1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel Reformado (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74), com data de 27 de Fevereiro de 2012:
Camarada
Sinceramente não contava com esta reacção por parte da rapaziada do blog.
Acho que devo defender-me dos comentários que foram feitos sobre aquilo que eu disse*.
1. - Para o Mexia Alves, o abraço do costume e recordar-lhe que "se para estas guerras não dou mais" deve começar a guardar as esmolas.
Claro que o porta-aviões estava encomendado e o submarino só não foi entregue por motivos...
Contudo, talvez a procurar prevenir para não ter que remediar foram adquiridos dois sistemas de armas AA Crotale e não creio que tenha sido para dar uns tostões à fábrica francesa. Isso quer dizer que as coisas poderiam precipitar-se e os condutores da guerra sabiam disso.
Quanto à questão dos "ses", coisa que em História não há, parece-me que cais sempre nela. A tua atitude é do treinador que depois do jogo perdido diz que se o jogo durasse mais dez minutos ainda ganhávamos "aquilo".
Sei que vais voltar a dar para estas guerras e isso não tem que ver com a tua "palavra de honra".
É feitio, pronto!
Mais um Ab e a gente vê-se no dia 21ABR.
2. - Aos camaradas que têm dificuldade em aceitar o que disse, sugiro que leiam, entre outros, os documentos que o "Tabanqueiro 530" tem vindo a apresentar. Claro que são apenas documentos... embora oficiais e classificados ao mais alto nível. Como são antigos, não serão muito credíveis. Quero também dizer que não escrevo mentirinhas, nem aldrabices e muito menos faço bulir a desinformação.
Era o que faltava, vir tentar mentalizar homens da minha idade!
Também rejeito, por completo, a teoria de que os bravos/orgulhosos/decididos/valentíssimos/impolutos/patriotas guerrilheiros do PAIGC "davam cada dia maize duro na criminoso colonialista tuga" imperialista/colonialista/salazarista/fascista/basket-bolista/futebolista/alpista e outros terminados em -ista que éramos nós. Não perfilho o gosto tão português de dizer mal de nós. Mas, não abdico da capacidade de apontar onde as coisas correram mal. Tenho para mim que é mais construtivo de que fingir que nada de mau ou errado se passou, em nome de uma qualquer forma de patriotismo, qualquer que seja o âmbito que se considere
Não canto loas ao inimigo para apoucar os meus e não cultivo o nacional-porreirismo de que afinal somos todos "bestialmente" amigos e camaradas, mas também não me move qualquer espécie de ódio em relação aos guerrilheiros do PAIGC. Estou até firmemente convencido que o fenómeno sociológico a que chamamos guerra colonial/do ultramar/de África foi um problema criado pelos portugueses, sofrido pelos portugueses e resolvido pelos portugueses, quer eles vivessem e/ou tivessem nascido em Portugal, na Guiné, em Angola ou em Moçambique. Já dei a minha opinião sobre a questão da guerra ganha ou perdida na revista oficiosa do Exército, sinal de que as minha opiniões não estão muito longe da posição oficial. Não estou só, nesta maneira de pensar como se vê por diversas intervenções de outros camaradas no blog
3. - Ao Zé Brás quero desejar um feliz Dia das Mentiras, cheio de aficion e com a alegria de uma celebração de camaradagem e companheirismo. Se saltares à praça, não te esqueças de que isso já não é o que era e que a tradição (nem sempre) é o que era.
Um Ab., sorte e alegria
4. - Ao António Martins de Matos quero que dizer que li atenta e demoradamente os artigos da "Mais Alto" e, na perspectiva do "utente ou beneficiário", teci as considerações que ali ficam. Sou do tempo em que os FIAT bombardeavam e "o pessoal" baixava as cabeças, sentia o ar a tremer e podíamos ver os números dos aviões, em 1968. Nesse tempo, tínhamos correio duas e (às vezes) três vezes, por semana trazido pela "Avionette" DO 27. Vinha também o médico, o padre e até o comandante do batalhão. No dia em que fui colocado em Cacine, ia no DO um cabo da Engenharia que ia montar um disjuntor no poço do quartel.
Em 1971- inícios de 73 as coisas não se tinham modificado muito. Depois do aparecimento do Strella, recordo-me de ter visto os detalhes do Nord do Cor. Moura Pinto a voar sobre a estrada para e de Farim. O Velho era mesmo valente! Por experiência própria e com testemunhas (Ribeiro Faria e Joaquim dos Reis) verifiquei que as condições eram agora outras, as possíveis.
Como, por acaso sou português, o Exército é o meu exército e a FAP é a minha FAP, com tudo o que tenham de bom e de mau. Num dado momento histórico qualquer país ou civilização é caracterizada pelas suas instituições funcionando, como funcionaram ou funcionam.
Surdo sou um bocado. É da PDI! Dei a minha opinião sobre as consequências de um dado facto e creio ser inegável que naqueles dias houve uma viragem no curso dos acontecimentos.
5. - Finalmente quero dizer que achei um piadão àquela do Graça Abreu e do touro às arrecuas. É uma imagem humorística, mas não vi ao que vem. Parabéns pela ideia, de qualquer modo! Também não entendi nada daquela viagem à meditação oriental. Nunca fui à China, nem sequer a Macau, por isso tenho dificuldade em interpretar as afirmações do filósofo Zi Ping Pong (Cap. 69, Vs 96) produzidas no tempo da pedra lascada ou até antes. Parecem-me deslocadas, pois falei de coisas muito diferentes: aviões, guerra, artilharia e outras minudências bélicas.
Da China só conheci o Livro Vermelho do camarada Nove Sete Um. Tinha até um exemplar encadernado, mas, como era vermelho (o livro) ofereci-o ao Benfica para a Sala de Troféus do Estádio da Luz. De qualquer modo teve piada.
Um Ab e acho que deve continuar a cultivar a sua veia humoristica-tauromáquica-meditativa. Os Gatos Fedorentos que se cuidem...
Um Ab.
Agradeço a atenção que tiveram para me ouvir
António J. P. Costa
+1 Reformado
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9527: FAP (65): Mísseis Strela, a viragem na guerra... (António J. Pereira da Costa)
Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9465: (Ex)citações (174): A mágoa de, no meu País, os bravos, os vivos e os mortos, não terem o reconhecimento e o respeito do seu sacrifício, que merecem (Rui Dias Moreira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Guiné 63/74 - P9545: Humor de caserna (25): Métodos de sobrevivência dos maltrapilhos do arame farpado (C. Martins)
1. Mensagem do nosso camarada C. Martins (ex-Alf Mil Art.ª, Gadamael, 1973/74), com data de 25 de Fevereiro de 2012
Caro Carlos
Aqui vai uma pequena história irónica se quiseres publicar no blogue.
C. Martins
Métodos de sobrevivência dos "maltrapilhos do arame farpado"
Como caçar o macaco cão
A tiro, claro, convém avançar para o dito abatido, munido de uma granada de mão ofensiva, porque os companheiros têm por hábito descer das árvores e defenderem à dentada, se for preciso, o companheiro abatido... ah e fazendo uma algazarra que nem lhes conto.
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Como colher cocos
Quê... subir ao coqueiro... como o Cavaco... nãaa. É a tiro... não é conveniente perfurar o coco... porque se perde o melhor... o respectivo leitinho do dito e é fresquinho... cuidado com a "mona" quando o coco ou cocos caiem. Deve-se estar munido de uma catana para abrir o respectivo. Cuidado com a quantidade que se bebe de leite... mais de três... dá "caganeira".
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Pequeno almoço "gourmet"
Convém levantar cedo para usufruir do pão quentinho acabado de fazer. Corta-se às fatias e barra-se com manteiga da Manutenção Militar. Pega-se na bisnaga de leite condensado da ração de combate e dissolve-se em água da bolanha. Não é necessário açúcar que o respectivo já tem doce suficiente.
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Almoço "gourmet"
Inicia-se esta deliciosa refeição, ingerido os comprimidos que uma alma caridosa colocou à frente dos pratos de zinco, estes têm vitaminas sais minerais e... mais coisas.
Se o menu for "arroz com estilhaços", começa-se por escolher todos os estilhaços que se colocam a um canto do prato, depois procuram-se todos os grãos de arroz intactos que sendo raros ainda assim se conseguem encontrar no meio daquela papa de arroz e juntam-se aos estilhaços previamente guardados. Acompanha-se o repasto com um água vintage da bolhanha previamente filtrada.
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Como tomar banho de chuveiro
Devem dirigir-se ao respectivo bidão com a "canhota" e respectivas cartucheiras... por se acaso bater com o cano desta no respectivo para verificar o nível da água... se estiver meio cheio ou meio vazio... tanto faz... escolher outro. Tirar a rolha ou outra coisa qualquer que impede a saída da água... molhar-se rapidamente... tapar a saída e ensaboar-se. Repetir para tirar o sabão. Não se deve fazer isto logo de manhã... a água está fria... nem durante a tarde... a água está muito quente. Isto durante a época seca, porque na época das chuvas desde começa a chover é aproveitar a mesma durante o tempo que se quiser... a porra é que às vezes parava de chover e um gajo ainda estava cheio de sabão.
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Como fazer as necessidades fisiológicas (defecar)
Quando surgir a vontade, devem levar um papel qualquer... para posterior limpeza higiénica... deve sempre fazer-se porque para além de ser porco... cheira mal. Munir-se de uma pá ou de outro objecto para fazer uma pequena poça... dirijam-se ao arame farpado... convém avisar os sentinelas e se for de noite é obrigatório... e mesmo assim contar sempre que algum engraçadinho atire para perto da zona onde estamos a defecar... após escolher o local... abrir um pequeno buraco... é conveniente acertar com o produto dentro do buraco, após o trabalhinho... tapar com bastante terra. Nunca defecar em frente ao espaldão do canhão sem recuo porque é proibido.
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Como fazer batota no Poker de dados
Sempre que se lança o último dado para tentar completar qualquer coisa, deve-se colocar para cima a face do dado que se quer que saia na palma da mão, tapar com a outra mão, fingir que se agita o dado, soprar, e lançar o dado de forma a que deslize com a face pretendida virada para cima... às vezes um engraçadinho armado em chico esperto dizia que o dado não tinha rolado...
C.Martins
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9472: Humor de caserna (24): Um tiro no cu (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 – P9544: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte X): pp. 55 a 66
Continuação da publicação do relatório da 2ª Rep/CTIG, sobre a situação político-militar em 1974, documento esse que foi digitalizado pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande [, foto à esquerda], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74).
O relatório, datado de 28 de Fevereiro de 1975, é assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.
Publica-se hoje o ponto c (Situação interna) da segunda parte do relatório (B. Período de 25Abr74 a 15Out74), pp. 55 a 66: (2) Situação político-administrativa: (a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64); (b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66).
Índice do relatório
A. Período até 25Abr74
1. Situação em 25Abr74
a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
( 1 ) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
( 2 ) Países limítrofes (pp. 5/8)
( 3 ) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).
c. Situação interna:
1. Situação militar.
( a ) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
( b ) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
( c ) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
( d ) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
( e ) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
( f ) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)
2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).
B. Período de 25Abr74 a 15Out74
2. Evolução da situação após 25Abr74
a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)
(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)
c. Situação interna
(1) Situação militar
(a) Aspetos gerais (pp.37/46)
b) Síntese da actividade de guerrilha
1. Ações de guerrilha realizadas pelo PAIGC após 25abr74 (pp. 47/52)
2. Ações de controlo às viaturas das NT (p. 52)
3. Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIG (pp. 52/54)
(2) Situação político-administrativa
(a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64)
(b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9499: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte IX): pp. 47/54
O relatório, datado de 28 de Fevereiro de 1975, é assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.
Publica-se hoje o ponto c (Situação interna) da segunda parte do relatório (B. Período de 25Abr74 a 15Out74), pp. 55 a 66: (2) Situação político-administrativa: (a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64); (b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66).
Índice do relatório
A. Período até 25Abr74
1. Situação em 25Abr74
a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
( 1 ) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
( 2 ) Países limítrofes (pp. 5/8)
( 3 ) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).
c. Situação interna:
1. Situação militar.
( a ) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
( b ) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
( c ) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
( d ) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
( e ) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
( f ) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)
2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).
B. Período de 25Abr74 a 15Out74
2. Evolução da situação após 25Abr74
a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)
(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)
c. Situação interna
(1) Situação militar
(a) Aspetos gerais (pp.37/46)
b) Síntese da actividade de guerrilha
1. Ações de guerrilha realizadas pelo PAIGC após 25abr74 (pp. 47/52)
2. Ações de controlo às viaturas das NT (p. 52)
3. Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIG (pp. 52/54)
(2) Situação político-administrativa
(a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64)
(b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9499: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte IX): pp. 47/54
Guiné 63/74 - P9543 : As novas milícias de Spínola & Fabião (3): Comandante de Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, em set/out de 1973 (Luís Dias)
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Setembro/outubro de 1973 > Formatura de inspeção. O Cmdt da Companhia de Instrução era, na altura, o Alf Mil At Inf Luis Dias, da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), tendo como adjunto o Fur Mil Gonçalves, do seu pelotão dorigem, e como comandantes dos pelotões os seus 1ºs cabos atiradores.
Foto: © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > "Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 [, pertencente ao BCAÇ 3872,] no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf Luís Dias, atrás o Fur Baptista, do 1º Gr Comb, e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por 'costureirinha' e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71".
Foto (e legenda): © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.
1. Texto do Luís Dias, com data de 26 do corrente:Caros Camaradas,
Conforme foi referido no post P9526 pelos editores, eu fui um dos comandantes da Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, administrado pelo Comando do BART 3873 [, Bambadinca, 1971/74,] nos meses de Setembro e Outubro de 1973.
No meu tempo, a companhia tinha como comandante 1 alferes (Luís Dias), como 2º comandante 1 furriel (Gonçalves) e como comandantes de pelotão 1º cabos atiradores. O chefe de secretaria era um sargento do BART 3873.
A Instrução administrada era razoavelmente rigorosa e os milícias mostravam-se interessados nas informações técnicas recebidas e aplicados nos exercícios configurados para adaptar a teoria à prática.
A espingarda automática, FN, de origem bela (produzida pela Fabrique National), inicialmente na guerra colonial, em Angola, em 1961, antes da G3.
O único e grave problema que tivemos foi o de praticamente toda a instrução ter sido efectuada com a espingarda automática HK G3 e perto do fim foram estas armas substituídas por espingardas automáticas FN FAL, o que originou alguma confusão (os milícias não conheciam a arma e ficaram desconfiados que era inferior à G3). Isso obrigou a treino extra de adaptação à arma que, como sabemos, funciona de forma diferente da G3.
Também houve alguma discussão com o responsável pela distribuição das armas ligeiras (Tenente-coronel da Engenharia), porque este referia que as armas distribuídas aos milícias eram novas e nada inferiores à G3, tendo eu retorquido que as armas não eram novas, mas recicladas, para parecerem novas, como lhe mostrei, ao exibir algumas delas que não obstante terem as coronhas de madeira pintadas de novo, conseguia-se perceber: "Angola tantos de tal", ou nomes diversos, etc. (tudo escrito por canivete ou objecto semelhante na coronha das armas), além de que sofriam bastantes interrupções de tiro, devido ao regulador de gases.
As milícias eram essenciais na defesa imediata das tabancas onde se encontravam instaladas, bem como no acompanhamento em operações das unidades operacionais aquarteladas nas suas zonas. Dado o seu contacto diário com a população forneciam informações bastas vezes sobre as deslocações do IN na zona.
Na nossa área de intervenção, o armamento individual das milícias era composto por espingardas automáticas HK G3, morteiros 60mm, granadas de mão ofensivas e defensivas e dilagramas. Julgo que em uma ou duas das tabancas onde eles estavam instalados e para defesa da mesma, estava atribuído um morteiro 81mm.
Devo salientar a grande bravura de muitos destes elementos dos pelotões de milícias (elementos das etnia fula), porquanto os ataques que sofriam do IN eram, normalmente, ataques directos nocturnos, efectuados já muito perto do arame e a sua resposta era quase sempre muito eficaz e acabado o ataque perseguiam o grupo do PAIGC. Enquanto o ataque se produzia era normal outros pelotões de milícia, das tabancas mais perto, tentarem interceptar e emboscar o IN na sua retirada, ou auxiliar a tabanca atacada.
Estes ataques produziam, normalmente, baixas entre a população e às vezes também nas milícias, mas também produziam baixas significativas nas forças do PAIGC, como a do ataque à tabanca de Campata.
Em Março de 1973 o Batalhão de Caçadores 3872 [Galomaro, 1971/74], tinha o seguinte dispositivo:
CCS – Galomaro (Sede do Batalhão);
Pel Mil 256 – Deba;
Pel Mil 289 - Umaro Cossé;
Pel Mil 304 - Contabane;
Pel Mil 315 – Cansonco;
Pel Mil 316 – Pate Gibel;
Pel Mil 317 – Cansamba;
Pel Mil 318 – Campata;
Pel Mil 353 – Bangacia;
Pel Mil 354 – Sinchã Maunde Bucô;
Pel Mil 368 - Dulô Gengele
CCAÇ 3489 – Cancolim;
Pel Mil 290 – Cancolim;
Pel Mil 347 - Anambé;
CCAÇ 3490 – Saltinho;
Pel Caç Nat 53 – Saltinho;
Pel Mil 287 - Cansamange;
CCAÇ 3491 – Dulombi/Galomaro;
Pel Mil 288 – Dulombi;
Pel Mil 373 – Dulombi.
Um abraço.
Luís Dias
2. Comentário do editor
Para um batalhão (c. 500 homens, metropolitanos) havia 15 pelotões de milícias e 1 Pel Caç Nat, ou seja, perto de outros 500 homens, guineenses, em armas... Grosso modo, a proporção era de 1 para 1 no setor de Galomaro, ao tempo do BCAÇ 3873. Isto dá uma ideia do elevado grau de "militarização" do chão fula (grosso modo, zona leste, do Xime a Buruntuma), bem como do esforço de "africanização" da guerra...
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Nota do editor:
Postes anteriores da série:
24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)
25 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9532: As novas milícias de Spínola & Fabião (2): O CIMIL (Centro de Instrução de Milícias) de Bambadinca, criado em 5 de Agosto de 1971, ao tempo do BART 2917
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Guiné 63/74 - P9542: In Memoriam (112): Lembranças de Cherno Suane, falecido em 24 de Fevereiro de 2012 (Mário Beja Santos)
IN MEMORIAM
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2012, lembrando a memória do nosso camarada Cherno Suane falecido recentemente em Lisboa:
Lembranças de Cherno Suane
Em 24 de Fevereiro, nos cuidados intensivos do Hospital de Santo António dos Capuchos, Cherno Suane, depois de 20 dias em coma induzido, tudo produto, ao que parece, de uma infeção respiratória que o prostrou, fartou-se de lutar com as máquinas e deu a alma ao Criador.
Era cidadão português, grande deficiente das Forças Armadas, antigo soldado da 2ª Companhia de Comandos Africana e pertencera ao Pel Caç Nat 52, foi formado pelo nosso confrade Jorge Rosales, no CIM de Bolama, teve como 1º Comandante o nosso confrade Henrique Matos Francisco, andou por Porto Gole, Enxalé, Missirá, Bambadinca e Fá Mandinga. E percorreu toda a Guiné enquanto Soldado Comando.
Dei pelas qualidades deste soldado valoroso em 6 de Setembro de 1968, na primeira flagelação que sofri em Missirá, tinha chegado há pouco, todo aquele foguetório me escapava um pouco ao lado, procurava atinar com as melhores medidas na resposta ao fogo, corria entre abrigos e apercebi-me que havia um apontador de morteiro 60, perlado de suor, que percorria o perímetro sem desfalecimento, fazia o espetáculo sozinho, transportava prato e tubo e uma fieira de granadas ao pescoço. No final da refrega, pedi explicações ao Saiegh sobre tal procedimento e a resposta foi incisiva: o Cherno não tem medo de nada, não precisa de instruções debaixo de fogo.
Em meados de Outubro, Ieró Baldé, conhecido por Nova Lamego, que voluntariamente se propusera a intendência de ser meu guarda-costas, anunciou que ia pedir transferência para a região do Gabu e informava-me que encontrara a pessoa mais idónea para defrontar a Binta Sambu, a temível lavadeira destruidora de roupa de todas as cores, para limpar a G3, para arejar a morança e vir chamar nosso alfero a qualquer hora do dia ou da noite, estava assegurado que onde andasse nosso alfero Cherno Suane colava-se à sua sombra. Começava uma estima profundíssima que vem retratada nas memórias que escrevi neste blogue e que passaram a livros. Foram, tais livros, também dedicados a Cherno Suane. Quando nos separámos, em Agosto de 1970, o Cherno alistou-se na 2ª Companhia de Comandos Africana, se bem que tivesse sequelas de um duplo traumatismo craniano, por obra e graça do acionamento de uma mina anticarro dentro do Cuor (Canturé), a sua folha de louvores e condecorações era impressionante, foi prontamente incorporado.
Com a independência da Guiné-Bissau, iniciou-se o calvário do Cherno, preso sem culpa formada no Cumeré, foi sujeito a humilhações e atrocidades até ao golpe de Nino, em Novembro de 1980, conseguiu depois regressar ao Cuor, onde tinha constituído família e laços profundos ligavam-no aos Soncó e aos Mané. Trabalhou na região de Gambiel na empresa Socotram, unidade de corte e processamento de madeira, um daqueles empreendimentos ruinosos que vinham da era Luís Cabral. Em 1990, volto a Missirá e aí o encontro. Trabalhei depois mais de quatro meses na Guiné, em 1991, consegui tratar dos papéis, o Cherno veio e aqui se radicou. Todo o dinheiro que juntava era para a família, vivia permanentemente à míngua, tiranizado pelas obrigações familiares. Visitávamo-nos regularmente, para ele era sempre um prazer um almoço numa tasca na região de S. Paulo, era ali que comíamos polvo panado. Nos grandes eventos, dava-me a alegria da sua presença, ele, o Queta Baldé, o Mamadu Camará e o Abudu Soncó.
Não sei o que devo escrever para gritar esta ausência. Ele era zeloso, dedicado e grande companheiro. Estou a vê-lo a procurar aplacar o meu choro convulsivo, na minha morança, quando o Cabo Paulo Ribeiro Semedo ficou estropiado na região do Chicri, “Alfero, tem paciência, é a vontade de Deus!”, retirou-me a camisa com pastas de sangue do Paulo e abraçou-me. O que se passou na mina anticarro foi um verdadeiro milagre, basta ver a fotografia e perceber que com o fragor da explosão desapareceu o guincho, onde ia sentado o Cherno. No fim daquela tormenta, quando apontei um foco à procura dele e não o encontrámos, suspeitei que se tinha volatizado, a verdade é que foi descoberto quase a 20 metros de distância, como nos números do circo o sopro atirara-o para bem longe, teve sorte em cair em cima de vegetação, mas veio completamente destroçado, rasgado, demorou meses a recompor-se. E estou a vê-lo na hora da despedida, no Xime, onde fui tomar a LDM para Bissau. O Cherno desapareceu e alguém comentou: “Não gostamos que nos vejam a chorar. O Cherno não voltará a ser guarda-costas de mais ninguém, nosso alfero era para ele um irmão, ele vai ficar à espera que o chame”.
E assim estes homens valorosos vão desaparecendo, deixando buracos negros na consciência de quem perde o seu afeto, fica a memória, a recordação de uma dignidade e postura irrepreensíveis.
Peço desculpa de partilhar convosco esta mágoa sem fim.
Mário
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9516: In Memoriam (111): Joaquim Fernando Ferreira Martins, ex-Fur Mil Inf.ª de Armas Pesadas que cumpriu a sua comissão de serviço no CTI da Guiné entre 1961 e 1963
Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV
1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".
NÓS DA MEMÓRIA - 12
(…desatemos, aos poucos, alguns…)
8 – CABEÇA RAPADA
Sentado, saboreava a sombra e um cigarro, num fim de tarde na Tabanca de Mansambo, fascinado com a perícia dos movimentos que volteavam e batiam uma faca, de cabo metálico, na palma da mão esquerda de um “artista barbeiro”.
Parou. Colocou com cuidado a faca sobre um banco e, só então retirou o pano molhado, que se mantivera por bastante tempo, sobre a cabeça do cliente. Trocaram breves palavras em Fula. Eu observava o ritual.
A faca começou, então, a rapar a cabeça em movimentos certeiros, lentos e hábeis.
Fiz uma ou duas fotos. Nunca vira uma cabeça ser tão rápida e habilmente rapada.
O barbeiro disse algo ao cliente, já rapado e ambos Picadores em Mansambo. Olhou-me e sorria enquanto passava o pano molhado sobre a cabeça rapada.
Tirei do fio de cabedal uma faca igual e disse:
- Afia-a como essa.
Rimos todos.
Vida nas Tabancas > O barbeiro
Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não.
Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti.
Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.
Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações.
O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.
Outras desmatações menores à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.
Estas Operações queriam vincar três pontos:
- Dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada;
- Mostrar que as populações estavam com as NT;
- Fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.
Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.
As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares e uma logística enorme: - viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido á resolução de algum acidente e incidente.
Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.
Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.
A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança.
No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou. Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?
Operação "Cabeça Rapada"
Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.
No dia 28 de Maio/69 a Sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.
Era a represália do IN. Teve auxilio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Só em meados de Agosto veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando.
Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a Tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.
Embarcamos em 4 de Dezembro.
Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9521: Nós da memória (Torcato Mendonça) (11): Vida nas Tabancas - Culturas - Fotos falantes IV
Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2012:
Queridos amigos,
Proponho-me saudar esta longa, rigorosa e utilíssima incursão de estudo histórico que consagrou o nosso confrade Leopoldo Amado como doutor em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Leopoldo Amado, naturalmente sujeito às contingências das regras que acompanham os procedimentos de um doutoramento, espraia-se sobre um pano de fundo onde já não pode haver mais novidades, é vincadamente original na investigação a que procede sobre a fase embrionária no nacionalismo, carreia enorme documentação sobre os acontecimentos bélicos dos primeiros anos, com enorme suporte documental e vai por aí fora até a uma reflexão desassombrada sobre o legado de Amílcar Cabral.
Esta edição patrocinado pelo IPAD merece estar nas bibliotecas de todos nós.
Um abraço do
Mário
Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (1)
Beja Santos
Temos finalmente a tese de doutoramento do Leopoldo Amado em formato de livro. São 400 páginas espessas, trata-se de uma obra que obedece a requisitos específicos, um doutorando é orientado e negoceia com o mestre a tessitura das áreas a investigar e a exploração dos objetivos, desse longo debate resulta imperativamente um texto organizado com o enunciado de teses e conclusões. Por isso a obra de Leopoldo Amado tem um pano de fundo que abraça os conceitos de guerra revolucionária e contrarrevolução, explora o tema das origens do conflito, a ideologia colonial do Estado Novo e a as atitudes da população guineense face ao eclodir da guerra; segue-se a apresentação dos movimentos em presença, é um historial riquíssimo, temos aqui uma peça incontornável sobre os alvores do movimento de libertação a etapa seguinte abraça a evolução e consolidação da guerrilha, o estudioso como quase põe ao espelho as forças em campo, fica-se com uma ideia da assessoria cubana ao PAIGC, o trabalho da DGS e o quadro de agravamento progressivo da situação político-militar; o duelo de titãs, o confronto entre Cabral e Spínola, é outra investigação com marcas de singularidade, de facto foi o confronto político e militar mais poderoso, foram dois adversários à altura; a chegada dos mísseis Strella rompem todos os equilíbrios, a sua chegada ao teatro de operações faz latejar um novo desfecho, diante do fantasma do colapso militar a resposta foi a constituição, na própria Guiné, do Movimento dos Capitães, é um processo que culminará com as negociações entre o PAIGC e Portugal e a descolonização da Guiné e Bissau; e esta poderosa obra de investigação encerra com uma análise do legado político de Amílcar Cabral e as respetivas conclusões face aos pontos de partida: a aguda perceção que os efeitos desta guerra continuam a marcar a atualidade da Guiné-Bissau; e a necessidade de continuar a estudar a guerra da Guiné não tanto na perspetiva da história militar mas sobretudo pela confrontação das teses que se afrontaram a nível dos Estados-Maiores, privilegiando os seus fundamentos ideológicos, as suas perspetivas estratégicas e táticas. Tanta substância não se pode confinar ao alinhavo de umas notas quaisquer. A investigação de Leopoldo Amado merece ser tratada com respeito e consideração. Por isso a repartimos por diferentes textos.
O livro vem prefaciado por outro historiador, Peter Karibe Mendy, antigo diretor do INEP e atualmente professor de História e Estudos Africanos no Rhode Island College. Ele destaca a investigação feita nos arquivos da PIDE/DGS e o tratamento de documento cruciais para o conhecimento do período em apreço, bem como as entrevistas a militantes que tiveram cargos preponderantes no PAIGC e outras fontes igualmente relevantes. Peter Mendy considera que este contributo conduz a uma reapreciação tanto da liderança de Cabral como para análise dos dois contendores, dentro da cronologia dos acontecimentos.
Leopoldo Amado lança um olhar sobre guerras revolucionárias a partir do século XIX, destaca as formas de guerrilha e os processos de contrainsurreição a elas associados. É com os êxitos da consolidação do marxismo-leninismo na China que Mao lançou bases teóricas para dar corpo teórico e justificar o sucesso dos cerca de 20 anos de luta de guerrilhas, a sua obra “Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China” tornou-se uma obra de referência, dela ou de estrategas como o vietnamita Vo Nguyen Giap e o cubano Che Guevara vão procurar fundamentos para as guerrilhas e futuras doutrinações. Cabral conhecia tais doutrinas, a sua estratégia subversiva era tributária destas teorias da guerra revolucionária mas foi-se adaptando às realidades geográficas, sociais e sociológicas guineenses. Quanto ao Exército Português, como observa Amado, a estratégia utilizada derivava das grandes premissas do pensamento estratégico ocidental quanto à contrassubversão. Amado ilustra estas teses e no tocante à estratégia de ação direta lembra como as forças que se encontravam nos territórios coloniais, dependentes do Ministério das Colónias, passaram para a defesa do Ministério da Defesa Nacional, a partir de 1961. O contingente militar, no início da década de 60 era de 4700 homens na Guiné, quando foram encetadas ações subversivas em Janeiro de 1963 houve que montar um aparelho de suporte logístico e deslocar tropas praticamente impreparadas para aquele tipo de combates. As grandes prioridades da doutrina militar portuguesa contra subversiva ficaram plasmados no título “O Exército na Guerra Subversiva”, nele se desenhava uma adaptação a uma nova conceção de guerra.
O autor procede à caracterização do teatro de operações que de tão conhecido nos escusamos a qualquer referência. E depois lança-se em considerações sobre as origens longínquas do conflito, enumera detalhadamente sublevações de toda a ordem, particularmente a partir do século XIX até às guerras de pacificação. E observa: “A colonização portuguesa na Guiné não foi de molde a criar condições para o surgimento de uma elite local que fosse capaz de assegurar a administração dos negócios coloniais”. Mostra como as importações continuaram a ser feitas por outros Estados, por incapacidade da parte portuguesa. As origens próximas do conflito, Amado não podia ter uma visão diferente da existente na historiografia mundial, decorrem da natureza descolonizadora que está implícita à Carta das Nações Unidas e à ascensão do pan-africanismo, que ele documenta minuciosamente. E assim chegamos às independências da Guiné-Conacri e do Senegal, toda a movimentação que aí ocorreu inevitavelmente que se repercutiu no interior da Guiné. Entretanto, a rogo dos países afro-asiáticos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas começou a ocupar-se de Portugal e da sua política colonial. Em simultâneo, Cabral chega a Conacri. Em Outubro de 1960 é aprovada a Resolução 1514, a política portuguesa fica-se sujeita ao crivo das apreciações do Palácio de Vidro. Em termos diplomáticos, a política portuguesa nunca mais se recompôs e o isolamento internacional cresceu gradualmente.
Chegamos a um ponto fundamental da reflexão que é o estudo da negritude e da consciencialização africana, indispensáveis para se compreender a contestação colonial e o quadro de apoios que a mesma obteve, sobretudo nos meios intelectuais progressistas norte-americanos e europeus ocidentais.
O pano de fundo da ideologia colonial aparece bem arrumado, bem documentado e claramente exemplificado como se exercia na Guiné, fundamentalmente até à chegada de Sarmento Rodrigues: a submissão ao imposto palhota e ao trabalho forçado, a natureza dos estatutos dos civilizados e dos assimilados, por exemplo. E por último, o autor dá-nos um esboço da organização da sociedade portuguesa em face de guerra e como se organizava a sociedade guineense e de que modo os grupos étnicos, sobretudo na fase de arranque da guerra, apoiaram os guerrilheiros ou a entidade colonizadora.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9528: Notas de leitura (336): Os Últimos Guerreiros do Império (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Proponho-me saudar esta longa, rigorosa e utilíssima incursão de estudo histórico que consagrou o nosso confrade Leopoldo Amado como doutor em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Leopoldo Amado, naturalmente sujeito às contingências das regras que acompanham os procedimentos de um doutoramento, espraia-se sobre um pano de fundo onde já não pode haver mais novidades, é vincadamente original na investigação a que procede sobre a fase embrionária no nacionalismo, carreia enorme documentação sobre os acontecimentos bélicos dos primeiros anos, com enorme suporte documental e vai por aí fora até a uma reflexão desassombrada sobre o legado de Amílcar Cabral.
Esta edição patrocinado pelo IPAD merece estar nas bibliotecas de todos nós.
Um abraço do
Mário
Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (1)
Beja Santos
Temos finalmente a tese de doutoramento do Leopoldo Amado em formato de livro. São 400 páginas espessas, trata-se de uma obra que obedece a requisitos específicos, um doutorando é orientado e negoceia com o mestre a tessitura das áreas a investigar e a exploração dos objetivos, desse longo debate resulta imperativamente um texto organizado com o enunciado de teses e conclusões. Por isso a obra de Leopoldo Amado tem um pano de fundo que abraça os conceitos de guerra revolucionária e contrarrevolução, explora o tema das origens do conflito, a ideologia colonial do Estado Novo e a as atitudes da população guineense face ao eclodir da guerra; segue-se a apresentação dos movimentos em presença, é um historial riquíssimo, temos aqui uma peça incontornável sobre os alvores do movimento de libertação a etapa seguinte abraça a evolução e consolidação da guerrilha, o estudioso como quase põe ao espelho as forças em campo, fica-se com uma ideia da assessoria cubana ao PAIGC, o trabalho da DGS e o quadro de agravamento progressivo da situação político-militar; o duelo de titãs, o confronto entre Cabral e Spínola, é outra investigação com marcas de singularidade, de facto foi o confronto político e militar mais poderoso, foram dois adversários à altura; a chegada dos mísseis Strella rompem todos os equilíbrios, a sua chegada ao teatro de operações faz latejar um novo desfecho, diante do fantasma do colapso militar a resposta foi a constituição, na própria Guiné, do Movimento dos Capitães, é um processo que culminará com as negociações entre o PAIGC e Portugal e a descolonização da Guiné e Bissau; e esta poderosa obra de investigação encerra com uma análise do legado político de Amílcar Cabral e as respetivas conclusões face aos pontos de partida: a aguda perceção que os efeitos desta guerra continuam a marcar a atualidade da Guiné-Bissau; e a necessidade de continuar a estudar a guerra da Guiné não tanto na perspetiva da história militar mas sobretudo pela confrontação das teses que se afrontaram a nível dos Estados-Maiores, privilegiando os seus fundamentos ideológicos, as suas perspetivas estratégicas e táticas. Tanta substância não se pode confinar ao alinhavo de umas notas quaisquer. A investigação de Leopoldo Amado merece ser tratada com respeito e consideração. Por isso a repartimos por diferentes textos.
O livro vem prefaciado por outro historiador, Peter Karibe Mendy, antigo diretor do INEP e atualmente professor de História e Estudos Africanos no Rhode Island College. Ele destaca a investigação feita nos arquivos da PIDE/DGS e o tratamento de documento cruciais para o conhecimento do período em apreço, bem como as entrevistas a militantes que tiveram cargos preponderantes no PAIGC e outras fontes igualmente relevantes. Peter Mendy considera que este contributo conduz a uma reapreciação tanto da liderança de Cabral como para análise dos dois contendores, dentro da cronologia dos acontecimentos.
Leopoldo Amado lança um olhar sobre guerras revolucionárias a partir do século XIX, destaca as formas de guerrilha e os processos de contrainsurreição a elas associados. É com os êxitos da consolidação do marxismo-leninismo na China que Mao lançou bases teóricas para dar corpo teórico e justificar o sucesso dos cerca de 20 anos de luta de guerrilhas, a sua obra “Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China” tornou-se uma obra de referência, dela ou de estrategas como o vietnamita Vo Nguyen Giap e o cubano Che Guevara vão procurar fundamentos para as guerrilhas e futuras doutrinações. Cabral conhecia tais doutrinas, a sua estratégia subversiva era tributária destas teorias da guerra revolucionária mas foi-se adaptando às realidades geográficas, sociais e sociológicas guineenses. Quanto ao Exército Português, como observa Amado, a estratégia utilizada derivava das grandes premissas do pensamento estratégico ocidental quanto à contrassubversão. Amado ilustra estas teses e no tocante à estratégia de ação direta lembra como as forças que se encontravam nos territórios coloniais, dependentes do Ministério das Colónias, passaram para a defesa do Ministério da Defesa Nacional, a partir de 1961. O contingente militar, no início da década de 60 era de 4700 homens na Guiné, quando foram encetadas ações subversivas em Janeiro de 1963 houve que montar um aparelho de suporte logístico e deslocar tropas praticamente impreparadas para aquele tipo de combates. As grandes prioridades da doutrina militar portuguesa contra subversiva ficaram plasmados no título “O Exército na Guerra Subversiva”, nele se desenhava uma adaptação a uma nova conceção de guerra.
O autor procede à caracterização do teatro de operações que de tão conhecido nos escusamos a qualquer referência. E depois lança-se em considerações sobre as origens longínquas do conflito, enumera detalhadamente sublevações de toda a ordem, particularmente a partir do século XIX até às guerras de pacificação. E observa: “A colonização portuguesa na Guiné não foi de molde a criar condições para o surgimento de uma elite local que fosse capaz de assegurar a administração dos negócios coloniais”. Mostra como as importações continuaram a ser feitas por outros Estados, por incapacidade da parte portuguesa. As origens próximas do conflito, Amado não podia ter uma visão diferente da existente na historiografia mundial, decorrem da natureza descolonizadora que está implícita à Carta das Nações Unidas e à ascensão do pan-africanismo, que ele documenta minuciosamente. E assim chegamos às independências da Guiné-Conacri e do Senegal, toda a movimentação que aí ocorreu inevitavelmente que se repercutiu no interior da Guiné. Entretanto, a rogo dos países afro-asiáticos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas começou a ocupar-se de Portugal e da sua política colonial. Em simultâneo, Cabral chega a Conacri. Em Outubro de 1960 é aprovada a Resolução 1514, a política portuguesa fica-se sujeita ao crivo das apreciações do Palácio de Vidro. Em termos diplomáticos, a política portuguesa nunca mais se recompôs e o isolamento internacional cresceu gradualmente.
Chegamos a um ponto fundamental da reflexão que é o estudo da negritude e da consciencialização africana, indispensáveis para se compreender a contestação colonial e o quadro de apoios que a mesma obteve, sobretudo nos meios intelectuais progressistas norte-americanos e europeus ocidentais.
O pano de fundo da ideologia colonial aparece bem arrumado, bem documentado e claramente exemplificado como se exercia na Guiné, fundamentalmente até à chegada de Sarmento Rodrigues: a submissão ao imposto palhota e ao trabalho forçado, a natureza dos estatutos dos civilizados e dos assimilados, por exemplo. E por último, o autor dá-nos um esboço da organização da sociedade portuguesa em face de guerra e como se organizava a sociedade guineense e de que modo os grupos étnicos, sobretudo na fase de arranque da guerra, apoiaram os guerrilheiros ou a entidade colonizadora.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9528: Notas de leitura (336): Os Últimos Guerreiros do Império (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P9539: (In)citações (37): O topónimo fula Tabassai (e não Tabassi)... e a lealdade dos fulas, aliados dos portugueses (Cherno Baldé / José Manuel Dinis)
Guiné > Zona leste > Carta de Pirada (1957) (Escala 1/25 mil) > Localização de Tabassi (ou Tabassai ?)
Guiné-Bissau > Mapa, 1981 (Escala 1/500 mil) > Edição do Instituto Geográfico Nacional de França (1981) > Detalhe > Posição de Tabassi (a vermelho)
1. Comentário de Cherno Baldé, técnico superior da administração pública da República da Guiné-Bissau [, foto a seguir, com os filhos, na festa do Tabaski], com data de 24 do corrente, ao poste P9522
Caro José Dinis e prezados Editores,
(i) Eu presumo que houve um erro de grafia [na carta de Pirada, de 1957], pois a fonia "Tabassai" é a mais conhecida. A palavra ou a junção das palavras (Taba e Say)é seguramente de origem mandinga como é o caso de quase todas as localidades da zona norte e leste (p.ex. Farim, Kaabu, Bafatá, Badjucunda, Kuntuba, Fadjunkito, Paunca, Tabató).
Guiné-Bissau > Mapa, 1981 (Escala 1/500 mil) > Edição do Instituto Geográfico Nacional de França (1981) > Detalhe > Posição de Tabassi (a vermelho)
1. Comentário de Cherno Baldé, técnico superior da administração pública da República da Guiné-Bissau [, foto a seguir, com os filhos, na festa do Tabaski], com data de 24 do corrente, ao poste P9522
Caro José Dinis e prezados Editores,
(i) Eu presumo que houve um erro de grafia [na carta de Pirada, de 1957], pois a fonia "Tabassai" é a mais conhecida. A palavra ou a junção das palavras (Taba e Say)é seguramente de origem mandinga como é o caso de quase todas as localidades da zona norte e leste (p.ex. Farim, Kaabu, Bafatá, Badjucunda, Kuntuba, Fadjunkito, Paunca, Tabató).
De uma forma geral, todos os topónimos que começam com o prefixo "Can/kan/Gan", "Ba/Fa", "Man" e os que terminam com o sufixo "to/ta", "do/din", "cama/cunda",[ referem-se a localidades] conquistadas pelos fulas na segunda metade do séc. XIX.
(ii) Mudando de assunto, foi com alguma curiosidade que li as notas de apresentação do José Dinis relativamente à sua zona de atuação durante a sua comissão na Guiné e sobre o conhecimento que pretendia ter sobre as populações locais, fulas na sua maioria, penso que, certamente, já teve tempo e oportunidade para mudar de opinião em alguns aspectos.
Embora esteja de acordo com ele sobre as suas observações em relação ao apego dos fulas à religião muçulmana, que não tem, nem hoje nem ontem, nada de reprovável em si a não ser do ponto de vista etnocêntrico de quem quer impor a sua ordem e sua lógica das coisas, que na altura se chamava "colonialismo" .
(ii) Mudando de assunto, foi com alguma curiosidade que li as notas de apresentação do José Dinis relativamente à sua zona de atuação durante a sua comissão na Guiné e sobre o conhecimento que pretendia ter sobre as populações locais, fulas na sua maioria, penso que, certamente, já teve tempo e oportunidade para mudar de opinião em alguns aspectos.
Embora esteja de acordo com ele sobre as suas observações em relação ao apego dos fulas à religião muçulmana, que não tem, nem hoje nem ontem, nada de reprovável em si a não ser do ponto de vista etnocêntrico de quem quer impor a sua ordem e sua lógica das coisas, que na altura se chamava "colonialismo" .
Infelizmente, não concordo com ele quando diz que "as populações manifestavam colaboração mas assumiam uma posição neutral em relação ao IN, de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros".
Caro José Dinis, o comportamento das populações camponesas em todos os teatros de guerra é quase sempre a mesma, ou seja, de quase neutralidade com o conflito em si. Isto é válido tanto em África como na Ásia ou América-latina, o grande Che Guevara também observou e escreveu sobre o mesmo assunto.
Não obstante, a posição das populações fulas durante a guerra era muito clara, tão clara que ficou escrito nos anais da história do PAIGC, de Cabral e da Guiné; tão clara que, logo depois da independência, a primeira medida que tomaram foi cortar a cabeça, aniquilar as chefias tradicionais e militares que lideraram a oposição e tomaram o partido da aliança com os portugueses.
Durante a guerra, eu vivi sempre na charneira entre a população nativa e os militares portugueses e sempre pressenti esta desconfiança latente da tropa em relação às populações, e quase sempre, de forma absolutamente injustificada.
Os fulas, à semelhanca dos portugueses, foram ingénuos e não conseguiram fazer a leitura correta do sentido da história e pagaram por isso. No caso especifico dos fulas pode-se mesmo dizer que vão pagar, ainda, por muito mais tempo, incluindo várias gerações, por uma aliança onde nem sequer tinham o crédito que mereciam pela sua fidelidade.
Um grande abraço a todos,
Cherno Baldé
Um grande abraço a todos,
Cherno Baldé
Caro Cherno, Camaradas,
Muito obrigado pelo teu comentário esclarecedor em duas vertentes.
A primeira parte tem a ver com a grafia toponómica de Tabassai, geralmente expressa nas cartas geográficas por Tabassi.
Concordo com a tua ilação sobre um erro gráfico nas cartas (serão só as de origem portuguesa?) , hipótese que já me tinha colocado, e por essa razão tem-se perpetuado. Assim, talvez se deva chamar a atenção, não só para o Instituto Geográfico e Cadastral, como para o Departamento congénere do Exércto, e a autoridade da Guiné.
Quanto à segunda parte do teu comentário, apesar da tradicional colaboração, ou pretensa proteção dos Fulas em relação à antiga autoridade portuguesa, tive essa experiência por via de diferentes contactos, mas também me lembro de termos sentido alguma dificuldade em relação a alguns elementos da população, apesar de, no geral, serem de grande alegria e afabilidade as relações da tropa com a população.
Por acaso, reporto-me a Tabassai, para referir que for transformada em aldeia em auto-defesa e, para o efeito, recebeu algumas armas G-3, praticamente novas. Todavia, apercebi-me de que as armas não eram vistas. Nunca observei algum popular com a sua arma. E tive até uma chatice com o chefe da tabanca, porque, mostrando-se solícito em busca dos elementos da auto-defesa, nunca encontrou algum, nem armas.
Um dia, que tínhamos aprazado para o efeito,mostrou-se desdenhoso comigo, pelo que lhe retirei duas granadas que, na ocasião, ostentava à cinta. Dei conhecimento do facto ao capitão e desinteressei-me do caso. Sei que desautorizei uma autoridade, mas constava que as armas tinham levado sumiço, e contavam com a tradicional displicência dos portugueses.
Seria de considerar, neste caso, pelo menos, uma atitude de diplomacia na aceitação das armas para a prática da auto-defesa, que nunca se concretizou enquanto lá estive.
Também sei que havia tropa que roubava bens à população, pelo que admito que houvesse diferentes estados de espírito nas relações da população com os portugueses.
Além disso, havia aldeias mescladas de raças, ou condicionadas por factores assistenciais ou de ordem económica e social, mais ou menos determinantes de emoções que condicionavam as relações.
Mas registo a informação que prestaste, e afirmo a minha repugnância pelos actos de vingança gratuita que incidiram sobre famílias tão sofridas.
Um grande abraço
JD
3. Comentário do editor:
3.1. Na carta da "colónia da Guiné", de 1933, de que se publica acima um detalhe, o topónimo que está grafado é Tabassá... Em 1957, ficou grafado Tabassi, possivelmente por gralha tipográfica... A ser erro, como se deduz depois da convincente e erudita explicação do nosso amigo Cherno Baldé, a grafia tem-se mantido até hoje (nos mapas da Guiné-Bissau, nos mapas do Google...). Seri abom que alguém tomasse as necessárias porvidências para corrigir este erro.
Encontrámos duas fotos, com referência à Tabanca de Tabassi (sic), da autoria do nosso camarada Luís Guerreiro, publicados no blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 (Piche, 1968/70), a cujos editores (Pereira da Costa, Francisco Pereira e José Rocha) mandamos um fraternal abraço, extensivo ao Guerreiro, fotógrafo. (Recorde-se que o Luís, hoje a viver em Monte Real... do Canadá, foi Fur Mil, CART 2410, Gadamael, Ganturé e Guileje, e Pel Caç Nat 65, Bajocunda e Buruntuma, 1968/70).
Fotos: © Luis Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. (Por cortesia do blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 )
Um grande abraço
JD
3. Comentário do editor:
3.1. Na carta da "colónia da Guiné", de 1933, de que se publica acima um detalhe, o topónimo que está grafado é Tabassá... Em 1957, ficou grafado Tabassi, possivelmente por gralha tipográfica... A ser erro, como se deduz depois da convincente e erudita explicação do nosso amigo Cherno Baldé, a grafia tem-se mantido até hoje (nos mapas da Guiné-Bissau, nos mapas do Google...). Seri abom que alguém tomasse as necessárias porvidências para corrigir este erro.
Encontrámos duas fotos, com referência à Tabanca de Tabassi (sic), da autoria do nosso camarada Luís Guerreiro, publicados no blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 (Piche, 1968/70), a cujos editores (Pereira da Costa, Francisco Pereira e José Rocha) mandamos um fraternal abraço, extensivo ao Guerreiro, fotógrafo. (Recorde-se que o Luís, hoje a viver em Monte Real... do Canadá, foi Fur Mil, CART 2410, Gadamael, Ganturé e Guileje, e Pel Caç Nat 65, Bajocunda e Buruntuma, 1968/70).
Tabassai, 1970: uma terra de belas mulheres
Fotos: © Luis Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. (Por cortesia do blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 )
3.2. Sobre eventuais brechas na aliança dos fulas com os portugueses, leia-se o que escreveu o comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na história da unidade:
Nota do editor:
(...) "As facilidades de transporte, o contacto íntimo com o militar europeu começa a desenvolver na juventude fula (os nossos milícias, os nossos soldados) uma certa atitude de contestação contra a sua situação de subalternidades no grupo social, apesar de constituir a principal fonte de recursos desse mesmo grupo social. E, na medida em que, por conveniência, apoiamos as suas estruturas, pode tal juventude de hoje, seus dirigentes de amanhã, acusar-nos de travar o seu progresso, apoiando o despotismo a que as estruturas a sujeitam, e criando assim uma brecha potencial por onde o PAIGC pode penetrar na lealdade Fula".(...) [Vd. poste P6437]
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Último poste da série > 30 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9117: (In)citações (36): Para melhor compreendermos a África... (Artur Augusto Silva, 1963)
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Último poste da série > 30 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9117: (In)citações (36): Para melhor compreendermos a África... (Artur Augusto Silva, 1963)
Guiné 63/74 - P9538: Parabéns a você (389): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9533: Parabéns a você (388): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa, 1979/82
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9533: Parabéns a você (388): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa, 1979/82
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Guiné 63/74 - P9537: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (30): Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra
1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 27 de Fevereiro de 2012:
Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Não tenho estado afastado do nosso blogue e muito menos dos amigos. Apenas menos activo.
Junto mais uma pequena história da minha passagem pela Mata dos Madeiros. Como sempre fica ao teu dispor a sua (ou não) publicação. Como as anteriores é uma história simples. Certamente que trará à memória de alguns dos nossos camaradas situações em tudo muito semelhantes.
Para ti e para os nossos camaradas um abraço amigo,
José Câmara
Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra
Os dias que se seguiram à nossa chegada a Teixeira Pinto foram aproveitados por nós, cada um à sua maneira, para aliviar a alta pressão psicológica a que tínhamos estado sujeitos, nos últimos meses, na Mata dos Madeiros. O descanso, as incursões pela vila e os seus locais de diversão fizeram parte desse alívio bem merecido.
Como gostava de trabalhar na secretaria da Companhia, era ali que passava muito do meu tempo. Também tive a oportunidade de assistir a uma missa dominical e a um casamento entre gente da mesma etnia Manjaca. Destas coisas fiz referência muito superficial numa carta que então escrevi à minha madrinha de guerra.
Hoje, a esta distância no tempo, o Coro da Capela formado por jovens em idade escolar, constitui a imagem que ainda retenho da missa que me foi possível atender, no dia 27 de Junho de 1971, na Vila de Teixeira Pinto. Do casamento, lembro-me que foi feito durante a noite. A noiva, natural da zona do Pelundo e acompanhada de muitos familiares, veio de urbana buscar o noivo que morava em Teixeira Pinto. No regresso juntou-se o batuque. Na verdade, é muito pouco o que recordo e sinto pena de não ter escrito mais sobre esse casamento.
Outro acontecimento de extrema relevância para nós foi a saída de algumas tropas de Teixeira Pinto, que nos permitiu deixar as tendas de campanha e ocupar as instalações muito razoáveis do quartel de Teixeira Pinto.
Foi nesse ambiente, não constituindo qualquer surpresa para nós, que fomos informados de que a nossa Zona de Intervenção continuaria a ser a Mata dos Madeiros. O facto dos nossos camaradas das Transmissões continuarem ali instalados deixava antever isso mesmo. A missão é que seria diferente, bem mais perigosa.
Até ali a protecção do acampamento era feita à distância por dois grupos de combate da CCaç 3327 e ainda de uma outra força de intervenção do CAOP1. A defesa imediata do acampamento era também assegurada pela nossa Companhia. Com a nova estratégia as forças de defesa afastada foram eliminadas e passámos apenas à defesa imediata do acampamento, cujas condições de defesa eram exíguas. As valas eram extremamente abertas e os obuses do Bachile não tinham o alcance suficiente para nos ajudar em caso de flagelação. Contávamos com o nosso Morteiro 107.
Em contrapartida, o moral dos nossos soldados era bastante alto, pois sabiam que o dia 25 de Junho seria o do adeus definitivo da CCaç 3327 à Mata dos Madeiros. Pelo menos assim pensávamos.
No dia 22 de Junho de 1971 escrevi assim à minha madrinha de guerra:
“O tempo que disponho (para escrever) é bastante escasso. Durante o dia estive a trabalhar na Secretaria da Companhia e agora a noite já vai adiantada. Amanhã, pelas 6:30 horas da manhã, vou para o mato e tenho que descansar. Irei passar 24 horas no acampamento onde estivemos. Contudo, deve ser a última vez.”
Certamente que me referia ao meu grupo de combate.
No dia 23 de Junho de 1971, estávamos nós no acampamento quando vimos passar alguns bombardeiros em direcção a Ponta Costa, área do Cacheu. Foram lá deixar naquela zona a sua carga mortífera. As explosões eram enormes. O fumo e o pó subiam nos ares, a terra estremecia debaixo dos nossos pés e os corações tremiam perante tamanha bestialidade. Pessoalmente, pela primeira vez assistia a uma acção directa da nossa Força Aérea.
Os bombardeamentos, a meia dúzia de quilómetros do nosso acampamento, pareceram-nos normal naquela zona. Foram as repetições durante o dia que nos chamaram a atenção. Era evidente que aquilo não era mais que o pronúncio de uma grande operação militar e a CCaç 3327 iria estar de, algum modo, envolvida nela.
Estava explicada a razão do nosso posto de transmissões manter-se em actividade no acampamento, enquanto o Morteiro 107 descansava preguiçosamente no seu espaldar. Aos poucos também aprendíamos a ler os sinais dos homens e da guerra. Da experiência se fazia a velhice.
Na manhã do dia 24 de Junho, quando fomos substituídos no acampamento e regressámos a Teixeira Pinto, tínhamos a certeza de que voltaríamos a ouvir as vozes e os ruídos que aprendemos a distinguir na Mata dos Madeiros.
Só faltava mesmo saber como, onde e quando.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira
Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Não tenho estado afastado do nosso blogue e muito menos dos amigos. Apenas menos activo.
Junto mais uma pequena história da minha passagem pela Mata dos Madeiros. Como sempre fica ao teu dispor a sua (ou não) publicação. Como as anteriores é uma história simples. Certamente que trará à memória de alguns dos nossos camaradas situações em tudo muito semelhantes.
Para ti e para os nossos camaradas um abraço amigo,
José Câmara
Memórias e histórias minhas (30)
Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra
Os dias que se seguiram à nossa chegada a Teixeira Pinto foram aproveitados por nós, cada um à sua maneira, para aliviar a alta pressão psicológica a que tínhamos estado sujeitos, nos últimos meses, na Mata dos Madeiros. O descanso, as incursões pela vila e os seus locais de diversão fizeram parte desse alívio bem merecido.
Como gostava de trabalhar na secretaria da Companhia, era ali que passava muito do meu tempo. Também tive a oportunidade de assistir a uma missa dominical e a um casamento entre gente da mesma etnia Manjaca. Destas coisas fiz referência muito superficial numa carta que então escrevi à minha madrinha de guerra.
Hoje, a esta distância no tempo, o Coro da Capela formado por jovens em idade escolar, constitui a imagem que ainda retenho da missa que me foi possível atender, no dia 27 de Junho de 1971, na Vila de Teixeira Pinto. Do casamento, lembro-me que foi feito durante a noite. A noiva, natural da zona do Pelundo e acompanhada de muitos familiares, veio de urbana buscar o noivo que morava em Teixeira Pinto. No regresso juntou-se o batuque. Na verdade, é muito pouco o que recordo e sinto pena de não ter escrito mais sobre esse casamento.
Outro acontecimento de extrema relevância para nós foi a saída de algumas tropas de Teixeira Pinto, que nos permitiu deixar as tendas de campanha e ocupar as instalações muito razoáveis do quartel de Teixeira Pinto.
Foi nesse ambiente, não constituindo qualquer surpresa para nós, que fomos informados de que a nossa Zona de Intervenção continuaria a ser a Mata dos Madeiros. O facto dos nossos camaradas das Transmissões continuarem ali instalados deixava antever isso mesmo. A missão é que seria diferente, bem mais perigosa.
Até ali a protecção do acampamento era feita à distância por dois grupos de combate da CCaç 3327 e ainda de uma outra força de intervenção do CAOP1. A defesa imediata do acampamento era também assegurada pela nossa Companhia. Com a nova estratégia as forças de defesa afastada foram eliminadas e passámos apenas à defesa imediata do acampamento, cujas condições de defesa eram exíguas. As valas eram extremamente abertas e os obuses do Bachile não tinham o alcance suficiente para nos ajudar em caso de flagelação. Contávamos com o nosso Morteiro 107.
Em contrapartida, o moral dos nossos soldados era bastante alto, pois sabiam que o dia 25 de Junho seria o do adeus definitivo da CCaç 3327 à Mata dos Madeiros. Pelo menos assim pensávamos.
No dia 22 de Junho de 1971 escrevi assim à minha madrinha de guerra:
“O tempo que disponho (para escrever) é bastante escasso. Durante o dia estive a trabalhar na Secretaria da Companhia e agora a noite já vai adiantada. Amanhã, pelas 6:30 horas da manhã, vou para o mato e tenho que descansar. Irei passar 24 horas no acampamento onde estivemos. Contudo, deve ser a última vez.”
Certamente que me referia ao meu grupo de combate.
Aspecto da Mata dos Madeiros
Foto de José Câmara
No dia 23 de Junho de 1971, estávamos nós no acampamento quando vimos passar alguns bombardeiros em direcção a Ponta Costa, área do Cacheu. Foram lá deixar naquela zona a sua carga mortífera. As explosões eram enormes. O fumo e o pó subiam nos ares, a terra estremecia debaixo dos nossos pés e os corações tremiam perante tamanha bestialidade. Pessoalmente, pela primeira vez assistia a uma acção directa da nossa Força Aérea.
Os bombardeamentos, a meia dúzia de quilómetros do nosso acampamento, pareceram-nos normal naquela zona. Foram as repetições durante o dia que nos chamaram a atenção. Era evidente que aquilo não era mais que o pronúncio de uma grande operação militar e a CCaç 3327 iria estar de, algum modo, envolvida nela.
Estava explicada a razão do nosso posto de transmissões manter-se em actividade no acampamento, enquanto o Morteiro 107 descansava preguiçosamente no seu espaldar. Aos poucos também aprendíamos a ler os sinais dos homens e da guerra. Da experiência se fazia a velhice.
Na manhã do dia 24 de Junho, quando fomos substituídos no acampamento e regressámos a Teixeira Pinto, tínhamos a certeza de que voltaríamos a ouvir as vozes e os ruídos que aprendemos a distinguir na Mata dos Madeiros.
Só faltava mesmo saber como, onde e quando.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira
Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Fevereiro de 2012:
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai mais um passo na “Viagem…” acompanhado pelo meu agradecimento ao teu labor disponibilidade e amizade.
Ouvi um destes dias na TV, que finalmente a Guiné tinha ficado expurgada das minas malditas, ainda bem, fico muito satisfeito. Não de propósito mas curiosamente ao mesmo tempo que a minha ”Viagem…” chega até elas!!
Será que as plantadas pelas NT foram todas levantadas ao tempo ou a saída à pressa, pressionada ou não, inviabilizou de todo essa missão? Gostava na verdade de saber.
Pela parte que nos (me) toca, nesse grandíssimo campo em que trabalhamos não terá ficado uma única dessas miseráveis armas cegas, no mínimo estropiadoras e desmoralizadoras! Custou e de que maneira, mas foi conseguido.
Para ti e para todos um abraço
Luís Faria
Bula – uma nova missão
A canícula de finais de época das chuvas aperta. De pé e talvez a fumar uma cigarrada para descomprimir observo o céu e o meu olhar fica preso num “jagudi” que volteia, talvez a “tirar azimute” a um qualquer petisco cá em baixo na planura. Qual T6 (?) a certa altura lança-se em voo picado e segundos depois, nas proximidades uma explosão atroa nos ares. O meu grito de “foi abutre”, já foi em destempo.
Estava em Bula e já nos “finalmente” da estadia por aquelas terras rubras e verdes de África, cores de sangue e de esperança.
Sem que minimamente o imaginasse são-me trocadas as voltas ao libertarem-me das noitadas aliciantes ao mosquito em emboscadas nocturnas e das longas e cansativas passeatas em grupo, por aquelas matas movimentadas pela concorrência.
Talvez como prémio pelo anterior desempenho, são-me oferecidos descanso aos fins-de-semana e folga nas tardes da semana. Fixe e talvez de meter inveja a muitos, só que e em contrapartida teria de começar a aplicar os conhecimentos adquiridos em aprendizagem anterior e reconhecidos em curso diplomado de nota razoável!
Assim a minha actividade recai de novo no extenso campo de minas, legado do antecessor BCAV 2868 e acrescentado ano e meio antes em cerca de 2 quilómetros (se não erro) pelo nosso BCAÇ 2928. Enquanto que da primeira vez por lá andei a plantá-las, agora a tarefa seria a inversa e “cú-de-boi”: levantá-las!
Nessas lides andei – integrando um pequeno grupo de Alferes e Furriéis “eleitos”, escolhidos não sei com que critério – até antevésperas do final da comissão, altura em que rumei ao Cumeré (de que pouco recordo) e onde há já umas semanas estava estacionada a “FORÇA”, aguardando embarque para regresso à Metrópole num “Boeing” dos TAM.
Para mim e julgo que para todos os “eleitos”, esta fase da desminagem foi talvez a mais desgastante por que passei em toda a comissão. E não era “piegas”como agora se ousa dizer!!! Nem eu nem os que por lá escorrermos suor e dor a que alguns, infelizmente muitos, acrescentaram sangue e partes do seu corpo, da “Razão” e até da Alma!
Tanto e tanto sacrifício para, ao que julgo saber, atrás de nós virem a montar novo campo!
Diz-se e julgava eu que este tipo de campos se passavam, como aconteceu para nós. Isso não aconteceu, talvez por validade ou segurança, não sei. Três ou quatro anos pelo menos, são bastante tempo na verdade, ainda para mais naquelas condições climatéricas e animais passíveis de alterar a morfologia do terreno, podendo deslocalizar por vezes significativamente os engenhos. Pessoalmente tive disso a prova nesse e em especial num outro campo de muito menor dimensão, nas proximidades do rio Cacheu (talvez a contar mais tarde, não sei!)
Nunca me passou pela cabeça que o Comando fosse capaz de nos envolver numa operação dessas, ainda para mais nos finais de comissão, sem forte motivo para tal, sabendo na certa que baixas iriam ser contabilizadas! Foram…e não poucas!!
A propósito veio-me à lembrança um “briefing” a que assisti no Comando do CAOP 1 aquando da preparação de uma operação (em que o comando do GCOMB seria meu). A dada altura ouço, dito de maneira natural pela “hierarquia mandante”, que eram expectáveis DOIS MORTOS nessa operação!!! Recordo que fiquei”gelado” e a pensar no valor que se atribuía a uma vida! Era (é) uma permuta contabilística no jogo das guerras: vidas por objectivos! Graças a Deus não se confirmou o expectável!
Tínhamos passado por muitos apertos, alguns dos quais bem “apertados” onde o receio e medo que se pudesse sentir, era dominado. Honestamente não seria talvez de morrer que sentia medo mas, isso sim, de ficar estropiado e dependente de terceiros, situação que não suportaria nem suporto… era esse o meu “medo real”, que por vezes aflorava em especial antes de saídas e que tinha de controlar e ultrapassar.
No levantamento das minas, em principio a morte não seria tão expectável mas em contrapartida, o estropiamento estava por norma latente e à espera da menor falha, distracção, facilitismo, euforismo, cansaço... até por vezes a reacção instintiva a umas abelhinhas ou um “meter os cornos no chão” ao som de um qualquer rebentamento ou tiro de proximidade relativa devia ser dominado, não fosse uma”maldita ferrar-nos”. Assisti a algumas situações que só por Graça não descambaram em desastre!
Ora como atrás referi, o insuportável para mim e na certa comum, era o estropiamento que me deixasse dependente. Talvez esse receio, esse medo me tenha feito actuar sempre, mas sempre mesmo com extremo cuidado, calma, concentração, segurança e autodomínio nos manuseamentos, aplicando o conhecimento adquirido, não facilitando e abstraindo-me por completo do que me rodeava nesses momentos.
Os cigarros “Português Suave” sem filtro, por vezes fumados de seguida, eram a minha panaceia nos momentos em que precisava de descontrair, de descomprimir até sentir de novo que estava em condições de continuar o trabalho. Só nós próprios podíamos sentir esse estado de espírito, não deixando lugar a influências, pressões e muito menos a imposições! Esta era a verdade, pelo menos a minha verdade!
Muito estava em jogo e não queria fazer parte do “espectável”, justamente agora em final de tempo dessa “jogatina de vida” que se arrastava há quase dois anos!
O “jagudi”, avistado mais à frente no campo, jazia estraçalhado. Prenúncios?!
Luís Faria
____________
Nota de CV.
Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai mais um passo na “Viagem…” acompanhado pelo meu agradecimento ao teu labor disponibilidade e amizade.
Ouvi um destes dias na TV, que finalmente a Guiné tinha ficado expurgada das minas malditas, ainda bem, fico muito satisfeito. Não de propósito mas curiosamente ao mesmo tempo que a minha ”Viagem…” chega até elas!!
Será que as plantadas pelas NT foram todas levantadas ao tempo ou a saída à pressa, pressionada ou não, inviabilizou de todo essa missão? Gostava na verdade de saber.
Pela parte que nos (me) toca, nesse grandíssimo campo em que trabalhamos não terá ficado uma única dessas miseráveis armas cegas, no mínimo estropiadoras e desmoralizadoras! Custou e de que maneira, mas foi conseguido.
Para ti e para todos um abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (50)
Bula – uma nova missão
A canícula de finais de época das chuvas aperta. De pé e talvez a fumar uma cigarrada para descomprimir observo o céu e o meu olhar fica preso num “jagudi” que volteia, talvez a “tirar azimute” a um qualquer petisco cá em baixo na planura. Qual T6 (?) a certa altura lança-se em voo picado e segundos depois, nas proximidades uma explosão atroa nos ares. O meu grito de “foi abutre”, já foi em destempo.
Estava em Bula e já nos “finalmente” da estadia por aquelas terras rubras e verdes de África, cores de sangue e de esperança.
Sem que minimamente o imaginasse são-me trocadas as voltas ao libertarem-me das noitadas aliciantes ao mosquito em emboscadas nocturnas e das longas e cansativas passeatas em grupo, por aquelas matas movimentadas pela concorrência.
Talvez como prémio pelo anterior desempenho, são-me oferecidos descanso aos fins-de-semana e folga nas tardes da semana. Fixe e talvez de meter inveja a muitos, só que e em contrapartida teria de começar a aplicar os conhecimentos adquiridos em aprendizagem anterior e reconhecidos em curso diplomado de nota razoável!
Assim a minha actividade recai de novo no extenso campo de minas, legado do antecessor BCAV 2868 e acrescentado ano e meio antes em cerca de 2 quilómetros (se não erro) pelo nosso BCAÇ 2928. Enquanto que da primeira vez por lá andei a plantá-las, agora a tarefa seria a inversa e “cú-de-boi”: levantá-las!
Nessas lides andei – integrando um pequeno grupo de Alferes e Furriéis “eleitos”, escolhidos não sei com que critério – até antevésperas do final da comissão, altura em que rumei ao Cumeré (de que pouco recordo) e onde há já umas semanas estava estacionada a “FORÇA”, aguardando embarque para regresso à Metrópole num “Boeing” dos TAM.
Para mim e julgo que para todos os “eleitos”, esta fase da desminagem foi talvez a mais desgastante por que passei em toda a comissão. E não era “piegas”como agora se ousa dizer!!! Nem eu nem os que por lá escorrermos suor e dor a que alguns, infelizmente muitos, acrescentaram sangue e partes do seu corpo, da “Razão” e até da Alma!
Tanto e tanto sacrifício para, ao que julgo saber, atrás de nós virem a montar novo campo!
Diz-se e julgava eu que este tipo de campos se passavam, como aconteceu para nós. Isso não aconteceu, talvez por validade ou segurança, não sei. Três ou quatro anos pelo menos, são bastante tempo na verdade, ainda para mais naquelas condições climatéricas e animais passíveis de alterar a morfologia do terreno, podendo deslocalizar por vezes significativamente os engenhos. Pessoalmente tive disso a prova nesse e em especial num outro campo de muito menor dimensão, nas proximidades do rio Cacheu (talvez a contar mais tarde, não sei!)
Nunca me passou pela cabeça que o Comando fosse capaz de nos envolver numa operação dessas, ainda para mais nos finais de comissão, sem forte motivo para tal, sabendo na certa que baixas iriam ser contabilizadas! Foram…e não poucas!!
A propósito veio-me à lembrança um “briefing” a que assisti no Comando do CAOP 1 aquando da preparação de uma operação (em que o comando do GCOMB seria meu). A dada altura ouço, dito de maneira natural pela “hierarquia mandante”, que eram expectáveis DOIS MORTOS nessa operação!!! Recordo que fiquei”gelado” e a pensar no valor que se atribuía a uma vida! Era (é) uma permuta contabilística no jogo das guerras: vidas por objectivos! Graças a Deus não se confirmou o expectável!
Tínhamos passado por muitos apertos, alguns dos quais bem “apertados” onde o receio e medo que se pudesse sentir, era dominado. Honestamente não seria talvez de morrer que sentia medo mas, isso sim, de ficar estropiado e dependente de terceiros, situação que não suportaria nem suporto… era esse o meu “medo real”, que por vezes aflorava em especial antes de saídas e que tinha de controlar e ultrapassar.
No levantamento das minas, em principio a morte não seria tão expectável mas em contrapartida, o estropiamento estava por norma latente e à espera da menor falha, distracção, facilitismo, euforismo, cansaço... até por vezes a reacção instintiva a umas abelhinhas ou um “meter os cornos no chão” ao som de um qualquer rebentamento ou tiro de proximidade relativa devia ser dominado, não fosse uma”maldita ferrar-nos”. Assisti a algumas situações que só por Graça não descambaram em desastre!
Ora como atrás referi, o insuportável para mim e na certa comum, era o estropiamento que me deixasse dependente. Talvez esse receio, esse medo me tenha feito actuar sempre, mas sempre mesmo com extremo cuidado, calma, concentração, segurança e autodomínio nos manuseamentos, aplicando o conhecimento adquirido, não facilitando e abstraindo-me por completo do que me rodeava nesses momentos.
Os cigarros “Português Suave” sem filtro, por vezes fumados de seguida, eram a minha panaceia nos momentos em que precisava de descontrair, de descomprimir até sentir de novo que estava em condições de continuar o trabalho. Só nós próprios podíamos sentir esse estado de espírito, não deixando lugar a influências, pressões e muito menos a imposições! Esta era a verdade, pelo menos a minha verdade!
Muito estava em jogo e não queria fazer parte do “espectável”, justamente agora em final de tempo dessa “jogatina de vida” que se arrastava há quase dois anos!
O “jagudi”, avistado mais à frente no campo, jazia estraçalhado. Prenúncios?!
Luís Faria
Uma equipa de Minas e Armadilhas da CART 2732 neutralizando uma mina anticarro no Bironque
Foto de Carlos Vinhal____________
Nota de CV.
Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem
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