1. Mensagem do nosso camarada João Rebola* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2013:
Olá, Carlos Vinhal
O doc. que te envio para publicação foi escrito 25 anos depois de termos chegado da Guiné.
Na altura, ainda éramos muitos, só graduados e alguns elementos (poucos) da CCS, já que os operacionais, todos açorianos, ficaram em S. Miguel.
Neste momento, já se contam pelos dedos das mãos!
Estas quadras, dirigidas aos homens da 2444, mas que sofreram alguns retoques, vão também para todos aqueles que passaram pela Guiné e principalmente aos que estiveram nos locais, nelas referidos.
"Não se vive para recordar, mas só recorda quem vive"
Se for possível a publicação integral do mesmo, agradeço.
Aceita "manga de mantenhas".
João Rebola
SINOPSE LÚDICO-HISTÓRICA DA CÇAÇ 2444
Quando em Abril de 68
Para os Açores embarcámos,
Sem de nada sabermos
Já estávamos tramados.
Pouco tempo durou o sonho
De aí cumprirmos a comissão,
Já que a O.S. 107 de 8 de Maio
Desvaneceu a nossa ilusão.
Depois de 4 meses de boa estada
Com uma vivência assaz querida,
Aquelas lindas terras deixámos
Em direcção a Stª. Margarida
Aqui fizemos o I A O
De dia, em instrução,
À noite, em fados e bebedeiras
Que bom, aquelas brincadeiras.
Assim fomos queimando as horas
Esperando a dolorosa partida.
E a 9 de Novembro, pela calada da noite
Deixámos o quartel de Stª. Margarida.
Ao cais do Conde d’Óbidos chegámos
Numa viagem afadigada mas triunfante,
Com o Uíge, por nós esperando
Para nos levar a terras do Infante.
Eis chegado o momento do adeus
Para sempre, talvez, até breve, pensámos.
Fez-se ao mar o monstro de madeira
E de nossos olhos, lágrimas brotámos.
Foi linda a viagem, mas de alegria contida
Pois o bom nunca se espera, só o mau.
E ao fim de 6 dias, escalando ainda o Funchal
À Guiné chegámos, ao porto de Bissau.
Para o cais fomos levados
E muito saudados pelos de lá.
Mas rapidamente se apressaram
A transportarem-nos para Brá.
Ali permanecemos algum tempo
Depois para os Adidos enviados.
Com o futuro, ainda desconhecido
E dia a dia cada vez mais chateados.
Tinha-se o sono apoderado de nós
Quando, de súbito, fomos acordados.
Depressa nos vestimos e aprontámos
E para Bula fomos levados.
Ali começámos a preparação bélica
Com os “velhinhos” do batalhão.
Patrulhando de dia, à noite, emboscando
Mas que destino agora nos darão?
Có, palavra terrível
Pela estrada do Vietnam, assim conhecida
Para lá seguimos com o coração nas mãos
Pedindo protecção à Virgem, mãe querida.
Durante 2 meses ali permanecemos,
Dormindo em tendas e abrigos escavando.
Mas, por ironia, após a nossa saída
O Vargas Cardoso logo os foi tapando
Apenas num dia de desmatação
Perto de nós, morteiradas caíram.
Mas os bravos da 2444
Entreolharam-se e até sorriram.
Estava o Janeiro a terminar
Para o Cacheu fomos transferidos.
Continuámos a nossa epopeia
Com mortos e muitos feridos.
Dia 6, data fatídica, mês de Fevereiro,
Aziago e de muita má lembrança,
Que retirou do mundo algumas vidas
Plenas de vida e esperança.
Recordem, amigos, do local o seu nome
Que, de repente, desfez sonhos e não só
Deixando para sempre tristeza, luto e dor
Aquela operação insidiosa, em Capó
Mas a esperança iria renascer
Com a ida para Bissorã, bela localidade
E assim esquecemos um pouco o mato
Ou não estivéssemos numa “ cidade”
Mas ao longo de 14 meses lá passados
Nem tudo foi bom ou de alegria
Já que além de mais feridos
Em Encheia, mais alguém jazia
Recordo, nostálgico, aquela “cidade”
De fulas, mandingas e balantas
Dos passeios de mota, cinema, petiscos e fados
E bailes com belas “bajudas” até às tantas
Aproximava-se o fim da comissão
Ao Olossato fomos “parar”
Para grande operação no Morés
E a boa disposição iria acabar
Regressados a Bissorã, 2 semanas depois
Cansados de tanto emboscar
Para nosso grande espanto
A Binar, fomos “esbarrar”
Nunca soubemos bem o porquê
Mas lá partimos para outro “terreiro”
Deixando em Bissorã imensas saudades
Mas sem saudades do Polidoro Monteiro
Finalmente abandonámos o mato
Já era tempo de a Bissau regressar
Aguardando a vinda do Carvalho Araújo
Para Portugal embarcar
A 20 de Agosto de 70
Para os Açores começámos a navegar
Passando ainda por Cabo Verde
Para mais tropa transportar
Eis-nos chegados a Ponta Delgada
Que com palmas e lágrimas nos recebeu
Marchando por ruas entapetadas com flores
Pois foi assim que a população nos acolheu
Aqui permanecemos 3 dias
Antes de nos fazermos ao mar
E a 3 de Setembro de 70
A Lisboa estávamos a chegar
Não esqueço os companheiros
Que as balas fizeram tombar
Em mim permanecerão sempre vivos
Enquanto viver e sonhar
Meus amigos, a vida é mesmo assim
A morte não escolhe nomes nem idades
Tudo o que aqui escrevi e lerdes
Não são mentiras, são verdades.
João Rebola
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 3 de Março de 2013 >
Guiné 63/74 - P11183: Blogpoesia (323): É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte (Luís Graça)