sexta-feira, 8 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14587: Efemérides (186): 8 de maio de 1945: o fim da II Guerra Mundial na Europa, com a capitulação da Alemanha nazi... O mundo não voltaria mais a ser o mesmo...


Brlim > 3 de junho de 1945 > O Reichstag em ru+inaa, um mês depois da rendição dos alemães (a 2 de maio, em Berlim, e a 8 de maio, em todos os teatros de operações). Imagem do Imperial War Museum, Londres. Domínio público. Cortesia de Wiki Commons.


Berlim > 21 de março de 2015 > O histórico edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999). O edifício foi profundamente remodelado sob a direção do arquiteto inglês Sir Norman Foster.



Berlim > 21 de março de 2015 > Ediífício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > A famosa cúpula de vidro e aço desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster. A original (de 1894) foi destruída pelo incêndio de 1933 e pelos bombardeamentos da II Guerra Mundial...


Berlim > 21 de março de 2015 > Edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Aspeto do interior da famosa cúpula de vidro e aço, desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster, e que é um os ex-libris da cidade, "fénix renascida" do triplo pesadelo que foi o regime nazi (1933-1945), a II Guerra Mundial e a divisão da Alemanha e da cidade de Berlim durante a ocupação e o período da guerra fria... Recorde-se que o muro de Berlim caiu em 1989 e a reunificação da Alemanha é do ano seguinte.


Berlim > 21 de março de 2015 > Edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Aspeto, já ao pôr do sol,  do interior da famosa cúpula de vidro e aço, desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster



Berlim > 21 de março de 2015 > Ediífício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Interior da cúpula > Exposição documental sobre a história do parlamento alemão (construído em 1894, e já um cúpula de vidro e aço. no tempo do Kaiser Guilherme I),  > Imagem das primeiras tropas soviéticas que ocuparam o edifício em 2 de maio de 1945.


Berlim > 21 de março de 2015 > A porta de Brandemburgo vista da cúpula do edífício do Reichtag.


Berlim > 22 de março de 2015 > Com a porta de Brandemburgo, um numeroso grupo de adolescentes nipónicos tira a sua "foto de família"... Recorde-se que a rendição incondicional  do Japão, na II Guerra Mundial,  só se vai verificar no dia 2 de setembro de 1945, três meses do colapso de Berlim...



Berlim > 22 de março de 2015 > As portas de Brandemburgo, Lê-se  na Infopédia, e reproduz-se aqui com a devida vénia:

"As Portas de Brandemburgo, construídas entre 1788 e 1791, são o que resta da entrada na cidade de Berlim pela Avenida Unter den Linden [, a famosa Avenida das Tílias]. A construção do monumento ficou a dever-se ao arquiteto Carl Gottard Langhans, na época em que era Diretor de Arquitetura em Berlim.Trata-se de um pórtico colunado com seis pares de colunas dóricas encimadas por entablamento como se apresentam os propileus gregos. A famosa Quadriga da Vitória, uma estátua com um coche de gala puxado por quatro cavalos, remata todo o conjunto.  É ainda ladeado por dois corpos laterais simétricos, porticados e sobrepujados com frontão triangular. A sobriedade monumental reflete a vontade que a Alemanha exprimia em ser uma continuadora da tradição arquitetónica da Grécia. A ordem dórica, embora exprimindo mais eficazmente a simplicidade e grandeza clássica, era ao mesmo tempo pouco flexível, razão pela qual não foi extensivamente usada durante o período neoclássico.

"O monumento reflete os ideais autocráticos pela sua monumentalidade, conseguida através do uso de elementos classicistas. Evocando os arcos de triunfo, apresenta uma maior frieza precisamente pelo uso da ordem dórica. A estrutura ficou bastante danificada durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido restaurada em 1957-58. Entre 1961 e 1989 o muro de Berlim vedava o acesso a esta entrada por alemães orientais e ocidentais. Em consequência da reunificação alemã, as portas foram reabertas em 1989."...



Berlim > 21 de março de 2015 > > Portas de Brandemburgo > A Quadriga, a escultura que reprsenta a deusa (romana) Vitória a conduzir o seu coche, é da autoria do alemão Johann Gottfried Schadow (1764-1850), tendo sido adicionada à porta em 1793/94. Em 1806, Napoleão, derrotados os prussianos em Jena, trouxe a quadriga como troféu para Paris. Derrotado Napoleão oito anos depois, a escultura é trazida  de volta. É então, que recebe a cruz de ferro (uma condecoração militar instituída pelo rei da Prússia,  Fredereco Guilherme III) com uma águia prussiana no topo. Concebida originalmente como uma "porta da paz", acabou sempre por estar associado aos valores do militarismo... Em 1933, a porta é atravessada pelo cortejo de archotes dos nazis, marcando simbolicamente o início do Reich dos mil anos...


Berlim > 22 de março de 2015 >Portas de Brandemburgo, A deusa Vitória conduzindo a Quadriga...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados

1. Em todas as guerras e em todos os regimes, ninguém dispensa o poder da propaganda... Umas das fotos-ícone do séc. XX foi tirada justamente aqui, no Reichtag, em 2 de maio de 1945, pelo fotojornalista Yevgeny Khaldei (Donetsk, Ucrânia, 1917- Moscovo, Rússia, 1997)... 

Não reproduzimos aqui a foto por não estar inteiramente esclarecido se é do domínio público ou não. Mas continua, por enquanto, disponível na Wikipedia: um soldado soviético, em pose heróica, crava a bandeira vermelha, com a foice e o martelo, num dos cantos do telhado do Reichtag [, a antiga sede do parlamento da República de Weimar, proclamada em 9/11/1918], em Berlim. A capital do poderoso Reich dos mil anos tinha acabado de cair, sem honra nem glória, às mãos do exército de Staline. 

Soube-se, todavia, mais tarde que a foto sofreu sucessivos  "retoques artísticos"... por imperativos de propaganda. Uma das razões foi ditada pela necessidade de "limpar" a imagem do heróico soldado soviético... Afinal, o porta-bandeira de ocasião ostentava nos braços pelo menos dois  relógios, supostamente provenientes de um saque...

No dia 2 maio de 1945, de manhãzinha, Yevgeny Khaldei estava no edifício do Reichstag, que os soviéticos tomavam erradamente como um dos símbolos do nazismo. (O Parlamento da república de Weimar foi incendiado  em 1933, e esse cabo tenebroso acabou por dar pelnos poderes a Hitler)...

Três horas antes, o último comandante alemão que defendia a cida tinha capitulado, mas ainda havia combates esporádicos. Khaldei tinha sua câmera Leica com ele, além de uma bandeira soviética.

O fotógrafo militar, de 28 anos, tenente da marinha, de origem judia, encontrou um jovem camarada junto ao edifício do antigo parlamento, seriamente destruído pelas chamas e pelos bombardeamentos, persuadindo-o a subir ao telhado com a bandeira. Dois outros soldados do exército vermelho se juntaram a eles..

Khaldei tirou um rolo inteiro, ou seja, 36 fotografias. Uma delas tornou-se célebre, ao simbolizar a derrota da Alemanha nazi e a vitória do exército vermelho. Foi sabiamente usadas pela propaganda soviética, para quem o Reichtag tinha um valor simbólico... e não propriamente militar.

Vtima, ao que parece, do antissemitismo estalinista no pós-guerra, Khaldei caiu no esquecimento, e ele e a sua foto. Seria só em 1991, já depois da queda do muro de Berlim, e do desmoronamento da URSS, que um artista berlinense, Ernst Volland, se deparou por acaso com estas fotos de Khaldei em Moscovo, tendo decidiu publicá-las em livro.

Em 8 de maio de 2008, no aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, o museu Martin Gropius Bau, em Berlim, fez uma retrospectiva da obra de Khaldei, considerado o mais importanbe fotojornalista da era soviética. A exposição mostrou fotografias da "Grande Guerra Patriótica": a conquista, pelo exército vermelho, de Sofia, Bucareste, Budapeste e Viena, bem como a conferência de Potsdam e os julgamentos de Nuremberg. Também contava com fotografias da vida quotidiana na União Soviética, de antes e depois da guerra.

Khaldei não era, técnica, formal e esteticamente, um fotógrafo de grande estilo. Em contrapartida, teve o mérito de captar momentos historicamente importantes (e alguns únicos), ao longo de uma carreira de seis décadas. Pode-se lamentar que, do ponto de vista deontológico, o seu comportamento nem sempre tenha sido correto, como no caso da sua obra-prima fotográfica, a foto da bandeira vermelha no Reichtag. De qualquer modo, não deixa de ser um dos grandes fotojornalistas do séc. XX.

2. A história dessa falsificação, o "making off" da foto do Reichtag, foi reconstituída por Volland, o curador da exposição de Berlim.  Segundo ele, Khaldei nessa mesma noite de 2 maio seguiu de avião para  Moscovo, levando os negativos. Quando a imagem apareceu na revista Ogonjok,  em 13 de maio de 1945, já havia um detalhe modificado. Na realidade, o soldado que está apoar o seu camarada com a bandeira tinha um relógio em cada pulso, o que só podia ser produto de roubo. Khaldei admitirá mais tarde que tinha riscado o relógio no braço direito do homem num dos negativos,  usando uma agulha... Por outro lado, as  nuvens negras de fumo, dando maior carga dramática e tom épica à foto, terão sido adicionadas mais tarde.... Enfim, na versão final, há uma nova bandeira, ondulando dramaticamente no vento.

Khaldei justificou-se, alegando que manipulou a foto por uma boa causa, o seu ódio ao nazismo... O seu pai e três das suas quatro irmãs foram assassinados pelos alemães... Uns anos antes de morrer (em 1997), disse publicamente que perdoava aos alemães, mas nunca poderia esquecer... O que se entende, porque é humano. 

Conheceu grandes fotógrafos do seu tempo como Robert Capa (1913-1954), de seu nome verdadeiro, Endre Ernő Friedmann, judeu de origem húngara,  um dos fundadores da agência Magnum. Tornaram-se amigos e Capa deu a Khaldei uma câmera "Speed ​​Graphic", quando ambos faziam a cobertura dos julgamentos de crimes de guerra em  Nuremberg.

  by Michael Sontheimer, in Berlin. Spiegel on line International, 7 may 2008.

3. O fim da I Guerra Mundial foi o fim da Europa imperial, e a emergência dos EUA como grande potência... O fim da II Guerra Mundil foi o fim dos impérios coloniais, logo com a Inglaterra, em 1947, a abrir mão da "joia da coroa" que era a Índia... Foi também a divisão do mundo em dois blocos, polítco-militares, com um longo período de guerra fria, a emergência do movimento dos não-alinhados, o 3º Mundo, a descolonização...

Mas foram também os "trinta gloriosos", as três décadas de crescimento económico ininterrupto dos países europeus, sob a tutela dos EUA: o "milagre económico" alemão, francês, italiano... Um mundo (e um modelo de desenvolvimento) que entrou em crise, a partir de 1973, com o choque petrolífero, e acabou em 1989, com a queda do muro de Berlim...  No meio de tudo isto, Portugal, país milenar, viu-se reduzido, em 1975, às fronteiras do séc. XIV e aos seus modestos 89 km mil quadrados, depois de ter levado a cabo, ingloriamente, a maior guerra do séc. XX, de baixa intensidade, em três teatros de operações, a milhares de quilómetros de distância, mobilizando mais de um milhão de homens, ao longo de quase década e meia... Essa guerra calhou-nos na rifa, à geração nascida com a (ou depois da) II Guerra Mundial... Feita a paz, e as contas, verficamos que o português é hoje a língua de 250 milhões de seres humanos, da Guiné ao Brasil, de Angola a Timor...O português é, verdadeiramente, a nossa "joia da coroa" e não é mais uma língua imperial...

De facto, a partir de  1945, o mundo não mais voltaria a ser como dantes...  (LG)

Guiné 63/74 - P14586: Notas de leitura (710): "Cabra Cega - Do seminário para a guerra colonial", por João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Temos agora António Aiveca algures no Norte, percorre amiúde a fronteira senegalesa, comanda um grupo de combate de Balantas.
O autor reserva-nos aqui uma surpresa, alguns dos melhores diálogos têm aqui lugar, e Aiveca deixa transparecer que toda esta guerrilha e contraguerrilha é uma infinidade de equívocos, faz sentir que há por ali um beco sem saída.
E depois regressa a Lisboa, descobre que o mundo não esperou por ele, cada um foi à sua vida, mas descobre uma coisa pior: depois deste longíssimo jogo de cabra-cega, desde o seminário até ao fim da guerra, não sabendo ainda para onde se virar, sabe que tem que contar com ele, o passado já nada mais é que uma memória.
Um livro cativante, leitura a recomendar.

Um abraço do
Mário


Cabra-cega, por João Gaspar Carrasqueira (3)

Beja Santos

Insisto que “Cabra-Cega, Do seminário para a guerra colonial”, de João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015, traz algo de novo à literatura memorial da guerra da Guiné. Logo a formação do seminarista e o seu mergulho na formação de atirador de infantaria, tudo se exprime numa linguagem contida, frases sóbrias, o jovem de famílias pobres, vai para os 20 anos, recusa-se a prosseguir um itinerário para o qual não tem vocação, faz o 7.º ano e vai para Mafra, no cumprimento de uma chamada para a qual ele não tem uma explicação em contrário. Depois, assistimos a uma aclimatação, o ex-seminarista acompanha o comandante de companhia na estúrdia, descobre que há um mercado da carne em vários bares de Lisboa e até participa numa bacanal, é uma descrição incomparável onde prima a ingenuidade e o toque farsola. E quatro meses na Guiné, um regresso com os tímpanos avariados, vamos conhecer a retaguarda onde jazem os sinistrados, aqueles escombros que são discretamente escondidos à opinião pública. E meses depois, de novo apurado para todo o serviço, regressa à Guiné, é colocado numa companhia de recrutamento local, algures perto do Senegal. Digo algures porque nunca se sabe onde reside e combate o alferes António Aiveca.

Alguns dos melhores diálogos da obra situam-se neste período. Há profundo desencanto na convivência com este capitão e alguns dos alferes. Logo vão começar os patrulhamentos, assim que ele toma conta do seu pelotão constituído por Balantas, Spínola quer que nestas companhias de caçadores haja separação das etnias, porque há melindres e processos culturais que podem provocar o choque interétnico. Um dia uma vaca trazida por carregadores do PAIGC pisou uma mina, houve rancho melhorado no dia seguinte. Aiveca passou pelo refeitório para saber se os seus soldados estavam satisfeitos, veja-se a importância do diálogo: “
- “É baca-brutu!”, soltou o Incanha.

Gerou-se uma confusão. Na mesa ao lado dele o Akadite protestava vivamente virado para o Incanha.
- “Mas o que é que aconteceu?”, admirou-se o capitão.
- “Estou a ver que o Incanha fez asneira”, disse Aiveca.

Levantou-se e foi às mesas deles.
- “O que é que há?”.

O Otcha estava calmo e foi ele que respondeu. Estava bem em português e sabia explicar-se bem.
- “Meu alferes, baca-brutu é uma dança que os Biajgós mais novos fazem com uma máscara de vaca selvagem. O Akadite é Bijagó e não gostou, porque para eles é sinal de coragem. Nada tem a ver com esta carne dura”.
- “Ah, é isso”.

Aiveca crisma o seu grupo de combate de “Jagudis”. Vê-se que o autor fala dos seus homens com contido carinho: “O Watna, o Sumba, o Bidinté, o Abna, o N’dafá, o Kuluté, e outros, eram normais, sem nada de especial. Mas havia uns que se distinguiam. Por exemplo o Falcão que era o apontador da metralhadora ligeira. Apresentava um rosto sempre com ar de dureza e usava umas botas de borracha, chovesse ou fizesse sol. Tinha voz seca mas não era conflituoso. O André Gomes, a quem chamavam o professor porque estudara no Liceu Honório Barreto antes de ser recrutado, que era de etnia Balanta mas cristão. O Blétche Intéte, aquele a quem dera um murro por ter abandonado o posto, pequeno de altura mas entroncado, ficara seu amigo, talvez por isso. E Otcha, Fula no meio de Balantas, distinto só por isso, porque, sempre sereno e com voz calma, ia ganhando a simpatia de todos. Mas o caso deveras singular era o de dois irmãos, o Etudja e o Moba. O Moba, apontador de morteiro 60, era um matulão com cerca de um metro e oitenta, e o Etudja não devia ter mais do que um metro e sessenta e cinco. Além disso, este era mais novo, um rapazinho meigo e de boas falas enquanto o Moba era um brutamontes sempre sério e pouco atreito a amizades”.

Vão apanhando civis, cultivadores de bolanha, Aiveca vai-se apercebendo do absurdo daquela guerra, aquele somatório de mortes inúteis. É nisto que chega a mulher do capitão Alves, D. Eugénia, a senhora viera convencida de que o marido estava em território pacífico, acabou por viver uma flagelação monumental ficou em estado de choque. Os patrulhamentos são intermináveis, sucedem-se as tensões na fronteira, até com os gendarmes senegaleses.

Ao fim de dez meses passados no Senegal, parte para Bissau, o fim da comissão está próximo. Em Bissau vive um tempo de fúria, frequenta a casa da Fatinha. No regresso da Guiné, volta para casa dos pais, os irmãos já lá não vivem. Procura Júlia, uma relação de outrora, envia-lhe em primeiro lugar uma carta de amor. É recebido com indiferença, em casa da Júlia já lá está um matulão de grande arcaboiço.

Tudo mudara, havia mesmo um passado que não se transferira para o seu presente. E assim se resume o seu estado de espírito: “Os pensamentos são claros quando projetados no céu escuro. As estrelas calmas e as luzes suaves da cidade lá no fundo do parque ajudavam. Como foi a noite na bolanha e a solidão noturna no seminário. À noite não há jogo de cabra-cega, não há venda nos olhos. Era quando conseguia ver tudo”. Parece estar pronto a encetar uma nova vida, a deitar para trás sofrimentos pretéritos. Mas o livro termina, não lhe vamos conhecer os planos, o que fará depois, o título não nos defrauda, está tudo entre o seminário e a guerra, um encadeamento de deceções e melancolias mas igualmente de grandes revelações, porque no jogo da cabra-cega pode aprender-se muito, fora testado em quatro meses convulsivos que precederam a sua evacuação, houve depois aquele compasso de espera em Lisboa em que se movimentou entre o trabalho do sexo e a visão daqueles que ficaram destruídos pela guerra, regressou para um território de absurdos, descobriu que havia fronteiras imaginárias e cumplicidades étnicas inultrapassáveis e questões africanas que ele não podia resolver. Aprendera a desenrascar-se, aquela noite em que andara perdido na operação Cabra-Cega fora determinante. Tinham-lhe dado empurrões para o desorientar, regressara e ainda não sabia para onde se virar. Um depoimento a ter em conta.

Pena é que o autor, à semelhança de tantos outros, manifeste em dado momento cansaço e vontade de acabar a escrita, descrevendo episódios onde o leitor fica confuso. Na badana do livro, diz-se que Aiveca foi militante de algumas organizações que lutavam contra o regime e a guerra colonial. Aliás, no livro aparece Norberto, elemento de oposição e com vida clandestina, jamais perceberemos como se urdiu tal cumplicidade. É pena, João Gaspar Carrasqueira (ou quem se acoberte à sombra deste nome) tem manifestas potencialidades para ir mais longe na literatura memorial.
____________

Nota do editor

Vd. postes de:

1 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14552: Notas de leitura (708): "Cabra Cega - Do seminário para a guerra colonial", por João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
e
4 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14564: Notas de leitura (709): "Cabra Cega - Do seminário para a guerra colonial", por João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14585: Os nossos camaradas guineenses (42): em 1/12/1973, na tabanca do Xime, vítima de fogo amigo ou inimigo, morreu na sua morança um militar da CCAÇ 12 e toda a sua família, duas mulheres, duas crianças em idade escolar e um recém nascido (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74)

1. Mensagem de António Manuel Sucena Rodrigues [ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74], que vive atualmemnte em Oliveira do Bairro:

Data: 7 de maio de 2015 às 12:17

Assunto: Xime - pequeno esclarecimento pouco importante.


Olá Luís Graça.

Estive na CCaç 12,  de 1972 a 1974 em Bambadinca e no Xime.

Sobre o ataque ao Xime, [em 1/12/1973,]  com fogo inimigo ou amigo (??), cada um terá a sua opinião. Tenho a minha, mas não vou aqui divulgar, por achar que não virá resolver coisa nenhuma. Poderá, isso sim, eventualmente trazer outros problemas.

Só quero dar algum esclarecimento (*):

(i) ss vítimas não foram 7 mas sim 6 e não foram todos civis;

(ii) morreram: 1 militar da companhia, [a CCAÇ 12,]  (era o pai da família), 2 mulheres (ambas mães da família, como sabes praticava-se a poligamia), 2 crianças em idade escolar e 1 criança recém nascida ( com 8 dias de vida).

Este esclarecimento não terá grande importância perante o resto, serve apenas para acrescentar mais algum rigor. (**)

Um abraço
António M. Sucena Rodrigues

Ex furriel Mil. da C.Caç 12 (72/74)

2. Comentário do editor:

Segundo a página oficial da Liga dos Combatentes, em 1/12/1973, no TO da Guiné, e por motivo de combate, morreu apenas um elemento das NT, o soldado Sumbate Man.Consultanda preciosíssima Lista dos Mortos do Utramar, nascidos na Guiné, do nosso portal Ultramar Terraweb (de novembro de 2006, e atualizada em janeiro de 2015), constata-se que o Sumbate Man era soldado milício, natural do concelho de Mansoa, nº 268/73, pertemncen ao PelMil 365 - 2ª / BCAÇ 4612, unidade que estava em Jugudul (1972/74)...

Não pode pois ser o militar da CCAÇ 12, referido pelo Sucena Rodrigues.

Já agora aproveito para acrescentar que o número de mortos desta lista (de 45 pp.)  é, no total, de 1208 (!).

António, está feito o esclarecimento, obrigado.  Infelizmente, a CÇAÇ 12 não tem história de unidade, relativamente ao período que vai de março de 1971 até  à sua extinção, em agosto de 1974... A única que conheço foi a que eu pessoalmente escrevi e que vai de maio de 1969 a março de 1971...

Relativamente à "tua versão" sobre o fogo amigo / fogo inimigo que matou um camarada nosso e a sua família inteira (!), eu gostava de conhecê-la um dia, mesmo que seja em  "off record"... Não farei uso dela, em público, fica entre nós... Entendo que o assunto é delicado. De resto, e de acordo com a política do blogue, também não estamos aqui para julgar e muito menos incriminar ninguém.

Um abraço fraterno, Luís

PS - Talvez alguém saiba dizer o nome do militar da CCAÇ 12 que morreu, cruelmente, com toda a sua família, na tabanca do Xime, no dia dia 1/12/1973.

___________________

Notas do editor:

(*`) Vd. poste de 28 de abril de  2015 > Guiné 63/74 - P14535: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXIII: dezembro de 1973: flagelação do Xime, com foguetões 122 mm: sete mortos civis

(...) O destaque do mês de dezembro de 1973 (pp. 78/80) vai para:

(i) Flagelação do Xime, em 1 de dezembro, às 22h15, durante 25 minutos, com utilização de artilharia (armas pesadas e foguetões 122 mm), de que resultou a morte de 7 civis; (há um ano, na mesma data, o PAIGC tinha feito uma violenta emboscada em Ponti Coli) 


(...) Já ouvi outra versão (, de alguém, um graduado, metropolitano, pertencente à CCAÇ 12, que na altura era a unidade de quadrícula do Xime): podia ter sido "fogo amigo", neste caso o obus 14 de Gampará, do outro lado do rio Corubal... A distância, em linha, entre Gampará e o Xime devia ser de 13/15 km (no máximo), ou seja, dentro do alcance do obus 14 ... O Xime só tinha o obus 10,5 cm (que não chegava à Foz do Corubal e à Ponta do Inglês) (...)

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14584: A bianda nossa de cada dia (2): homenagem ao nosso cozinheiro Manuel, hoje empresário de restauração (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

1. Mensagem do Abílio Duarte [, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970,]

Data: 5 de maio de 2015 às 14:39

Assunto: A bianda nossa de cada dia...

Luís, é verdade o que afirmas (*). A minha CART 11, esteve muito tempo sem instalações próprias. Só quando chegamos a Nova Lamego, é que nos deram um quartel, chamado o Quartel de Baixo, junto á Administração do Concelho. Foi quando o nosso cozinheiro Manuel ficou responsável, pela messe e refeitório que era só para brancos, pois os fulas iam comer á tabanca.

No entanto não quero deixar de recordar os tempos que passei em Pirada e Quenquelifá, onde permaneci por vários períodos, a qualidade da alimentação, e em especial o pão, que era feito naquelas unidades, de grande qualidade.

Assim o meu bem haja para todos aqueles, que apesar de não saírem do arame farpado e das valas, lutavam para nos darem algum conforto, quando regressavámos do mato.

PS - militar, a quem me referia, o Manuel cozinheiro, está na foto anexa, de camisa com um copo de tinto na mão. Pessoa que muito estimo ao longo destes anos, que tem convivido connosco nos nossos, almoços, e que se tornou industrial de Restauração.

A malta da CART 11 , sabe quem é. Mais uma vez , agradeço a existência deste blogue, para poder,os recordar o nosso passado.


Nelas > Canas de Senhorim > 31 de maio de 2014 > 24º convívio da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) > Nesta foto, à esquerda, o nosso Chef Michelin 5 Estrelas, o nosso ex-cozinheiro Manuel, hoje empresário de restauração: ao centro o Leonel cripto, e um condutor, de quem agora não recordo, o nome pelo que peço as minhas desculpas.
Foto (e legenda): © Abílio Duarte  (2014). Todos os direitos reservados.
_______________

Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso

1. Texto enviado, em 4 do corrente,  pelo nosso amigo e camarada António Rosinha:


[Foto à esquerda,  Antº Rosinha, ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de um mais velho, ou seja, de quem tem vidas e estórias de vidas para contar]

Data: 4 de maio de 2015 às 23:36
Assunto: Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso


Um fula guineense dentro de um contentor no Pijiquiti...Foi um caso real, que se passou há 30 anos, 1985, um guineense que trabalhava na minha empresa [, TECNIL], entrou para dentro de um contentor no porto de Pijiquiti em  Bissau, juntamente com um primo,  e só passado quase um mês é que nos apareceu novamente no trabalho.

E contou-nos a aventura e o perigo que correu para emigrar clandestinamente.

Era fácil, pois o nosso trabalho era dentro do cais, e com ajuda de estivadores amigos, lá embarcou escondido no contentor num barco espanhol para Cadis, que era o destino final.

Só que se prepararam com alimentos e água para uma semana, mas com várias acostagens a viagem demorou muitos mais dias.

E ficaram sem alimentos e água alguns dias e foram retirados em muito mau estado de saúde de dentro contentor e não tiveram saúde nem cabeça para preparar uma fuga de dentro do porto de Cádis e ir para Portugal, que era a ideia deles.

Como entre a Espanha e a Guiné já havia uma grande tradição de clandestinos, principalmente com Canárias, já havia uma rotina de recâmbio entre os dois países, e foi só seguir a rotina diplomática

Emigra-se por aventura, para fugir à miséria, para fugir a perseguições políticas, para procurar fortuna, para jogar futebol, ou por prazer de viajar…para bem longe de tudo o que nos cerca.

Nós, portugueses,  e todos os europeus do sul e ingleses sempre emigrámos, principalmente para as Américas e África. E, em alguns casos,  não foi simples  emigração. Foram mais êxodos, evasões, invasões e ocupações coloniais, e em muitos casos não houve regresso.

Mas emigrar, para fugir à guerra e à fome,  é em parte o que se passa hoje, em sentido contrário de África para a Europa.

Quem tenha acompanhado de perto o que se passa nos diversos países africanos desde as suas independências há 4 ou 5 dezenas de anos, houve sempre uma emigração maciça para a Europa, principalmente para as suas antigas metrópoles.

Desde o simples povo até aos dirigentes e empresários africanos, aproveitaram todas as hipóteses para eles próprios ou parte de suas famílias, emigrarem, ou simplesmente afastarem-se das suas problemáticas pátrias.

Embora só recentemente a Europa se esteja preocupando com a afluência maciça de africanos ( e asiáticos) entrando clandestinamente na Europa, na realidade sempre existiu uma «atracção» irresistível dos jovens africanos pela Europa e há mais de 40 anos que existe um grande afluxo de clandestinos daqueles países africanos.

Só que a Europa até há pouco tempo não se queria «preocupar», com um problema cuja solução ultrapassa toda a sua capacidade. Para a Europa está a tornar-se um grave problema, principalmente por ser uma emigração clandestina, descontrolada e imprevisível.

Dizia o jovem guineense que sobreviveu no contentor espanhol, que falhou aquela tentativa, mas com a experiência que teve, isso iria permitir-lhe não falhar na próxima..

Há uma realidade africana tão complicada , que a Europa ajudou a criar com independências extemporâneas e mal estudadas, que os povos não as entendem, que para os jovens africanos até se poderão considerar úteis e capazes  na Europa, mas na sua terra consideram-se incapacitados e sem hipóteses de integração social, étnica e profissional.

Embora os políticos até convençam o povo que só com guerras é que a Europa se fez, e África também é natural guerrear-se, a desordem e a violência são demasiado grandes para os jovens não tentarem a «fuga» .

Parece que a Europa foi "abandonada"  pelos EUA e pela Rússia nesta solução que devia ser de todos, e a China ajuda pouco, antes deita umas achas para a fogueira.

Amigo Luís, com os meus cumprimentos e, se achares exagerado,,manda para o cesto.

Antº Rosinha



Guiné > Bissau > c. 1964 > O cais do Pidjiguiti visto do Fortaleza da Amura..  Foto do álbum de Durval Faria (ex-fur mil,  CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64), que vive na ilha de São Miguel, Açores.

Foto: © Durval Faria  (2011). Todos os direitos reservados.

_________________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14582: Convívios (676): VI Almoço do pessoal da CCS do BCAÇ 2834 (Buba, 1968/69), dia 20 de Junho de 2015 em Mira (Flávio Ribeiro, Op Cripto)

1. Mensagem do nosso camarada Flávio Ribeiro, ex-Op Cripto do BCAÇ 2834, com data de 1 de Maio de 2015

Boa tarde, caros amigos e camaradas de armas, 
Em referência ao assunto em epigrafe, e dado existir uma duvida razoável sobre o envio do e-mail através do Vosso Blogue, solicito a publicação do seguinte; 


6.º Almoço-convivio da CCS do BCAÇ 2834 

Data 20 de Junho de 2015 



Restaurante Milénio 
Via Infante D. Pedro // Leitões 3070-212 - Mira 

Contacto:
flavioribeiro46@sapo.pt
Tlm. 918 076 705 

Renovando o meus agradecimentos,
apresento melhores cpts.

Flavio Ribeiro
Ex-Op. Cripto
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de maio de 2015 >  Guiné 63/74 - P14580: Convívios (675): X Encontro da CCAÇ 1426, Pinhal do General "Quinta do Conde" FERNÃO FERRO, 11/07/2015 (Fernando Chapouto)

Guiné 63/74 - P14581: (Ex)citações (274): Ainda a propósito do aniversário da nossa querida Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviada ao nosso editor Luís Graça em 30 de Abril de 2015, a propósito do aniversário da querida Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa:

Eu sou um transmontano que resolveu romper as amarras do silêncio a que a solidão e a meditação imposta pelas montanhas, vales e isolamento, e o orgulho dos povos pobres da montanha, têm condenado os meus conterrâneos.
Essa pobreza e despojamento também nos permite falar cara a cara, com todos os poderes, sem abdicarmos nunca da nossa dignidade.

Amiga Giselda, desculpa o meu excesso de confiança, e tudo isto porque, o amigo Luís Graça, em email decidiu revelar além da tua antiguidade e dedicação a esta Tabanca Grande, as tuas origens transmontanas. Os meus camaradas que me desculpem mas quando me falam nessa Pátria primordial, tão desigual e desnivelada, que deu pão, azeite e vinho a tantos em troca de tanto suor, sorrisos e lágrimas. Essa terra tão dura, povoada de rochas de xisto, cantaria, estevas e giestas, e alguns terrenos cultiváveis, continua a ter um poder e uma mística espiritual que faz vibrar as cordas mais sensíveis dos antigos transmontanos.

 © Giselda Pessoa - 2.º Sargento Enfermeira Paraquedista do BA 12

As nossas raízes continuam a acompanhar o nosso crescimento até ao fim das nossas vidas. A nossa identidade genética está lá, está cá dentro, para ser reconhecida por todos.

Amiga Giselda tento escrever um hino em prosa a todas essas mulheres transmontanas que cultivavam batatas, cenouras, feijões, sécias e outras flores na horta . "Num aparte lembro-me de a minha mãe regatear, como uma leoa, com o meu pai, um bom lugar para plantar as suas flores na horta".

O que escrevo pretende também ser um uma homenagem à tua coragem, à tua camaradagem e se me permites, também ao batalhão das tuas colegas enfermeiras paraquedistas.

Com reconhecimento e emoção envio-te um grande beijo.
Saúde para podermos festejar o teu aniversário por muitos anos.

Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14549: (Ex)citações (273): A propósito de "O Vento Mudou".... No Festival RTP da Canção de 1967, o Eduardo Nascimento ganhou com o todo o mérito, porque era a melhor canção, e rompia com o chamado "nacional cançonetismo"... É falso que o Salazar tenha imposto o seu nome para ir ao festival da Eurovisão (Nuno Nazareth Fernandes, autor da música, e ex-alf mil, BENG 447, Bissau, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14580: Convívios (675): X Encontro da CCAÇ 1426, Pinhal do General "Quinta do Conde" FERNÃO FERRO, 11/07/2015 (Fernando Chapouto)


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, com pedido de divulgação, o seguinte programa da festa da sua Companhia.



A Companhia de Caç 1426 vai organizar o seu 10º convívio na localidade de Pinhal do General "Quinta do Conde" FERNÃO FERRO, organizado pelo ex Soldado Armindo Monteiro com a colaboração do ex Fur Miliç Fernando Chapouto no dia 11 de Julho (Sábado).

Um grande abraço

X ENCONTRO DOS EX COMBATENTES DA
COMPANHIA DE CAÇADORES 1426 – GUINÉ 65/67
11 DE JULHO DE 2015 - SÁBADO

Venho informar que o nosso encontro se realiza em PINHAL DO GENERAL-QUINTA DO CONDE Avenida Associação Amigos do Pinhal do General “RESTAURANTE PIC-NIC ”lote 839 

Contamos com a vossa presença.

GPS: 38.559344, -9.058300

JUNTO ITINERÁRIO 

A2

DE LISBOA: pela ponte 25 de Abril

Saída para Sesimbra encostar á direita para Setúbal continuar sempre até COINA, virara a direita em direção a estação do comboio de COINA na rotunda da estação seguir em frente até outra rotunda sair na 2ª. Seguir pela Rua Luis Dourdil até a uma mini rotunda sair na 1ª. Seguir pela Av Almirante Réis segunda rua a direita Alameda do Poder Local até a rotunda sair na 3ª. Sempre em frente até ao restaurante. 

Pela ponte Vasco da Gama

Saída para Barreiro Setúbal encostar à direita seguir sempre em frente direção Barreiro-Setúbal, depois de passar o cruzamento do Barreiro encostar à direita saída para Auto Europa a seguir aparece uma rotunda sair na 2ª. até ao entroncamento virar à direita, continuar em frente ,em direção Quinta do Conde atravessar a rotunda por cima da EN 10 sempre em frente passar três rotundas até encontrarem uma mini rotunda saída na 2ª. Seguir pela Av Almirante Réis segunda rua a direita Alameda do Poder Local até a rotunda sair na 3ª. Sempre em frente até ao restaurante. 

Do sul

Auto -Estrada: saída na portagem de Coina direção Barreiro até a rotunda contornar toda a rotunda voltar para traz até à rotunda, sair na 2ª. até ao entroncamento virar à direita, continuar em frente ,em direção Quinta do Conde atravessar a rotunda por cima da EN 10 sempre em frente passar três rotundas até encontrarem uma mini rotunda saída na 2ª. Seguir pela Av Almirante Réis segunda rua a direita Alameda do Poder Local até a rotunda sair na 3ª. Sempre em frente até ao restaurante. 
___________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

6 DE MAIO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14575: Convívios (675): 38º Encontro da CCaç 3547/BCAÇ 3884, “Os Répteis de Contuboel”... Leiria, 31/05/2015 

Guiné 63/74 - P14579: Agenda cultural (396): no 70º aniversário do final da II Guerra Mundial, uma sugestão iimperdível: três obras-primas do realizador de cinema italiano Roberto Rossellini: Roma, Cidade Aberta (1945), Paisá-Libertação (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948)...Em cartaz, em cópias restauradas, em Lisboa (Espaço Nimas) e no Porto (Teatro do Campo Alegre)

1. Na comemoração dos 70 anos do fim da II Guerra Mundial (a 2 de maio de 1945, Berlim capitulava e, a 8 de maio, a Alemanha rendia-se incondicionalmente aos Aliados), é importante conhecer ou rever um dos grandes cineastas europeus, o italiano Roberto Rosselini (Roma, 1906- Roma, 1977) que, de algum modo, nos ajudou a reconciliarmo-nos,  a nós, homens e europeus.

Dez filmes do seu período mais célebre (grosso modo, os treze anos que medeiam entre 1945, ano de Roma, Cidade Aberta, e 1958, ano de Índia, com a exceção de A Força e a Razão, filme de 1971), estão em exibição no Espaço Nimas, em Lisboa – desde 26 de abril –´e no Teatro do Campo Alegre, no Porto – desde 9 de Abril.

Neste lote estão pelo menos três filmes que ainda não conheço e não quero perder: (i) Roma, Cidade Aberta (1945); (ii)  Paisá - Libertação (1946); e (iii)  Alemanha, Ano Zero (1948), todos tendo a ver com a guerra e o fim da guerra. E naturalmente com a nossa geração do pós-guerra...Mas também recomendo Stromboli (1950) e Viagem em Itália (1954), filmes que já vi em devido tempo. REcorde.se que Rossellini foi casado com a grandes atriz sueca Ingrid Bergmam (1915-1982), a inesquecível Ilsa Lund do filme Casablanca (1942).

Com a devida vénia, e sobre esta programação, transcrevo aqui  um oexcerto do artigo do Público, de 20/3/2105, assinado pelo crítico de cinema Luís Miguel Oliveira;

(...) “Roma, Cidade Aberta” não foi o primeiro filme de Rossellini, que já assinara, durante o regime mussoliniano, alguns filmes, pelo menos teoricamente, de “propaganda”. Mas “Roma” foi uma bomba, o pontapé de saída para as gloriosas décadas do cinema italiano que vieram a seguir. Não é tanto a questão do “neo-realismo” enquanto corrente estética e ideológica (que já tinha precedentes antes de Rossellini e teria no futuro apóstolos muito mais convictos do que ele próprio); é antes a questão do compromisso com a realidade, o cinema a fazer “corpo” com o quotidiano e as circunstâncias históricas. Nunca se tinha visto nada assim: alguém escreveu – salvo erro Godard, para variar – que com “Roma”, rodado ainda durante a guerra, Rossellini redimiu a Itália, e como medida da dimensão do gesto do cineasta, não é expressão exagerada. Tanto assim que, depois de redimir os italianos, Rossellini foi redimir os alemães, nesse absolutamente fulcral filme que foi “Alemanha, Ano Zero”, rodado nas ruínas de Berlim, onde de cada buraco saltam fantasmas e persistências nazis. O destino do miúdo protagonista – e o que ele “simboliza” – deve ser das coisas mais discutidas em toda a história do cinema, sendo certo que ele representa algo de profundamente importante para Rossellini: a tragédia de uma educação “falsa” (o nazismo), o drama de um condicionamento contra o homem em vez de a favor dele. 

Veremos também o sofrimento, quase Sado-masoquista, que Rossellini infligiu a Ingrid Bergman, ao transplantá-la do luxo de Hollywood para as agruras da vida numa desolada e vulcânica ilha de pescadores: “Stromboli”, outro filme essencial, que ganha em ser visto tendo presente esse “moralismo” rosselliniano, castigando o “espectáculo” (Bergman, Hollywood) que entrou pelo seu cinema adentro e castigando-se a si próprio. Ou o mais generoso – e “milagroso” – mas nem por isso menos castigador “Viagem em Itália”, doce e violenta anatomia de um casamento, porventura a mais contundente incursão de Rossellini na introspecção autobiográfica. E mais “Europa 51”, “O Medo” (ambos com Bergman), “Paisá”, “O Amor”, “A Máquina de Matar Pessoas Más”, “Ìndia”. Que sentido se encontrará ainda, hoje, na ética humanista de Rossellini? (...)



Libertação
Título original:Paisà
Classificação:M/12
Outros dados: ITA, 1946, Preto e Branco, 128 min.

Um dos mais míticos filmes realizados em Itália no período que se seguiu ao fim da guerra. "Paisà" retrata, em seis episódios, a progressão das tropas americanas de libertação, desde o desembarque na Sicília até aos pântanos do vale do Pó. A descrição da realidade imediata, na linha de "Roma Città Aperta", a utilização de não profissionais, o aspecto de documentário da fotografia, tudo faz de "Paisà" uma obra em completa ruptura com o cinema italiano da década anterior.

Texto: Cinemateca Portuguesa.  [Fonte: Cortesia de Público, Cinecartaz]


Alemanha, Ano Zero
Título original:Germania anno Zero
Género:Drama
Classificação:M/12
Outros dados: ALE/ITA, 1948, Cores, 75 min.

O mais pungente e desesperado filme sobre o pós-guerra. A crise económica e moral na Alemanha, através do drama de uma criança sobrevivendo de pequenos tráficos e expedientes, sustentando um pai doente, e que acabará por envenenar por influência de um seu professor nazi. Texto: Cinemateca Portuguesa. [Fonte: Cortesia de Público, Cinecartaz]


Roma, Cidade Aberta
Título original:Roma, Citta Aperta
Género:Drama, Guerra
Outros dados: ITA, 1945, Cores, 100 min.

Quando Roberto Rosselini começou a rodar "Roma, Cidade Aberta", os Aliados tinham acabado de expulsar os nazis da cidade de Roma, perto do final da II Guerra Mundial. Considerado como uma das suas melhores obras, o filme que Rosselini filmou em pequenas partes de película danificada ajudou a definir o neorealismo italiano. 

A história é narrada num estilo semi-documental, usando cenários reais, e envolve membros da resistência italiana em plena acção contra a ocupação nazi. Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), líder da Resistência italiana, é descoberto pelos nazis. Procura ajuda em casa do amigo Francesco (Francesco Grandjacquet), mas é a noiva Pina (Anna Magnani) que o vai ajudar, avisando o padre Don Pietro Pellegrini (Aldo Fabrizi) que Giorgio tem de deixar a cidade imediatamente. 

Anna Magnani tornou-se uma estrela de cinema internacional com esta interpretação de uma mulher grávida e solteira que é apanhada pelos acontecimentos no dia do seu casamento. "Roma, Cidade Aberta" recebeu o Grande Prémio do Festival de Cannes de 1946. Sergio Amidei e Federico Fellini foram nomeados para o Óscar de melhor argumento de 1947. Pùblico .[ Fonte: Cortesia de Público, Cinecartaz],

2. Lisboa > Espaço Nimas > 10 obras restauradas, imperdíveis, de Roberto Rossellini

Do portal da Medeia Filmas, com a devida vénia, transcreve-se o seguinte... 

(...) Face ao sucesso da exibição das obras restauradas de Roberto Rossellini no Espaço Nimas em Lisboa, os Cinemas Medeia prolongam a exibição destes filmes, que contarão com uma nova programação durante quatro semanas, entre 30 de abril e 27 de maio.

Todos estes filmes serão exibidos em versões restauradas digitais, resultado de um trabalho audaz de restauro levado a cabo por várias prestigiadas entidades: Cinecitta Luce, CSC – Cineteca Nazionale, Cineteca di Bologna e Coproduction Office.

(...)

Nova Programação das dez obras restauradas:

 (,,,) Quinta - 7 Maio- Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
O MEDO (1954)

Sexta - 8 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
O MEDO (1954)

Sábado - 9 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
STROMBOLI (1950)

Domingo - 10 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
VIAGEM EM ITÁLIA (1954)

Segunda - 11 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
EUROPA 51 (1952)

Terça - 12 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
O AMOR (1948) + A FORÇA E A RAZÃO (1971)

Quarta - 13 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
O AMOR (1948) + A FORÇA E A RAZÃO (1971)

Quinta - 14 Maio- Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
ALEMANHA, ANO ZERO (1948)

Sexta - 15 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
ALEMANHA, ANO ZERO (1948)

Sábado - 16 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
ÍNDIA (1958)

Domingo - 17 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
ROMA, CIDADE ABERTA (1945)

Segunda - 18 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
PAISÀ – LIBERTAÇÃO (1946)

Terça - 19 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
MÁQUINA DE MATAR PESSOAS MÁS (1952)

Quarta - 20 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
MÁQUINA DE MATAR PESSOAS MÁS (1952)

Quinta - 21 Maio- Horários: 16h30, 19h, 21h30
STROMBOLI (1950)

Sexta - 22 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
STROMBOLI (1950)

Sábado - 23 Maio - 16h30, 19h, 21h30
EUROPA 51 (1952)

Domingo - 24 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
O MEDO (1954)

Segunda - 25 Maio - Horários: 16h30, 19h, 21h30
O AMOR (1948) + A FORÇA E A RAZÃO (1971)

Terça - 26 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
VIAGEM EM ITÁLIA (1954)

Quarta - 27 Maio - Horários: 16h, 18h, 20h, 22h
VIAGEM EM ITÁLIA (1954)

 (...) Todos os filmes em projecção digital. (...) Consultar esta programação aqui.

__________

Nota do editor:

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14578: Memória dos lugares (292): Gampará, região de Quínara (Joviano Teixeira, sold cozinheiro, CCAÇ 4142, 1972/74)


Foto nº  15 > O Joviano Teixeira



Foto nº 16 > O Joviano Teixeira junto ao obus 10.5... Esta foto é fundamental para deitar pro terra a suspeita que recaía sobre Gampará e o seu pelotão de artilharia... Em 1/12/1973, uma família inteira,  mandinga, de 7 pessoas, vizinha do nosso "menino do Xime", o José Carlos Mussá Biai,  morreu na explosão de uma granada, na tabanca do Xime...Flagelação do PAIGC com foguetões de 122 mm ou "fogo amigo" (, oriundo de Gampará) ? (*)... Só o obus 14 tinha alcance para atingir o Xime, a partir de Gampará (c. 14/15 quilómetros de distância em linha reta)... Ora em 1972/74, ao tempo da CCAÇ 4142,  o que havia em Gampará era o obus 10.5 e não o obus 14, como se comprove por esta foto... (LG)



Foto nº 17 > > Espaldão do obus (?)


Foto nº 18 > O Joviano Teixeira, à esquerda...


Foto nº 14 >  O Joviano Teixeira, na cozinhas, mais dois ajudantes


Foto nº 19 > O Joviano Teixeira junto ao monumento às forças do COP 7 que, em 1972, ocuparam e construiram Gampará,e ntre elas a CART 3417



Foto nº 20 > O fogão de campanha


Foto nº 21 > Foto de grupo...


Foto nº 22 > O Joviano e o seu protegido, provavelmente o mesmo menino de fotos anteriores (**) que procurava a proteção dos cozinheiros, como acontecia em todos os nossos aquartelamentos...


Guiné > Região de Quínara > Gampará > CCAÇ 4142 (1972/74) > O sold cozinheiro Joviano Teixeira

Fotos: © Joviano Teixeira (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


Mais fotos do álbum do novo membro da Tabanca Grande, Joviano Teixeira (**), que vive em Luz de Tavira, e que procura camaradas da sua antiga companhia, a CCAÇ 4142/72, a maior deles sendo originários do norte (Lamego, Mondim de Basto, Viana do Castelo, Porto, etc.). (***)

Aguardamos a entrada na Tabanca Grande, com pompa e circunstâncuia, de outro camarada da CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1942/74), o Virgílio Valente, há duas décadas em Macau, e que é leitor habitual do nosso blogue. Prometeu-nos mandar, em pdf, a história da unidade.
________________

Guiné 63/74 - P14577: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (20): Acidente de percurso

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 15 de Abril de 2015, trazendo o episódio 20 das suas Cartas de Amor e Guerra:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo: 
Junto envio mais um item de "Cartas de Amor e Guerra", o n.º 20. 
Votos de saúde e alegria e ... até sábado! 
Abraço-vos com amizade e camaradagem
Manuel Joaquim


Cartas de Amor e Guerra

20. Acidente de percurso

Em meados de Outubro de 1966, o fim das minhas férias em Portugal aproximava-se e ainda me faltava contactar uma colega de profissão e minha correspondente assídua, pessoa que eu não conhecia pessoalmente mas que considerava ser uma boa amiga. Tínhamo-nos “encontrado” quando ela respondeu afirmativamente a um meu anúncio a pedir correspondentes e inserido nas páginas da revista “Plateia”. Entre muitas respostas, só três me satisfizeram e uma delas era a sua. Mulher atenta e dedicada, correspondente assídua, acompanhava devotadamente a minha vida na Guiné.

Os dias de férias foram correndo, os meus compromissos de encontros com outro(a)s amigo(a)s eram muitos e, quando dei por isso, estavam as férias a chegar ao fim e o nosso encontro por realizar.
Encontro que só aconteceu na antevéspera do dia do meu regresso à Guiné, o que me obrigou a escolher entre a namorada e a amiga, “beneficiando” esta com a minha presença durante todo o dia.

A namorada sabia do encontro e a sua realização não teve oposição declarada da sua parte, para lá de mostrar alguma insatisfação. Nunca imaginei o grau real que essa insatisfação atingia. Nem mesmo na despedida, quando a senti triste e dispersa nas conversas e na afectividade. Pensava eu que tais tristeza e nervosismo eram provocados pela separação e pela minha partida para a guerra. Mas não, como se pode ver pelas cartas trocadas entre nós.


Cacém, 7-Novembro-1966

“… nunca um acto teu me feriu e influiu tanto nas nossas relações …”

(…).
É preciso que eu afirme, até para mim, que te quero muito pois, por vezes, fico a balançar na dúvida. Agora, depois de um período de lua-de-mel, depois de dificilmente ter aceitado umas partidinhas que tu, mui gostosa e divertidamente, me quiseste ofertar, a dúvida nasceu. E germinou, não me engano, por ter duvidado dos teus sentimentos, por me sentir traída. Mais, talvez por um desejo íntimo de vingança, não sei. (…).

Algum esmorecimento no amor que te dedico rondou-me o coração neste curto período de separação. Consequência ainda do teu comportamento nos dias que a precederam.
Já que abordei o assunto, é oportuno também dar-te a conhecer que nunca um acto teu, dos mais levianos que cometeste, me feriu e influiu tanto nas nossas relações como o teu abandono nos dias que precederam a tua partida. E não o expresso facilmente, embora querendo fazê-lo. Cheguei a desejar-te que no último dia não aparecesses, que embarcasses e nunca mais desses notícias.

Meu M. querido, desculpa se te ofendo mas a verdade creio que jamais te ofenderá, até porque era o despeito que assim me levava a proceder. O resto, o que existe, é ainda e cada vez mais o muito amor e o medo de te perder. (…).

O domínio que ainda consegui adquirir nos momentos últimos das nossas férias pôde amenizar e salvar a despedida mas, mesmo assim, eu senti-o, ela foi fria e vazia porque eu continuava amachucada e ferida na minha sensibilidade que é demasiado acentuada. Disso, ainda tu não quiseste saber ou ainda te não apercebeste.

Não, meu Amor, não classifiques essa minha irritação como obra de ciúmes. Porque não o foi, tenho a certeza. O que senti foi ser demasiado o teu abandono quando mais desejava a tua presença e achava que também devias preferir a minha a qualquer outra.

Bem, meu M. querido, quero que o assunto fique arrumado por agora. Uma certeza existe, neste momento em que te escrevo: AMO-TE.
(…).

Beijo-te saudosamente
Sempre contigo, a tua
N.

************
Mansabá, Nov – 14/66

Mansabá, final de 1966 > no interior do quartel
Foto: © G. Passeiro

Alguma coisa terei hoje a dizer-te, minha querida. (…). Fiquei surpreendido com esta tua última carta, não por ela em si mas pela sua dissonância com as anteriores. (…). E fiquei perplexo com a tua atitude nesta altura, depois de duas cartas sem sombras e parecendo firmes na certeza das palavras que encerravam. (…). Pergunto-me como puderam surgir as duas anteriores, com esta última dentro de ti.

Com que então, muitas partidinhas te fiz nas minhas férias? Bem, começo por dizer que nunca actuei com o intuito de te pregar qualquer espécie de partidas. Fui natural com o meu comportamento. Acho que é preciso dizer-te isto. (…). Há quem tivesse ficado triste pela minha não visita. (…). Devia tê-la feito. Disto é que estou arrependido.

Mas, afinal, que amor é esse que me dedicas, minha querida? Que amor é esse, que sentes vacilar ao meu mínimo acto que te dê a sensação de que te pretiro? Surge-te assim tão repentinamente a dúvida? (…).

Não, não dei por essa tua frieza, por esse teu vazio na nossa despedida. (…). É espantoso, é inacreditável esse teu estado de espírito. Doeu-me, sem dúvida, essa tua revelação.
Pergunto a mim mesmo como é possível a duas pessoas que SE AMAM separarem-se com frio e vazio no coração, principalmente dando-se o caso de uma separação do género desta agora. (…).

Liberalidade, “fair-play”, condescendência e compreensão, qualidades estas que te atribuí, onde estão? Tu és tremendamente egoísta. Não pensas nos outros que também têm coração. Nos outros que, por uma razão ou outra, estão ligados a mim. (…). Bem, mas não interessa falar nisto porque não queres compreender. Tu, simplesmente, oprimes com a tua intransigência obsoleta no tema que estamos a focar.

Está na altura de te dizer que nem hoje nem NUNCA me terás como objecto teu. Eu amo-te, mas não existes só tu na minha vida. Há pessoas, não-pessoas, ideias e factos que eu amo. (…). Não vou renunciar para me entregar TOTALMENTE a ti. Aceita-me com todos os meus outros sentimentos. Caso contrário, deixa-me. Julgo que conheces o meu ódio à subserviência.

Não estou zangado contigo, friso bem. Julgo ainda que tudo isso foi criancice, arrufo de menina mimada. (…). Sentiu-se traída porque o seu querido a deixou uns momentos para ir ter com outra. (…).

Mais uma vez te digo que não vou prescindir dos meus amigos para “ser sempre juntinho a ti”. Cultivo a Amizade. Continuarei pela vida fora a cultivá-la. Preciso muito dela. Não vou, não irei cortar relações (…) só porque tu tens despeito ou ciúme ou sei lá que porcaria é essa. Está entendido? (…).

Julgo que não estou a ser duro. Aliás, como atrás disse, não estou zangado contigo. (…). Simplesmente, acho incrível como é que foste capaz de escrever duas cartas, quase “à época romântica”, com esta última por trás a fervilhar. Isto leva-me a não acreditar nas duas primeiras cartas. São falsas porque tu não podias sentir o que me disseste. Estavas a mentir a ti própria, estavas a forçar as palavras a saírem para o papel. E isto é que eu não tolero. Eu quero a verdade, sempre a verdade, mesmo que ela doa, mesmo que ela faça sangrar. (…). Com medo de dizeres a verdade, resolves falsificar-te!
Uma minha ausência pontual, anunciada já há um mês a sua hipótese de existir, é o bastante para sentires dúvidas no Amor, (…), que me dedicas! (…).
Numa despedida como esta minha, consegues estar “fria e vazia”! É inacreditável! Ainda me não conheces ou não me queres conhecer ou não acreditas em mim! (…).

APESAR DE TUDO, muitos e muitos beijos do teu M.
Saudades

************
Cacém, 21.11.1966

Há algo a acrescentar e a objectar ao que hoje me expuseste. Alguma coisa precisa de ser rectificada. (…).
Embora afirmes o contrário, eu contesto frisando bem que sempre preferi a verdade, meu M. querido. (…). Sou defensora intransigente dela, embora em algumas circunstâncias fosse preferível ocultá-la para evitar discórdias e acusações inadequadas. (…). Abomino a mentira, o sofisma. (…). Não posso imaginar sequer que pudesse ocultar, que tivesse a fraqueza de ocultar qualquer coisa que nos dissesse respeito. (…). Interessa-me é que te apercebas e que vás tomando conhecimento das minhas reacções, do modo como me comporto, das fases que atravesso. (…).

O motivo que aleguei e que originou aquele estado de frieza foi o único factor que existiu para aquela reacção, encimado pelo nervosismo psíquico que sempre origina uma tal despedida. Não há outro, meu querido. (…). Foram de certo modo depressivos e amargurados os dias que decorreram até à altura em que me confessei e te expus o que me oprimia, por não ter aproveitado os breves momentos que precederam a nossa despedida. (…).
Acredita que, depois de teres partido, senti-me tão certa de continuar a pertencer-te como tu com a certeza com que partiste de que não ficávamos separados (…).

Escrevi-te as duas primeiras cartas em cujo conteúdo tu não crês bem, lamento-o, e todo esse conteúdo era o testemunho do quanto continuo unida a ti. Operava, porém, por detrás de tudo isso, esta espécie de culpa motivada pela ocultação duma fase em que tu, sem o notares, estiveste embrulhado. Urgia, para não falsear a verdade e a sinceridade que sempre tenho posto nos nossos contactos, que pusesse o meu Amor ao corrente do que se tinha desenrolado no íntimo da sua D. Assim enveredei pelo caminho dessa verdade e clareza. (…).
Acaso não me poderia ter enganado no caminho e este episódio tivesse acelerado o desenlace da nossa união? Indubitavelmente, não foi isso que aconteceu. Continuo a amar-te sem peias de o afirmar e gritar abertamente, meu querido. Expondo-te o que me tinha afligido, esperava encontrar uma fuga à saudade e à culpa que me pesa por não poder recordar agradavelmente aquela despedida.
O amor que te dedico, (…), radicou-se e frutificou. Não fui eu que o criei. Aceitei-o e alimentei-o. Não é por capricho que ele existe, só porque a “menina mimada” quer ter um Amor porque está na idade de ter um namorico. (…).

Outro ponto a esclarecer:
Quando me referi a umas partidas que me pregaste, (…), apenas estava incluso o teu procedimento na antevéspera da tua partida, o qual me chocou profundamente. Que queres? Então essa minha confissão é prova evidente para concluíres e afirmares que foi erradamente que me atribuíste as qualidades que enumeraste? Conclusão precipitada como absurda, acrescento.
Foi um problema íntimo que te expus com o intuito de encontrar solução. (…). Acaso a minha reacção foi de molde a prejudicar a minha liberalidade? Puro engano, meu querido. Amo a liberdade e, dentro dos moldes apreciativos em que ela deve conceder-se, eu concedo-ta. Não terá sido este o meu comportamento? Diz-me a consciência que sim.
“Fair-play”? Caber-te-á a ti reconhecer se existe e apreciá-lo nessa medida. No entanto, sem intenção de me elevar, afirmo que possuo essa qualidade. Condescendência e compreensão não farão parte dos meus dotes?! Será que não crês nelas? (…).

Acaso alguma vez te recriminei por causa das tuas amizades femininas, (…)?! Já tive oportunidade de te afirmar que não me molesta o facto de conservares essas amizades. Respeito e corroboro até para que as mantenhas numa boa e sã camaradagem. Também quero conservar as minhas amizades masculinas e, perante o facto de as apoiares, estamos de acordo, não há incompatibilidades entre nós, neste tema.

Vem toda esta explicação a respeito do teu encontro com a tua correspondente. Ora, sê razoável, vê lá se não tive a iniciativa de te dizer que fosses encontrá-la? Nunca te dissuadi de ires visitá-la. Evidentemente que poderias tê-la visitado antes. Devias tê-lo feito e, assim, já a despedida seria mais breve e não originaria agora este vendaval.

TREMENDAMENTE EGOÍSTA. Que cretinice. Dizerem isso de mim, eu que me considero uma moça tão liberal, tão condescendente! Posso estar enganada? Não estou, não sou tão inconsciente que não me aperceba de tal defeito.
Não há também em mim, ao contrário do que afirmas, intransigência obsoleta na não aceitação e na incompreensão das tuas amizades, do amor que dedicas a muita coisa para além das pessoas. (…). Como fruto do meu conhecimento sobre os teus sentimentos, ideais e aspirações nasceram a certeza, a confiança, a credulidade que tenho em ti e que, intimamente, nunca sofreram alterações.

Não te dou liberdade, meu amor, porque ela não se reparte como o pão. O nosso namoro tem esta característica única de assentar em completa liberalidade, (…).

Aparte tudo isto, (…), eu creio na nossa compreensão mútua e na comunhão de sentimentos que têm instado a que prossigamos caminhando descobrindo beleza, sentido de viver, em paz e esperança no nosso futuro.

Meu M. querido, parece-me (…) que respondi claramente ao que se me impunha.
Saudosamente, me despeço.
Beijos e abraços da tua
N

************

Não consigo perceber a carta que se segue. Foi uma surpresa para mim, a sua leitura. O tom do discurso, a manipulação de certas palavras, a agressividade pessoal contra alguém que é me era querido, a desorientação, o derrotismo … Não consigo ver-me a ter este comportamento naquela altura. Causas?

Talvez uma junção de várias novas situações: regresso à guerra, após férias; saída de Bissorã para Mansabá com perda de convívio social e de qualidade de vida fora das ocupações estritamente militares; acumulação a 100% das actividades operacionais e da escola regimental, com o trabalho lectivo a aumentar com a aproximação dos exames; medo e cansaço a pesar na vivência diária, agravados perante a perspectiva próxima do fim da comissão; a decisão recentemente tomada de trazer o menino Sarrico comigo e as responsabilidades daí resultantes …
Mesmo assim, continuo surpreendido com esta carta. E pesam-me, ainda hoje, o sofrimento e as lágrimas que causei a alguém que durante todos estes anos, desde então, tem sido a minha querida companheira de vida.

“Se tiveres lágrimas nos olhos, bebo essas tuas lágrimas”
Marcas de sofrimento - Carta de Mansabá, 29/11/1966, amarrotada e manchada por lágrimas.

Mansabá, Nov. 29/66

Por vezes, ao pensar na vida e principalmente ao analisar os outros, tenho uma sensação de caos e chego a ver-me estranho, tanto com os outros como comigo próprio. Nessas alturas, esteja onde estiver, tenho frequentemente a sensação de que tudo se move impelido por derrocada desconexa de uma ladeira enorme, (…). E chego a pensar que o caos existe em mim.

Defende-te, desculpa-te, acusa-te. Eu já nada mais sou que um observador interessado, pacato ou vibrátil, triste ou satisfeito. Unido estava a ti. Junto de ti estou, já que continuo a amar-te embora muitas vezes chegue a pensar que não sei porquê. (…). Talvez para viver na minha cretinice. Aconselho-te é a não viveres com um cretino. Seria cretinice demasiada para ti. E já que sou cretino… 

Bem, tu com toda a tua independência crítica saberás o que tens a fazer, que eu cá fico com a minha cretinice. Mas que cretino eu sou! Cretino, cretinas, cretina, cretinamos, cret… Parvo. Guerra.
Parvo na guerra. Guerra parva. Guerra cretina. Cretino na guerra. Guerra, guerra, guerra. A vida? Caos.

Dói-me ver os teus olhos de espanto ao ler esta carta. Amo esses teus olhos de espanto. (…). Estou a gostar da barafunda, de “bafarunda” como diz um soldado que anda sempre com o “VIVA A GUERRA” na boca. Para ele é tudo “bafarunda”. O que é preciso é confusão. Bem, ele diria: o que é preciso é “bafarunda”! Ah, desculpa. Não te avisei: estou “charola”. “Charola”, parvo, cretino. Rima tudo com maluqueira.

Se tiveres lágrimas nos olhos, bebo essas tuas lágrimas; se estiveres furiosa, de rictus nos lábios, dura, eu beijo-te, eu acaricio-te, eu mordo-te porque quero ver-te gritar, ver-te gritar de dor e prazer, ver-te gritar de indignação e alegria. Ver-te no caos. Ver-te VIVER. Porque isto de dar cabeçadas sabe bem. (…).

Alto lá, que estás a pensar? Não penses sequer em fazer desaparecer a carta, esta cartinha maravilhosa. Duvidas? Duvida! DÚVIDA. É na dúvida que te quero deixar, não duvides. Ou, se quiseres, duvida mas não rasgues a carta!

************

“Duvidas? (…). Mas não rasgues a carta! “
Marcas do sofrimento - Carta de Mansabá, em 29/11/1966, manchada por lágrimas e com sinais de amarrotamento.

Minha N. querida, como estás? Eu estou bem, felizmente. Por cá tudo bem. Espero que esta minha carta te vá encontrar de perfeita e feliz saúde na companhia de tod…. Os lugares comuns ainda existem. Em tudo? (…).
(Deixa-me rir, D. Está bem?).

“Que baixo poder de chacota o teu!”. Não foi isto o que agora pensaste? (…).

Um grande abraço aos teus pais.
Beijo-te toda, meu amor. Saudades.
M.

************

Nota: Não encontro qualquer reacção ao texto desta carta. A primeira carta que recebi, após a escrita e envio desta, tem data de 18-Dezembro-1966 e não faz qualquer referência a este “conflito”.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14543: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (19): Sem nada para dizer