1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2017:
Queridos amigos,
Aqui se põe um fim a uma demorada, propositadamente extensa, análise de um trabalho de leitura obrigatória para o investigadores da guerra da Guiné, obra redigida com suficiente clareza e incisão que permita todos os leigos os mais amplos esclarecimentos sobre a vida e obra de Cabral.
Julião Soares Sousa foi justamente premiado pela sua primorosa investigação. Esta edição corrigida e aumentada introduz, em meu entender, um quociente de perplexidade quanto ao maior número de hipóteses de envolvimentos em torno do assassinato. A despeito de documentação fundamental ter desaparecido, estar extraviada ou irremediavelmente perdida, factos são factos, Cabral foi assassinado por guineenses e todas as recriminações dos conjurados iam contra a unidade Guiné-Cabo Verde. É um mistério denso que se presta a imensa especulação. Porém, não se esqueça que em 1980 Nino Vieira, de colaboração íntima com combatentes guineenses e até civis, afastaram os cabo-verdianos e pôs termo a um sonho de Cabral que, comprovadamente, não tinha pés para andar.
Um abraço do
Mário
Amílcar Cabral visto por Julião Soares Sousa:
Uma biografia incontornável, agora revista e aumentada (5)
Beja Santos
“Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016: tenho para mim que é a biografia do líder histórico do PAIGC, escrita em língua portuguesa, que nenhum estudioso ou interessado na história da Guiné-Bissau ou nas lutas de libertação que ali se travaram pode dispensar. Nenhum outro investigador de Amílcar Cabral coligiu tanta documentação, desfez mitos e quimeras e enquadrou com perspicácia e isenção o homem, a sua ideologia, a sua causa, nos tempos e na circunstância em que atuou e em que perdeu vida, assassinado pelos seus próprios companheiros de luta.
No aceso da luta de libertação, Cabral é confrontado com um punhado de dossiês escaldantes: as relações com os outros movimentos de libertação têm aspetos agudos, Cabral e Mondlane não têm identidade ideológica, por exemplo; procurou-se o lançamento de ações de guerrilha urbana, foram pouco consequentes mas segundo o líder importantes no plano político e psicológico; caminhou-se para a proclamação do Estado da Guiné e militarmente Cabral desenhou com um conjunto de colaboradores uma ofensiva sobre Guileje que só se concretizará em Maio de 1973; toda a problemática de Cabo Verde é forçada à hibernação, Cabral transfere para as frentes de guerra esses quadros apetrechados que se revelarão determinantes, caso de Pedro Pires, Osvaldo Lopes da Silva, Agnelo Dantas e Silvino da Luz, entre muitos outros; o ano de 1972 obriga Cabral a deslocações incessantes, embora se julgando amplamente informado do que se passa na guerrilha e em Conacri, acentuam-se as crises internas, é no regresso de uma visita à União Soviética em Novembro de 1972, onde lhe é garantido o apoio com armas modernas, como os mísseis Strela, que Cabral é alertado para a existência de graves problemas em Conacri, o mundo das informações alterara-se, não só a PIDE/DGS conseguira infiltrar informadores ao mais alto nível como dezenas de combatentes reuniam à luz do dia e havia mesmo ideias de refazer o partido, contava-se para isso com combatentes carismáticos como Osvaldo Vieira e com o antigo presidente do partido, Rafael Barbosa.
E assim chegamos ao assassinato, tema que conhece novos desenvolvimentos nesta edição corrigida. Há muitas conjeturas, o autor usa e abusa do consta, do alegadamente, do presume-se. Há versões coincidentes sobre o se passou naquela noite, Ana Cabral a tudo assistiu, ouviu as primeiras discussões, o primeiro disparo quando Cabral não aceitou ser preso, a conversa seguinte em que Cabral propunha uma discussão sobre os problemas de relacionamento entre cabo-verdianos e guineenses, sucederam-se os tiros fatais, os conjurados, seguramente de acordo com o plano previamente traçado, dividiram tarefas, prenderam Aristides Pereira e levaram-no para uma lancha com outros reféns, incluindo a mulher de Cabral; meteram na prisão um elevado número de cabo-verdianos, nem um só guineense, avisaram-nos de que seriam fuzilados ao amanhecer; e foram libertados os membros do complô, todos guineenses, que se encontravam aprisionados, punidos por rebeldia; outros dirigiram-se ao palácio de Sékou Touré, Óscar Oramas, o embaixador cubano assistiu a essa conversa, os conjurados alegaram sempre a fricção insanável entre Guiné e Cabo Verde, o presidente da Guiné Conacri mandou prender os conjurados e pediu apoio naval aos soviéticos para irem buscar Aristides Pereira. Entre as muitas pistas Julião Soares Sousa retoma algumas delas não têm base de sustentação: não há um só documento que comprove qualquer colaboração da Armada Portuguesa; não há um só documento que conduza a qualquer associação entre a PIDE/DGS e os implicados na conjura de Conacri, pelo contrário, nas horas subsequentes em Bissau Spínola deplorará a morte de Cabral, ele não tinha outro interlocutor, e o diretor da PIDE em Bissau envia para o diretor da PIDE em Lisboa um relatório que no todo ou na parte é manifesto da não implicação da polícia política portuguesa nos acontecimentos de 20 de Janeiro de 1973; continua a insistir-se na liderança de Momo Touré no assassinato, este não possuía qualificações, capacidades ou reconhecimento por parte dos altos quadros combatentes, seria, quanto muito, um cabeça de turco a executar um plano pré-combinado, não será de excluir conivências diretas de Nino Vieira e Osvaldo Vieira, que ficaram na sombra. Julião Soares Sousa carreia nova informação, caso do relatório da delegação jugoslava às cerimónias fúnebres de Cabral, ou relatório de Agostinho Neto. E centra-se nas hipóteses de cumplicidades internas e externas centradas em Sékou Touré e nas autoridades portuguesas. Para sermos francos, nada de novo. Trazer à colação a “Operação Albatroz”, bem como a “Operação Safira”, igualmente nada traz de esclarecedor, não há provas concludentes que associem tais iniciativas ao assassinato de Cabral.
As conclusões da obra recapitulam toda a evolução de um pensamento e de uma ação, podem ser encaradas como uma síntese feliz. No entanto, não se percebe o que leva o autor depois de relevar de que não se possui documentação irrefutável que leve ao reconhecimento dos autores morais a escrever que a chave do enigma se encontra na documentação da PIDE/DGS, da Aginter Press e dos Serviços Secretos de Conacri e assevera:
“Acreditamos também que algum arquivo privado possa a vir resolver o mistério. Pelo menos pouco a pouco mais dados têm vindo a terreiro, ajudando-nos a reconstruir o puzzle tão complexo. Toda esta documentação sumida poderá esclarecer os meandros em que o assassinato foi orquestrado a partir de Lisboa e a maneira como algumas organizações secretas europeias penetraram o PAIGC com a cumplicidade de guineenses e de elementos da oposição ao regime de Sékou Touré”. Não nos aprece igualmente crível que Spínola tenha abandonado o seu lugar de governador por causa da proclamação unilateral da independência, Spínola sabia que a prazo o desfecho militar lhe era desfavorável, aprovara-se uma retração do dispositivo era o primeiro sinal da derrocada, preferiu ir para Lisboa preparar a derrocada do regime de Caetano, com quem se incompatibilizara.
Ao findar a análise deste importantíssimo documento, reitero a sua importância e a obrigatoriedade da sua leitura, para investigadores e todos os interessados.
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Notas do editor
Postes anteriores de:
1 de maio de 2020 >
Guiné
61/74 - P20964: Notas de leitura (1283): “Amílcar Cabral, Vida e morte
de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista,
corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (1) (Mário Beja Santos)
18 de maio de 2020 >
Guiné
61/74 - P20987: Notas de leitura (1284): “Amílcar Cabral, Vida e morte
de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista,
corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
8 de junho de 2020 >
Guiné
61/74 - P21054: Notas de leitura (1288): “Amílcar Cabral, Vida e morte
de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista,
corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (3) (Mário Beja Santos)
e
15 de junho de 2020 >
Guiné 61/74 - P21078: Notas de leitura (1289): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (4) (Mário Beja Santos)