedimento contrário ao que têm feito habitualmente.


Desagradado pelo chorrilho de considerações que o seu autor faz, confirmando o ditado: "Quem te manda a ti,  sapateiro,  tocar rabecão".


Podia rebater o seu post ponto por ponto mas, porque a paciência também tem limites, vou apenas pegar nos que me parecem mais evidentes. Assim:


Artilharia: Substituição e regulação


Não foram "os senhores de Bissau" que ordenaram a substituição da artilharia de 11,4 [pela de]  14, foi o próprio Maj Coutinho e Lima [CL], conforme ele o descreve no seu livro "A Retirada  de Guileje",  a páginas 25.
Ao ler-se o livro com atenção chega-se à conclusão que, primeiro deixou ir para Gadamael as peças de 11,4, ficando completamente indefeso, só depois recebeu as de 14.


Se a troca foi mal concebida, mal planeada e pior executada, (uma das peças até vinha inoperativa) não foi certamente por culpa da Força Aérea [FAP].


E a regulação? No seu livro CL escreve várias vezes que a regulação não foi feita por culpa da FAP
Para a regulação do tiro a observação aérea é uma mais valia mas não é imprescindível (as guerras não param para se regular a artilharia,... ou param?).


Ainda assim podia ter sido feita, os aviões da FAP só tinham a limitação de aterrar em Guileje, podiam voar sobre o quartel, como sempre o fizeram (dizer o contrário é uma mentira baixa, mesquinha).


As peças chegaram a 18 de Maio [de 1973], o Comandante ausentou-se entre 19 e 21Maio, abandonou o quartel em 22 (pag 71 do livro do CL).


Quando é que pediu a regulação de tiro?


A regulação não foi feita mas também não foi pedida. (O livro do CL que é tão exaustivo no escalonamento de mensagens,  não mostra qualquer pedido)


 FAP: Apoio de fogos


No que respeita aos apoios de fogo, quando os Fiats chegavam a um quartel em dificuldades e ao ser estabelecido o contacto rádio, o que o piloto precisava saber era:


- de onde vinha a direcção do ataque,
- com que tipo de arma,
- há quanto tempo tinha ocorrido.
- se havia tropa fora, no mato.


Este cheklist sempre foi usado com sucesso em toda a Guiné, por todos os aquartelamentos (Guileje incluído) e, inclusive muitos dos nossos tertulianos que estiveram directamente envolvidos em acções semelhantes, sabem do que me refiro.


A história de os aviões voarem alto ou baixo não tem a ver com o medo dos pilotos como é insinuado pelo VA e, volta não volta, por outros  TEPONs (Técnicos de Porra Nenhuma), mas sim por causa do armamento que levam.


E não venham com a estafada de que não foram apoiados, pois entre 19 e 21 de Maio a FAP (com seis pilotos) efectuou 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.


Dizer "bombardeiem todas as matas à volta do quartel" revelou no mínimo a incompetência de quem deu essa informação pois é por demais evidente que os aviões levando 4 bombas não podiam satisfazer um pedido semelhante.


Tal como as cerejas nos bolos, este disparate é inclusive confirmado pelo próprio Major CL no seu livro (página 177) quando afirma que "quem tenha feito este pedido demonstrou não fazer a mínima ideia do que estava a solicitar". (Obrigado, CL, a verdade a vir ao de ciima).


É no mínimo aberrante (para não dizer estúpido) dizer a um piloto que voa a 700 km/h e que tem por baixo, 360 graus à sua volta, uma mata verde de quilómetros de extensão, para que "descubra de onde sai o ataque".


Memória (ou falta dela)


E não, em 18 Maio o Guileje não estava "quente" como insinua o VA,  havia nuvens que tapavam toda a região.


Não me lembro que o diálogo do "largos e estreitos" e por aí fora tenha existido, penso fazer parte da imaginação do VA, a qual, já constatei, tem evoluído ao longo do tempo.


Aliás, quando diz que até hoje estava convencido de ter falado com um Tenente Coronel, está-se a esquecer do nosso encontro em Setembro 74.


A talhe de foice acrescento que, para mim e na área da guerra, Coronéis, Majores, Furriéis ou Soldados, eram apenas combatentes, todos tratados da mesma maneira e com a mesma consideração.


Guileje, Gadamael e Guidaje


Quanto à raiva por ter deixado as loirinhas geladas e o ar condicionado de Bissau, o VA está enganado, não foi por isso, que em Bissau nem havia ar condicionado, foi por saber que naquele mesmo momento em que dizia disparates via rádio, havia militares portugueses a morrer em Guidaje, sem abrigos, sem munições, ...sem apoio.


E, para que se respeitem os mortos, registe-se que no cerco de Guidaje morreram 22 militares e em Gadamael, como resultado posterior à fuga de Guileje, outros 24 ("Os anos da Guerra Colonial",  Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso).


Eu sei que usar vidas para efeitos estatísticos não é muito apropriado, mas, ...., quantas baixas houve em Guileje?


Quanto ao famoso "cerco" das centenas/ milhares de guerrilheiros em volta de Guileje, basta ver as fotos da "retirada",  que o CL, ingenuamente, inseriu no livro.


Se o apoio da FAP ao Guileje não foi conseguido,  isso deve-se única e exclusivamente aos que, "metendo a cabeça na areia", não souberam encaminhar os aviões para os objectivos.


 Por último e conforme o livro do CL, páginas 31 e 32, para além das colunas de reabastecimento, é um facto comprovado que a actividade operacional do quartel do Guileje era ZERO.


Só para os que querem compreender, os aviões não defendem os quartéis, a defesa dos mesmos tem de ser feita pelos seus próprios militares, à distância, uma guarda avançada. Os aviões podem dar apoio essa defesa mas precisam de Informação.


O efeito Durão


A chegada do Cor Durão iria mudar tudo.


Faço a pergunta, terá sido por isso que resolveram sair a correr, antes que o homem chegasse?


De uma coisa tenho a certeza, no dia seguinte à chegada do Cor Durão os Grupos de Combate estariam todos no mato. (Eu disse no mato, não disse ao fim da pista...)


Uma última ressalva, esta em abono do VA; não era com ele que os pilotos deviam trocar informações mas sim com quem estaria a comandar o quartel.


Uma pergunta que pode ferir susceptibilidades, mas como disse o VA, os toiros pegam-se pelos cornos, quem comandava "de facto" o Guileje?  O Major? O Capitão? Algum dos Alferes? O Furriel Alfaiate?  Ninguém?


Histórias de Guileje


Ainda um derradeiro tópico dirigido ao Victor Alfaiate:


Em vez de querer assumir o comando do Guileje, falando do que não sabe, porque não conta antes para o blogue as histórias que me contou, a fuga, os recuerdos que trouxe e que acabou por deixar na mata, o encontro com as abelhas, o pisteiro da cadeira de rodas deixado a morrer no meio do mato...


Estou certo que todos os tertulianos iriam gostar de ler.


Com a surpresa do que acabei de ler no post 5417  é isto que se me oferece dizer.


António Martins de Matos


[Fixação / revisão de texto / título / subtítulos / bold: L.G.]
  
______________


Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)


(...) Comentário do António Martins de Matos, do memso dia:


Caros amigos



Acabei de ter conhecimento deste post.


Confesso desde já ter ficado surpreendido pelo conteúdo, mais pelo facto de alguém me querer ofender e à organização a que pertenço, mais ainda por não ter sido alertado pelos editores do que se estava a preparar.


Penso ter o direito a uma resposta, a qual espero enviar até ao final da tarde.


um abraço


António Martins de Matos (...)

Guiné 63/74 - P5431: O Nosso Livro de Visitas (73): Doce lembrança do meu tio José Raimundo, da 38ª CComandos, Os Leopardos, natural da Azambuja



1. Isabel Conde, sobrinha do soldado “COMANDO” José Luís Inácio Raimundo, da 38ª Companhia de Comandos “Os Leopardos” (Brá 1972/74), falecido em combate, no dia 12 de Maio de 1973, nas valas de Guidage, enviou-nos uma mensagem em 30 de Novembro de 2009, que passamos a publicar:


Boa tarde,


O meu nome é Isabel Raimundo, e sou sobrinha do soldado José Raimundo, a que se refere o vosso poste P1223, de Outubro de 2006.

O meu tio não era natural da Chamusca, mas sim de Vila Nova de S Pedro, concelho de Azambuja, caso queira rectificar.

Desde já o meu muito obrigado por mencionarem o meu "querido" Tio, sempre com muito respeito e uma lembrança que vai ficar sempre nas vossas memórias, pela pessoa que ele era. Era um homem simples, sincero, amigo do seu amigo e muito genuíno.

O meu muito obrigada a quem dele retrata, um ser humano lindo, que não merecia tal sorte, bem como tantos outros que lá perderam as suas vidas e as suas juventudes. As famílias dos restantes mortos que me perdoem pelo que vou dizer, mas este... era meu, era do meu sangue, e era muitas vezes a minha companhia, o meu amigo, o meu irmão mais velho e, até mesmo, o meu confidente...

Confidente de uma criança, na altura com 10 anos, mas que cresceu, e sempre se recorda dele, tal como o viu partir de sua casa numa madrugada, para embarcar.

As suas últimas palavras ainda hoje soam nos meus ouvidos e dizer-me "Até amanhã, Isa, o tio depois traz-te
um presente. Adoro-te."

Nunca chegou esse presente, mas chegou ele, sem vida, inerte numa caixa enorme, possivelmente, com o seu corpinho muito mal tratado. Mas está connosco, sepultado na sua terra Natal.

Um muito obrigada, aos camaradas e amigos dele, que nunca o largaram e o fizeram chegar junto dos seus, sem vida, é certo... mas está connosco.

Isabel Conde

2. Recordamos a narração do nosso Camarada Amílcar Mendes (1º Cabo COMANDO da 38ª CComandos), descrevendo como faleceu o Raimundo no poste P1205, de 23 de Outubro de 2006:


(...) "12 de Maio de 1973


"Cerca das três horas da manhã rebenta um violento ataque ao destacamento que é de meter medo. O IN deve ter as coordenadas das valas pois o fogo acerta todo dentro das valas. O barulho rebenta com os ouvidos. Dura cerca de 30 m. São centenas de projécteis. É de dar em doido!

"A nossa artilharia responde ao fogo e lá se consegue parar o ataque. Terminado o ataque vamos fazer a contagem e duas vozes não respondem. Um, o Soldado Comando Raimundo, meu camarada de grupo, um moço da [Azambuja] a quem nunca mais ouvirei a sua voz; outro, um soldado condutor que tinha vindo connosco. Ficaram os dois desfeitos na vala com morteirada 120 mm" (...).

3. Também no poste P1223, de 30 de Outubro de 2006, o mesmo Camarada Amílcar Mendes, que se encontrava debaixo do mesmo fogo IN, na zona das fatídicas valas de Guidage, em que faleceu o Raimundo, lhe prestava assim mais uma sentida e justa homenagem:

Guiné > Região do Cacheu > Gr Comb da 38ª Companhia de Comandos > Dia de Natal: 25 de Dezembro de 1972. Subindo o Rio Caboiana, afluente do Cacheu, em LDM... O soldado comando Raimundo está assinalado com um círculo, a verde.


Mensagem do nosso camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74).

Luís: A foto que postaste da LDM no Rio Caboiana, faz-me reviver com amargura esse tempo, pelo facto de que, ao olhá-la, gostaria de parar o tempo. Gostaria de parar o tempo porque nela está imagem de alguém que já não está entre nós, alguém que foi uma perca muito dolorosa para todos os camaradas da 38ª Companhia de Comandos.

Na foto o rapaz que está de camisola branca do lado direito, sentado na lateral da LDM, é o meu querido Amigo que perdeu a vida em Maio de 1973 nas valas de Guidaje e a quem eu presto aqui a minha homenagem e a quem com as lágrimas nos olhos grito: JOSÉ LUIS INÁCIO RAIMUNDO, estarás sempre presente no meu coração e nas minhas memórias, que Deus te mantenha do seu lado direito e que, quando eu te voltar a encontrar, tenhas ainda esse sorriso tão simples e sincero que ainda hoje é lembrado na tua terra natal, [a Azambuja]. Descansa em Paz, querido amigo.

Amílcar Mendes

Texto e foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:

Vd. postes sobre o José L. I. Raimundo em:

30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Azambuja, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)



Vd. último poste desta série em: