segunda-feira, 11 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19573: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (IV)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro  de 1967 > Foto nº 3 >  Na tasca do «Zé Maria» comendo e bebendo alguma coisa. Junto comigo o Furriel Rocha, o !Algarvio!,  que não pertencia ao nosso Batalhão, mas foi lá parar ao CA, caindo de paraquedas.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro  de 1967 > Foto nº 4 > Na tasca do «Geraldes» petiscando sozinho alguma coisa, talvez frango. Este estabelecimento conhecido por ‘O Geraldes’ era uma espécie de restaurante-tasca, onde se podia comer e beber alguma coisa fora da ementa do rancho do quartel.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > Foto nº 6 > No bar da messe de oficiais lendo o jornal diário da província, "O Arauto"


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > Foto nº 6A > "O Arauto" era propriedade da Igreja Católica; publicava-se todos os dias, exceto à segunda-feira; era originalmente mensário. desde 1943, passou a diário em 1950, sob a direção do padre José Maria da Cruz; lê-se na primeira página do exemplar que o Virgílio Teixeira está a ler: "A maior tragédia: Portugal na... e a rota do Cabo"; o resto é ilegível.

Recorde-se que, na sequência da guerra israelo-árabe, ou guerra dos seis dias, de 5 a 10 de junho de 1967,  a Rota do Cabo passou a ocupar um lugar vital para o Ocidente e para a economia mundial, nomeadamente por causa do fornecimento de petróleo do Próximo Oriente. O Canaz do Suez esteve encerrado à navegação desde 1967 até 1975 !... O artigo do jornal deve ter a ver com este tema candente.

Por razões funanceiras, o jornal que  acumuliu um crescente de défice de vásrias centenas e contos, deixou de se publicar ainda no tempo do governador general Arnaldo Schulz. A última edção, o nº 6444, saiu em 10 de abril de 1968. (LG)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de 1967 > Foto nº 8 >  – Uma das muitas ‘reuniões’ de copos, tendo como tema alguma comemoração. Aqui está a maioria dos condutores do meu batalhão e outros ligados à ferrugem, em mais uma confraternização de anos, por exemplo, vejo o Furriel Carvalho, o soldado condutor Bourbon, e tantos outros amigos.

Parece que havia uma embalagem de biscoitos, sortido 28, uma garrafa de brandi Macieira e outra não identificada. O interesse principal da malta, eram as revistas ‘cor-de-rosa’ com as fotos das meninas já quase descobertas, mas nem por isso!


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de 1967 > Foto nº 9 > Momentos de leitura na messe de oficiais, no Bar, com alguns camaradas. Estão da esquerda para a direita, o nosso ‘brigadeiro’, o mestre da sala, o Tenente Godinho, da Secretaria;  eu, o alferes Teixeira; o aspirante Mesquita; e o alferes Carneiro, o de bigode.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de 1967 > Foto nº F11 > Refeitório das praças transformado em sala de aulas. Este local,  como se pode ver,  é uma parte do refeitório dos soldados e cabos, que após as refeições era transformado em sala de aulas. Ali se ensinava a nossa tropa, alguns mesmo analfabetos, tendo como professores outros militares mais alfabetizados. Tem o quadro de lousa atrás, e podem ler-se algumas palavras.

Da minha parte, aproveitei para almoçar ali mesmo, quando não me apetecia ou estava fora de horas para almoçar na minha messe. Como já disse a comida do Rancho Geral, era por vezes melhor que na messe de oficiais, sei por experiência própria.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de  1967 > Foto nº 16 > Na cantina das praças, anexa ao refeitório, bebendo uma cerveja. Esta foto, que não me lembro bem onde foi feita, mas presumo que se trata da cantina das praças, que ficava anexa ao refeitório geral. Como não conheço as mesas e cadeiras, é a única foto que tenho desta zona, por isso posso confirmar, quase, com alguma certeza.

Vê-se uma construção ao fundo com bidões e um tubo, que julgo tratar-se de um condutor de água, para os bidões e dali para os serviços, WC, chuveiros ou até cozinhas, não se sabe.  

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde. (*)


 CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T063 – MEMÓRIAS DO GABU – PARTE IV


I - Anotações e Introdução ao tema:


Devido ao interesse que tem suscitado a ‘Princesa do Gabu’, e para juntar às muitas que já existem, é com muito gosto que venho enviar para futuro Poste, mais algumas fotos de Nova Lamego (GABU) dos tempos de 1967/68 (Período de 23Set67 a 26Fev8).

Esta será a Parte IV – também escolhidas ao acaso, sem tema especial que não seja mostrar como era a Nova Lamego do meu tempo, não dos anos seguintes, que já não a conheci.

Espero e desejo que agradem, pois a falta de qualidade das fotos é uma constante.


II - Legendas das fotos:

F03 – Na tasca do «Zé Maria» comendo e bebendo alguma coisa. Junto comigo o Furriel Rocha – o Algarvio – que não pertencia ao nosso Batalhão, mas foi lá parar ao CA, caindo de paraquedas. Não tinha função nenhuma. Foto captada em Nova Lamego, em Outubro de 1967.


F04 – Na tasca do «Geraldes» petiscando sozinho alguma coisa, talvez frango. Este estabelecimento conhecido por ‘O Geraldes’ era uma espécie de restaurante-tasca, onde se podia comer e beber alguma coisa fora da ementa do rancho do quartel. Foto captada em Nova Lamego, em Outubro de 1967.

F06 – No bar da messe de oficiais lendo um Jornal - ‘O Arauto’. Antes ou depois das refeições passava algum tempo a ler e beber alguma coisa, e neste caso estou a ler «O Arauto». Não me perguntem, mas deve ser um jornal local da Guiné, pode ler-se na primeira página ‘A maior tragédia Portugal’, não sei nem compreendo agora como foi lá parar. Parece-me que tem uma etiqueta de envio pelos correios, mas não sei. Foto captada em Nova Lamego, no 1º. Trimestre de 68

F08 – Uma das muitas ‘reuniões’ de copos, tendo como tema alguma comemoração. Aqui está a maioria dos condutores do meu batalhão e outros ligados à ferrugem, em mais uma confraternização de anos, por exemplo, vejo o Furriel Carvalho, o soldado condutor Bourbon, e tantos outros amigos.

Parece que havia uma embalagem de biscoitos, sortido 28, uma garrafa de brandi Macieira e outra não identificada. O interesse principal da malta, eram as revistas ‘cor-de-rosa’ com as fotos das meninas já quase descobertas, mas nem por isso! Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no 4º. Trimestre de 67

F09 – Momentos de leitura na messe de oficiais, no Bar, com alguns camaradas. Estão da esquerda para a direita, o nosso ‘brigadeiro’, O mestre da sala, o Tenente Godinho da Secretaria, o alferes Teixeira, o aspirante Mesquita, e o alferes Carneiro, o bigode. Pela postura, parece que estamos todos a ver uma sessão de cinema na Televisão local! Foto captada em  Nova Lamego, no mês de Dezembro de 67

F11 – Refeitório das praças transformado em sala de aulas. Este local como se pode ver é uma parte do refeitório dos soldados e cabos, que após as refeições era transformado em sala de aulas. Ali se ensinava a nossa tropa, alguns mesmo analfabetos, tendo como professores outros militares mais alfabetizados. Tem o quadro de lousa atrás, e podem ler-se algumas palavras.

Da minha parte, aproveitei para almoçar ali mesmo, quando não me apetecia ou estava fora de horas para almoçar na minha messe. Como já disse a comida do Rancho Geral, era por vezes melhor que na messe de oficiais, sei por experiência própria. Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no mês de Dezembro de 1967

F16 – Na cantina das praças, anexa ao refeitório, bebendo uma cerveja. Esta foto, que não me lembro bem onde foi feita, mas presumo que se trata da cantina das praças, que ficava anexa ao refeitório geral. Como não conheço as mesas e cadeiras, é a única foto que tenho desta zona, por isso posso confirmar, quase, com alguma certeza.

Vê-se uma construção ao fundo com bidões e um tubo, que julgo tratar-se de um condutor de água, para os bidões e dali para os serviços, WC, chuveiros ou até cozinhas, não se sabe. Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no 4º. Trimestre de 67

Vila do  Conde, 2018-03-02

Guiné 61/74 - P19572: Parabéns a você (1585): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19567: Parabéns a você (1584): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

domingo, 10 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19571: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (3): Encontro com o grã-tabanqueiro Cherno Baldé ou as voltas que a Tabanca Grande dá!


Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > Na casa do Cherno Baldé: ao centro, o Humberto Braima Sambu, o Luís Mourato Oliveira e o Cherno Baldé... Desconhecemos a identidade dos restantes dois amigos, à esquerda e à direita... Um deles deve ser o Braima, um jovem professor que trabalhou com o Humberto Sambu, talvez o da ponta esquerda.

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira  (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Luís Oliveira
1. Terceira crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Acabou de chegar a Bissau, a 2 de março, onde vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)




Encontro com o grã-tabanqueiro Cherno Baldé ou as voltas que a Tabanca Grande dá!

por Luís Oliveira


Desde a troca de correspondência sobre o voluntariado com a Tabanca Grande através do Luís Graça, pela troca de informação tomei conhecimento que o grã-tabanqueiro Cherno Baldé, que todos os que convivem naquele blogue admiram e respeitam, morava em Bissau, ficou na minha agenda como visita prioritária.

Estava longe de imaginar que o encontro se revelaria tão fácil e ocorreria nos primeiros dias da minha estadia.

Como as conversas são como os mangos, como se poderia dizer nestas terras, apresentei ao professor Humberto Braima Sambu o blogue, informei-o sobre o espírito de fraternidade e paz que reina naquela morança, graças aos esforços dos nossos régulos que, com tanta justiça, critério e bom senso, a administram e, quando mencionei o o nome do Cherno Baldé, o professor Humberto Sambu, combinou de imediato uma visita ao Cherno, pessoa que ele conhece bem e reside a menos de quinhentos metros da casa onde estão os voluntários, eu incluído.


Na ausência dos nossos habituais formalismos, aí vamos nós após o almoço ao "assalto" da casa do Cherno que, apesar de saber da minha presença na Guiné, desconhecia a nossa visita tal como nós ignorávamos se ele estaria em casa e na disposição de nos receber. 

Estava em casa, e cheio de boa disposição como é demonstrado nas suas intervenções no blogue e, consequentemente, fomos amavelmente recebidos no seu esplêndido jardim, cheio de sombras e frescura que tão bem nos sabe neste clima.

O nosso convívio e conversa também foi fresca e límpida a fazer recordar as águas de Fá Mandinga que foram as melhores que bebi há tantos anos e ainda as trago na memória.

Falámos das ideias, dos sentimentos, de nós próprios, das nossa famílias e dos caminhos da história que originaram este tão fraternal encontro.

Com a cordialidade que o caracteriza, quando nos apresentou um esplêndido pitéu de frango para o lanche, como bom muçulmano que é, acompanhou-nos com refresco mas confessou-nos que tinha tido o pressentimento que teria visitas de outra religião e comprou algumas cervejas que muito apreciámos.

Obrigado, irmão Cherno, pelo tão sincero e amável acolhimento junto da sua família; obrigado, Tabanca Grande, porque sem ela nada disto teria acontecido.

Bissau, 8 de março de 2019

______________

Nota do editor:

Postes anteriores da série:


6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19554: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (1): a ansiedade da partida e o calor humano da chegada, em 2 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19570: Blogues da nossa blogosfera (109): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (26): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

OS VAMPIROS

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


A cidade está comida por enormes vampiros
varrida de poesia flores e frutos
e canções quentes dos filhos da cidade.
Ainda que os dentes sejam de cifrões
os vampiros matam com bombas tiros e orações.
Já não regressam as manhãs na cidade exterminada
coberta pela nuvem de vampiros devoradores
que tudo comem e não deixam nada.
A cidade dos pobres está comida por vampiros
vindos das cavernas podres da cidade civilizada
guiados por deuses e generais
benzidos por papas e cardeais
que tudo comem e não deixam nada.
E os pobres arrastam a vida muito aquém da vida
onde um mar de nada definha o pensamento
e um rio de cinza cobre a alegria de viver.
Eis que os pobres se dão conta de um futuro em liberdade
onde um mar de sonho e utopia
restitui a vida ao pensamento e à razão.
Mas os vampiros conhecem bem os buracos da prisão
e tudo fazem para os fechar
com grades de fé e religião.
A cidade está comida por enormes vampiros
vindos do céu e do inferno
devorando a mente e abandonando o corpo no deserto
como criança sem asas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de13 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19401: Blogues da nossa blogosfera (108): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (25): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P19569: Blogpoesia (611): "As maldições...", "Os cantos do mundo" e "E agora?...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


As maldições...

Benditas terras de Lisboa abençoada.
Onde o sol vem luminoso em cada dia,
Pintando de azul de mar o céu e de verde os jardins que a embelezam.

Chovem graças abundantes nos telhados de seus bairros.
Da Graça à Madragoa.

São de paz as suas ruas e miradouros.
Têm a marca da inocência os carinhos das suas gentes quando abrem suas portas.

Dizem que há hostes permanentes de anjos bons a gravitar ao seu redor, afugentando-lhe as maldições.

Bar Fradinho no centro de Mafra, 3 de Março de 2019
8h34m
Jlmg


********************

Os cantos do mundo

Corri os cantos do mundo em busca de poesia.
Tudo seco e arrasado.
Um deserto.

Onde os prados de boninas e as serras vestidas de urzes, em majestade?
E as planuras extensas, loiras, com o pão de oiro a fermentar?

Já não há rios. Dos mais pequenos.
Corriam alegres como gamos, pelas ladeiras.

Andam tristes as crianças. Perderam aquele viço travesso que lhes dava a natureza.
Agora, é só jogos virtuais nas tabletes. Queimam tempo e nada ensinam.
Vivem alheios à Natureza
Que tudo ensina e tudo dá.
Na ignorância.

Recebem tudo feito e embalado. No supermercado.

Como germina uma semente e nasce uma flor?

Ninguém repara no nascer do sol.
E o pôr não tem ninguém a despedir-se...

Bar Castelão, em Mafra, 5 de Março de 2019
9h50m
dia cinzento e molhado
Jlmg


********************

E agora?...

E, agora? Chove lá fora e ela não vem.
Está longa a espera.
Aspiro escrever. Nada aparece.
Um bulício na mente.
Tanta procura, em vão.
Apetece parar.

Se não fosse o passado,
quando o mesmo ocorreu,
de repente, o céu se abre
e tudo volta ao que era.

O tempo não pára.
Leva e traz.
Tira e dá.

Só se sabe o que vem
Quando ele chegou.

Bar Caracol, arredores de Mafra, 6 de Março de 2019
9h7m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19547: Blogpoesia (610): "De tristezas e alegrias", "De bico no chão" e "Não sou marinheiro", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19568: Agenda cultural (675): os nossos amigos da Quinta da Sra. da Graça, José Manuel Lopes, poeta, vitivinicultor e nosso camarada, Luisa Lopes, a matriarca, e Vasco Lopes, enólogo, autor do "Pedro Milanos"... estão hoje na 7ª edição do Mercado Gourmet, Lisboa, Campo Pequeno, das 12h00 às 20h30...





Alto Douro Vinhateiro > Alijó > Pinhão > Estação Ferroviária  > Linha do Douro > 2 de março de 2019 > A caminho do Entrudo Chocalheiro, em Podence, Macedo de Cavaleiros > Alguns dos belos azulejos da estação do Pinhão. São da Fábrica Aleluia, Aveiro (, pintados em 1935, colocados em 1937; oferta do Instituto do Vinho do Porto).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



1. Mensagem da Quinta Senhora da Graça - Turismo e Vinhos26 de fevereiro às 14:43  [, o mesmo é dizer, os nossos amigos José Manuel Lopes, poeta, vitivinicultor, grã-tabanqueiro,  Luisa Valente, a matriarca, e Vasco Valente Lopes,  enólogo, autor do "Pedro Milanos]

Estaremos por lá, no Campo Pequeno, em Lisboa, no Mercado Gourmet, de 8 a 10 do corrente, apareçam , provem e podem comprar os Pedro Milanos . Os dois dedos de conversa são grátis.






Lisboa > Campo Pequeno > 7ª edição do Mercado Gourmet - Vinhos e Gastronomia > 10 de março de 2019 > O nosso Zé Manel da Régua em ação...Parabéns pelo trabalho do pai, da mãe e do filho... O Pedro Milanos reserva tinto 2016 está de se lhe tirar o chapéu!...Também gostei do branco...

Lê-na página do Facebook do produtor:

(...) Pedro Milanos Limited. Branco Reserva 2017 e Tinto Reserva 2016.

Esta é uma edição especial do Pedro Milanos. Está limitada a 100 unidades - duas garrafas, um branco reserva 2017 e um tinto reserva 2016, embaladas em caixa de madeira e com um dos poemas do mesmo no seu interior. (...) Aceitaremos encomendas online a partir da próxima semana. #pedromilanos #douro.


Pedro Milanos  é o anagrama de Armindo Lopes, já falecido, o autor do poema, pai do Zé Manel Lopes e avô do Vasco Lopes.  Três  apaixonados  pelo Douro.


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné).
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19552: Agenda cultural (675): Inauguração da Exposição de Pintura e Poesia "...Como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro", de Adão Cruz, dia 8 de Março de 2019, pelas 18h00, na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo, em S. João da Madeira

Guiné 61/74 - P19567: Parabéns a você (1584): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19560: Parabéns a você (1583): Cor Art Ref DFA António Marques Lopes, ex-Alf Mil da CCÇ 1690 (Guiné, 1967-69)

sábado, 9 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19566: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (2): domingo de carnaval

Luís Mourato Oliveira

1. Segunda crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã,  Oeste, Estremadura...

Acabou de chegar a Bissau onde vai estar 3 meses como voluntário  na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)




Guiné-Bissau > Bissau > Carnaval 2019. 

Vídeo de Luís Oliveira (2019)

Domingo de Carnaval

por Luís Oliveira



Após o sono reparador que apagou completamente a imagem da viagem e do local onde me encontrava (*), acordei em total conflito com a rede mosquiteira e tive a desagradável sensação do carapau quando traiçoeiramente cai nas redes que o trazem para o nosso prato.

Após a breve luta para me libertar da confusão do tecido, abri finalmente os olhos para a realidade. Este não é o meu quarto! Afinal estou mesmo na Guiné-Bissau. E agora?

Primeiro esfregar os olhos, fazer o reconhecimento do terreno, identificar as malas... onde estarão as cuecas? Na mala de porão ou na dos cento e cinco euros da TAP? As t-shirts estão na verde, de certeza. Os comprimidos para quase tudo,  que fazem parte do pequeno almoço,  estavam naquele saco de plástico da farmácia, disso tenho a certeza,  o único problema é encontrá-lo.

Cinquenta voltas ao quarto de treze metros quadrados, mas enorme dado o único mobiliário ser a cama.




Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > Natal de 1973 > Agestão (complexa) de um destacamento, isolado,no mato, na margem direita do Rio Geba Estreito.  No foto, o Luís Mourato Oliveira, que era o "dono da tasca"...


Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Há quarenta e tal anos também não havia mobiliário para arrumos mas o bricolage transformou uns cunhetes de munições em armários que fariam inveja aos dos dias de hoje no Ikea. Agora toca a reciclar o que aparecer para arrumar e organizar.

Depois dos vinte minutos do exercício de orientação,  estava pronto e junto com as minhas companheiras de missão e da casa, a Leonor, a partir de agora Nôno, e a Sílvia. A nossa veterana é a Nonô que abancou sozinha na casa, serviu na escola com sucesso e demonstrou grande coragem e capacidade de adaptação. O mesmo sucede com a Sílvia, mulheres do Porto são assim, afirmo eu, mesmo sendo do Oeste.

A Nonô dirigiu as operações. Deslocação ao centro, levantar moeda local, comprar um cartão de dados que são comercializados e carregados em plena rua ou em contentores adaptados a quiosques ou até numa cadeira de praia sob um chapéu de sol com a marca da operadora. A tecnologia não conhece fronteiras nem estados de desenvolvimento social e por essa razão esta compra até antecedeu as nossas necessidades de abastecimento no supermercado.

Qualquer cidadão desprevenido, acabado de chegar da Europa, corre grave risco de síncope cardíaca, confirmei imediatamente se trazia o kit de comprimidos SOS Nitromint (0,5 mg de Nitroglicerina). Estão no bolso felizmente, mas a garrafa de água de Penacova continua marcada por quinhentos francos! 

Estou a falar a sério quinhentos francos! Só após um raciocínio complicado para o dia me lembrei que um euro vale cerca de seiscentos e cinquenta francos [, CFA,] e portanto a coisa não estava assim tão feia e não corria o risco de desidratação.

Regresso a casa, almoço com o professor Humberto [Braima Sambu]  num restaurante de portugueses onde foi servido “arroz de pato”... Se não lhes der a minha receita do verdadeiro Arroz de Pato ou se decidir eu próprio abrir uma tasca ao lado, vão perder clientela...

Por fim, o Carnaval. Um divertido desfile constituído por diversas associações e onde são representadas as diversas etnias com seus cânticos usos e costumes. Gostei imenso e foi deveras divertido. Apesar de tudo,  não consegui deixar de lembrar Torres Vedras e as inimitáveis Matrafonas.

Bissau, 3 de Março de 2019.

Luís Oliveira

___________

Nota do editor:

(*) Poste anterior da série > 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19554: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (1): a ansiedade da partida e o calor humano da chegada, em 2 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19565: Os nossos seres, saberes e lazeres (311): Viagem à Holanda acima das águas (15) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
No rescaldo de qualquer viagem, seguramente que nos confrontamos com livros, brochuras, postais, mapas, fotografias, são momentos de um certo embaraço, justifica-se mostrar dentro do nosso anfiteatro de comunicação tudo aquilo que nos maravilhou, não haverá para aí uma postura excessiva de cromos? Cada viandante cala fundo as suas impressões, há olhares que não desaparecem, filtram-se imagens e numa nova visita ao remanescente deplora-se não ofertar tudo aquilo que se viu e que tanto se apreciou: as flores, as pinturas, os canais, os edifícios religiosos e os outros, a gente anónima com quem nos cruzámos no caminho.
Em dado momento, no corredor principal do Rijksmuseum de Amesterdão, senti necessidade de me pôr a um canto a bisbilhotar comentários, a ouvir conversas. Só tinha aquele dia para Amesterdão, escolhi o Rijks, a Sinagoga Portuguesa e passear-me pelas ruas, e havia tanto mais para ver, a casa de Anne Frank, o museu Cobre, o museu dos Diamantes, o Teylers, o Van Loon e o Van Gogh, entre tantos outros, paciência, a viagem nunca acaba se o viajante não se torna esquecido ou perde a curiosidade de ali voltar.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (15)

Beja Santos

Sobre os povos e as suas culturas é certo e sabido que procuramos conotações com a música, certas produções, lugares míticos, posturas de civilização: a Espanha tem flamenco, os escoceses são avarentos, a Holanda tem tulipas, Portugal é fado. São abreviaturas e siglas que camuflam a dimensão da floresta, a diversidade de manifestações de qualquer cultura, obrigatoriamente poliédrica. A Holanda tem mais que tulipas, graças ao clima e a um Verão habitualmente curto, aos céus nublados, a produção de flores é muito mais do que uma exportação que define a economia holandesa, há flores por toda a parte, são cores que enchem as casas, os jardins, as ruas, um colorido que ameniza os tons pardacentos, que os alivia dos dias cinzentos, das brumas e neblinas persistentes, são os avisos de que vem aí o bom tempo, de que a primavera está sorridente e a seguir vem o verão pletórico, a encher de calor a nossa pele, a trazer mais bonomia às nossas vidas. Mal sabia o viandante que a Holanda sofria a estiagem, em qualquer conversa vinha à tona os problemas agrícolas, a alimentação do gado, conversa um tanto embaraçante com tanto fio de água à volta…





O viandante revê a sua colheita de imagens, é um dó de alma deitar para o lixo aquilo que hoje, na nossa sociedade digital e de redes sociais dá pelo nome de partilha, que pode ser um equívoco, uma nova manifestação estatutária, toma lá mais imagens das boas viagens que faço, é para tu veres por onde ando, por onde me movo,… No caso vertente, seria doloroso ao viandante não repartir com quem o lê e vê estas imagens subtraídas a museus já visitados, o Rijksmuseum de Amesterdão e o Kröller-Müller, perto de Arnhem, onde houve uma batalha entre os Aliados e os Alemães, correu mal para os primeiros, queriam tomar uma ponte, levaram uma coça.


O Rijksmuseum, voltemos às siglas e abreviaturas, não é só um expoente do século de ouro da pintura holandesa, pode ser um prato forte mas as suas coleções de pintura, de artes decorativas, de doações fabulosas de ourivesaria, por exemplo, são de tal valor que se sugere ao viandante a preocupação de percorrer certas salas onde o esperam obras excecionais, aqui ficam alguns exemplos.






Também a alma se lava com a introdução de beneficiações museológicas e museográficas que asseguram ao visitante conforto e o mais agradável confronto com as obras de arte, maior aprazimento com o meio envolvente. Veja-se este troço do museu como se transformou um magnificente edifício do século XIX, desadequado às necessidades de hoje, num museu remodelado onde se respira a modernidade.


Também o Kröller-Müller é muito mais que um museu que tem a maior coleção privada de obras de Van Gogh. A multimilionária que inspirou esta fabulosa coleção tinha ideias próprias sobre os movimentos artísticos, dividia as grandes correntes entre o realismo e o idealismo, era uma colecionadora dotada de grande ecletismo, daí ter adquirido um conjunto de obras desde o fim da Idade Média até aos tempos modernos, e deixou a obrigação da fundação que tem o seu nome continuar a adquirir peças preciosas da contemporaneidade. E o resultado salta à vista, vejam-se estas três telas, nem sempre os nomes que lhes estão associados têm a retumbância de Van Gogh ou Picasso, mas a grandessíssima beleza ninguém lha tira.




E já que o viandante está em maré de recapitulações, neste seu afã de repartir o que ele dá como significativo da viagem inesquecível pelos Países Baixos, salta-se para o Museu Municipal de Haia. E que magnificência!

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19544: Os nossos seres, saberes e lazeres (310): Viagem à Holanda acima das águas (14) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19564: A Galeria dos Meus Heróis (24): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - II (e última) Parte (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12, CIM Contuboel,
 c. jun/jul 1969


A Galeria dos Meus Heróis >

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - II (e última) Parte  (Luís Graça)


(Continuação)




Recordo-me da péssima disposição com que me levantei, nessa sexta-feira, dia 26 de fevereiro de 2010 (*). Era o meu último dia de trabalho. Segunda feira era já o início de outro mês. Costumo dizer que só faço anos de quatro em quatro anos, nos anos bissextos.

Nessa semana eu atingia o limite legal de idade para trabalhar na função pública, neste caso no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já me podia ter reformado alguns anos antes, acumulando os anos de função pública com o tempo da tropa. Mas não quis. Chamavam-me o “dinossauro” do Hospital. 


É uma imposição estúpida: sentia-me ainda, aos 70 anos, em boa forma, física e mental, com forças para continuar a dirigir o serviço de ortopedia. É certo que já não operava há uns tempos. Ou melhor: ia fazendo uns “biscates” para não perder a firmeza da mão… Enfim, umas coisas mais leves: fraturas simples, joanetes, uma ou outra artroplastia da anca…

De qualquer modo reconheço que um tipo, aos 70 anos,  já não tem o mesmo treino de mão, a mesma agilidade, a mesma paciência, a mesma resistência e os mesmos reflexos de quando era mais novo. E sobretudo a mesma pachorra para aturar os diretores clínicos e os administradores hospitalares e as suas folhas de excel, enfim, para lidar com a burocracia e a numeracia da saúde. Um hospital, público ou privado, é uma fábrica e é cada vez mais gerido como uma fábrica.

A maior parte dos meus colegas reformam-se do público, logo que preenchem os requisitos legais, na expetativa de virem a poder trabalhar na privada. Alguns até aceitam ser penalizados na contagem de tempo. Mas é uma ilusão. No privado são esmifrados até ao tutano. E têm que alimentar todos os setores da fábrica, da imagiologia ao bloco operatório, da hotelaria aos cuidados médicos e de enfermagem, do nascer ao morrer...


Nunca pensei em vir a trabalhar na privada, quero eu dizer, numa clínica ou num hospital fora do SNS. E muito menos depois de acabar a carreira no público. Afinal estava cansado de aturar doentes cada vez mais reivindicativos, para além dos constrangimentos impostos pela direção técnica e o conselho de administração, da escassez de recursos humanos e materiais, das birras dos anestesistas, dos narizes empinados das senhoras doutoras enfermeiras… 

Acho que fiz bem em pôr um ponto final na minha aventura terrena no domínio da saúde… Na próxima encarnação, serei o que  Deus ou o Diabo quiserem…

Estava em regime de exclusividade, o que era raro na minha especialidade. De qualquer modo, aos 70 anos,   punha-se o dilema: o que vais fazer agora, com todo o tempo do mundo à tua frente ?!... Cedo me apercebi, depois de reformado,que o tempo é, afinal, depois da saúde e da liberdade, o recurso mais precioso que temos, e que o gerimos mal... Afinal, desperdiçamos uma boa parte da vida. E, de ciência certa, só se vive uma vez.

Não era escritor nem pintor como alguns dos meus colegas médicos, mais talentosos. Vivia em Lisboa e tinha perdido as minhas raízes em Setúbal e no Alentejo. Perdi completamente o rasto aos meus parentes de Grândola e de Estremoz. Também nunca tive o culto da família. E infelizmente também nunca tive um filho. A minha vida conjugal não foi feliz. Casei-me, descasei-me, e acho que fiquei ou estou a ficar cada vez mais... misógino.

Mas,  voltando ao meu almoço de despedida e à minha retirada de cena…

Desde o início do ano de 2010, tinha o sacana do meu adjunto à perna, a contar os dias do calendário, sempre  à espera do "grande dia" em que o "o filho da puta do velho" (sic) arrumasse de vez o bisturi… Se ele não o dizia, bem o pensava: “O filho da puta do velho”…

Reconheço que eu era o último obstáculo para ele subir até ao topo da hierarquia do serviço… Para isso, era preciso "matar o pai"…

Mas eu não o condeno… No lugar dele, eu faria o mesmo. De certo modo, aconteceu-me o mesmo com o meu "patrão" no Hospital anterior, onde comecei a minha carreira. Desisti de esperar que ele arrumasse as botas, tinha mais três ou quatro rivais à frente… O que fiz foi concorrer para outro hospital, que ia abrir e que tinha vagas para ortopedistas. Aliás, fui eu que, aos quarenta e tal anos, fui montar o serviço… 


Em suma,já estava ali, no último Hospital em que trabalhei, há um eternidade… Enfim, chegara a vez do render da guarda, por muito que isso me custasse.

Mas voltando ao meu sucessor: e se eu fui um pai para ele!... Recebi-o de braços abertos, ajudei-o a fazer o internato da especialidade e, se ele hoje é um grande ortopedista, muito melhor do que eu,  talvez o melhor ou o segundo melhor do Hospital, a mim também o deve. Pelo menos em parte. O resto é mérito dele e da estrelinha da sorte que o levou até ao estrangeiro onde aprendeu novas técnicas que eu não dominava... Em contrapartida, ele foi o filho que eu nunca tive.


Reconheço igualmente que eu fui uma espécie de pai tirano. Fui muito mais exigente e menos condescendente com ele do que com qualquer outro dos internos que por cá passaram. Porque ele era melhor do que os outros, ou tinha que ser o melhor. Provavelmente ficou-me a odiar… Mas nunca o deixou transparecer. É apenas o meu “feeling”…

Em suma, tínhamos então, na véspera da minha passagem à reforma, uma relação de amor-ódio, latente.

No almoço, nesse tal sábado, foi ele que fez o discurso da praxe… E que discurso! Deixou-me sensibilizado, quase até às lágrimas… É difícil, se não impossível, saber se foi sincero, ele era um homem, ainda jovem, de verbo fácil, de grande inteligência e um sedutor nato, um "charmoso",  bendito entre as mulheres.

Foi ele e a minha secretária clínica que organizaram tudo… Apareceu quase toda a gente, médicos, enfermeiras, assistentes técnicas e administrativas… O mulherio em peso, não tanto por mim mas mais provavelmente por ele, que era o meu sucessor. 

Veio também o meu colega de Ortopedia B, que nunca foi meu amigo, mas era um colega leal, e mais alguns médicos, esses, sim, amigos, dos poucos que eu tinha no Hospital. Nunca fui um homem muito sociável mas sempre foram vinte e tal anos passados neste Hospital. Acho que era respeitado e até estimado.

O Hospital, ou seja, o conselho de administração, ofereceu-me uma salva de prata com o meu nome gravado, e duas linhas de blá-blá de cujo teor já não me lembro; e o pessoal do serviço, incluindo os participantes no almoço, tiveram a gentileza de me presentear com um “voucher” para eu fazer um cruzeiro à Grécia, com visita ao sul da Itália (Vesúvio,Nápoles, Pompeia...), e uma excursão ao templo de Asclépio, em Epidauro, no Peloponeso, na Grécia, onde começou a aventura da medicina ocidental de que eu, embora insignificante ator, fazia parte.



Não sei porque é que estou agora a recordar o meu passado. E depois, camarada (posso tratá-lo por camarada ?!), a conversa é como as cerejas. Tem piada, há séculos que não falava do meu passado como alferes miliciano médico, entre 1968 e 1970, na Guiné de má memória. Em boa verdade, desde que regressei em 1970... 


Confesso que não tenho saudades desse tempo, a não ser pelo que aprendi como médico e como ser humano.

Com os primeiros tempos de Spínola, logo em meados de 1968, tenho a ideia de que a guerra se agravou, de um lado e do outro. Chegavam feridos graves e muito graves ao Hospital de Bissau, bastante politraumatizados, que era preciso tratar de imediato. O meu maior orgulho foram as muitas vidas que conseguimos salvar, embora alguns tenham ficado deficientes para o resto da vida. 


A Guiné era pequena, aí do tamanho do Alentejo, a Força Aérea chegava a todo o lado, nomeadamente os helicópteros, os Al III, que faziam as evacuações Ypsilon. Eram as nossas ambulâncias, o nosso 112, que estavam equipadas com bom material de suporte de vida, e enfermeiras paraquedistas que prestavam logo, "in loco", no mato, os primeiros socorros, essenciais para manter o fio da vida até Bissau.

Elas eram poucas, mas desdobravam-se em múltiplas missões e foram uma mais-valia para os serviços de saúde militares. Eram muito jovens mas corajosas e competentes. Já não me lembro do nome de nenhuma delas, nem sequer da cara. Sei que, às vezes, ao domingo, chegávamos a almoçar juntos, os médicos do HM 241 e elas. Se bem recordo, os oficiais paraquedistas e os pilotos de Bissalanca guardavam-nas com algum ciúme... patológico. Na realidade, elas pertenciam à Força Aérea, se bem que não dormissem na base de Bissalanca.


Do mato, propriamente dito, tenho poucas recordações. Fotos, devo ter, mas não sei onde param. Uma das situações que me marcou, talvez pela positiva, foi a receção que me fizeram em Bambadinca, ao tempo do batalhão de artilharia, já não me recordo o número do número, talvez o 1904,se a memória não me atraiçoa. 

Eu já estava avisada que os gajos mais velhos gostavam de pregar partidas aos "periquitos"… Mas nunca mais me lembrei desse precioso "lembrete", que já trazia de Mafra… (Ou Máfrica, não era?!)

Recordo-me de ter chegado a Bambadinca, por volta de meados de março de 1968, ainda na estação seca, a de maior atividade operacional, de parte a parte. Creio que o quartel nunca tinha sido atacado, nem nas proximidades havia atividade inimiga, a não ser a norte do rio Geba e ao longo da margem direita do rio Corubal donde o PAIGC nunca fora desalojado...

Fui de avioneta, pelo que nunca cheguei a conhecer o Xime e a temível picada que seguia até Bambadinca. Era a porta de entrada na zona leste. Conhecerei o Xime mais tarde.

Mal acabara de arrumar os meus pertences, num quarto partilhado com mais dois alferes, no edifício do comando, oiço alguns rebentamentos e rajadas de armas automáticas. E depois um profundo silêncio… Nem tive tempo de ficar acagaçado, veio logo um militar chamar-me à pressa, porque tinha havido uma emboscada com mina anticarro, ao fundo da pista, ali a menos de um quilómetro… Havia “manga de mortos e feridos”!…

Logo as Daimlers e o piquete que estava de serviço, partiram a toda a velocidade pela pista fora, ao longo do arame farpado…

Um dos majores, talvez o segundo comandante, já não posso precisar, eufórico, quase histérico, apareceu, equipado a rigor (, o que me surpreendeu, já que tinha estado com ele, há meia-hora!), a conduzir um jipe, mais o furriel enfermeiro, com a bolsa dos primeiros socorros… Os maqueiros já tinham seguido com o piquete, garantia-me o furriel. Havia uma grande excitação no ar, com gente a correr pelo corredor que ia dar à messe, atropelando-se uns aos outros...

O major deu-me ordens, com voz grossa (mas que me pareceu... teatral), para eu subir para o jipe… Eu não sequer estava fardado, de camuflado, nem tinha nenhuma arma de defesa distribuída… Fiquei sem pinga de sangue, devo confessá-lo, mas veio ao de cima o meu sentido do dever hipocrátrico, mais forte do que o do cagarolas do militar "periquito"… Peguei no meu estojo, ali à mão, e lá seguimos a todo o gás…

Só faltavam os helicópteros para as evacuações… Até apareceu uma "enfermeira paraquedista", vinda de não sei donde, de calça de camuflado e T-shirt branca, que, para minha vergonha, era bem  bem expedita do que eu, no socorro aos "feridos"… Eles eram tantos que eu não sabia para onde me virar…


Ainda levou uns bons minutos até eu perceber que tinha caído… na esparrela!... Fora praxado, para gáudio daqueles malandros todos, que estavam a escassos meses de acabar a comissão!... Disseram-me depois que os oficiais "periquitos", de rendição individual, eram todos praxados à chegada... Mas nem todos gostavam da brincadeira!...

A encenação estava tão bem feita que até o sangue era sangue mesmo, embora de galinha ou de vaca, não era mercurocromo, como nos filmes … Soube mais tarde que a "enfermeira paraquedista" era a esposa de um dos furriéis ou dos alferes da CCS, e o que o furriel enfermeiro tinha sido o "cérebro" da brincadeira, com a cumplicidade do major…

Não levei a mal, mostrei o "fair play", fomos para o bar, paguei logo uma rodada de uísque a toda a malta, atores e figurantes… Em boa verdade, duas rodadas, que me custaram o equivalente a duas ou três garrafas!

Pronto, meu caro, são estas as histórias de que ainda me lembro do meu passado, da infância, da juventude, e da guerra, ou das guerras, a da Guiné e dos hospitais onde, num caso como noutro, procurei sempre fazer (e dar) o meu melhor…

Espero que o camarada faça também tão bom uso destas histórias como eu fiz da minha vida (sem falsa modéstia).

© Luís Graça (2019). Revisáo; 5/8/2023
_______________

Nota do editor:

sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19563: A Galeria dos Meus Heróis (23): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - Parte I (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,
CIM Contuboel,
 junho/julho de 1969

A Galeria dos Meus Heróis > 

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - Parte I (Luís Graça)





Fizeram-me um almoço de despedida nessa semana em que passei à reforma.

Sempre detestei as festas de despedida. É como partir, de barco, de um porto seguro para uma viagem desconhecida. Sabes o que tens, ou o que acabas de perder, desconheces o que te espera.

Aconteceu-me isso, talvez pela primeira vez, quando fui mobilizado para a Guiné, em rendição individual, aos 28 anos, em março de 1968. Amigos da faculdade e do hospital, colegas de curso e um ou outro antigo colega do tempo do liceu de Setúbal, fizeram-me uma festa, discreta mas comovente, de despedida.

Foi num café-restaurante das Avenidas Novas, em Lisboa, que já não existe, hoje é uma agência bancária ou coisa parecida. Na altura, eu era monitor de Anatomia na Faculdade de Medicina e trabalhava no Hospital de Santa Maria, à borla, na equipa de um dos "barões" que eram os donos dos serviços… Não havia ainda carreiras médicas, os jovens licenciados em medicina tinham que "pagar para aprender", com um patrono, um grande clínico ou um grande cirurgião…

Como o local do almoço era público e a PIDE costumava vigiar aqueles sítios, não houve grande discursos, e muito menos efusivos, e muito menos ainda contestatários… Aquilo era mais um velório do que outra coisa... Bolas, eu era médico, ia para a Guiné, haveria de voltar, com vida e saúde. Fui eu que tive de animar os meus amigos!

Só muito mais tarde, há uns anos atrás, é que fui à Torre do Tombo, movido por uma curiosidade legítima, mas algo mórbida, e acabei por saber que tinha uma ficha no arquivo da PIDE/DGS… Alegadamente por ser amigo de um tipo da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina, envolvido na crise estudantil de 1962… 

Fator aparentemente abonatório para a minha pessoa: ser filho de militar de carreira, com boa folha de serviços no Ultramar e tido como “adepto da situação”…

Em boa verdade, eu nunca me tinha metido em encrencas até acabar o curso de medicina, não queria ver o meu pobre pai embrulhado em maus lençóis, e sobretudo perder a minha valiosa bolsa de estudos, paga pelo Exército.

Em suma, não tinha liberdade económica para me poder armar em herói antifascista e anticolonialista, como alguns colegas (que papás da classe média alta). Mas confesso, em 1968, era contra o regime e contra a guerra colonial, tal como parte da juventude universitária daquele tempo.

Não vou dizer "boa parte da juventude universitária",  porque quem estudava naquela época eram filhos e filhas de gente da situação, ou que tinha algum poder económico, empresários, proprietários, comerciantes, professores, advogados, médicos, médio e alto funcionalismo público… Mas a maior parte da juventude estudantil, liceal e universitária, acomodava-se e tratava da vidinha, como acontece em todas as ditaduras. Para mais a nossa que até tinha a benção da Igreja...
 Bom, já não era bem assim, tive colegas, católicos, que já não liam a missa pelo mesmo missal...

Entretanto, eu dava conta de que a guerra , de que pouco ou nada se falava em público, começava a mexer com a malta. Havia mortos e feridos, havia refratários e desertores, e alguns até eram da nossa rede de relações ou conhecimentos… 

Guerra, em todo o caso, que era bem longe da nossa terra, da nossa casa, da nossa família, das nossas escolas e locais de trabalho, enfim, dos nossos cafés das Avenidas Novas... (Na altura, eu morava por ali, perto do Campo Grande.)

Quando chegava a hora da verdade, poucos afinal davam o corpo ao manifesto. Participei, em 1962, num ou noutra manifestação de estudantes, com cargas da polícia de choque, tinha 22 anos, sangue na guelra e asco ao autoritarismo, mas sem nunca me meter em nenhuma organização clandestina, nem muito menos assinar papéis que me comprometessem.

Também nunca tive conversas, nem grandes nem pequenas, com o meu pai, quando vinha de férias, ou regressava de mais um comissão de serviço, sobre a situação nos territórios ultramarinos, como então se dizia e escrevia. Sei que ele "não morria de amores pelo regime" mas não podia dar-se ao luxo de morder a mão de quem lhe pagava o vencimento ao fim do mês. Além disso, era um militar de secretaria.


A minha mãe, embora apenas com a 4ª classe mal tirada, era mais politizada do que o meu pai. Ela era natural de Grândola, emigrara, muito jovem, para Setúbal com a família. Trabalhara como empregada doméstica, logo acabada a escola, e depois como operária na indústria conserveira. Foi em Setúbal que os meus pais se conheceram. E foi aí que eu nasci. Tempos difíceis. Valeu-me uma bolsa de estudos do Exército que me permitiu ir fazer, em Lisboa, o curso de medicina, em 1958. Sou do curso de 1958/59.

Em solteira, quando operária conserveira, aos 17/18 anos, a minha mãe terá chegado a distribuir o clandestino jornal "Avante", na fábrica e no bairro onde residia. Não sei se alguma vez foi "antifascista", foi palavrão que nunca lhe ouvi, da sua boca. 

De qualquer modo, depois de casada, acabou o seu eventual "antifascismo". Julgo que ainda viveu, com alguma euforia e esperança, o fim da II Guerra Mundial. Mas teve que ser pai e mãe durante o resto da vida.

A minha mãe também não era beata, se bem que fosse à igreja, uma vez por outra, em cerimónias militares oficiais e em certas datas, por conveniência social: na festa de Natal, no dia do Regimento, no dia nacional da infantaria, etc. Afinal, era casada com um militar de carreira e a tropa era também um pouco a sua família alargada… Se bem que não houvesse grandes misturas, entre as famílias dos senhores oficiais e as dos sargentos…


Em todo o caso, para completar o magro vencimento do meu pai, a minha mãe via-se obrigada a trabalhar de costura, em casa, e fazer bolos para festinhas, nomeadamente para as famílias dos oficiais e sargentos do RI 11, em Setúbal.

Nunca acompanhou o meu pai nas quatro comissões de serviço no ultramar (Cabo Verde, Índia, Angola e Moçambique), ou nas mudanças de regimentos (além do RI 11, em Setubal, esteve em Tomar e nas Caldas da Rainha). E ficaria viúva bastante cedo, aos quarenta e tal anos. 

Era mais nova nove anos do que o meu pai. Nascera em 1920 e teve-me, a mim, aos 20 anos e à minha irmã, mais nova, aos 26, já depois do meu pai regressar de Cabo Verde. (Essa minha irmã, já falecida, foi enfermeira, estava nos finais dos anos 60 no Alcoitão, quando o meu pai faleceu em maio de 1968, ia completar os 57 anos.)


Nasci num ano bissexto, em 1940, no dia 29 de fevereiro, uma quinta-feira, recordava a minha falecida mãe. Nasci em casa, de um parto difícil, já quase de madrugada. Daí talvez eu ser mais mocho do que cotovia.

Não chegou a ser preciso chamar o médico do regimento, o RI 11, onde o meu pai estava colocado, na altura já 2º sargento de infantaria. O médico era um bom homem, alentejano de Évora. O meu pai era de Estremoz. E até se dizia que era do reviralho, só por ser alentejano e republicano.

Tenho uma vaga ideia de o ter ido esperar, ao meu pai, já criança com quatro anos,ou coisa assim,  a Lisboa, ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Regressava de Cabo Verde, com a sua companhia ou batalhão, não sei ao certo.

Terá sido a primeira vez que andei de automóvel e, depois, de barco. Fomos, eu e a minha mãe, de carro, à boleia. Não sei de quem era o carro, penso que era conduzido por um amigo da família, que tinha carros de aluguer na praça de Setúbal. Talvez também fosse de Estremoz, conterrâneo e amigo do meu pai. 

Fomos até Cacilhas, ainda não havia a ponte sobre o Tejo. Apanhámos um cacilheiro até ao cais do Sodré. Não reconheci o meu pai, naturalmente, ele andara fora trinta e tal meses. E não terá vindo bem de saúde, segundo contava a minha mãe. Tinha estado na ilha do Sal e depois na ilha de São Vicente, já para o fim, antes do regresso.

Ou, se calhar, foi mais tarde. Tenho as memórias de infância baralhadas. Se calhar foi quando ele voltou a partir para outra comissão, desta vez para a Índia, já como 1º sargento, aí por volta de 1947 ou 1948. Eu devia ter 7 ou 8 anos. Já andava na escola, deve ter sido, pois, em 1948.

Ele acabou por fazer lá duas comissões, a segunda como voluntário, com direito a vir de férias em 1950. Aproveitou para fazer o 7º ano no liceu de Goa. Virá depois a frequentar, em 1956, a Escola Central de Sargentos, que era em Águeda. Ainda esteve em Angola, em 1961, aqui já com o posto de tenente SGE. Acabou a sua carreira militar em Moçambique, em 1965… 


Regressou em 1967, para morrer um ano depois, já eu estava na Guiné. Morreu cedo demais, o meu pai, ainda primeiro que o Salazar. Foi em maio de 1968. Estava o Schulz a ir-se embora. E eu em Bambadinca, quando recebi a triste notícia. Não fui ao funeral do meu pai, não me deram a devida autorização a tempo de apanhar o avião da TAP. Uma prepotência que nunca perdoei ao comandante do batalhão. Talvez por esse motivo nunca morremos de amores um pelo outro.

Escassos meses depois de chegar à Guiné, fui colocado no Hospital Militar de Bissau, "onde fazia muito mais falta do que no mato", segundo a ordem pessoal que recebi de Spínola, ainda brigaddeira,  que tive a honra de conhecer na altura. 

Com o recrudescimento da guerra e o aumento dos efetivos, havia falta de cirurgiões, anestesistas, estomatologistas, para além dos tipos da medicina tropical, que as doenças infectocontagiosas eram mais do que muitas.

Se não erro, o Hospital Militar de Bissau era o HM 241. E, em boa verdade, foi um grande escola para mim e outros cirurgiões. Foi lá que fiz verdadeiramente o meu internato de ortopedia. Tive lá grandes mestres de cirurgia e medicina. E depois, com o Spínola, o Hospital tornou-se um verdadeiro orgulho para todos nós. Dizia-se, sem exagero, que era o melhor hospital da África Subsariana, só tendo paralelo nos hospitais centrais da África do Sul… (Não sei, nunca lá estive.)

Em suma, cresci com um pai ausente, que eu mal conhecia, a não ser pelos retratos que a minha espalhava pela casa. Quando vinha a casa, recompensava-me com alguns brinquedos, baratos, e sobretudo muitas histórias. Era um bom contador de histórias, sabia as aventuras todos do Tigre da Malásia, dos livros do Emílio Salgari. Mas não falava da guerra do ultramar...


Era um homem meigo, contrariamente à minha mãe, que tinha de ser pai e mãe, que tinha de nos dar o pão, o amor e a educação. Era uma mulher precocemente marcada pela dureza da vida e pelas agruras do casamento. 

Por tudo isto, é difícil responder à pergunta se eu tive uma infância feliz...

Na semana em que fiz 70 anos, o dia 28 de fevereiro de 2010 calhava a um domingo e o dia 1 de março era segunda-feira. Alguém sugeriu fazer a minha festinha de despedida na sexta-feira à noite, mas eu opus-me logo.

Durante os dias úteis da semana não dava jeito, porque afetava o normal funcionamento do serviço e muita gente não poderia vir. E depois nunca se deve comemorar o aniversário natalício, na véspera, porque dá azar. E eu nessas coisas, sou mesmo supersticioso. Ou não fosse cirurgião.

As profissões de risco têm os seus mecanismos de defesa mental. Já alguém me explicou isso: dos toureiros aos pilotos de avião, dos mineiros aos tipos que trabalham nos arranha-céus, dos artistas de circo aos pescadores de alto mar, sem esquecer os polícias e os militares… Todos temos que saber racionalizar os riscos a que estamos expostos. 

No caso dos médicos, lidamos todos os dias com a doença e a morte, pelo que acabamos por ter a perigosa ilusão de que somos invulneráveis e imortais. Por outro lado, estamos sujeitos ao erro.

Enfim, a minha festa acabou por ser marcada para um sábado, dia 6 de março de 2010.

Bolas, já lá vão 9 anos!... Como o tempo passa. Para o ano, se lá chegar, farei os oitenta. Há meio século atrás andava em Bissau a amputar pernas e braços, de homens, brancos e pretos, apanhados pelas malditas minas e armadilhas que o PAIGC punha nos trilhos e picadas. Mas também da população civil, nomeadamente fula, que era atacada com armas pesadas, nas suas tabancas, sem dó nem piada. 

Com Spínola, há uma escalada da guerra. Mas não discriminávamos ninguém: cheguei a operar guerrilheiros do PAIGC, feridos e aprisionados pelas nossas tropas, e evacuados de helicóptero.

(Continua)

© Luís Graça (2019). Revisão; 5/8/2023
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro e 2019 > Guiné 61/74 - P19491: A Galeria dos Meus Heróis (22): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - II (e última) Parte (Luís Graça)