quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21365: (De)Caras (161): Cecília Supico Pinto e o MNF: entrevista realizada em 16/7/2005, aos 84 anos, no Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde se encontrava internada, pelo cor inf Manuel Amaro Bernardo, da revista "Combatente": " A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema. Em Moçambique, o problema era também complicado"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Meados de Maio de 1969 >  Parada do quartel de Bambadinca: visita da presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto (1921-2011), mais conhecida por Cilinha... 

Todas as guerras têm a sua Pasionaria... A Cilinha terá sido a nossa, a da "guerra do ultramar" ... Infantilizava os combatentes tratando-os por "os seus meninos"... Em entrevista ao Expresso, de 18/2/2008, aos 86 anos, não esconde, antes pelo contrário, que tinha uma relação de grande intimidade e cumplicidade com Salazar. E dá a entender que havia gente do Estado Novo mas também comandantes militares, no mato,  que a odiavam... Talvez pelo seu excessivo protagonismo e acesso privilegiado a Salazar (que ela tratava como "príncipe" e nunca como "ditador").  Amiga do seu amigo, era capaz de interceder junto de Salazar em caso de "excessos da PIDE" (que ela diz que detestava, tal como a censura), de que foram vítimas por exemplo o casal Sousa Tavares (o advogado Francisco Sousa Tavares, "o Tareco", e a a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen).

A promiscuidade com o regime, a par do elitismo e classismo da direcção  do MNF, acabou por retirar-lhe credibilidade e aceitação social. Durante a guerra colonial, foi um mulher do regime, poderosa, colunável: a RTP dava-lhe honras de telejornal, as suas partidas para África eram tratadas quase como viagens de Estado...
 
Como seria natural, a lider do Movimento  branqueou o regime e a guerra, dando provas de dissonância cognitiva ... Apesar da sua frontalidade e até coragem... 

Terá dado apenas duas entrevistas à Comunicação Social no pós-25 de Abril: ao Expresso, em 2008, e à revista Combatente, em 2005, cujo  teor abaixo se reproduz, por cortesia do cor inf ref Manuel Amaro Bernardo. 

Quanto às  fotos do José Carlos Lopes, que acima reproduzimos,  são absolutamente notáveis...  A primeira é mesmo uma  foto de antologia, (O José Carlos Lopes, do meu tempo de Bambadica, foi fur mil amanuense do conselho adminitrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). (LG)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Maio de 1969 > Ponte do Rio Udunduma, afluente do Rio Geba, na estrada Xime-Bambadinca > Possivelmente no(s) dia(s) seguinte(s) ao ataque (em força) ao quartel de Bambadinca, em 28 de maio de 1969,, já ddepois da visita da Cilinha. Nessa noite, esta ponte, vital para as comunicações com todo o leste da província, foi objeto do "trabalho" dos sapadores do PAIGC... Os estragos, embora visíveis, não abalaram a sua estrutura. Era uma bela ponte, em cimento armado, construída no início dos anos 50. Esta foto é "histórica". O José Carlos Lopes posou aqui para... a "posteridade", talvez na véspera de eu passar aqui  em 2/6/1969, a caminho de Contuboel... (LG)


Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editação e e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do nosso leitor e camarada cor inf ref Manuel Amaral Bernardo (n. Faro, 1939; tem 4 comissões de serviço, no ultramar, em Angola e Moçambique; é autor do livro, entre outros, «Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-1980»,  Lisboa, Editora Prefácio, 2007, 410 pp.; tem mais de uma dezena e meia de referências no nosso blogue)

Data - 15 set 2020 16:45

Assnto - Cecília Supico Pinto

Caro Prof.:

Como no site têm falado na Cilinha, para o caso de querer lá postar, junto em anexo.
Boa saúde
Ab M B

2. Entrevista com Cecília Supico Pinto, para a revista "Combatente", em  16/7/2005 (*)

por Cor Manuel Bernardo


De seu nome completo Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, era mulher de Luís Supico Pinto, antigo ministro da Economia e Presidente da Câmara Corporativa. É Sócia de Honra da Liga dos Combatentes, para que foi eleita, por aclamação, na reunião da Assembleia Geral de 21 de Junho de 1971.


P.: Na sua qualidade de ex-Presidente do Movimento Nacional Feminino [, MNF], extinto em 25 de Abril de 1974, prestou um depoimento a José Freire Antunes, que foi incluído em "A Guerra de África", vol. I (1995). Gostaria de aprofundar alguns assuntos nele abordados, tal como colocar-lhe outras questões. Uma das inovações lançadas em 1961 foi a dos aerogramas. Pode clarificar melhor a concretização desta ideia?

R.: De facto lançámos essa ideia e conseguimos concretizá-la apesar das dificuldades surgidas. Ainda recentemente fui visitada pelo General Oliveira Pinto, que me ofereceu um livro sobre esse tema, resultante de um trabalho que levou a efeito. Nele lá vem referido que foi o MNF a fazer todas a edições dos aerogramas. Conseguimos a isenção da franquia postal, mas também nos disseram que tal apenas podia ir para a frente se fossemos nós a tomar conta do desenvolvimento desse projecto. 

Na altura tínhamos somente mil e quinhentos escudos em caixa ], o equivalente, a preços de hoje, em 16/9/2020, a 663,63 €...]  , mas, através da venda de publicidade nos próprios aerogramas, conseguimos editar milhões de exemplares. Vendíamos às famílias a vinte centavos [, nove cênti,os, hoje], sendo grátis para os militares. Nessa época arcámos com toda a responsabilidade e as despesas inerentes. 


E não vieram a receber subsídios do Estado para esse efeito?

Apenas cerca de quatro anos antes de 1974, face ao alargamento das três frentes de guerra, é que passámos a receber subsídios do Ministério da Defesa Nacional, assim como apoio jurídico e de contabilidade. 

A Administração Militar passou cerca de seis meses no Movimento a verificar toda a nossa documentação administrativa. Deste modo, quando acabou, o MNF tinha todas as suas contas em ordem. 

Nos primeiros anos o SPM (Serviço Postal Militar) funcionava mal, dentro de uma grande balbúrdia, onde nós ajudávamos no serviço, com várias senhoras. A certa altura colocaram lá o Major Tavares, que conseguiu dar eficiência ao serviço. Depois, ele queixava-se que nunca mais ia para o Ultramar, pois o MNF não o libertava. De facto, nós com o receio de que tudo voltasse à confusão anterior, fazíamos com que ele não seguisse para o Ultramar quando foi mobilizado. Ficou assim "demorado" por algum tempo.


Quais eram a vossas principais preocupações?

Uma das principais era o facto dos Serviços Sociais das Forças Armadas não funcionarem devidamente. Acabámos por sermos nós a empenharmo-nos nas soluções de determinadas questões. 

Uma delas era a subvenção de família, que estava prevista numa lei que não era executada. Ela estipulava que os pais dos militares mobilizados, com mais de 60 anos, tinham direito a esta subvenção. No entanto a lei não era cumprida por desconhecimento das Unidades Militares. Chegou a realizar-se uma reunião, no Governo Militar de Lisboa, com uma nossa delegada, para esclarecer a maneira como a lei devia ser interpretada.


O vosso Movimento nasceu em 1961 ligado às "vicentinas", uma obra da Igreja Católica.

Sim. Ligámo-nos às "vicentinas" cuja presidente nacional era a D. Maria da Glória Barros e Castro. Era uma obra fantástica espalhada por todo o território nacional. Foi essa a principal razão da nossa ligação e cooperação, com a finalidade de conseguirmos chegar a todas as regiões. 

Como sabe, o MNF nasceu oficialmente em Junho de 1961, quando levámos a efeito uma sessão pública na Sociedade de Geografia, com a difusão do nosso programa através da RTP e de outros órgão de Comunicação Social.


No entanto, na parte final da guerra, houve uma evolução negativa da parte de alguns sectores da Igreja em relação ao Ultramar...

Claro que nessas ocasiões acabam por surgir alguns elementos oposicionistas. No entanto, sempre tivemos óptimas relações com os elementos da Igreja, nomeadamente com os capelães militares que prestavam com eficiência o seu serviço de assistência religiosa nas Forças Armadas. Eram uns grandes "pedinchões", como nós dizíamos. Mas era tudo em defesa da melhoria das condições de vida dos militares no mato. 

Recordo que chegámos a espalhar por grande parte das cantinas e bares das três frentes de guerra aqueles jogos de bola com bonecos, os designados "matraquilhos", que eram muito apreciados. Isto além de livros, revistas e material didáctico.


Editaram também a revista "Presença"?

Sim. Começou sendo directora a Luísa Manoel de Vilhena, em meados da década de sessenta. Era uma boa revista, muito bem paginada e com bons colaboradores. 

Mais tarde editámos igualmente a "Guerrilha", um jornal mensal, que teve como directores o Martinho Simões e, depois, o Mário Matos e Lemos.


Uma das vossas preocupações foi também resolver o problema das trasladações dos militares falecidos no Ultramar...

Claro. Inicialmente tínhamos a preocupação de fotografar as campas onde eles eram enterrados para enviar às famílias e, em Angola, chegou a existir um movimento das senhoras locais para manterem as campas com flores. 

Recordo ainda que havia uma lei em relação à Guiné, em que o militar, antes de seguir para lá, tinha que assinar um documento onde afirmava que, em caso de morte, a família tinha que se ocupar da trasladação do corpo para o Continente. Telefonei ao Ministro da Defesa, General Luz Cunha e disse­-lhe: “Eu tenho aqui um documento que diz isto e eu não posso acreditar que seja verdade.” Respondeu-me: “Mande-me imediatamente esse papel!” Assim foi e nunca mais tal sucedeu.


A partir de 1967 o Exército passou a ocupar-se das trasladações para o Continente.

Sim e foi devido à pressão que fizemos nesse sentido. Nós estávamos sempre de "olho aberto". De tal modo que o Dr. Franco Nogueira afirmava que a verdadeira oposição no País éramos nós, porque chamávamos a atenção para tudo o que estava errado. E é verdade. 

Outro aspecto que também corrigimos foi o caso da vacina contra a febre amarela, que era aplicada na altura do embarque, o que era contra-producedente. Tinha que passar algum tempo para depois fazer marchar os militares para o seu destino.


Nos seus contactos pessoais com o Professor Salazar, não se apercebeu das razões por que ele nunca quis ir ao U1tramar?

Não sei porquê, já que ele tinha a paixão do Ultramar. Cheguei a dizer-lhe: “Olhe, Sr. Dr., se eu fosse a si, fazia assim, Portugal com a capital em Luanda”. Riu-se e disse. “Tenho que ir lá...; tenho todo o interesse em lá ir.”


Mas tinha receio de andar de avião...

Ele não gostava. Foi uma vez de avião, com uma senhora muito amiga, conhecida desde miúdos, que era a Geny Aragão Teixeira, mais tarde esposa do Prof. Francisco Leite Pinto, que foi Ministro da Educação Nacional. Ocorreu num 28 de Maio, em que fomos todos a Braga. Depois ela perguntou-lhe: “Então que tal?”. Resposta dele: “Foi o que fiz toda a vida, não fumar e apertar o cinto...”


Não notou uma grande diferença entre a liderança de Salazar e a de Marcello Caetano?

Claro! Julgo que o segundo não esteve à altura do que o País precisava dele, naquela época.


E a sua opinião sobre o General António de Spínola?

Foi um valente guerreiro, patriota e um bom militar em Angola e na Guiné. Nada mais do que isso. Como escritor e político deixou muito a desejar...

Para terminar poderá fazer um ponto de situação em relação à guerra no Ultramar, em 1974?

A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema e sendo ela perdida, seria muito complicado para o resto. 

Também acho que faltavam muitos meios nas Unidades, incluindo o armamento. A Guiné foi grave. A minha "Guinezinha" como eu costumo dizer, tão pobrezinha... Olhe que tenho a camisola amarela de zonas de intervenção visitadas. Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. Muitas vezes ia à frente das colunas e cheguei inclusivamente a "picar" a estrada.

Sobre Moçambique, que era muito grande, o problema era também complicado... De qualquer maneira devia ter-se enveredado por outros rumos. Por exemplo, por que não se fizeram novos Brasis? 

Depois do 25 de Abril e durante muito tempo recebia cartas de naturais desses países, onde me diziam que gostariam de receber de volta os portugueses. O que sucedeu foi o pior que poderia ter acontecido. Foi uma tristeza. E até uma vergonha. 


Sabe que também havia muitos oficiais descontentes com a maneira como foi tratado, pelo regime, o caso da Índia...

Sim e não só. Havia também o problema das mulheres dos oficiais que faziam comissões seguidas, assim como o caso dos brancos lá residentes, que não se portaram da melhor maneira. Eu assisti a muitos desses problemas e tentava apaziguar dentro das minhas possibilidades. Mas já era uma situação demasiado complicada...


(*) Entrevista realizada em 16-7-2005, no Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde se encontrava internada, pelo Coronel Manuel Amaro Bernardo


2. Nota do cor Manuel Bernardo dobre o falecimento de Cecília Supico Pinto (1921-2011): 


Caros combatentes:

Sobre esta Senhora, quero referir que apenas a conheci em Julho de 2005, quando fui encarregado pela revista Combatente,  da Liga dos Combatentes, de a entrevistar quando estava com baixa no Hospital de St. Maria. 

Além de ter sido publicada nessa revista, também faria parte do conteúdo do livro "A Mulher Portuguesa na Guerra (...)", editado por aquela Liga em 2008.

Desse texto realço alguns pontos importantes, nomeadamente em relação às suas diligências sobre a solução de problemas dos combatentes.

Sobre os aerogramas afirmou: 

"De facto foi o MNF a fazer todas as edições dos aerogramas. Conseguimos a isenção da franquia postal, mas também nos disseram que tal apenas podia ir para a frente se fossemos nós a tomar conta do desenvolvimento desse projecto. Nessa altura tínhamos apenas mil e quinhentos escudos em caixa, mas, através da venda de publicidade nos próprios aerogramas, conseguimos editar milhões de exemplares. Vendíamos ás famílias a vinte centavos, sendo grátis para os militares. Nessa época arcámos com toda a responsabilidade e as despesas inerentes."

Sobre as trasladações dos militares falecidos afirmou:

"(...) Recordo que havia uma lei em relação à Guiné, em que o militar, antes de seguir para lá, tinha que assinar um documento onde afirmava que, em caso de morte, a família tinha que se ocupar da trasladação do corpo para o Continente. Telefonei ao Ministro Silva Cunha e disse-lhe: «Eu tenho aqui um documento que diz isto e eu não posso acreditar que seja verdade». Respondeu-me «Mande imediatamente esse papel!». Assim foi, e nunca mais tal sucedeu. (...)"

Sobre as suas idas à Guiné, disse:

 "(...) Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. (...)"

Cecília Supico Pinto ainda deu mais uma entrevista em 2008,que foi publicada na revista do Expresso, em 16 de Fevereiro.

Com estes destaques pretendi, nesta sua despedida, homenagear o grande esforço despendido por esta Senhora no apoio aos combatentes do Ultramar

Que descanse em paz!

Cor Manuel Bernardo
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Nota do editor:

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21364: Memórias cruzadas na região de Gabu: dia de luto para o EREC 8840/72, na visita de Cecíiia Supinco Pinto a Canquelifá em 6 de Março de 1974 (Jorge Araújo)

Infogravura do (eventual) itinerário utilizado em Março de 1974 por Cecília Supico Pinto (1921-2011), iniciado na Região de Gabú, Zona Leste, no dia 6 (4.ª feira). No decurso da coluna Piche – Canquelifá, a primeira etapa deste programa, na qual a presidente do MNF se incluía, o Esquadrão de Reconhecimento "FOX" 8840/72 (Bafatá, 1973-1974) registou a sua primeira baixa provocada pelo accionamento de mina anticarro.



Foto 1 – Canquelifá (Região de Gabú) – mais uma imagem da destruição da tabanca de Canquelifá, na sequência das diversas flagelações levadas a cabo pelo PAIGC, iniciadas em 17 de Março de 1974, com recurso a morteiros 120 e foguetões 122. [foto gentilmente cedida pelo Eugénio Pereira, ex-fur mil da CCAÇ 3545 (1973-1974)].


Foto 2 – Estado em que ficou a "White" na sequência da explosão da mina anticarro, durante a coluna Piche – Canquelifá, na qual estava incluída a "Cilinha". (Foto gentilmente cedida pelo Silvino Matos, ao fundo à direita; e à esquerda o João da Costa Araújo "Jonas".



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue... e já está a preparar o próximo ano letivo, que não vai ser fácil paar ninguém: professores, e demais pessoal da conunidade escolar: pessoal não docente,alunos, pais e encarregados de educação, etc.


MEMÓRIAS CRUZADAS NA REGIÃO DE GABU: DIA DE LUTO PARA O EREC 8840 NA VISITA DE CECÍLIA SUPICO PINTO A CANQUELIFÁ EM  6 DE MARÇO DE 1974 



► ADENDA AO P21361 (15.09.20) (*)


A expressiva e bem conseguida reportagem sobre a visita a Nhacra da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (1921-2011), realizada pelo camarada António Murta, em 10 de Março de 1974, domingo, que agradecemos, hoje postada no P21361, levou-me a acrescentar mais alguns elementos históricos, já que não é todos os dias que surgem oportunidades para nos referirmos à líder daquele Movimento, por si criado em 28 de Abril de 1961.


Entretanto, na 4.ª feira anterior à sua chegada a Nhala, em 6 de Março de 1974, Cecília Supico Pinto saiu ilesa durante a coluna Piche – Canquelifá, onde ia visitar o contingente da CCAÇ 3545 [, vd. foto acima nº 1], após um carro de combate "White", do EREC 8840, unidade comandada pelo Cap Cav Xavier Silveira Montenegro Carvalhais, ter explodido ao accionar uma mina anticarro durante o referido itinerário.[Vd. foto acima, nº 2]



Do «Caderno de Memórias" [, Diário,]  de Silvino Neto Matos, edição de autor  do qual possuímos um exemplar, e por ter participado naquela missão, retirámos a seguinte passagem:


"Em 06 de Março de 1974 (4.ª feira), durante a coluna a Canquelifá, rebentámos uma mina anticarro reforçada, onde morreu o meu muito grande amigo "Cunha" [José Martins da Cunha, sold apont metralhadora, natural da Trofa, distrito do Porto].


Tinha a minha especialidade, e a sua morte passou a ser a primeira do Esquadrão de Reconhecimento "FOX" 8840.

 

Para além desta baixa registou-se ainda a evacuação de mais quatro elementos: o furriel Rodrigues, Afonso, António Nunes Figueiredo "Estarreja" e o Hélder de Jesus Costa.


Nessa coluna, na 3.ª viatura, seguia a D. Cecília Supico Pinto (1921-2011), Presidente do Movimento Nacional Feminino, sendo que a primeira era uma Chaimite, a segunda uma White, a que accionou a mina, depois mais uma Chaimite, mais uma White e, finalmente, a coluna constituída por uma companhia operacional [n/n]." 


Depois de ter apanhado um "valente" susto (digo eu!), a caminho de Canquelifá, Cecília Supico Pinto viria a viver mais "emoções", desta feita, em Gadamael, quando aí, pela manhã do dia seguinte à sua chegada [Março de 1974], "aguentou estoicamente a primeira flagelação do dia". (C. Martins - P21349). [Vd. infografia acima].

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada. (**)

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15Set2020


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(**)  Último poste da série > 31 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P21363: Historiografia da presença portuguesa em África (231): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta viagem de José Augusto Martins aporta dados de alguma utilidade, em primeiro lugar, o deslumbramento que ele revela pela Natureza e pela beldade feminina; mostra-se chocado pelas condições degradantes de quem habita em Bissau e tece considerações acerca da ocupação do território que mostram que este alto funcionário desconhecia aspetos fundamentais da presença portuguesa, à luz da Convenção Luso-Francesa de maio de 1886, a despeito da perda de uma parcela histórica, o Casamansa e a povoação de Ziguinchor, o tratado veio consagrar uma superfície que jamais tinha sido ocupada pela colonização portuguesa. José Augusto Martins é um narrador exímio, vale a pena acompanhá-lo na Guiné do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Impressões de viagem quando a Guiné já era província, com fronteiras definidas (3)

Mário Beja Santos

O livro de viagens intitula-se "Madeira, Cabo Verde e Guiné", o seu autor é João Augusto Martins, veremos mais adiante que foi alguém influente na definição das fronteiras da colónia, a edição foi da Livraria de António Maria Pereira, 1891. É um testemunho único o que nos deixa alguém que andou a fixar fronteiras na Guiné, depois da Convenção Luso-Francesa. É extremamente crítico, se por um lado o vemos fascinado pelo feitiço africano, vai desvelando as mazelas do nosso comportamento colonial.
Veja-se o que ele nos diz sobre a superfície do território: “Segundo a Convenção estabelecida com a França, em 1886, os direitos da soberania portuguesa abrangeriam uma extensão de território, que, sobre o mapa, regula por 40 a 45 mil quilómetros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 quilómetros quadrados os realmente dominados por nós até hoje. Os centros da nossa ocupação oficial resumem-se a Buba, Farim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este último o de maior importância comercial”. Claro que os dados da superfície da Guiné estão errados, mas sabemos que a presença portuguesa estava mitigada, havia uma parte do território adquirida por Honório Pereira Barreto, a nossa presença em Bolama resultava da sentença arbitral do presidente norte-americano Ulysses Grant, e muitos dos testemunhos apresentados sobre a nossa presença em Buba, Geba e Fá advertiam para o estado arruinado das instalações e ao abandono progressivo dos colonos. João Augusto Martins vai falando de todas as regiões por onde passou, verificou a decadência da região de Bula, diz mesmo que cessou a exportação da mancarra, outrora tão abundante no rio Grande da Guinala, se bem que tenham aparecido outros mercados, como a borracha, a cera, o marfim, os couros e o arroz. Fala inclusivamente dos Bijagós que ele não visitou, enuncia o nome das ilhas e dos ilhéus principais, fala das riquezas em borracha, azeite de palma, arroz e madeiras e apela a que se institua no arquipélago um sistema administrativo, ao tempo muitíssimo ténue.

João Augusto Martins embarca na falácia de que a delimitação da Guiné se tinha traduzido numa perda enorme de território, isto quando se sabe que a nossa presença era marcadamente na orla costeira, o ponto mais longínquo era Geba, que entrara em declínio comercial e populacional. Como andara na fixação de fronteiras referiu-se aos limites atuais da nossa presença, manifesta-se inquieto com a decadência comercial a que chegara a colónia, tinham desaparecido grande número de casas estrangeiras estabelecidas em Bolama, decrescera o rendimento do imposto do tabaco e no meio daquela penúria continuava um estadão de secretarias e de funcionalismo ocioso, desorientado e sem vida própria.
É nesse contexto que emite uma exortação, sem esconder a crítica amarga:
“Quando um país sem condições de garantia nem de interesse pouco a pouco se desmembra em benefício de outras nações, dá lugar a que todos tenham o direito de supor que desmoralizado e enfraquecido, não pode mais utilizar com os seus esforços de colonização a parte territorial de que se sequestra. Dá lugar a que todo o português de hombridade e de carácter tenha o direito de pedir a venda das colónias improdutivas como todo o médico tem o dever de pedir a amputação de um membro esfacelado quando o organismo enfraquecido já não pode galvanizar de vida.
Os homens públicos do nosso país, apesar do que dizem todos os dias a imprensa e os adversários políticos, vivem medíocre e parcamente e morrem quase todos pobres. Mas o que é verdade é que, sendo pessoalmente honrados, poucos se preocupam em parecê-lo; é que, com relação às colónias, que só na vida contemporânea portuguesa o que resta de todo um ciclo de ininterruptos fastígios, que representam hoje o elemento mais positivo da nossa nacionalidade, com relação às colónias, não as conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alarde de sentimentos patrióticos que se avolam com as palavras e se desvanecem com as letras, não tomando na verdade compreensão o século que atravessamos, faltando-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dos problemas africanos, nada têm feito senão fantasmagorias ridículas, e infelizmente fatais à nossa integridade”.

E parece então que se dirige a todo o país, pede-lhe levantamento e regeneração:
“Ser pequeno e fraco não é um título de desprezo; mas ser ridículo e tíbio é motivo de vergonha.
A decadência política é a fonte perene de todos os nossos males; é a ela que se deve a imobilidade das nossas indústrias e da nossa instrução, a estagnação das nossas colónias e o adormecimento das nossas energias como povo”.

(continua)



Imagens retiradas do livro "Madeira, Cabo-Verde e Guiné", de João Augusto Martins.

Baobá-africano

Imagem tirada da Wikipedia, com a devida vénia. 
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21340: Historiografia da presença portuguesa em África (230): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21362: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIII: José Fernando Almeida Brito, ten cor pilav (Lisboa, 1933 - Guiné, 1973)

 








Cor art ref Morais da Silva´


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21361: (De)Caras (160): Cecília Supico Pinto (1921-2011)... "Cilinha, uma mulher que aprendi a admirar e a respeitar, mesmo discordando dos seus objetivos políticos" (António Murta, autor de uma belíssima reportagem fotográfica da visita da histórica líder do MNF a Nhala, em 10/3/1974, e que ela nunca viu em vida)


Foto nº 2


Foto nº 1


Cópia nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6 


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 9A


Foto nº 11

Foto nº  12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 17


Foto nº 16


Foto nº 18


Foto nº 19


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) >  Domingo, 10 de março de 1974 > A visita da Cilinha

Fotos (e legendas): © António Murta  (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A Cecília Supico Pinto tem quase 3 dezenas de referências no nosso blogue, muito mais do que a grande maioria dos comandantes de batalhão que operaram na Guiné. (*)

A visita da Cilinha  (seu nome de guerra...) era sempre motivo para grande alvoroço nos nossos aquartelamentos... Antes de mais, pela curiosidade de  ser uma das raríssimas  mulheres brancas que se podia ver no mato, em plena guerra, em carne e osso... E só depois por ser a histórica e carismática líder do MNF - Movimento Nacional Feminino que, para alguns  nossos soldados,  tinha sobretudo a função de "Pai Natal": com sorte, um pedido ao MNF, desde que não fosse exorbitante,  era atendido: livros, instrumentos musicais, equipamentos de futebol, etc..

A Cilinha tinha um carinho especial pela Guiné e pelos militares que aí "defendiam a Pátria", a avaliar pelas diversas vezes que visitou o território, a última das quais já em março de 1974, a um escasso mês e meio do golpe de Estado do MFA. (**)

A melhor reportagem, documentada. por texto e fotos, que já aqui foi feita, sobre uma visita da Cilinha ao mato, é a do nosso camarada António Murta. ex-alf mil inf,  MA,   2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).  Fomos repescá-la, reeditámos as fotos (, melhirando a sua qualidade) e selecionámos alguns excertos do poste P15320, bem como comentários dos nossos leitores. [. Destaque para a ternura do comentário de Joana, filha do António Murta.](***)


A visita da Cilinha a Nhala em 3 de março de 1974

Texto e fotos: António Murta (**)

(...) Este mês de Março ficou marcado por alguns acontecimentos empolgantes, para variar, como a ligação de Nhala à estrada nova Aldeia Formosa-Buba e a visita da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto.

Sobretudo esta visita, trouxe uma animação inusitada às tropas de Nhala – e do Sector -, mas não se pode dizer que tivesse, também, quebrado a monotonia e a rotina, simplesmente porque naquela época, o que tínhamos menos era monotonia e rotina, tal era a actividade operacional. Esta actividade continuava virada para a protecção às obras da estrada como até aí, mas, a partir de agora, também para a protecção exclusiva das máquinas, paradas à noite, em zonas cada vez mais afastadas dos aquartelamentos, implicando dormidas no mato junto delas. Para além disto, todo o Sector era “vasculhado” (...)


10 de Março de 1974 – (domingo) – A visita da Cilinha

Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto [Lisboa. 1921 – Cascais, 2011],  Cilinha, como gostava de ser tratada, (diminutivo que lhe vinha da infância), era descendente de aristocratas e uma Senhora do Regime.

Não precisa de grandes apresentações porque sobre ela quase tudo já foi dito. Muito antes de a ter conhecido em Nhala, já tinha por ela uma elevada consideração e um grande respeito, pela sua coragem, tenacidade e coerência.

Durante treze anos, de 1961 a 1974, foi presidente do MNF que ela fundou, tendo em vista acções de sensibilização da sociedade portuguesa para a defesa das colónias ultramarinas, o seu Ultramar. Tudo fez nesse sentido, desdobrando-se em iniciativas na Metrópole e calcorreando as colónias, tentando dar alento a tropas desmotivadas e politicamente amorfas.

Era por ser assim, e não pelos seus objectivos, que a admirava e a minha consideração elevou-se depois de a ter conhecido. Porque, sendo coerente com as suas convicções, saiu do seu confortável cantinho e dos salões solenes e elegantes, e veio para o terreno com o seu camuflado pôr na prática aquilo em que acreditava, correndo riscos e sofrendo privações.

E via-se que gostava do que fazia, exibindo uma alegria contagiante e uma disponibilidade total, atributos que passavam para quem a via e ouvia, por a reconhecerem como “um deles”. Politicamente, eu estava nos antípodas. Para mim, a Cilinha, pelas suas ideias e acções e pela sua proximidade (intimidade) com o Regime, representava o Regime.

Politicamente, portanto, eu era contra a sua filosofia de manutenção das colónias, contra tudo o que dizia e fazia nesse sentido, que era, um pouco do que já fizera na sua juventude em prol da caridadezinha.

Paradoxo, incoerência da minha parte? Não. Repito que, como pessoa, tinha por ela o meu maior respeito e consideração. Aliás, soube já depois da sua morte que, nesse aspecto de respeitar o “outro” mesmo não concordando com “ele”, ela não era muito diferente de mim.

Dois exemplos: foi sempre amiga, desde a infância, da Sofia de Mello Breyner, mesmo estando em campos políticos opostos; uma vez disse, revelando nobreza de carácter: “Admiro Cunhal pela sua coerência”.

Para terminar, lamento que, após o 25 de Abril e até à sua morte, tenha sido desprezada pela esquerda e ostracizada pelos seus correligionários de direita. Tudo apanágios de gente de baixa índole. Sei que nunca foi hostilizada, ainda assim, merecera mais consideração.

À chegada a Nhala, a Cilinha foi alvo de calorosa recepção por parte da tropa e de alguma população, sobretudo crianças. Mais pelo inédito da situação e pela curiosidade por esta mulher branca que se aventurava no mato para chegar perto deles, com estímulos e uma palavra amiga.

Almoçou na messe de oficiais após uns descontraídos aperitivos, mais para pôr a conversa em dia. Vinha acompanhada pelo Comandante do Batalhão, Ten Cor Carlos Alberto Ramalheira e por um séquito de outros oficiais que foi arrastando por onde passou.

Após o almoço (ou antes?) houve tempo para falar aos soldados, cantar o fado e, até, dançar com alguns. Depois partiu rumo a Mampatá, após demoradas e sentidas despedidas. Admito que foi o acontecimento do mês, mas não poderia adivinhar que o mês seguinte traria acontecimentos muito mais importantes e marcantes do que este, efémero e superficial.

Seguem-se algumas fotografias que seleccionei dessa visita.

Legendas:

Fotos nºs 1, 2, 3, 4 -  A Cilinha rodeada por alguns oficiais num momento de descontracção durante os aperitivos. 

Foto nº 3 A Cilinha a dialogar com o Comandante do Batalhão, BCAÇ 4513 (Buba), tem cor Carlos Ramalheira; em primeiro plano o cap João Brás Dias, comandante da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513,  de Buba.

Foto nº 4 - Messe de oficiais de Nhala. O Comandante do Batalhão diz umas palavras de circunstância.

Foto nº 5 - Ajuntamento de alguns militares e nativos para ouvir a Presidente do MNF.

Foto nº 6 - A assistência vai-se chegando, mas alguns parecem hesitantes...

Fptos nº de 7 a 17 -  Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso.

Foto nº 7 - À sua esquerda o Comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, Cap Braga da Cruz. À frente, o Comandante do Batalhão em diálogo com um homem grande da tabanca.

Foto nº 8 - A Cilinha troca umas palavras com o Cap Braga da Cruz.

Foto nº 9 - Cilinha sorridente, num meio que lhe é familiar: a tropa.

Foto nº 9A - A Cilinha olha directamente para a objectiva (detalhe  da fotografia anterior)

Foto nº 11 - Finalmente o embarque: a difícil subida para a Berliet

Foto nº 12 - Cilinha e o Comandante do Batalhão acomodam-se por cima de sacos de areia.

Foto nº 13 - Beijo de despedida do cap Braga da Cruz.

Foto  nº 14 - Cilinha despede-se de um Alferes que não consigo identificar.

Foto nº 15 - Últimas recomendações? A mim pareceu-me mal que a Cilinha e o Comandante tivessem seguido à cabeça da coluna numa Berliet rebenta-minas; ao lado direito, os fuzileiros do destacamento de Cacine.

Foto nº 16 - Vista geral do aparato que envolveu a visita da Cilinha.

Foto nº 17 - Último adeus da Cilinha ao pessoal de Nhala. Em segundo plano, de frente com a mão na cintura, vê-se o fur mil Manuel Casaca.

Foto nº  18 e 19 - Partida

Foto nº 18 - A coluna embica pela velha picada rumo a Mampatá. Mas em frente já é possível ver-se o troço que, ao cimo, entronca na estrada nova: à direita para Buba, e à esquerda pata Mampatá e Aldeia Formosa.

Foto nº 19 - O pó foi sempre uma constante, mas agora agravado pelo revolver dos terrenos pelas máquinas da Engenharia. Não o apanhar de frente, é uma vantagem de quem segue na viatura rebenta-minas. Ou talvez por isso...

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

2. Comentários (*):

(i)  Luís Graça

São palavras de grande autenticidade, hombridade e nobreza, as que escreves sobre esta mulher, a Cilinha, que podíamos descrever como a Pasionaria do regime... Podemos discordar, política e ideologicamente, das pessoas com quem fizemos a guerra, ou contra quem fizemos a guerra, mas o respeito pelo "adversário" é das coisas que eu mais admiro... 

Alpoim Calvão manifestou, publicamente, antes de morrer, numa entrevistas que deu, a sua admiração pelos guerrilheiros do PAIGC que tão duramente combateu...

Valiosíssimo, o teu álbum fotográfico!... Continua a ser uma caixinha de surpresas!... E fazes bem em editar as fotos, desde que tenham boa resolução... Podes fazer "grandes planos", valorizando certos detalhes... Foi o que fizeste (ou foi o Carlos Vinhal por ti?) com o "grande plano da Cilinha" mais o comandante de batalhão [e o cap Braga da Cruz, foto nº 9A]... Parabéns!

3 de novembro de 2015 às 12:34 e 12.51

(ii) Virginio Briote

Documento de grande valor, caro Murta.

3 de novembro de 2015 às 13:39

(iii) César Dias

Que grande reportagem,finalmente vejo uma senhora que nos acompanhou, não me recordo que tenha passado por Mansoa (69/71), ouvi falar dela , bem e mal como era normal.

Caro Murta, obrigado por partilhares estas imagens connosco, dá-nos a ideia que estamos no terreno.

(iv) JD [José Manuel Dinis]

Caro Murta: não posso deixar de me associar à tua homenagem a essa figura mítica, que foi a Cilinha. Nunca a vi, mas foi uma patriota consequente, que fez o que muitos militares e políticos não fizeram, talvez porque ela acreditasse, e eles, incompetentes, só tivessem em consideração o "prestígio" das funções que exerciam.

Mais ou menos como acontece persistentemente, pois os responsáveis desta "segunda república" não têm mostrado sentido cívico nem orgulho em servir Portugal, e têm sido responsáveis por inúmeras traições que nos conduziram à perda da soberania, e à corruptela dos valores de solidariedade e de orgulho nacional, que precipitou o país numa profundíssima crise económica, financeira, e de identidade.

(v) Carvalho de Mampatá [António Carvalho]

Na senda que nos tem habituado,  o Murta continua a revelar-nos cenas e ângulos de visão singulares da nossa guerra. O MNF liderado por Cecília Supico Pinto teve um papel nesta guerra, como nós todos, antigos combatentes. Pelo seu esforço, em proveito nosso, a minha gratidão.

(vi) Valdemar Queiroz

Parabéns, caro Murta.

Extraordinária reportagem fotográfica.

Contado, se calhar, ninguém acredita ou, só acreditam os que lá estiveram.

Eu, também, conheci a Cilinha. 'Quem é que do Benfica'? perguntou ela e, depois, ofereceu uma bola de futebol.

Cilinha, 1921-2011, como é que viveu 90 anos a mandar a baixo uns bioxenes e umas grandes cigarradas?

Mais uma vez, grande reportagem fotográfica. A foto final com a poeirada até
parece ensaiada.

(vii) Carlos Milheirão

É, sem sombra de dúvidas, um excelente documentário e, por isso mesmo, agradeço ao Grã-tabanqueiro Murta, a sua partilha. 

No mesmo mês de Março de 1974 (não sei em que dia), a Cilinha, juntamente com outra senhora, visitaram Gadamael Porto, tendo aí pernoitado. Era, sim senhora, uma mulher de coragem. 

No dia em que lá chegou, estávamos no bar de oficiais e já noite fechada, entrou um soldado com uma granada descavilhada na mão e a gritar "f...-vos todos". Escusado será dizer que esse soldado já estava "apanhado" (já tinha lá ultrapassado o tempo normal da comissão devido a sanções disciplinares. 

O certo é que a Cilinha não arredou pé do sítio onde se encontrava. O soldado foi mais ou menos facilmente manietado e foi-lhe retirada a granada em segurança. No dia seguinte, por volta das 5:30 da manhã, uma flagelação e, a Cilinha, uma vez mais, deu provas da sua coragem. 

De facto, enquanto nós recorremos às valas e abrigos, a Cilinha já se encontrava no bar e dali não arredou. Questionada pelo Capitão Patrocínio sobre o facto de não se ter abrigado, ela respondeu: 'Só se morre uma vez'. Grande lição.

4de novembro de 2015 às 17:59

(viii) Joana [, filha do António Murta]

Papá: Mais uma vez me comovo por saber que guardas tantas histórias impressionantes, cheias de emoção! Garanto-te que muito poucos foram os livros que li, que me fizessem sentir entrar tão profundamente na acção da história, e arrepiar, e ficar com um nó no estômago ao passar naqueles momentos de ansiedade e perigo!... Gosto muito de te ler!... Gosto muito da forma como escreves!

Mais uma vez te peço que continues! Posso não ter tempo agora para ler todas as tuas publicações, mas garanto-te que um dia, talvez naquela ainda longínqua fase da vida em que as minhas filhas vão querer dar mais que fazer a outros do que a mim, eu então vou querer ler tudinho, sem falhar nenhum capítulo!
Beijinho bom!

6 de novembro de 2015 às 11:55

(ix) C. Martins (*)

A Srª Supico Pinto... 

Visitou Gadamael em março de 1974. Fez-se acompanhar por um pelotão do destacamento de Fuzileiros de Cacine.

Ao desembarcar imitou uma "rajada" ...perante o espanto do Zé Pagode,pediu um copo de tinto do bidão, que apenas provou, bebendo isso sim um "Old Parr".

Ofereceu-me um disco e um maço de tabaco, mas recusei a oferta, porque não estava interessado no conteúdo do disco e não fumava. A bem da verdade detestava a Senhora, não por ela, mas pelo que representava.

Pernoitou no abrigo de transmissões, e na manhã do dia seguinte aguentou estoicamente a primeira flagelação do dia.

Começou a correr o boato que iria regressar a Bissau de "hélio" e, perante a revolta geral, visto que as evacuações só se faziam de "hélio"a partir de Cacine, regressou da mesma forma como veio.
Foi assim que a conheci pessoalmente.

13 de setembro de 2020 às 01:10
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de12 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...

Guiné 61/74 - P21360: Parabéns a você (1868): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21345: Parabéns a você (1867): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72) e José Parente Dacosta, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 1477 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Guiné 671/74 - P21359: Notas de leitura (1307): "Admirável Diamante Bruto e outros contos", por Waldir Araújo; Livro do Dia Editores, 2008 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Mais uma agradável surpresa, descobrir outro protagonista da literatura luso-guineense, Waldir Araújo veio na adolescência para Portugal e é profissional na RDP África. Este "Admirável Diamante Bruto e outros contos" transporta-nos em permanência para a Guiné, tudo mesclado de saudades, amores fracassados, silêncios africanos, misticismo e feitiçaria, a metáfora da espera, a resignação perante as engrenagens de quem triunfa no poder e dita ordens.
Como escreve o escritor angolano Ondjaki: "Requintada Domingas Odianga, o temível Carlos Nhambréne, o amoroso Mimito Adão ou até o galego Maurizio Santiago, todas estas pessoas recheadas de invulgares aspetos humanos querem estar na Guiné e falar sobre ela, dos seus tempos, dos seus quotidianos, dos seus sensíveis afazeres".

Um abraço do
Mário


"Admirável Diamante Bruto", por Waldir Araújo

Beja Santos

Waldir Araújo
Na introdução este livro de contos de estreia literária, o escritor angolano Ondjaki saúda o colega guineense com inegável ternura, dá-lhe um belo estímulo para continuar, tão promissor parece ser o início da carreira literária: “parece-me, pois, que nasceu aqui um importante, simpático e arejado livro de contos. que estas histórias semeia no autor o desejo de continuar escrevendo, brincando com seriedade entre a tradição coletiva guineense e a tradição interna dos seus segredos, aí onde residem os sonhos inquietos, as árvores que contam segredos, os rios que se revoltam em mágoa, as imperfeições da vida, os amores não impossíveis, as dramáticas fragâncias, as guerras desumanas e as gentes humanas”. O estreante é Waldir Araújo, um guineense que confessa a paixão pelas palavras e é jornalista desde 1996, é profissional da RDP África. "Admirável Diamante Bruto e outros contos", Livro do Dia Editores, 2008, é a primeira aventura do autor, um bom punhado de histórias onde a Guiné está sempre presente ou quase.

Para quem continue cético quanto as primícias da literatura luso-guineense, estes contos de Waldir Araújo trazem matéria clarificadora. O autor recorda que cresceu rodeado de figuras, situações de vida e por uma realidade guineense rica em fantasia, vivendo em permanência em Portugal, considera que a escrita é uma forma de exorcizar as saudades, daí a interseção entre o que observou e os cadinhos da memória conserva. Logo o conto de abertura, “Admirável Diamante Bruto”. Temos Ansumane Sidibé, trabalhador incansável que conseguiu o estatuto de subempreiteiro, comprou um terreno na zona da Amadora onde construiu a sua moradia. É nisto que surge alguém que se apresenta como seu primo, trata-se deste admirável diamante bruto a quem ele confia uma função na empresa. Revela-se abusador, ingrato, ao fim do dia de trabalho passava a percorrer os hotéis de luxo, sentava-se no hall de entrada a ler jornais e revistas. Acaba por agradar a uma rica empresária francesa, a sua vida mudou radicalmente, sempre que passava por Lisboa dirigia-se para o hall de entrada do hotel e pensava alto: “Que saudades, meu Deus!”.

Passamos para um conto tipicamente guineense, passado numa ilha do arquipélago dos Bijagós, Ernesto já não é amado por Domingas Odianga, tornou-se um pescador desconsiderado. Procura a automutilação do seu órgão sexual, é tratado por uma curandeira, Domingas desperta para este ressentimento de homem despeitado, procura recuperá-lo. O trabalho da curandeira levou à recuperação de Ernesto, Domingas vai buscar quem abandonou, a paixão reacendeu-se. A curandeira explicou a Ernesto o que verdadeiramente aconteceu, não foi uma planta vulgar que mudou as coisas, o que mudara foi a confiança e autoestima que Ernesto reconquistara, o amor-próprio. Segue-se a conclusão: “Foi assim que nasceu esta celebração que ainda hoje se realiza na mística ilha de Etionkó. No Dia do Amor-Próprio, celebrado todos os anos no início da época das chuvas, não há disputas, todos os homens como as mulheres celebram em pé de igualdade a confiança na sua força interior”.

Há contos que se rendem ao mundo dos mortos, às notícias que se publicam sobre falecimentos de vivos, é esta a trama de Salvo pela Morte, uma brincadeira de um falso anúncio muda a vida de um homem, torna-o melhor, não tinha amor ao próximo, passou a ser um sensível e compreensível cidadão. Há também as cartas de amor, que transportam por vezes tantos equívocos. Mina Sandi socorria-se de um escritor ambulante para enviar os seus estados de alma ao seu amigo Malaquias. Sucedem-se as cartas de Nina graças à prosa de Mimito Adão, carteiro nos CTT de Bissau. Mimito ouve os lamentos de Mina, interioriza-os, e espelha-os nas cartas que envia para Malaquias: “No profundo oceano das minhas dúvidas, és a única certeza que conta. O carteiro consola-a, as respostas não chegam. Por compaixão, o carteiro inventa cartas de resposta de Malaquias para Mina". Dera-se uma alteração afetiva de Mina, o longo silêncio e a demora de Malaquias contribuíra para a sua transferência amorosa para Mimito, Waldir Araújom encontra um remate espantoso para esta história, dita a Mimito a última carta para aquele por quem ela nutrira flamejante paixão: “Querido Malaquias, escrevo-te hoje para te dizer que sempre soube que partiste com outra mulher. Não quisera aceitar, mas sempre soube. Insisti em escrever na tentativa de descobrir que estava enganada. Recebi as respostas que também sei que não saíram do teu punho. Mas resolvi responder, é uma forma de recusar a realidade, de continuar a sonhar. Hoje escrevo-te para te dizer que estou finalmente livre e quero levar a minha vida a adiante. Conheci um homem bom por quem me apaixonei e, se esse amor tiver correspondência como as nossas cartas, é com ele que eu quero viver. Quanto mais o conheço mais me admiro com o tempo e amor que te dediquei. Não tive ainda coragem de lhe dizer o que estou a sentir mas, inteligente como é, sei que já se apercebeu. Sinto que ele também me quer. Espero que sejas feliz”. As mãos de Malaquias não paravam de tremer, Mina intimava-o a dar uma resposta. E o final é equívoco e ambíguo, provavelmente Mimito não aguentou passar do sonho à realidade: “Naquele dia foram muitos os moradores que reclamaram pela ausência do carteiro que escrevia as cartas de amor”.

Há nestes contos gente que rouba para comer e que se disfarça de Pai Natal; há relatos sobre a decadência de Bolama, há um vendedor de rosas que tem a face desfeita por razão de uma rixa, uma antiga amante marcou-lhe o rosto com ácido sulfúrico, a sua vingança era por veneno fatal aos que a cheiravam, virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Estes pequenos contos sucedem-se com a Guiné sempre presente e assim chegamos à última peça, “Sem Motivos para Rancor”, é o conto mais marcadamente político de Waldir Araújo, num restaurante de Bissau fala-se sobre os primeiros números da Comissão Nacional de Eleições, sobre os resultados da segunda volta de um polémico escrutínio presidencial. Os números que inicialmente pareciam dar vitória ao candidato apoiado pelo Governo começavam então a ser contrariados com informações e números que circulavam em panfletos vendidos a mil francos a folha. É nesta atmosfera que Gabriel encontra Dino Isaac, o judeu mais guineense que conhecera. Dino comenta: “Essa malta não percebe que nos cega a todos com o vaivém da luz. Eu já me desenrasco bem nesta eterna escuridão. Sabes o que eu acho? No dia em que acabar essa história de corte geral, luz bai, luz bim, e passarmos a termos luz elétrica a todo o tempo, os guineenses vão todos sair à rua a pedir à comunidade internacional que lhes devolva a escuridão amiga de longos anos”. Gabriel é abordado para participar num documentário positivo sobre o país, com coordenação francesa. Jean Marie Guinnot é um francês de coração guineense. Propõe Gabriel que prepare a trama da história para o filme. Este pensa ter encontrado o fio condutor, sugere ao realizador Dino Isaac. Mas os produtores consideraram que o projeto fugira à ideia inicial. Dino sentencia: “Gabriel, aqui as coisas são outras. Tens que voltar e entrar no sistema e só depois é que entenderás tudo". Gabriel regressou a Portugal. Continua à espera.

O leitor tem assim oportunidade de ser confrontado com um conjunto de histórias onde se cruzam a magia e a fantasia da alma africana, tudo saiu da pena de um jovem guineense que veio para Portugal mas sabe muito bem onde estão as suas raízes.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)