segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23824: Ser solidário (251): Divulgação da campanha de fundos que visa ajudar o luso-guineense Mamadu Baio, músico de Tabatô, a publicar o seu primeiro CD em Portugal onde vive há 10 anos... Ponto da situação: 33 doadores (cinco do blogue), num total de 1800 euros (1/3 da meta)...Camaradas e amigos, ainda podem fazer uma pequena doação até ao dia 4 de dezembro

      



Estamos a organizar um crowdfunding para financiar o próximo disco em https://gofund.me/2efcdc4a 

Ululalo é um tema do próximo disco de Mamadu Baio. Este concerto aconteceu no Camones, em Lisboa, a 4 de junho de 2022. João Graça (violino), Avito Nanque (guitarra eléctrica), Mamadu Baio (voz e guitarra) e Sanassi di Gongoma (percussão e voz). Imagens captadas e misturadas por Juan Ferracioli. Um agradecimento especial à Cláudia Loureiro, que tem dado um apoio inestimável ao projecto. 


1. Mensagem de Mamadu Baio e João Graça, músicos, membros da nossa Tabanca Grande:

Data - domingo, 27/11/2022, 18:56 

Assunto - apoio à divulgação - novo disco de Mamadu Baio

Olá, amigos da Guiné:

Estamos a organizar uma recolha de fundos para a gravação do novo disco de Mamadu Baio (https://gofund.me/2efcdc4a), que terminará no dia 4 de dezembro.

É muito importante para nós conseguirmos chegar a mais pessoas, e imaginámos que o vosso/nosso  blogue nos poderia trazer isso - um público mais alargado de pessoas que gostam de música africana, em geral, e guineense, em particular..

As músicas do disco estão prontas, só falta mesmo é conseguirmos os fundos a que nos propusemos. Neste momento estamos a 30% do objectivo (que são dos 5 mil euros).

Obrigado pela vossa atenção a este email, tudo de bom.

João Graça e Mamadu Baio



Lisboa > O Mamadu Baio e alguns dos músicos com que toca, em Lisboa, incluindo o João Graça


Foto (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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2. Lista dos 33 doadores (cinco, dos que deram o nome, são do nosso blogue, e os seus nomes vêm a negrito)


Anônimo | €10 |Nhá 6 horas

Rafael Filipe Neto | €20 | há um mês

Frederico Silva | €50 | há um mês

Anônimo | €80 | há um mês
  
Anônimo | €50 | há um mês

Anônimo | €40 | há um mês

Anônimo | €100 | há 2 meses

Rebecca Turner | €50 | há 2 meses

James Lumley-Savile | €30 | há 2 meses

Jaime Silva | €40 | há 2 meses

Jorge Ferreira ! €50 | há 2 meses

Pablo Durán | €30  há 2 meses

Catarina Neves ! €100 | há 2 meses

Simon Potts | €200 | há 2 meses

Cristina Roça | €100 | há 2 meses

Paulo Franco | €20 | há 2 meses

Anônimo |  €20 | há 3 meses

Will Samson ! €30 ! há 3 meses

Ernestino Caniço | €40 | há 3 meses

Estela Louçã | €50 | há 3 meses

Virgílio Valente  | €50 | há 3 meses

Jose Barbedo | €100 | há 3 meses

Ana Teresa Klut | €20 | há 3 meses

Nuno Conceicao | €60 | há 3 meses

Ana Fonseca | €30 | há 3 meses

Diogo Cabral | €150 | há 3 meses

Cláudia Loureiro | €20 | há 3 meses

Sílvia Roque | €50 | há 3 meses

Nuno Macedo | €20 | há 3 meses

Anônimo | €100 | há 3 meses

Anônimo | €30 | há 3 meses

Anônimo | €30 | há 3 meses

João Graça | €30 | há 3 meses

Total: 1.800 euros


3. Mensagem de João Graça:

[A campanha está a terminar, dia 4 de dezembro é a nossa meta! Por isso quem se quiser juntar, é agora.]

Caros amigos,

O Mamadu Baio é um grande ser humano, sábio, generoso... e músico guineense absolutamente singular e original, radicado em Portugal há cerca de 10 anos.

Ele vem de uma aldeia da Guiné-Bissau, Tabatô, onde todos os seus habitantes são músicos. Uma das funções dos músicos griots (ou djidius, em crioulo) é precisamente tocar para os régulos (chefes tribais) quando há uma ameaça de conflito entre etnias, para prevenir a violência e promover a paz.

Também são eles quem, em sociedades sem escrita, transmitem as notícias e divulgam as lendas e as narrativas, dando variados conselhos sobre os relacionamentos interpessoais, baseados no respeito e dignidade humana. Valores esses que são uma preocupação reflectida nas letras deste artista.

Conheci o Mamadu em Bissau, em 2009, numa noite que não irei esquecer. A nossa amizade aprofundou-se, tocámos juntos, visitei a sua aldeia, num dos momentos mais belos da minha existência. De volta a Portugal a música uniu-nos novamente, e juntei-me ao Mamadu no violino em variados concertos.

O projecto, composto por músicas autorais e inspiradas na fusão de diferentes sonoridades, desde o jazz, afrobeat, desert blues e reggae, ganhou maturidade, e está pronto a dar o salto para um disco, que queremos que seja uma celebração, com a dignidade que merece.

Um disco precisa de recursos financeiros para pagar o estúdio de gravação, as cópias, a promoção, os videoclipes de divulgação, enfim todo um processo moroso e oneroso que colocará a música do Mamadu no lugar onde merece estar.

Para isso contamos com o teu precioso apoio financeiro para tornar esta utopia possível. Pode ser pouco mas é valioso, como a gota de água que se transforma em ribeiro.

Muito obrigado,
João Graça

PS - Em alternativa à plataforma (que aceita google pay e cartão) podes fazer a doação através de transferência bancária - LT14 3250 0134 8530 2306 - enviando nome e email; que me comprometo a colocá-la na plataforma

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 22 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23546: Ser solidário (250): Divulgação de uma campanha de fundos que visa ajudar o luso-guineense Mamadu Baio, músico de Tabatô, a publicar o seu primeiro CD em Portugal onde vive há 10 anos (João Graça, médico e músico)

Guiné 61/74 - P23823: (De) Caras (190): Vitor Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), o primeiro comandante´da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970 /72): continuamos a honrar a sua memória


Foto: Cortesia de Benjamim Durães (2019)


1. Não se pode falar desta efeméride, a trágica data de 26 de novembro de 1970(*), sem evocar e honrar aqui a memória do cor art ref, DFA, Vitor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), membro da nossa Tabanca Grande, nº 781 (**)

Quando ainda era vivo, telefonou-me, de Coimbra, a dizer que tinha tentado deixar um comentário no poste P9335, de 9 de janeiro de 2012 (***)... O que escreveu teria acabado por se perder...

Tentei reconstituir o essencial da nossa longa conversa ao telefone, nessa noite do dia 12 de janeiro de 2012. Uma primeira versão saiu como comentário a esse poste (***):

(i) Segundo a explicação que me foi dada pelo antigo comandante da CART 2715 / BARY 2917 (Xime, 1970/72), o relatório (de que foi publicado um excerto, em 11 de maio de 2010, sob o poste P6368) (****), embora assinado por Spínola, seria uma peça "burocrática", que valia o que valia...

Não era um documento apócrifo, mas ele sentia que as críticas que eram dirigidas ao comandante da companhia, na ocasião da Op Abencerragem Candente, eram injustas e omitiam o contexto em que fora decida e imposta pelo comandante (interino) do BART 2917, contra as "mais elementares regras de segurança" (sic)...

(ii) Se não vejamos: a operação era conhecida (e falada) por toda a gente (até em Bafatá!), e portanto o PAIGC teve todas as condições, 4 dias depois da invasão de Conacri (Op Mar Verde), para palnear e montar uma emboscada (em L), pensando em massacrar as nossas tropas a caminho da famigerada Ponta do Inglês;

(iii) Segundo ele, na emboscada do dia 26/11/1970, haveria uma poderosa força de 200 homens do PAIGC, enquadrada por 10 cubanos (!) (o que me pareceu manifestamente exagerado, embora o emquadramento cubano seja verosímil)...

(iv) O cap art Amaro dos Santos seria obrigado a deixar o comando da CART 2715 em janeiro de 1971, por imperiosas razões de saúde; contou-me a sua versão deos acontecimentos (dramática, e ainda então sofrida, mesmo passados tantos anos) , e queria um dia ainda poder publicá-la no nosso blogue...

(v) Tinha do gen Spínola as melhores impressões: no dia seguinte, 27, ele estava lá no Xime para lhe dar um abraço de consolo e de solidariedade!... O Amaro dos Santos explicou-lhe o sucedido!... E o Com-Chefe terá depois tomado as suas decisões...

(vi) Fiz questão de dizer-lhe que ele, Amaro dos Santos, como comandante operacional, era um camarada nosso, e como tal estava acima de qualquer crítica (neste blogue)... Tinha direito ao seu bom nome, razão porque não faziasentido o seu nome completo figurar, entre parênteis retos, no poste P6368 (****)... (Fora já retirado, não vinha aliás no documento original, onde o capitão era referido apenas como o comandante da CART 2715)...

(vii) Por outro lado, convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande (convite que fazia todo o sentido, e que ele terá recebido com agrado, embora não me tendo dado logo o seu OK):

(viii Ficou surpreendido, isso sim, por ele lhe dizer... que eu também estivera là!, na Op Abencerragem Candente... E que fui um dos homens da CCAÇ 12 que foi à frente da coluna - eramos mais de 250 homens em pleno mato, dois agrupamentos - resgatar os corpos dos nossos infelizes camaradas, o Cunha e mais cinco;

(ix) Um dos nossos homens trouxe o cadáver do Cunha às costas (!), durante quilómetros até ao Xime (os feridos graves foram helievacuados em Madina Colhido), o nosso "bom gigante" Abibo Jau, que viria a ser fuzilado pelo PAIGC, logo a seguir à independência - creio que em 11 de Março de 1975, se não erro -, juntamente com o comandante da CCAÇ 21, o ten Comando graduado Jamanca...

(x) Corria ainda o boato, entre os homens da CART 2715, que os "pretos" da CCAÇ 12 se haviam recusado a a socorrer os "tugas" da CART 2715, o que é falso, garanti eu ao cap Amaro dos Satis; eu fui um dos "pretos" que estive na testa da coluna, logo que acabou o fogo, a socorrer os feridos e a transportar os mortos...

Despedi-me, ao telefone, com um alfabravo, do cor Amaro dos Santos... camarada que nunca mais vi desde esse fatídico dia 26/11/1970 e em que ele teve um comportamento heróico! (Esta conversa ao telefone ocorreu dois anos e um mês antes da sua morte, prematura, em Coimbra, a 28/2/2014, com 69 anos). (*****)

2. Outro comentário ao poste P9335, por parte do editor LG:


Há um ponto em que temos de chegar a acordo - por mor da verdade! - que é a data em que o gen Spínola "decapita" o BART 2917  ( a expressão é do Amaro dos Santos)...

O Amaro dos Santos diz que foi após o regresso de férias, logo a seguir à fatídica operação no Xime, planeada pelo 2º comandante, e pensada em termos da sua glória e honra... Que teria sido a 27 que o gen Spínola teria demitido o ten cor Domingos Magalhães Filipe...

A memória (ou a amargura) podia estar aqui a atraiçoar o Amaro dos Santos...

Não se sabe das razões por que o ten cor art Domingos Magalhães Filipe foi substituído (aliás, mais tarde, pelo ten cor inf Polidoro Monteiro)... Vem na História da Unidade, ou pelo menos nos anexos elaborados pelo Benjamim Durães (ex- fur mil op esp, CSS/BART 2917) a seguinte informação lacónica:

"Apresentação compulsiva no Quartel-General em Bissau, em 12/11/70, deixando o Comando do BART 2917"...

Se foi a 12 de novembro de 1970, então isto não tem nada a ver com a Op Abencerragem Candente (que foi planeada para se realizar três dias depois da Op Mar Verde, e acabou por levar dois dias, 25 e 26/11/1970, com as consequências trágicas que conhecemos).

Por que razão é que o gen Spínola não afastou também o 2º comandante, o major art Anjos de Carvalho, como aconteceu ao batalhão anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) ?

Isso é outra história: dizia-se, em Bambadinca, no meu tempo, por se tratar de um antigo professor da Academia Militar... Só ? Ou só por isso?

3. Comentário do "ex-cap Amaro Santos" (sic) ao poste P6368 (***):

Camaradas Luis Graça e Benjamim Durães:

A postagem, nesta página, de um documento, no mínimo "Confidencial", por revelar nome completo, posto, sub-unidade operacional e localidade onde estava sediada, Xime, por si só, não é relevante. O que sobressai é o seu significado!

Não consigo o "politicamente correcto"... Desculpem-me, porque sou um fã do blogue !

Uma pergunta...Quando se fala na Op Aberração [Abencerragem] Candente, nome meu, a propósito dos 6 mortos e 9 feridos graves, sofridos pelas NT, ao escolher-se um documento tão importante (bloguismo de investigação, parece, né !?), acaba por se " denunciar" a 3 milhões de internautas que o capitão, "com precária preparação táctica para conduzir a sua subunidade no mato... sem noções elementares de segurança...por não se ter deslocado em adequado dispositivo..." é obviamente o " culpado" pelas baixas havidas!?

Onde está a recusa de julgar os combatentes, o direito ao bom nome, as regras ou os valores éticos... blá, blá, blá !

Isto é cruel, falso (existe uma outra verdade... ) mas, pior, é perverso pelas consequências...

Não brinquem, camaradas, são seis almas boas, heróis que a Pátria h0nra. Ponto final.

Ex-Cap. Amaro dos Santos, Cmdt da Cart 2715. 

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23818: Efemérides (376): foi há 52 anos, a carnificina da Op Abencerragem Candente, 26/11/1970, subsector do Xime..."Choro para uma morte anuncidada" (poema de Luís Graça)

(**) Vd. poste de 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19235: Tabanca Grande (470): Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemoram os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês

(***) Vd. poste de 9 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9335: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Baixas: mortos e feridos (Benjamim Durães)

(****) Vd. poste de 11 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] " (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(*****) Último poste da série > 7 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23822: (De)Caras (189): Joaquim de Araújo Cunha, ex-fur mil mec auto, CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), natural de Barcelos, morto em combate, em 26/11/1970, no decurso da Op Abencerragem Candente

domingo, 27 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23822: (De)Caras (189): Joaquim de Araújo Cunha, ex-fur mil mec auto, CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), natural de Barcelos, morto em combate, em 26/11/1970, no decurso da Op Abencerragem Candente

 

Guiné > Região de Bafatá >Xime > CART 2715> s/d >  O Joaquim de Araújo Cunha parece ser o militar da direita, na brincadeira com um jovem guineense... Ainda se estava nos dias alegres do Xime... A foto  chegou-nos sem legenda nem data, mas é seguramente anterior à trágico desfecho da Op Abencerragem Candente,  em 26/11/1970... A legenda, galhofeira, podia ser: "Arraial minhoto no Xime: quem não tem cão, caça com gato"... 

CART 2715 tinha chegado ao Xime em final de maio de 1970... O comando e CCS do BART 2917 ficaram sedidados em Bambadinca (sector L1) (A CART 2714 em Mansambo e a CART 2716 no Xitoel). 

Depois de efetuar a sobreposição e render a CART2520,  a CART 2715 assumiu em 8 de junho de 1970 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento em Enxalé, sendo este guarnecido ora com um pelotão, ora com dois pelotões conforme as necessidades operacionais. Seis meses depois sofre um duro golpe com a morte de cinco dos seus militares, em 26/11/21970 (Op Abencerragem Candente). (O guia que foi morto, a 6ª vítima, Seco Camará, pertencia à CCS/BART 2917.) 

Teve cinco comandantes de companhia (o primeiro, o cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos). Em 14 de março de 1972, foi rendida no subsector de Xime pela CART 3494, tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso.

Foto gentilmente cedida pela sobrinha do Joaquim de Araújo Cunha (1948-1970) Ana Rita Silva (Barcelos).


1. O Joaquim de Araújo Cunha, fur mil mec auto, da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), foi uma das seis vítimas mortais da violenta emboscada em L que as NT sofreram na antiga picada Xime - Ponta do Inglês, no decurso da Op Abencerragem Candente (Xime, 25-26 nov 1970 ) (*).

Em tempos  recebemos, na caixa de comemtários do  poste P9863, de 8 de maio de 2012 (**)  uma mensagem subscrita por  uma sobrinha do Cunha, não tendo porém deixado   o seu nome, ou qualquer contacto ( email ou nº de telemóvel):

"Sou Sobrinha do Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha. Apesar da mágoa, a minha mãe gostou muito de ler estas palavras e perceber que era acarinhado pelos colegas. Temos, ainda, guardadas todas a fotografias pelo que teremos todo o gosto em as partilhar. Obrigada. Cumprimentos para todos" (11 de março de 2015 às 22:14).

No Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, encontrámos finalmente o seu nome e o link para a sua página, e a foto que reproduzimos acima:

Ana Rita Silva: "Sou a sobrinha do Joaquim de Araújo Cunha. Não tive o prazer de conhecer o meu tio mas guardo algumas histórias. Agradeço em nome de toda a família - especialmente em nome dos irmãos ainda vivos- a lembrança e as palavras de carinho, apesar de tudo. Muita saúde para todos. Aproveito para desejar um Santo Natal e um próspero Ano Novo". (26 de novembro de 2022, 23:05).

O nosso camarada António Duarte fez o comentário o seguinte: "Ana Rita Silva consulte o blogue da Tabanca Grande Luís Graça . É com emoção que se vê uma sobrinha do nosso camarada Cunha a vir ao nosso encontro, dos que passando pela Guiné/Xime não tiveram o azar do seu tio."(27 de novembro de 2022, 11:40)

E nós acrescentámos: 

"Tabanca Grande Luís Graça: Querida Ana: fui dos últimos a estar com o seu tio Araújo, à mesa, às 3 da manhã do dia 26, e fui dos primeiros a vê-lo morto por volta das 9h00 da manhã... Foi um dos nossos soldados que o trouxe às costas, o "gigante" Abibo Jau, da CCAÇ 12, durante quilómetros até à sua "casa", o quartel do Xime... Nunca percebi por que razão é que um furriel mecânico auto (!) ia à frente, com uma secção, atrás do guia do Seco Camará,  de uma força de 250 homens (dois destacamentos, CART 2715 e CCAÇ 12)... Tem aqui no blogue o meu contacto. Luís Graça." (27 de novembro de 2022, 10:14)

E depois agradecemos a foto que nos disponibilizou:

 "Ana, obrigado pela foto do tio Araújo Cunha. Não tínhamos nenhuma foto dele, desse tempo (trágico) da Guiné!... Luís Graça.". (***)

O Joaquim de Araújo Cunha era natural de Outeiro, São Miguel da Carreira, Barcelos, Está sepultado no cemitério da sua freguesia natal. A sobrinha Ana Rita Silva vive em Barcelos e é mestre em direito pela Universidade de Coimbra (segundo informação da sua página no Facebook). 

Votos do nosso editor LG:

"Ana, desejo-lhe também um Feliz Natal de 2022, a si e aos seus. E  acalente sempre a memória do seu querido tio e nosso saudoso e bom camrada. Nós aqui, há muito que recusámos deixá-lo inumado na vala comum do esquecimento". Tem mais de meia dúzia de referências no nosso blogue".
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(**) Vd. poste de 8 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)

Guiné 61/74 - P23821: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte II - Tavira e Leiria


1. Continuação da publicação de um excerto do livro "Um Olhar Retrospectivo", de Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72), parte que diz respeito à sua vida militar.


II - Tavira…

Depois de uns dias de férias na Figueira da Foz, intervalo da recruta para a especialidade, a sequência natural: Tavira.
Comboio da linha do Oeste, até ao Rossio, passar o Tejo de barco e apanhar outro comboio no Barreiro - aventura!

Cheguei ao Barreiro, final do dia, e disseram-me que só teria comboio para Tavira de manhã cedo.
Como lá estavam mais dois instruendos que também iam para Tavira, fazer a especialidade, trocámos ideias sobre como passar a noite, até à hora do comboio.
Entrámos numa ‘tasca’, jantámos umas coisas e pedimos aos donos que nos deixassem lá dormir, com sucesso, e dormimos apoiados nas mesas.
Isto fez-me lembrar os meus tempos de boleia…

De manhã, bem cedo, acordaram-nos, tomámos o pequeno-almoço e lá fomos apanhar o ‘quim’ para Tavira.
No comboio, cada um procurou o melhor lugar para descansar, até Tavira.
Fui dormitando, dormitando, até que sou acordado por um senhor revisor, dizendo-me que tinha de sair, pois era fim de linha - estava em Vila Real de Santo António!
Ainda perguntei se mais alguém tinha ficado no comboio, mas disse-me que só eu, pelo que concluí que os outros nem repararam que eu tinha ficado dentro do comboio!
Conclusão: espera mais um comboio, para voltar para trás e chegar ao destino, Tavira.

Chegado a Tavira, apresentação no CISMI (centro de instrução de sargentos milicianos de infantaria) e inserção na 1ª Companhia de Atiradores de Infantaria, cujo comandante fiquei a saber que era o célebre ‘muleta negra’, porque andava apoiado numa espécie de pingalim, resultado de ferimentos no ultramar.
Também tive oportunidade de conhecer e conviver com o célebre ex-alferes Robles, agora, capitão, com uma ‘pancada’ de alto nível, fruto de experiências de guerra colonial em Angola e Guiné.
Curioso, termos concluído que tínhamos conhecimentos comuns de Coimbra, de onde era natural.

Entretanto, a minha tia Jú telefona-me a dizer que o primo Jaime Abreu Cardoso estava à minha espera, pois eu fazia parte de uma lista dos instruendos seleccionados nas Caldas da Rainha para seguirem para Lamego.
Claro que eu disse logo à tia Jú que não ia para lá e até já estava em especialidade, em Tavira, e nem sabia que o Jaime era oficial do quadro e estava lá, pensava que tinha feito a tropa normal e mais nada.
Ela, com razão, respondeu-me que era pena, pois teria a protecção do Jaime, já capitão e com medalhas, além de poder ir com ele passar os fins de semana a Vieira do Minho.
Realmente, uma pena, pois poderia ter uma tropa melhor e, quem sabe, até retomar a vida académica, no Norte, com as facilidades, além de considerar-me nos ‘meus domínios’…

Voltando a Tavira, tive a sorte de conseguir autorização de ‘pernoita fora’, pelo que logo arranjei um quarto, do lado de lá do rio, mas bem perto do centro da cidade.
E não esqueci a rua: Dr. Augusto Silva Carvalho, 15. A dona da casa era viúva e tinha uma filha que tocava piano, interessante, naquele tempo, e tinha amigas que se juntavam a nós, nos serões, bem divertidos.

Eu estava habituado a controlar as aplicações e exercícios militares, principalmente, os nocturnos, de forma a safar-me, o mais possível, desta vez, com o sentido no meu quarto, para tirar a farda e vestir a roupa de civil.
Uma das primeiras formaturas, com revista, o capitão ‘muleta negra’ toca-me nas pernas com a bengala, ordenando que passasse pelo gabinete, dentro de uma hora, com o cabelo rapado, para grande aflição do comandante do pelotão, o alferes Soares, um porreiríssimo.
Sim, ninguém acreditava que eu andava na tropa, pelo menos, pelo tamanho do meu cabelinho.
E até evitava pôr bem a boina para não estragar o cabelinho.
E o ‘muleta negra’ ainda hoje está à minha espera para me ver com o cabelo rapado!…

Um dos companheiros de arma que lá conheci, o Pedro, de Santo Tirso, passou a ser o meu parceiro de farras, como Luz de Tavira, Faro, Vila Real de Santo António,…
Em Luz de Tavira, conhecemos umas miúdas bem engraçadas que passaram a ser a nossa companhia, sempre que podíamos, principalmente, alguns finais de dia e fins de semana - uma óptima forma de passarmos o tempo.
No entanto, sempre éramos avisados do risco de termos de casar em plena parada do quartel…
E o Pedro ficou ‘maluquinho’ com uma daquelas miúdas, lamentando-se, pois tinha a namorada em Santo Tirso.
Não posso deixar de lembrar o esquema que montei, sempre que tinha exercício nocturno, normalmente, na serra.
Formávamos na parada do quartel e saíamos pelo portão sul, que dava para a Atalaia, um espaço livre que ficava nas traseiras do quartel, onde fazíamos exercícios, de dia.
Quando chegava ao portão sul, já eu tinha a G3 quase desmanchada e metida dentro da farda, após o que virava à esquerda, enquanto o resto do grupo virava à direita.
Com passo rápido, atravessava a Atalaia e seguia em direcção ao outro lado do rio, onde tinha o quarto!
No dia seguinte, um esquema parecido, com a G3 desmanchada dentro da farda e reentrada no quartel, para mais um dia jeitoso…

Um dia, chegados ao quartel, depois de exercícios no exterior, um cheiro horrível inundava o quartel!
Toca para o almoço e a malta entra no refeitório, onde o ar era irrespirável, tal a intensidade do cheiro, o que nos levou a rejeitar a refeição, logo, levantamento de rancho!
Como era a segunda vez, o quartel seria fechado, pelas informações que nos chegaram.
Acto imediato, a população de Tavira à porta do quartel, suplicando que não avançássemos com o processo.
O oficial de dia, em pânico, pede-nos para ficarmos por ali, sujando os pratos, sinal de que não haveria levantamento de rancho, mas reconhecendo o erro da cozinha.
Afinal, ele também era responsável, pois era obrigado a provar e aprovar a refeição, logo, conivente.
O que tinha acontecido: o almoço era peixe, mas tinha chegado atrasado e sem a quantidade adequada, pelo que foram arranjar dobrada, à pressa, metida nas panelas, sem a operação de lavagem completa - dobrada com feijão branco, com condimento especial…

Tirando este episódio, posso afirmar que foi o meu melhor tempo do serviço militar, sem qualquer dúvida.
Terminada a especialidade, apresento as minhas opções de colocação, para dar instrução, por ordem de preferência, Figueira da Foz, Coimbra, Leiria.

"Pelo menos, Adolfo, aproveitou bem esse tempo no Algarve.
Se tivesse ido para o Norte, mesmo sabendo que lá tinha o seu primo, talvez não tivesse sido tão bom."


Sim, Daniel, aproveitei bem aquele tempinho, no Algarve!
Mas, se eu adivinhasse o que me estava destinado, acredite que nunca teria deixado de fazer a especialidade em Lamego, independente do facto de lá ter o meu primo…


Leiria…

Colocado em Leiria, no RI 7 (regimento de infantaria), apresento-me uns dias depois e sou inserido na 1ª companhia de instrução, cujo capitão era um ‘gajo’ aceitável.
Naturalmente, procuro um quarto na cidade, muito importante, para mim, apesar de ficar distante do quartel, sete quilómetros, mas havia muitos táxis…
E os trabalhos militares começaram, já com tudo organizado, sempre atento a todos os momentos que eu pudesse aproveitar fora do quartel, pois o ambiente era propício a aventuras e distrações…
Entretanto, surge o sinal de uma amizade, não só pelas circunstâncias de estarmos no mesmo barco, mas pelo facto de constatar que era uma pessoa educada e digna de confiança, o Vilas Boas Soares, do Porto.
Como mostrou interesse em ter um quarto na cidade, dei-lhe a indicação da minha casa e lá foi, tendo conseguido.
Passámos a parceiros de aventuras, nomeadamente, frequentando a pastelaria Soraya, no centro, junto ao cinema, local de encontro de malta jovem, principalmente, das meninas do lar que ficava junto ao outro quartel, o RAL 4 (regimento de artilharia ligeira).
Sempre que em dias de folga ou que conseguíamos ‘desenfiar-nos’, o ponto de encontro era na Soraya, de onde partíamos para as festinhas particulares.

Eu continuava sem grande jeito para cumprimento de normas e regras militares, o que se traduzia em algumas inconveniências, principalmente, para o comandante da companhia, um capitão do quadro.
Mas os homens a quem eu dava instrução eram tratados como homens que eram, não como bichos, pois os meus princípios e valores reinavam, sempre atento a uma ligação saudável, respeitadora.
O mesmo não se passava com alguns outros instrutores, com necessidade de afirmação, com recalcamentos ou complexos, que usavam as divisas ou galões para satisfazerem as suas necessidades de afirmação.
Por isso, todos aqueles a quem dei instrução me tratavam com carinho e respeito, o que nos enchia o ego, naturalmente.

Além da instrução militar e dos serviços de escala ao quartel, outras tarefas me eram atribuídas, como comandar um pelotão de piquete, para promoção e defesa da ordem militar, fora do quartel, assim como para a protecção do património nacional, nomeadamente, Mosteiro da Batalha.
Claro que viria o dia em que estas tarefas me seriam confiadas, que remédio…
Para aquele segundo caso, chega a minha vez e toca a formar o pelotão e sair do quartel, pelas oito da manhã, com chegada ao Mosteiro da Batalha e organização imediata da operação, com distribuição dos homens pelos pontos estratégicos.
Era um dia inteiro nestas circunstâncias, o que causava algum mal-estar aos homens, pois não tinham possibilidade de se ausentarem do seu posto, por muito tempo.
A meio da tarde, um dos homens, aflito da barriga, resolve fazer uma necessidade num canto do interior do Mosteiro, supondo-se livre de ser descoberto.
Uma denúncia, talvez de alguém em visita ao Mosteiro, acaba por fazer com que eu seja solicitado pelo presidente da câmara, para registo e responsabilização pelo acto.
Depois de algum tempo de conversa e mais conversa, a coisa ficou por ali, entre nós, pessoas bem-intencionadas, tolerantes e compreensivas.
Não deixei de notar a satisfação do presidente da câmara pela forma como lhe apresentei o pedido de desculpas, reacção que me deixou sensibilizado.
O homem em questão, confrontado por mim, não sabia onde se meter, coitado.
Chegados ao quartel, antes de entrarmos, tive uma conversa com ele, sosseguei-o e recomendei-lhe mais atenção e cuidado, a partir daquele momento, quer na vida militar, quer na etapa seguinte, a vida civil.

Mais um dia de rotina se iniciava, as companhias formadas, na parada, o meu grupo sozinho, pois eu tinha-me atrasado, o que obrigou o capitão como que a apresentá-lo a ele mesmo.
Mas a coisa foi notada pelo major de instrução, um militarista em toda a linha, temido por todos, desde a família até aos seus superiores.
Chamou o capitão e perguntou-lhe por que razão o grupo estava sem o graduado e ele próprio formou o grupo, ao que respondeu que o graduado tinha ido à caserna tratar de qualquer coisa…
Vá ao meu gabinete, após o destroçar das companhias.
E o capitão levou uma ‘piçada’, como dizíamos, um raspanete, uma chamada de atenção, nem sei se registada!
Mandou chamar-me e só me disse que eu pagaria caro o que acabara de acontecer.


Dez dias de detenção…

Alguns dias passaram e eu sou escalado como comandante de piquete, logo, vinte e quatro horas de serviço, retido no quartel, sempre pronto para qualquer emergência.
Tinha uma festa na cidade e saí do quartel, a seguir ao jantar.
Estava muito bem na Soraya, com a malta, preparados para a festinha, cerca das dez da noite, toca o telefone e chamam pelo meu nome.
Eu nem queria acreditar que havia, por ali, alguém com um nome igual ao meu!
Repetem o meu nome, mas referem o RI 7.
Dei um salto e fui ao telefone: era do quartel, realmente, e logo me dizem que tinha tocado a piquete, que não saiu, pois faltava o comandante…
Desculpei-me e lá tive de ir ao quarto mudar de roupa.
Cheguei ao quartel, por volta da meia-noite e, quando me preparava para entrar, sou recebido pelo oficial de dia, que era, nem mais nem menos, o capitão da minha companhia:
- Eu não lhe disse que iria pagar caro?

Limitei-me a pedir desculpa pela infracção, mas não respondeu, claro.

Entrei e fui direitinho às instalações onde estava a equipa de piquete e logo alguém me disse que tinha havia desordem na cidade e, por isso, o piquete tinha sido requisitado, mas não saiu, pois eu não aparecia…
No dia seguinte, sou chamado ao segundo comandante do quartel que me dá conhecimento dos dez dias de detenção, com manobras militares fora do quartel, mas com um processo que daria despromoção e, até, possibilidade de imediata mobilização para o ultramar.
Falei com um sargento-ajudante da secretaria-geral que me aconselhou a falar com o capelão, pois poderia dar uma palavrinha ao primeiro comandante do quartel, a última palavra no veredicto.
Tudo correu bem, pois o primeiro comandante não permitiu a despromoção, limitando-se a confirmar a detenção.
E lá fui fazer os dez dias de manobras, em que executei diversas tarefas, dentro de algumas especialidades, incluindo saltos livres de helicóptero alouette, carregado de material de campanha, parte dos exercícios, na zona do pinhal de Leiria.
E não podia recusar nada!
Último dia, regresso ao quartel, pelas cinco horas da manhã, saturado e cansado, barba de dez dias, farda número três cheia de lama e pó, com o resto do grupo nas mesmas circunstâncias, sou recebido por um 1.º cabo, que estava de serviço, com um papel na mão:
- Desculpe, mas tenho aqui uma nota para si.
- Não estou com cabeça para notas!
- Pois, mas isto é importante…
Sim, ‘importante’: mobilizado para a província da Guiné!...

Dei instruções para que tratassem do espólio, entregassem as viaturas e recolhessem às casernas.
Não quis saber de mais nada, nem tomei banho e saí do quartel, com destino ao meu quarto, na cidade, após o que zarpei para a Figueira.
Lá fiquei duas semanas, alta recriação, sem nada dizer.
E as duas semanas passaram depressa…

Regresso a Leiria e, quando entro no quartel, logo na porta de armas, disseram-me que andavam à minha procura há muito tempo, com avisos constantes pelos altifalantes.
Dirijo-me à secretaria-geral e logo o sargento-ajudante me vem falar:
- Afinal, o que pretende da vida?! Vai continuar com essa postura pelo resto do seu tempo militar?! Acabou de apanhar um castigo, safou-se da despromoção e desaparece de cena?! A sua companhia está à sua espera, há muito tempo, em Abrantes!
- Tem razão, mas fiquei tão decepcionado com aquela nota que me deram: mobilizado para a Guiné.
- Eu vou tentar limpar as ‘nódoas’ que tem registadas, mas tem de me prometer que guardará só para si. E sabe porque o faço? Porque tenho um filho da sua idade e gostaria que fizessem o mesmo por ele! Veja se encontra o seu caminho certo e não se distraia, durante a comissão, na Guiné, pois aquilo é sério… E, quando voltar, não retome a sua vida civil com este comportamento, pois pode sofrer desgostos…’

Manifestei o meu agradecimento e lá fui direito a Abrantes.

"Realmente, Adolfo, vejo uma mistura de desleixo, de ingenuidade, para não dizer imaturidade! Desculpe a minha franqueza…"
- Sim, reconheço um pouco de tudo isso…

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23814: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte I - "e toma lá com o edital!"

Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)

1. Jornalista e escritor, com formação em história, João Céu e Silva não escreveu propriamemte uma biografia de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), mas fez com ele uma interessantíssima, para não dizer apaixonante,  viagem pela história de Portugal, desde 1807 (início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil) até à atualidade, valendo-se da sua centena de horas de entrevistas gravadas, ao longo de quase dois anos, e da vastíssima cultura histórica do VPV.

É um trabalho, não propriamente para eruditos mas para o grande público, incluindo os leitores daquele que foi um dos maiores (e mais polémicos) cronistas do seu tempo. Inevitavelmente, a vida do entrevistado vem ao de cima, desde a sua origem familiar às suas múltiplas atividades, como académico, historiador, investigador, jornalista, cronista e até político (cuja carreira terá sido cortada ao meio com a morte de Sá Carneiro). O único tabu que impôs (e muito bem) ao entrevistador foi a sua vida privada.

Não devendo, pelas nossas regras editoriais, entrarmos pela análise da atualidade política (o mesmo é  dizer, das últimas quatro décadas) vamo-nos centrar na apeciação que o VPV faz, no livro, da fase final do Estado Novo, do 25 de Abril, da descolonização e do 25 de novembro, terminando aqui, nas duas próximas  notas, a nossa leitura deste livro.(*)

Para todos os  efeitos, é um livro escrito a quatro mãos, baeado na resposta do VPM a um vastíssimo e exaustivo guião  de perguntas, mesmo que o entrevistado já não tenha tido oportunidade de rever o essencial das suas declarações. (A  obra saiu um ano depois da sua morte.)

Homem de ego elevado, estrangeirado como Eça de Queiroz (seu autor de cabeceira), tão  inteligente e lúcido quanto sarcástico e amargurado no fim da sua vida (morre, precocemente,  aos 78 anos, de doença crónica degenerativa), aceitou o desafio (e agarrou a oportunidade) de ditar, de algum modo, para a posteridade o seu "testamento" através do seu quase biógrafo João Céu e Silva.  

O livro tem tido, ao que parece,  boa aceitação, e inscreve-se numa série que o autor criou, "Uma longa viagem com..." (Antes de VPV, foram entrevistados outros escritores como, por exemplo,  José Saramago ou António Lobo Antunes, dois autores que, diga-se de passagem, o VPV estava longe de admirar; e o Saramago, esse,  destestava-o mesmo, talvez por pescar am águas que os historiadores consideram como suas, caso, por exemplo, do Memorial do Convento ou o Ano da Morte de Ricardo Reis; aliás, criticava o seu "realismo mágico",  deslocado aqui e agora, num Portugal por fim obrigado a confinar-se ao continente europeu e à sua cultura, "perdido" o império e as suas ilusões de grandeza; e quanto à atribuição do prémio Nobel da Literatura,  era qualquer coisa que não impressionava o implacável e iconoclasta VPV, um colecionador de "ódios de estimação").

Mas deixemos aqui, para uso e eventual proveito dos nossos leitores,  dois apontamentos do pensamento do VPV sobre o fim do Estado Novo, regime de que ele era particularmente crítico, de resto como outros historiadores devido ao bloqueio que representou à modernização da sociedade e da economia portuguesas. (No fundo, é uma ideia quase de "senso comum", da parte daqueles que fazem "história espontânea", mesmo sendo "anti-salazaristas": cumprida a sua missão (saneamento financeiro e neutralidade político-militar de Portgal na II Guerra Mundial), Salazar devia ter voltado a Coimbra, e deixado o país apanhar o comboio das democracias ocidentais que triunfaram sobre as"potências do Eixo"... Mas na realidade, não foi isso que aconteceu, infelizmente para todos nós: o homem sentia que tinha uma missão divina a cumprir na terra...

A seguir, excertos de João Céu e Silva . "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.), com a devida vénia ao autor e à editora;



(i) Estado Novo
e desenvolvimento económico


(…) Nas décadas de 1950 e 1960 houve boas condições para Portugal crescer e obter mais riqueza (…) (pág 129).

(…) Pode não se acreditar, mas nos anos  50 o PIB português  cresceu à volta de  quatro a cinco por cento ao ano e  nos anos 60 conseguiu chegar aos seis e sete  por cento ao ano.. 

Portanto, o regime salazarista  teve muito sucesso económico, uma situação que Salazar não gostava, daí a célebre frase dele (…) quando fala aos ministros sobre o desenvolvimento económico do país, com o qual estavam todos de acordo: “Se quereis enriquecer, então está bem, cedo às vossas pretensões”. (…).

Isto é que era o verdadeiro Salazar, o que dissera “Devo à Providência a graça de ser pobre” (#), era ao mesmo tempo dizer que não era corrupto e, fundamentalmente, a afirmação de que a pobreza era uma virtude. Essa é uma premissa que nunca se tem percebido na interpretação de Salazar (pág. 130)

(#) Discurso em Braga, em 1936, dez anos de regime, “o grande discurso de Salazar” (pág. 164).

(ii) Fim do regime


P – Nos últimos anos do regime, os portugueses não se levantam porquê ? (pág. 174)

 Porque têm medo e porque a política deixou de ser a ocupação fundamental.  A grande libertação moral dos anso 60, os grandes movimentos idealistas dos hippies e do Paz e Amor é que preocupava as pessoas. Não eram coisas diretamente políticas, antes uma imposição americana, que nem se prestava muito às adaptações portuguesas.  

Bastava ver o que ser passava nos cafés da Avenida de Roma. No Vá-Vá ou no Roma, que eram o retrato de uma nova mentalidade. Eram modas e conversas que levavam a que as pesssoas andassem preocupadas com outras coisas e ficassem desligadas da realidade política – não queriam saber dela para nada. Formalmente, eram todos contra, mas isso já não queria  dizer nada porque não as preocupava. O único problema que existia era a guerra colonial, de maneira que essa gente  era contra os militares porque lhes cheirava a  colónias. Quanto ao resto, não aquecia nem arrefecia. (pag. 174/175)

(…) Os meninos emigravam voluntariamente, não só para fugirem à tropa mas para terem experiência no estrangeiro. Isto estava tudo dissolvido e a chegada de Marceloo Caetano não resolve, piora. Porque havia menos medo de Marcello do que de Salazar. (…) 

Estavam até às tantas da manhã em festas, as pessoas fumavam drogas leves e iam para a cama com A e com B,  um estilo de vida contra o qual não havia nada a fazer

E então veio o 25 de Abril, que era uma consequência  disto e também um movimento irresistível. (pág. 175).

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos  / Links, para efeitos de publicação deste poste:  LG]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

Vd. postes anteriores:

24 de novembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...

sábado, 26 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23819: Os nossos seres, saberes e lazeres (543): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (78): Do Badoca Safari Park para o Circo Arena (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
O que é bom sempre acaba, mas desta vez acabou em grande beleza, visitou-se o Badoca Safari Park, calcorreou-se Santiago do Cacém e a noite acabou no Circo Arena, um mundo de entretenimento que merece muito respeito, vê-se à vista desarmada a polivalência de toda a trupe, desde o armar e desarmar aquela grande tenda, o manter em condições a luminotécnica e o som, o apercebermo-nos da rusticidade dos meios, o mesmo é dizer a plasticidade do equilibrista, do mágico, da trapezista e contorcionista, os palhaços, estão todos em constante movimento, anuncia-se intervalo e as acrobatas, vestidas a preceito, vão vender pipocas como mais tarde farão vendas de bonecada para os mais novos. Vi na adolescência o filme O Maior Espetáculo do Mundo, o mundo do circo e os dramas pessoais daqueles artistas, jamais esqueci a mensagem daquele grande profissionalismo que igualmente registei no Coliseu dos Recreios. Nada mau para fim de férias, ir ver o consolo da neta.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (78):
Do Badoca Safari Park para o Circo Arena


Mário Beja Santos

A
manhã é dia de regresso a Lisboa, viveu-se apaziguadamente pouco mais de uma semana no Paiol, região de Sines, boa comida alentejana, sol e sombra, boas braçadas na piscina, passeios até ao mar. Hoje é dia diferente, turismo em Santiago do Cacém, primeiro, satisfazendo os anseios da neta, uma visita ao Badoca Safari Park, tem tudo e mais alguma coisa, papagaios cinzentos, gralhas africanas, aves de rapina e répteis, flamingos, lémures, sitatungas, reproduções da floresta amazónica, tartarugas, cabras anãs, porcos espinhos e cangurus. No ato de pagamento, perguntam ao estimado utente se quer assistir à demonstração de aves de rapina, lémures, répteis ou fazer rafting africano; escolheu-se este último, debaixo de risota viemos bem encharcados. É uma visita que não desilude ninguém, o espaço está bem ordenado, há poeira a mais porque estamos já com sinais evidentes de seca, o jovem que conduz o comboio de brinquedo é elucidativo, apresenta as espécies, fala das suas vidas, os cuidados com as crias, a proveniência desta muito particular arca de Noé, o fundamental é que a nesta está satisfeita, recusou a apresentação de répteis, fez muitas observações quando passeávamos pelos lagos e jardins, quis saber mais sobre a floresta amazónica, ria a bandeiras despregadas.

Imagens do Badoca Safari Park

Do site da autarquia não resisti ao seguinte parágrafo:
“No séc. XIX, no tempo dos morgadios, Santiago do Cacém era uma pequena corte, onde os senhores da terra praticavam o luxo e a ostentação. As opulentas casas dos condes do Bracial, de La Cerda, de Beja, do capitão-mor, dos condes de Avillez, Fonseca Achaiolli e outras dominavam a vila e outras terras alentejanas. Os seguintes factos traduzem não só a riqueza dos Senhores, como o guindar da vida florescente e pitoresca da primeira metade do século XX aos destaques do país:
– Em 1895 chega a Portugal o primeiro automóvel. É propriedade do Conde de Avilez, de Santiago do Cacém;
– O primeiro Rolls Royce que veio para Portugal, veio também para Santiago do Cacém, propriedade de José Sande Champalimaud;
– O registo n.º 1 para automóveis, passado pelo Ministério das Obras Públicas em 1904 á para Santiago do Cacém, em nome de Augusto Teixeira de Aragão.”

Procurámos sinais dessa prosperidade passada, tardou em encontrar alguns desses fumos de grandeza, é evidente que no centro histórico Santiago há belos espécimes arquitetónicos, mas tudo parece um quebra-cabeças para o planeamento urbano, ganha alguma majestade a orografia, aquele castelo velho ao cimo e Santiago a subir ou a descer por ruas de sabor antigo, e dá gosto ver que se faz aproveitamento da estação da CP, fazia parte da linha de Sines, desativada na década de 1990, agora tem comes e bebes e parece que karaoke, felizmente aquela bela azulejaria está intacta.

Imagens de Santiago do Cacém

O passeio turístico fecha com chave de ouro, vamos até ao brilho de luzes do Circo Arena, não quero perder pitada da organização do espetáculo. É um verdadeiro circo de família, ninguém ali esta afastado da condição multiusos: quem está na bilheteira, logo no início do espetáculo passa a ter o papel de arrumador, sabe-se lá se trapezista ou contorcionista; a menina da magia, que trabalha com o faquir, vende pipocas no intervalo, tem a seu cargo o negócio de vender bonecos, uma atração da criançada; o equilibrista e malabarista dá a sua perninha nas deixas musicais e a montar as máquinas do ilusionismo… Não há descanso, toda aquela unidade orgânica está em permanente movimento, há mesmo o cuidado, findo o espetáculo, a companhia familiar despede-se à porta, há qualquer coisa de um filme de Fellini, é tocante, o que a interioridade deve a estes grupos que montam circos em campos de futebol, em saraus e tardes de encantamento para crianças a baixo custo, pena é a estridência que sai dos altifalantes, não se percebe porquê, toda a gente fala aos gritos. Como me convenceu este serão de província e o agrupamento do Circo Arena, pensar que dentro de algumas horas vão desmontar o recinto, partir para uma próxima localidade, onde novamente o encantamento irá prosseguir, sobretudo para regalo das crianças.
Imagens do Circo Arena

E já está, amanhã partimos de mala aviada, a sonhar com a nova viagem, uma estadia no Reguengo Grande da Lourinhã é ponto assente, não há piscinas, há aquela água bem batida das praias do Oeste, mas o mais importante é sorver os ares de tão bela costa onde em dias de limpidez emergem as Berlengas.

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 19 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23797: Os nossos seres, saberes e lazeres (540): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (77): De Sines para Miróbriga, de Miróbriga para o Badoca Safari Park (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23812: Os nossos seres, saberes e lazeres (542): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (8)

Guiné 61/74 - P23818: Efemérides (377): Foi há 52 anos, a carnificina da Op Abencerragem Candente, 26/11/1970, subsector do Xime..."Choro para uma morte anuncidada" (poema de Luís Graça)

Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que estavam a fazer a recruta no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Joaquim Araújo Cunha (assinalado com um círculo a vermelho).... Era de minhoto, de Barcelos. Viria a morrer em combate, no subsector do Xime, no decurso da Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca). 

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Parece que ainda estou a vê-lo... O Cunha, o Joaquim de Araújo Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis corpos que não estava desfeito pelos rockets. (*)

Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o nosso guia e picador Seco Camarà (que veio connosco de Bambadinca). A imagem que retenho dele, era de alguém que caíra, exausto, em cima do capim, na berma do trilho... Quando cheguei à sua beira, ainda lhe dei uma bofetada, sacudindo-o energicamente: "Acorda, meu sacana!"... Em redor a maior carnicifina que vi na minha vida... Trouxemos os restos mortais dos nossos camaradas em trouxas feitas com os ponchos... O Cunha foi o único veio às costas, do Abibo Jau,  o "bom gigante" da CCAÇ 12 (e depois da CCAÇ 21)  que o PAIGC irá fuzilar em 1975, juntamente com o seu comandante, o ten  'comando' graduado Abdulai Jamanca.

Em tempos fomos contactados por uma sobrinha do Cunha, que nos deixou este comentário no poste P9863, de 8 de maio de 2012 (mas, lamentavelmente,  não temos o seu email ou o seu nº de telemóvel):

"Sou Sobrinha do Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha. Apesar da mágoa, a minha mãe gostou muito de ler estas palavras e perceber que era acarinhado pelos colegas. Temos, ainda, guardadas todas a fotografias pelo que teremos todo o gosto em as partilhar. Obrigada. Cumprimentos para todos". .11 de março de 2015 às 22:14. 

Não sei como voltar a evocar esta trágica efeméride (**), a não ser republicando uma  versão (ligeiramente modificada) de um  dos poemas que escrevi há uns anos sonre etsa tragédia (***).

Choro para uma morte anunciada!


por Luís Graça


Em memória  
de todas as vítimas 
da Op Abencerragem Candente,
Xime, 26/11/1970,
 em memória do Cunha (1948-1970),
em memória dos demais camaradas da CART 2716, 
caídos em combate, nesse dia e local,
o Ribeiro, o Soares, o Monteiro, o Oliveira,
em memória do nosso guia e picador Seco Camará,
em memória do Amaro dos Santos (1944-2014),
em memória de todos nós, afinal,
que lá morremos todos um pouco...



Esquecer a Guiné, camarada!,
a salada de atum, cebola e tomate,
que vai ser a tua última ração de combate,
e o copo de vinho verde tinto
que tomas de um trago do teu cantil de fel
e o último cigarro
que partilhas connosco,
nharros de 1ª classe, 
tu,  camarada e amigo, ainda "pira",
que não sabes que vais morrer,
à hora marcada, 
às 8h50…

Um, dois,  três, quatro, cinco, seis homens
vão morrer daqui a três ou quatro horas,
às 8h50,
em vinte e seis de novembro de mil novecentos e setenta,
no cacimbo da madrugada,
na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês.
Cinco brancos e um preto,
a lotaria da morte, em L,
numa emboscada que é cubana, 
numa roleta que é russa,
com os RPG, amarelos, "made in China"...
na corrocel da morte que é, afinal, universal!

Qualquer um de nós, 
que está aqui à volta da mesa,
pode vir a morrer, camaradas,
na próxima hora!, 
galhofas tu, com um sorriso amarelo,
para exorcizar os teus medos,
os nossos medos todos juntos, de "piras" e "velhinhos"...

Ou nem isso,
um gajo que se preza,
não fala da morte na guerra, 
às 3 horas da madrugada,
no Xime de todas as batalhas,
a caminho do vespeiro da Ponta do Inglês,
indo exatamente pelo mesmo trilho da véspera,
porque não há outro, di o Seco Camará,
e os olhos e os ouvidos e a boca dos irãs do Xime
não estão do teu lado, pobre tuga,
que vais morrer a cinco mil quilómetros da tua terra,
lá no teu verde Minho, 
tu que nunca mais irás de Barcelos a Viana,
em noite de romaria!

Camaradas, 
qualquer um de nós pode lerpar
na próxima saída para o mato,
ou até com os cornos enfiados no abrigo,
porque há sempre uma hora para morrer.
De um tiro no coração,
de um roquetada, 
de uma canhoada,
de uma mina antipessoal, 
do despiste de um Unimog,
de um ataque de abelhas assassinas,
da picadela mortal da cobra verde, 
da explosão de uma granada de morteiro
ou até de paludismo cerebral
ou de simples morte súbita,
fulminado por um raio dos irãs irados,
debaixo do poilão onde dormes com a tua bajuda... 

Esquecer a Guiné, camarada!,
o teu jovem capitão de artilharia, 
vinte e tal anos,
acabado de sair da Academia Militar,
que se recusa a sair com os seus homens
para a Ponta do Inglês…
E o safado do segundo comandante do batalhão
que lhe manda dizer, alto e som,
pelo altifalante da parada:
"O nosso capitão vai e torna a ir,
nem que seja a reboque de uma GMC!"...

Esquecer a Guiné, camarada,
nem que seja por uma noite,
por esta noite 
em que um de nós,  quatro,  
que estão aqui à volta desta mesa tosca, 
vai morrer!

O sabor a sangue e a merda
que a vida aqui tem,
aos vinte e poucos verdes anos,
a merda da Guiné,
a merda verde rubra do Xime,
a merda que te cobre o corpo e a alma,
é muito mais do que a merda toda,
das bolanhas, das lalas e do tarrafo

do Geba e do Corubal!
Podes lavar-te todos os dias,
mesmo que não morras amanhã, 
à hora aprazada,
às 8h50,
que essa merda nunca mais te sai,
nunca mais te sairá, 
nunca mais te sairá do corpo e da alma!
Podes até trocar de camuflado,
de bandeira,
arrancar a pele,
trocar a G3 pela Kalash,
venderes a alma ao diabo,
essa merda que te vai matar,
está te entranhada, 
no corpo e na alma, 
até ao tutano!
Vais levá-la para a eternidade, 
mesmo que sejas cremado a mil e tal graus centígrados.

Quem foi o idiota que  disse 
que descansarás em paz, camarada,
e que a terra da tua pátria te seria leve ?!

Meu pobre camarada, 
meus bravos camaradas,
meu Deus,
que pedaço de inferno foi este
que nos coube em vida,
nesta terra?!

Última versão: 26/11/2022


2. Op Abencerragem Candente: há 52 anos atrás  terá sido a mais sangrenta das operações realizadasa no subsetor do Xime, durante a guerra colonial,  de que na altura tínhamos  registo e memória, no sector L1 (Bambadinca). Dela resultaram pesadas baixas para as NT: 6 mortos e 9 feridos graves:

(i) Da CCS/BART 2917, ao serviço da CCAÇ 12: guia e picador Seco Camará, assalariado, trabalhando sobretudo com a CCAÇ 12; está sepultado em Nova Lamego:

(ii) Da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72):

- Furriel Mil Mec Auto Joaquim  Araújo Cunha, nº mec 14138068; sepultado em Barcelos;

- 1º Cabo Atirador José  Manuel  Ribeiro, nº mec 18849069; sepultado em Lousada.

- Soldado Atirador Fernando Soares,  nº mec 06638369; sepultado em Fafe;

- Soldado Atirador Manuel Silva Monteiro, nº mec 17554169; sepultado em em Condeixa-a-Nova;

- Soldado Atirador Rufino Correia Oliveira, nº mec  17563169; sepultado em Oliveira de Azeméis...

Dos feridos graves (9), helievacuados em Madina Colhido, não temos infelizmente registo dos seus nomes, tirando o sold Sajuma Jaló (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, onde eu ia integrado, como comandante de secção). 

A emboscada, em L, possivelmente enquadrada e/iu comandada por cubanos, apanhou na "zona de morte"  os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12]. Estiveram envolvidos nesta operação 3 agrupamentos, 8 grupos de combate, cerca de 250 homens em armas.

"O ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r (!) que incidiram sobre a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (1° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola-metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores." (Fonte: poste P1318).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102): Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...

(**) Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23792: Efemérides (376): Inauguração de um Monumento aos Combatentes do Ultramar de Vitorino das Donas (Ponte de Lima), realizada no dia 12 de Novembro (António Mário Leitão, ex-Fur Mil)

(***) Vd. poste de 27 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22756: O nosso blogue por descritores (5): duas dezenas de referências à "Op Abencerragem Candente" (subsetor do Xime, 25-26 de novembro de 1970: um banho de sangue, com 6 mortos e 9 feridos grave, do lado das NT )