Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 3 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23582: Os nossos seres, saberes e lazeres (523): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (66): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 4 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Hoje tirei dia livre, quero andar a saracotear-me sozinho por espaços e lugares de que só guardo as melhores recordações. Saio do metro na Gare du Midi e sou surpreendido com a avenida de Estalinegrado transformada em estaleiro, só se circula por passeios apertados, mas não se perde a oportunidade de reavivar a memória, como aqui se mostra. Atravessa-se uma avenida e é-se acolhido num alfarrabista que aproveitou a pandemia para fazer transformações de vulto, é uma autêntica catedral onde cabem obras a satisfazer os múltiplos domínios do conhecimento. E chegou o grande momento de visitar a Igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro, aqui se fazem preces há décadas, no que me toca sinto-me recompensado com os frutos recebidos. E parto para um acontecimento que vai inflamar ruas e praças, a Zinneke Parade, estes jovens revelam um entusiasmo inultrapassável, estiveram 2 anos sem poder festejar na rua, vêm agora revelar a sua imaginação, a sua capacidade de recuperar e reciclar, mostrar as suas escolas de música, é um mergulho na alegria de viver. E despeço-me, por ora, dessa sala de audiências que é a Grand Place, amanhã é dia de recordar uma grande amizade, vou de novo passear sozinho mas a conversar com a lembrança de quem foi tão importante na vida associativa que pude levar em Bruxelas, designadamente quando fui representante da Confederação Europeia dos Sindicatos.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (66):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia – 4
Mário Beja Santos
Estou na avenida de Estalinegrado, saí no metro da Gare du Midi, tenho uma festa retumbante pela frente, mas venho com tempo para as minhas bisbilhotices. A avenida é neste momento um estaleiro, tem taludes de cima a baixo, paro cheio de curiosidade junto da fachada da Casa Jamaer, nome de um arquiteto reputadíssimo do século XIX que aqui fez a sua mansão em 1874 com detalhes muito curiosos do renascimento flamengo. Merece uma contemplação pela harmonia das suas linhas, prometo em próxima viagem obter uma fotografia com maior visibilidade, agora os tapumes não ajudam.
Quando, aí pelos primeiros anos da década de 1980, descobri os ofícios da Catedral Ortodoxa Grega dos Santos Arcanjos, Bruxelas, levantava-me cedinho para aqui estar no princípio da manhã de domingo e apanhar o ofício do princípio ao fim, aqueles cânticos enchem-me as medidas, sempre visitei países de religião ortodoxa, não quis perder estes ofícios, assim aconteceu em Belgrado, Sófia e Kiev. Situa-se na avenida Estalinegrado, muito perto da Casa Jamaer. E agora vou às livrarias, as minhas cavernas de Ali Babá.
É visita obrigatória, estou no boulevard Maurice Lemonnier, nº55, a casa chama-se Pêle-Mêle, compra e venda de livros, discos, CDs, DVDs e jogos, espaço enorme muito bom para perder a cabeça, venho felizmente contido pela mala de bagagem de um voo low cost, será puro suicídio embeiçar-me por este catálogo que deve pesar para aí uns 4 quilos, do tempo da Europália russa sobre os tesouros dos Czares. Folheia-se melancolicamente e chega. É o único alfarrabista de Bruxelas onde encontro em grande quantidade obras portuguesas. Por aqui andei regalado e com vontade de voltar, levo um CD com música de câmara de György Ligeti, um dos meus mais queridos compositores contemporâneos.
Agora uma visita obrigatória à Igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro, é sempre a mesma história que se repete em todos os países, aqui houve uma modesta capela no século XII, foi depois albergue de peregrinos que caminhavam para Santiago de Compostela, no século XVII o que havia foi demolido e criou-se este templo dedicado à Virgem. É uma visita que faço há décadas, gosto muito do altar, dos medalhões suspensos, da formosa escultura da Virgem do Bom Socorro (que data do século XIV), deambulo, faço preces, dou conta da alegria do meu regresso e agora parto para uma festa de rua deslumbrante, mostro as imagens.
Este acontecimento que anima Bruxelas em maio, um dos mais significativos acontecimentos do trabalho associativo chama-se Zinneke Parade, uma alegria de muitos povos, de muito imaginário e transversalidade cultural. A pandemia suspendeu o evento, trabalhou-se agora a todo o vapor e mostra-se o saber-fazer de diferentes associações e organizações, instituições e centros culturais, intervêm diferentes disciplinas artísticas, há para aqui muito espírito de aventureiro, ninguém esconde nestes agrupamentos o entusiasmo com que se procura regressar à normalidade, vão por aqui desfilar bandas, projetos de precursão, ateliês afro-flamengos, gente ligada aos serviços se inserção, escolas secundárias, institutos pedagógicos, centros de reabilitação, plataformas de ajuda a jovens em dificuldade, e muitíssimo mais. Por ali ando a bater palmas, a delirar com esta parada que é um hino à vida, onde se recicla, para ela convergem sobretudo jovens que trazem entusiasmo, uma alegria esfuziante, a deitar abaixo a doença, o isolamento, os preconceitos raciais, aqui celebra-se o trabalho coletivo que se oferece à comunidade de Bruxelas. Despedem-se dizendo até 2024, oxalá eu possa estar cá neste dia.
É uma tarde em cheio, não quero regressar a Watermael-Boitsfort sem espreitar a Grand-Place, a maior sala de audiências de Bruxelas, é uma tarde de sonho, chegam os sinais de um entardecer suave, ponho-me a um canto só para rever estas fachadas onde há sempre um pormenor que vai saltar à vista, um claro aviso que posso aqui vir vezes sem conta, há sempre uma revelação em todo este rendilhado de pedra. Amanhã de manhã quero prestar homenagem ao meu querido amigo, recentemente desaparecido, André Cornerotte, já aqui o mostrei em 2018, amanhã vou inventar um passeio pela Cité du Logis como se fosse a conversar com ele, ele a ensinar-me o espírito de presidia àquele projeto habitacional dos anos 1920, espero não vos dececionar.
(continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 27 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23561: Os nossos seres, saberes e lazeres (520): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (65): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 3 (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 2 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23579: Os nossos seres, saberes e lazeres (522): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (2)
Guiné 61/74 - P23581: Parabéns a você (2097): Amigo Grã-Tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
Nota do editor
sexta-feira, 2 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23580: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (126): Leitor brasileiro, Edson de Lima Lucas, identifica o navio inglês Narkunda, da P&O Lines, em foto de 29/9/1942 (presumivelmente "Foto Melo") , tirada ao largo do Porto Grande, Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde... Dois meses depois seria atacado e afundado pela aviação alemã, na campanha dos Aliados no Norte de África.
1. Mensagem do nosso leitor Edson de Lima Lucas:
Assunto - Identificação de navio
Olá,
Sou um entusiasta por navios e ao longo da vida adquiri uma boa experiência para identificá-los. Por isso estou dando uma ajuda no seu excelente site ...
Edson de Lima Lucas
Rio de Janeiro/Brasil
"Bombed and sunk by German aircraft off Bougie, Algeria, passing Cape Carbon (36°52’N-05°01’E). She had just landed troops for the North African campaign and was about to return to the UK when the attack came out of cloud cover and she was hit heavily on the port side and astern. 31 crew were killed. The survivors were picked up by the minesweeper HMS Cadmus and returned to Britain by P&O’s Stratheden and Orient Line’s Ormonde." Source: The P&O Heritage Archive. (...)
(*) Vd. poste de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17390: Meu pai, meu velho, meu camarada (54): Navios, do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania, juntamente com, entre outros militares, o fur mil e futuro cap SGE e escritor Manuel Ferreira (1917-1992), o autor de "Hora di Bai", de quem Leiria está a celebrar os 100 anos de nascimento
(**) Último poste da série > 17 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22549: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (125): O nosso Blogue foi contactado por uma sobrinha-bisneta de Cunha Gomes, Régulo da Tabanca de Binhante (Teixeira Pinto) nos anos 70 (Jorge Picado)
Guiné 61/74 - P23579: Os nossos seres, saberes e lazeres (522): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (2)
1. Depois da prova de vida, o nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70), que no passado dia 27 de Agosto festejou o seu aniversário, enviou-nos alguns dos seus trabalhos de pintura que estamos a mostrar na série "Os nossos seres, saberes e lazeres".
Nota do editor
Último poste da série de 30 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23570: Os nossos seres, saberes e lazeres (521): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (1)
Guiné 61/74 - P23578: Notas de leitura (1487): "Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974", por Joana Pontes; Tinta-da-China, 2020 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2020:
Queridos amigos,
Temos aqui um olhar singular sobre a correspondência trocada entre militares e família e amigos, uma sala de conversa onde cabem namorados, pais e filhos, amigos e camaradas de armas e muitas madrinhas de guerra. Joana Pontes disseca admiravelmente as mentalidades, o papel do homem ainda cheio de autoridade, o mundo rural a caminho do abandono, os sinais de desenvolvimento, a muita gente que parte para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida. E ver-se-á à frente, quando a abordagem for o modo de viver a guerra, que até se ultrapassam os limites impostos pela censura, há quem se vanglorie das suas façanhas, quem chore os amigos mortos e feridos. Enfim, um olhar sobre documentos, necessariamente de valor limitado, mas que podem contribuir para entender como estes jovens mudaram lá fora numa sociedade que mudava cá dentro.
Um abraço do
Mário
A correspondência da guerra colonial: uma amostra de mudanças em Portugal (1)
Mário Beja Santos
Trata-se de um belíssimo trabalho, de uma fecunda investigação, é uma das obras mais originais que até hoje se produziu em torno dos olhares sobre a guerra colonial, documento a partir de agora indispensável: "Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974", por Joana Pontes, Tinta-da-China, 2020.
No prefácio da obra, Aniceto Afonso dá-nos uma explicação comportamental dos ex-combatentes:
Joana Pontes estrutura o seu trabalho em dois enormes módulos: o primeiro intitula-se “As palavras escritas no papel e na alma”, com o subcapítulo “A vida por mensagem”; o segundo “Viver a guerra”.
Confesso que valorizo mais este primeiro módulo, a investigadora é rigorosa nos enquadramentos de um Portugal que caminha para o modelo industrializado e abandona a agricultura. Ela não tem ilusões e escreve:
“Existe em Nangade um retângulo de terra batida onde aterram aviões. Às sextas e terças-feiras sentimo-nos como que impulsionados para junto desse pedaço de terra lisa e barrenta. Todos, iguais, soldados e chefes, são nivelados pela mesma ansiedade e palpitar de emoção. E poucos são aqueles que têm o privilégio de ainda dentro do edifício onde se abrem os sacos de correio receberem o pedaço de papel que lhes revigora a alma e lhes faz sentir menos penoso o calvário. Mas são também poucos aqueles que têm que esconder duas lágrimas quando este privilégio os coloca na situação de simples espetadores…”
E desfilam as emoções, o momento da distribuição do correio, o desalento e até algum desespero de quem não recebe notícias, é o amor de mãe, são as notícias da mulher ou da namorada, é o perceber que a milhares de quilómetros de distância existem raízes e alguém que informa o que por ali se passa, até os falecimentos de outros jovens. É bom que alguém nos escreva lá nosso fim do mundo, aquela frase cala fundo: quando recebo carta tua é uma alegria tão grande que tenho e ajuda-me a viver. Quem está na guerra procura explicar o terreno, o tempo, as tarefas, faz perguntas, vem completamente à tona o quadro de mentalidades: o meter a cunha, o querer a mulher recatada, os códigos cifrados em matéria sexual, a conversa variegada com as madrinhas de guerra.
A religião pesa e muito:
Mas ainda há mais algumas coisas a dizer sobre a experiência da distância de casa, o que chega à guerra e o que da guerra parte para a família e para os amigos.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1486): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...
quinta-feira, 1 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1486): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...
Croquis, basedo na carta de Bedanda (escala 1/50 mil), abrangendo os subsectores de Bedanda e Cufar... O rio principal era o Cumbijã, de que o rio Ungarinol era afluente (aqui se situava o porto interior de Bedanda). Em 1965/67, as "barracas" do PAIGC e outros pontos logísticos (com população) vão assinaldos a vermelho... A 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, com sede em Bedanda, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, "partiu mantenhas" com a gente do mato que vivia por aqui... Em Cufar, estava a CCAÇ 763 (1965/66), do nosso amigo e camarada Mário Fitas, ex-fur mil oo esp. E mais abaixo, a sede de batalhão, em Catió, sector S3: primeiro o BCAÇ 619 (jan 1964 / jan 1966),e depois o BCAÇ 1858 (jan 1966 / mai 1967).
Infografia: Aurélio Manuel Trindade / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, datada de 13/12/2020] (*).
Mas a patir de agora, tomamos como referência a edição de autor, de 2010 , de 399 pp., il.,, disponível em formato pdf, na Biblioteca Digital do Exército (Panteras_a_Solta (PDF, 6 MB, link para descarregar o ficheiro em pdf, cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército).
O cap Cristo ("alter ego do cmdt da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967) não nos explica por que razão Bedanda estava em decadência, e isolada do resto do território, com a população dependente do exterior para se alimentar, quando uma dezena de anos antes fazia parte, com Catió e Cacine, do grande celeiro da província (**)...
Embora extenso (pp. 26/27), vale a pena repoduzir a seguir o "briefing", feito a sério e a brincar (também fazia parte da "praxe" aos "maçaricos", como então se dizia), ao capitão Cristo, pelo alf mil Ribeiro, o mais velho e o melhor operacional dos oficais milicianos da 4ª CCAÇ. (Vd. foto à esquerda, fonte: "Panetras à Solta", ed. autor, 2010, pág. 395; descobrimos que se trata de José Augusto Nogueira Ribeiro, natural de Fafe, 1940 - 2017, cor inf ref, condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné Moçambique, vd. aqui no portal UTW . Ultramar Terra Web, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)
limites do Cantanhez, onde está estacionada uma companhia do nosso Batalhão. Não
há ligação entre a nossa Companhia e a de Cabedú. É uma zona completamente dominada pelos guerrilheiros.
4 kms de Bedanda, em frente a Cobumba que já pertence à zona da acção da companhia de Cufar. Ponto muito forte dos guerrilheiros que dele precisam para garantirem a passagem e o reabastecimento dos seus acampamentos de Cabolol.
batalhão. Seguindo para norte, até Empada, aí fica ainda mais outra companhia do batalhão.
(*) Último poste da série > 31 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23573: Notas de leitura (1484): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte V: Bedanda, em meados de 1965
(**) Vd. poste de 15 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo: (ii) generalidades
Guiné 61/74 - P23576: (In)citações (217): Reflexão (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
REFLEXÃO
adão cruz
Pela minha profissão, sempre tive na minha frente toda a espécie de pessoas, desde a mais ignorante à mais sábia. Respeito tanto os ignorantes como os sábios, os cultos e os incultos, mas não tenho o mínimo respeito pela ignorância e pela incultura. Também não sinto respeito pelo trabalho de quem quer que seja que se dedique, de uma maneira ou de outra, a cultivar a ignorância, a escamotear a verdade e a anular a razão.
Por mais que se pregue e por mais conferências que se faça, nada anula o descrédito em que caíram os donos do mundo ao pretenderem convencer-nos de que as expectativas de paz, liberdade e justiça são possíveis com as suas corrompidas doutrinas ou com as orações a Deus, as quais, pelos vistos, só são ouvidas quando saem da boca dos afortunados e não quando tomam a forma de gemidos na boca dos milhões de espezinhados que morrem às pilhas no deserto do silêncio, da fome e do sangue.
Quem não vive de luxos e excessos, quem considera a paz, a educação e a cultura uma prioridade, quem luta pela justiça social e deseja que o sol nasça para todos, quem considera o amor, a amizade e a solidariedade humana como os maiores valores da vida, quem luta contra a exploração e contra o abismo entre ricos e pobres, de forma autêntica e não através de hipócritas caridades, quem mede a liberdade dos outros pela sua própria liberdade, pode ser o que quiserem, mas nunca será um vencido.
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Nota do editor
Último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23548: (In)citações (216): Reflexão (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
Guiné 61/74 - P23575: Parabéns a você (2096): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissorã e Mansabá, 1965/67)
Nota do editor
Último poste da série de 27 de Agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23560: Parabéns a você (2095): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)
quarta-feira, 31 de agosto de 2022
Guiné 61/74 - P23574: Historiografia da presença portuguesa em África (331): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (4) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Sabemos que o Padre António Joaquim Dias regressou muito combalido dos seus oito anos e meio de missionação na Guiné, e depois lançou-se ao trabalho, vamos ter as suas impressões no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira desde 1942 a 1945. Irá ainda publicar um resumo histórico das missões católicas na Guiné, a pretexto das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné. Infelizmente, depois perdemos-lhe o rasto. Terá seguramente trazido consigo os seus cadernos onde guardou inúmeras referências que lhe serviram para estruturar os artigos que ia publicando, desta feita sobre a organização social e política indígena, a vida familiar, a transmissão de bens, as indumentárias e os adornos, não esqueceu as tatuagens, os penteados que ele classifica de exóticos, até os anéis e anilhas de latão no cabelo, tranças com conchas e moedas, os amuletos em bolsas de couro ou prata lavrada, não deixando de sublinhar que na Guiné era melhor falar em práticas islamizadas do que islamismo, o poder do animismo era muito forte e os religiosos da religião muçulmana tinham a prudência de não serem severos para que o seu proselitismo não levasse ao abandono das práticas religiosas convencionais.
Um abraço do
Mário
Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (4)
Mário Beja Santos
Que grande surpresa, estas Impressões da Guiné escritas por um missionário que ali viveu mais de oito anos, são documentos que ele vai publicando ao longo dos anos no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, ainda não sei o que nos reserva este conjunto de cartapácios, a verdade é que há imagens magníficas sobretudo no noticiário guineense. O padre António Joaquim Dias regressou a Portugal depois de oito anos e meio de apostolado missionário em terras da Guiné e resolveu vazar no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira a partir do número de novembro de 1942 em diante impressões e dados históricos da presença missionária franciscana na antiga Senegâmbia Portuguesa.
O Padre Dias vai-nos dando todas as suas impressões, agora detém-se na organização política e social das etnias, refere que o território está dividido em regulados, assistidos os régulos pelo conselho de anciãos, o poder e ação destes régulos ficaram reduzidos pela Reforma Administrativa Ultramarina, não deixando de referir que vão longe os tempos em que havia de lhes pagar anualmente direitos de suserania. Em termos hierárquicos temos a seguir os chefes de povoação ou de tabanca e que são escolhidos ou confirmados pelas autoridades portuguesas. Os crimes e pleitos entre naturais, julgados e punidos ou dirimidos antigamente pelos chefes e régulos sobem hoje à apreciação, resolução e punição pelas autoridades administrativas. E comenta seguidamente o que distingue morança de tabanca, conceito que consideramos inadequado, mas é o do missionário. Para ele, morança é o conjunto de casas pertencente à mesma família e pode dar o aspeto de grande povoação, principalmente na etnia Brame ou Mancanha. A tabanca é propriamente o aglomerado urbano de várias famílias reunidas em aldeia, embora as palhotas não estejam dispostas em arruamentos e as moranças encontram-se mais ou menos isoladas umas das outras e rodeadas a cada passo de estacaria ou cercado privativo. E dá-se ao trabalho de nos descrever os materiais com que se constroem as moranças, explica a natureza das coberturas e oferece-nos uma curiosidade: “Merece referência especial a palhota dos Balantas. De paredes de barro, amassado com palha de arroz, consta dois pisos sobrepostos. Num e noutro, há divisões que se podem destinar a quartos, armazéns de víveres, currais, etc. Nestes edifícios, as tulhas ou bembas, reservadas aos víveres, são colocadas dentro de casa antes de levantadas as paredes, porque atingem por vezes grande porte e jamais caberiam pelas portas”.
Segue-se uma descrição da organização familiar dos indígenas da Guiné, começa por sublinhar o comando das pessoas de mais idade como elemento predominante, ao lado do papel desempenhado pelos avós e pais. E chama a atenção para o valor económico que reside nos instrumentos de trabalho, nos braços que aram a terra, que lançam a semente, o conjunto de tarefas até à recolha aos celeiros. Quanto ao casamento, diz-nos que geralmente o futuro genro tem de prestar ao sogro serviços vários no amanho das terras. E lança o seu olhar sobre o comportamento que classifica de cruel ou desumano: “Os guineenses rejeitam os gémeos e os defeituosos que antes dos 3 ou 4 anos expõem na selva à voracidade das feras ou afogam nos rios e pântanos. A mesma sorte cabe frequentemente às crianças cujas mães faleçam de parto e ainda às que, por crendice, forem classificadas de feiticeiras. Entre os Manjacos, não pode o indivíduo, criança ou adulto, estar doente mais de 8 a 10 dias. Sucede o mesmo entre os Brames. Aqueles matam-no fazendo ingerir água a ferver; estes abrem-lhe as veias das fontes com uma faca, ou, mais vulgarmente, utilizando vidro de garrafa. Em 1934, surpreendi em Bula uma velhota que terminava esta última operação a um neto, perdido aliás para uma infeção grave de um maxilar”.
Informa-nos igualmente que as missões católicas mantinham e dirigiam um asilo de crianças do sexo feminino em Bor, a sete quilómetros para nordeste de Bissau, a que fora apensada uma secção de creche destinada precisamente a salvar a vida das crianças órfãs e das repudiadas pelos pais. Mais adiante dá-nos uma explicação sobre a transmissão dos bens: “É muito raro o indígena da nossa Guiné dispor dos seus bens em forma testamentária perante as autoridades gentílicas ou europeias. Por uma parte, as usanças tradicionais inibem-no de aliená-los à própria família; e, por outra, ele sabe que serão atribuídos infalivelmente quem pertençam por direito consuetudinário da etnia, fiscalizado pelo régulo. Os filhos não são os herdeiros, nem dos bens nem dos cargos paternos. Refiro-me aos bens de vínculo, ao património da família, recebido dos antepassados que devem transitar para os sucessores certos e legais. Ao herdeiro incumbe fazer a despesa dos funerais ou o Choro pelo falecido. A sonoridade e duração deles depende da fortuna do morto ou dos recursos do herdeiro”.
Dentro da sua observação cabe também o traje e os adornos do indígena. Fala já em processos de aculturação, menciona o contato das etnias autóctones com os islâmicos ou islamizados do Sudão, da Mauritânia e de outras regiões africanas que os levou ao conhecimento dos tecidos e ao aproveitamento do algodão. Lembra que segundo Zurara, os primeiros portugueses que aqui arribaram encontraram árvores de algodão e que os tecidos e peças de roupa eram tidos em grande apreço nas trocas com os portugueses. E elenca essas peças: calção, saias, tangas, chapéus, lenços, cofiós, entre outros. Também está atento a pormenores bizarros e não perde ocasião de os comentar, como é o caso deste: Estava eu a pesquisar neste boletim mensal mais textos do Padre Dias quando me apareceu a notícia de que no dia 8 de dezembro de 1950 tinha sido solenemente sagrada a nova Igreja de Bissau a que chamamos catedral. Dias antes chegara o bispo sagrante, prelado de Cabo Verde, recebido como hóspede de honra da Guiné. Na primeira parte das cerimónias estiveram presentes Monsenhor Ribeiro de Magalhães, franciscano e Prefeito Apostólico, Monsenhor Próspero Dodds, Prefeito Apostólico de Ziguinchor, autoridades civis e militares, missionários e povo. A 8 foi completada a sagração, na presença do governador Raimundo Serrão. “As ruas apareceram à noite ricamente iluminadas, foi queimado vistoso fogo de artifício e potentes holofotes faziam realçar, no negrume da noite calma, a brancura da fachada do novo templo”. No dia 11 teve lugar uma luzida sessão solene comemorativa da celebração.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 24 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23551: Historiografia da presença portuguesa em África (330): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P23573: Notas de leitura (1485): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte V: Bedanda, em meados de 1965
Croquis de Bedanda, em meados de 1965, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (In "Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, c. 2020, pág. 3)
Ficha bibliográfica da edição autor de 2010:
Autor(es): Trindade, Aurélio Manuel, 1933-
Publicação: Lisboa : Edição de autor, 2010
Desc. Físicia: 399 p. : il. ; 26 cm
Contém: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal
Notas: Manuel Andrezo é pseudónimo do Tenente-General Aurélio Manuel Trindade
Assuntos: Campanhas de África, 1961-1974 / Guerra colonial, 1961-1974 / Guiné, Portugal, até 1974
Cont. Digital: Panteras_a_Solta (PDF, 6 MB) (link para descarregar o ficheiro em pdf, 407 pp) (Cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército)
Muitos "bedandenses" (e temos cerca de um vintena de camaradas, membros da Tabanca Grande, que estiveram em ou passaram por Bedanda, entre 1961 e 1974, mormente na 4ª CCAÇ e na CCAÇ 6) vão ler, de um fôlego, com saudade e sobretudo com muito prazer, este livro de memórias do capitão Cristo ("alter ego" do cap inf Aurélio Manuel Trindade, hoje ten gen ref, nascido em 1933).
Bedanda, sul da Guiné e região do Tombali, quartel da 4ª companhia de caçadores nativos, 4ª CCAÇ no texto, ano de 1965. Distribuída por uma área com cerca de 8 kms de perímetro, dispondo de abrigos e redes de arame farpado, a 4ª CCAÇ compreende diversos aquartelamentos ou sectores.
À volta de Bedanda encontram-se muitos outros rios, matas cerradas como o célebre Cantanhêz, o corredor de Guileje e acampamentos de guerrilheiros armados de kalashnikov. À data da chegada do capitão Cristo a Bedanda, os soldados da 4ª CCAÇ dispunham da velha Mauser, do tempo da segunda Grande Guerra Mundial.
(*) Vd. poste de 30 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23568: Notas de leitura (1482): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IV: as circunstâncias da morte do 2º sargento mecânico auto Rodolfo Valentim Oliveira, em 11/8/1965...