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Fotos: © Juvenal Amado (2012). Todos os direitos reservados
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado, com data de 21 do corrente
Caro Luís, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande
Esta pequena estória serve para recordar o meu amigo Silva e faz parte da parede que tento construir. Cada nome, cada caso, cada recordação são tijolos para essa parede.
Seguem algumas fotos com a particularidade de que numa delas aparece um africano que eu não tenho a certeza de ser o Jamba. Tentei confirmar junto de alguns camaradas, mas penso que só o dr Pereira Coelho o conhecer hoje. Fiz alguns apelos mas até agora nada.
Mas mesmo assim vou falar sobre o Jamba. O Jamba era um civil contratado pelo quartel que fazia vários trabalhos. De forte compleição, de bom trato ia connosco à lenha, por vezes há água, estava por todo o lado à vontade pois gosava de total liberdade de entrar e sair do quartel. Também fazia os recados do comandante nas relações comerciais com as lavadeiras, levando-lhe a roupa suja e trazendo a lavada.
Enfim era uma pessoa de toda a confiança... Só mais tarde se veio a descobrir que ele era militante do PAIGC na clandestinidade. Quando reunir informação suficiente contarei o resto da estória se ouver material para isso.
Até lá um abraço
Juvenal Amado
2. Estórias do Juvenal Amado > Olha o Silva!!!
2. Estórias do Juvenal Amado > Olha o Silva!!!
por Juvenal Amado
(ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)
O Silva foi 1º cabo do Pel Rec e era um amigo de todas as horas. Fazia parte de um grupo que se tinha formado ainda em Abrantes após a mobilização, todos do mesmo pelotão excluindo eu que fui praticamente adoptado.
Viemos todos do RI6, na Sra da Hora, no Porto, para Abrantes no mesmo dia e no mesmo comboio, eu com os condutores e com pouca ligação ou nenhuma a essa malta, que depois viria a ser e ainda são como meus irmãos.
O Silva a nível dos soldados só tinha amigos, o mesmo já não digo aos graduados, pois não se coibia de criticar e mesmo tomar posições de certa maneira complicadas de ordem disciplinar. A título de exemplo conto uma pequena estória.
Os camaradas que saíam para as patrulhas nocturnas, quando chegavam ao quartel e depois de tomar banho, dirigiam-se para o refeitório por volta da meia-noite para assim jantarem.
Mas o jantar era difícil de comer àquela hora, frio e normalmente em papas, pois estava feito desde a 18 horas. De queixa em queixa, de crítica em crítica, as situações iam-se repetindo. Uma bela noite o pelotão recusou-se a comer, fazendo um levantamento de rancho ainda que restrito.
Veio o oficial de dia, que tentou convencê-los a comer e não conseguindo, passou às inevitáveis ameaças, das inevitáveis porradas disciplinares. Tudo foi em vão, pois os camaradas do Pel Rec estavam irredutíveis com o Silva à cabeça.
O oficial passou das ameaças e pensando que vergando o Silva os outros se renderiam, agrediu-o para o obrigar a comer. O Silva manteve-se firme e não comeu. Não me lembro como se resolveu o problema gerado pela agressão, mas as partes envolvidas acabaram por chegar a um acordo e a coisa ficou por ali, com a promessa que o problema das refeições seria resolvido, o que veio a acontecer a partir daquela data e nos meses posteriores até ao fim da comissão.
O Silva subiu na nossa consideração e todos lhe gabamos a coragem de fazer frente ao graduado, embora, se o não segurassem, teria ele respondido à agressão e a coisa tinha ido a mais.
Mas o Silva tinha uma particularidade que nós estranhávamos. Nunca se embebedava. Bebia uns copos mas não passava dali. Coisa estranha, pois até os mais controlados acabavam por se “encharcar” e tanto mais que a comissão já ia bem adiantada.
Um belo dia, com o pré fresco no bolso fomos a Bafatá, já com os nossos periquitos e foi de arrasar. Iam os do costume, o Silva, o Ivo, o Caramba, o Ferreira etc. Não será necessário aqui mencionar todos, embora tenha que aqui fazer uma ressalva para o Estofador e o Aljustrel que, não tendo recebido autorização para seguir na coluna, nos foram esperar ao fundo da bolanha e assim passarem a perna ao tenente Raposo que tinha negado a licença aos dois.
Bom, em Bafatá, o circuito do costume, começou na Transmontana e entre este mata- bicho e o almoço já encomendado no Libanês, a cerveja corria a rodos.
- É hoje que pregamos uma bebedeira no Silva. - combinamos nós.
E assim foi quando chegamos ao restaurante do Libanês, já todos íamos bem bebidos. Lá como de costume, corria a rodos o vinho branco bem fresco a acompanhar o bife. Depois vinham os charutos e o whisky, normalmente oferecido pelo dono da casa. Inconsolável estava o meu periquito, porque o não deixamos beber nada a não ser Fanta e Coca-Cola.
Não será preciso ter grande imaginação, para ver em que estado estávamos e em que estado chegamos ao quartel. Ao Silva, esse estava que ninguém o podia aturar. Uns usavam o termo “atravessado”, que é um estádio entre a bebedeira e a negação do facto, outros diziam que ele estava com uma “cabra” de todo o tamanho. Uma coisa era certa, ninguém o segurava, não dava um minuto de descanso pois queria apresentar-se ao comandante, ou ir chatear o tenente Raposo, beber um copo à messe, ir para a tabanca e sabe-se lá o que ele faria se o largássemos.
Já noite ia adiantada quando finalmente o deixei no abrigo do Pel Rec e fui para o meu, que era no extremo oposto do quartel. Estava a pegar no sono, pensando que não contassem mais comigo para o embebedar, e que finalmente o gajo tinha sossegado, levo uma palmada fortíssima na coxa, acompanhada de um exclamação do Silva com aquela pronúncia dos Carvalhos:
- Olha o Amado!!!!! estás aqui, filho da puta!!!! - E tive que o aturar o resto da noite.
Este grupo onde está também o Passos [, foto acima,] tem-se mantido sempre em ligação excluindo o Ferreira que nunca mais deu sinal de si e a ultima vez que o vi, foi numa foto numa revista, quando ele ganhou uma viagem à Disneylândia.
Eu fui ao casamento do Silva com a Ester [, foto acima,] e eles posteriormente vieram ao meu. O Silva, depois de muito ter trabalhado num negócio que montou, acabou por ter que emigrar para França há meia dúzia de anos. Nunca mais o vi. Esteve cá agora de férias na sua terra, mandei-lhe um abraço virtual e pensei que gostava de estar com ele, mas desta vez bebia cerveja sem álcool.
Um abraço
Juvenal Amado
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 12 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento
(ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)
O Silva foi 1º cabo do Pel Rec e era um amigo de todas as horas. Fazia parte de um grupo que se tinha formado ainda em Abrantes após a mobilização, todos do mesmo pelotão excluindo eu que fui praticamente adoptado.
Viemos todos do RI6, na Sra da Hora, no Porto, para Abrantes no mesmo dia e no mesmo comboio, eu com os condutores e com pouca ligação ou nenhuma a essa malta, que depois viria a ser e ainda são como meus irmãos.
O Silva a nível dos soldados só tinha amigos, o mesmo já não digo aos graduados, pois não se coibia de criticar e mesmo tomar posições de certa maneira complicadas de ordem disciplinar. A título de exemplo conto uma pequena estória.
Os camaradas que saíam para as patrulhas nocturnas, quando chegavam ao quartel e depois de tomar banho, dirigiam-se para o refeitório por volta da meia-noite para assim jantarem.
Mas o jantar era difícil de comer àquela hora, frio e normalmente em papas, pois estava feito desde a 18 horas. De queixa em queixa, de crítica em crítica, as situações iam-se repetindo. Uma bela noite o pelotão recusou-se a comer, fazendo um levantamento de rancho ainda que restrito.
Veio o oficial de dia, que tentou convencê-los a comer e não conseguindo, passou às inevitáveis ameaças, das inevitáveis porradas disciplinares. Tudo foi em vão, pois os camaradas do Pel Rec estavam irredutíveis com o Silva à cabeça.
O oficial passou das ameaças e pensando que vergando o Silva os outros se renderiam, agrediu-o para o obrigar a comer. O Silva manteve-se firme e não comeu. Não me lembro como se resolveu o problema gerado pela agressão, mas as partes envolvidas acabaram por chegar a um acordo e a coisa ficou por ali, com a promessa que o problema das refeições seria resolvido, o que veio a acontecer a partir daquela data e nos meses posteriores até ao fim da comissão.
O Silva subiu na nossa consideração e todos lhe gabamos a coragem de fazer frente ao graduado, embora, se o não segurassem, teria ele respondido à agressão e a coisa tinha ido a mais.
Mas o Silva tinha uma particularidade que nós estranhávamos. Nunca se embebedava. Bebia uns copos mas não passava dali. Coisa estranha, pois até os mais controlados acabavam por se “encharcar” e tanto mais que a comissão já ia bem adiantada.
Um belo dia, com o pré fresco no bolso fomos a Bafatá, já com os nossos periquitos e foi de arrasar. Iam os do costume, o Silva, o Ivo, o Caramba, o Ferreira etc. Não será necessário aqui mencionar todos, embora tenha que aqui fazer uma ressalva para o Estofador e o Aljustrel que, não tendo recebido autorização para seguir na coluna, nos foram esperar ao fundo da bolanha e assim passarem a perna ao tenente Raposo que tinha negado a licença aos dois.
Bom, em Bafatá, o circuito do costume, começou na Transmontana e entre este mata- bicho e o almoço já encomendado no Libanês, a cerveja corria a rodos.
- É hoje que pregamos uma bebedeira no Silva. - combinamos nós.
E assim foi quando chegamos ao restaurante do Libanês, já todos íamos bem bebidos. Lá como de costume, corria a rodos o vinho branco bem fresco a acompanhar o bife. Depois vinham os charutos e o whisky, normalmente oferecido pelo dono da casa. Inconsolável estava o meu periquito, porque o não deixamos beber nada a não ser Fanta e Coca-Cola.
Não será preciso ter grande imaginação, para ver em que estado estávamos e em que estado chegamos ao quartel. Ao Silva, esse estava que ninguém o podia aturar. Uns usavam o termo “atravessado”, que é um estádio entre a bebedeira e a negação do facto, outros diziam que ele estava com uma “cabra” de todo o tamanho. Uma coisa era certa, ninguém o segurava, não dava um minuto de descanso pois queria apresentar-se ao comandante, ou ir chatear o tenente Raposo, beber um copo à messe, ir para a tabanca e sabe-se lá o que ele faria se o largássemos.
Já noite ia adiantada quando finalmente o deixei no abrigo do Pel Rec e fui para o meu, que era no extremo oposto do quartel. Estava a pegar no sono, pensando que não contassem mais comigo para o embebedar, e que finalmente o gajo tinha sossegado, levo uma palmada fortíssima na coxa, acompanhada de um exclamação do Silva com aquela pronúncia dos Carvalhos:
- Olha o Amado!!!!! estás aqui, filho da puta!!!! - E tive que o aturar o resto da noite.
Este grupo onde está também o Passos [, foto acima,] tem-se mantido sempre em ligação excluindo o Ferreira que nunca mais deu sinal de si e a ultima vez que o vi, foi numa foto numa revista, quando ele ganhou uma viagem à Disneylândia.
Eu fui ao casamento do Silva com a Ester [, foto acima,] e eles posteriormente vieram ao meu. O Silva, depois de muito ter trabalhado num negócio que montou, acabou por ter que emigrar para França há meia dúzia de anos. Nunca mais o vi. Esteve cá agora de férias na sua terra, mandei-lhe um abraço virtual e pensei que gostava de estar com ele, mas desta vez bebia cerveja sem álcool.
Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor:
Último poste da série > 12 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento