segunda-feira, 3 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25599: Notas de leitura (1697): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Só apetece dizer que desejo as maiores felicidades para este livro, que seja profundamente conhecido na Guiné-Bissau e amplamente refletido por todos os que prezam a construção da liberdade e da modernidade para aquele belo país. Tony Tcheka tem a coragem de apontar quais os caminhos percorridos pelo mal-estar guineense, logo a incapacidade de se gerar um ambiente sincero de reconciliação e fala-nos daqueles que foram deitados fora pela independência, um potencial atirado para o lixo ou para a diáspora; e quando se põe à frente do pelotão denunciar a monstruosidade da mutilação genital feminina escolhe com precisão um cenário daquele Antoninho que se debotou de alma e coração à luta pela independência, sempre apoiado pela mãe, e a tremenda controvérsia, o choque de mentalidades com o pai, um muçulmano ainda envolvido por tradições obscuras no desprezo pela mulher, a ponto de querer as suas filhas puras e dignas desde que fisicamente mutiladas. Não me cansarei de dizer que é um livro admirável e todas as linhas de combate que ali avultam revelam um escritor de coragem, amante do seu país e do seu progresso.

Um abraço do
Mário



Tony Tcheka, um corajoso denunciador de segredos e mentiras (3)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", o seu autor é o jornalista e escritor Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior), nascido em Bissau em 1951, Editorial Novembro, 2022. É muito mais do que uma surpresa literária, ficamos assombrados com a ousadia deste guineense que rompe com mitos, palavras de ordem e dogmas de fé em que a política bissau-guineense é exuberante. 

Como escreve Pires Laranjeira no prefácio, “Trata-se de um livro corajoso, com seus contos estéticos, contos-ensaios, contos-testemunhos, contos-de-casos sociológicos – e – ontológicos, para ler de um fôlego e entrar numa área da vida guineense que a literatura nunca tocou, a dos guineenses que assumiam identidade portuguesa e dela não queriam abdicar, mesmo mergulhados em grandes infortúnios. Com conhecimento, compreensão e ternura contando a amargura de destinos malparados. Em última instância, todo o livro aborda o Estado-Nação formado por competências antigas e modernas, herdadas das colonizações (dos impérios antigos do oeste africano e do oeste europeu) e da revolução independentista, em que o valor consuetudinário continua a ter muita força e a revigorar na terra branku".

Mas o último conto deste admirável livro tem a ver com outro assunto, a mutilação genital feminina, que Tony Tcheka designa por “Excisadas na flor da vida”. É uma narrativa preciosa, dispõe de um cunho didático que agarra o leitor do princípio ao fim, deixa bem esculpido o contraste entre a modernidade (entenda-se o universo dos direitos humanos, aqui incluído o direito à integridade do corpo) e preconceitos arreigados, hoje inequivocamente associados ao obscurantismo e à falência de um sistema educativo. A figura pivô é Antoninho Sory Dansó, nascido na tabanca de Começada, fez os estudos universitários em Portugal, apoiado pela mãe e desdenhados pelo pai, um Aladje, detentor deste título por ter feito a peregrinação a Meca, implacável opositor à instituição escola.

Progenitores que vieram do Sul, da tabanca de Campeane; Antoninho foi crescendo num mundo de pacatez até que começou a subversão que conduziu à luta armada, os pais deixaram a tabanca, mas os sonhos de progredir nos estudos passaram a realidade, concluiu o ensino secundário, juntou-se a um movimento de libertação, veio depois estudar em Portugal, era um tempo de deslumbramento, “havia um clima contagiante de magia pairando no ar. Independência, hino, bandeira, comícios em kriol, primeiras aparições públicas dos novos dirigentes titulados de Combatentes da Liberdade da Pátria, anunciando programas e projetos de desenvolvimento. Promessa era a palavra-chave nos palanques de longos e patrióticos comícios”. 

Impunham-se músicos nacionais, a programação radiofónica era vibrante, chegavam cooperantes. E surgiu a tensão de que as raparigas deviam ir à escola, protestos do pai, Antoninho sente no ar as ameaças, felizmente que ganhou um bolsa para vir estudar para Lisboa. Não foi fácil a sua inserção na sociedade portuguesa.

O tempo passa, convive com os seus patrícios na Quinta do Mocho. 

“O que mais o afligia era a forma como esses patrícios trouxeram na bagagem as maneiras de pensar do antigamente e uma postura anti-independência”

E uma noite, enquanto estudava por baixo de uma lâmpada de luz mortiça, foi-lhe dado ouvir uma conversa em que se falava da excisão. Arrepiou-se com o que ouviu: 

“Estão a crescer, a crescer, e continuam impuras; chegada a hora do casamento, quem vai querer uma esposa nestas condições. Estarmos fora da terra não é justificação para não se cumprir um ritual sagrado. Os nossos pais e avós cumpriram sempre e transmitiram-nos essa sabedoria: temos de arranjar uma Fanateca (mulher que se dedica à mutilação genital feminina) e um local seguro para o fanado.” 

Meteu-se na conversa, provocou a ira dos seus compatriotas. Percorreu a via sacra dos anúncios à procura de um quarto, descobriu que os brancos mantinham preconceitos raciais e mentalidades retrógradas, graças a uma boa amiga, Rosa Linda, lá conseguiu quarto em casa de um casal de meia idade, ali viveu 5 anos.

Falar com os seus conterrâneos continuava a não ser fácil, tanto por razões políticas como pelo tema da excisão. Voltou ao país, sentia-se muito prestável, vinha entusiasmado pela reconstrução nacional. Leu e assimilou Amílcar Cabral. Estava a ser bem-sucedido no plano profissional, mas havias as discussões bem azedas com o pai, havia a prometida esposa negociada por este. De início respeitador das crenças tradicionais, Antoninho estava cada vez mais agnóstico, não se conformava com a decisão do pai de impedir as duas irmãs de frequentarem a escola. E não escondia discordar da segregação por sexo, idade, cor da pele, religião e situação social na vida. Havia discussões acaloradas, procurava fazer ver que o Corão não fazia apologia da excisão. Mas parecia uma luta perdida.

Numa das suas visitas semanais a Começada, descobriu que as irmãs não estavam em casa, a mãe lá lhe confessou que tinham sido levadas para a barraca do fanado por ordem do pai. A escrita de Tony Tcheka torna-se ainda mais precisa e comporta a fluidez de um incêndio, traça armas pelos os direitos humanos, Antoninho avança para a barraca do fanado e estala uma grande discussão com as fanatecas. Mas parece batalha perdida, as crianças cumprem o fanado e quando consideradas limpas e purificadas, é-lhes dada a possibilidade de integrar a comunidade, descem à povoação, é como se estivessem a estar preparadas para uma vida digna. Fervem as discussões, quando Antoninho lembra que nos Bijagós não se pratica tal crueldade, o pai responde: 

“Nem mais uma palavra! Respeita-me. Exijo respeito. Essa gente é bárbara, não creem em Deus. Não têm um livro sagrado. Nada há a aprender com eles e escusas de vir com essas conversas fiadas. Aqui não, fazemos o nosso caminho como fomos ensinados”.

Antoninho regressa a Bissau, deixa a sua mãe triste. E é esta mãe, de nome Trisia Cady Baldé, a quem cabe a derradeira mensagem:

“Nada do acontecido na barraca do fanado varreu o seu sentimento de vitória. Sentia-se invadida por uma mistura de sentimentos. Lá dentro de si, sem o poder demonstrar ou dizer, sentia-se orgulhosa pela atitude e coragem do seu menino. O seu orgulho, moldado num sentimento de porfia ganha que lhe enchia o peito. A sua grande vitória agarrada momentaneamente num mar turbulento com marinheiros que não sonham. O oposto ao seu sonho difícil, mas feito de realidade. Um sonho vivido de olhos abertos, alinhavado ponto por ponto com linhas finas, mas de perseverança. Uma aposta fêmea de coragem e amor imenso de mãe, também alimentada por cada moeda poupada no seu dia-a-dia, sempre suado, e de contrariedades teimosas”.

De leitura obrigatória, para conhecer a Guiné-Bissau atual, os seus dramas, os sonhos da liberdade e desenvolvimento, sonhos que tardam a ser realidade.
Uma imagem que vale por 10 mil palavras
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 27 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25570: Notas de leitura (1695): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 31 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25589: Notas de leitura (1696): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25598: Os 50 anos do 25 de Abril (25): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 8º (e penúltimo) episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)


Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Posto com reforço  Imagem, entre outras, gentilmente cedidas pelo nosso blogue (e pelo Juvenal Amado)  (*) à pelo à equipa de produção de "A Conspiração".

Foto (e legenda): © Luís Sacadura / Juvenal Amado (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


RTP > Ptrogramas > A Conspiração >  Episódio n.º 8 > Hoje na RTP1, às 21;01

Sinopse: 

Episódio 8 de 9

Depois de ter obtido o apoio da Assembleia Nacional, era a vez agora das chefias militares manifestarem o seu apoio incondicional a Marcello Caetano e à sua política ultramarina.

Este "beija-mão" ficaria coloquialmente conhecido como a "brigada do reumático". Costa Gomes e Spínola não compareceram na reunião o que dava uma desculpa a Marcelo para exonerar os dois generais.

É então que se dá a sublevação das Caldas. (**)


Próximas emissões: 

03 Jun 2024 21:01 RTP1 |   03 Jun 2024 21:01 RTP Internacional | 
05 Jun 2024 15:00 RTP Internacional Ásia |  06 Jun 2024 02:15 RTP Internacional América


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25279: Os 50 anos do 25 de Abril (2): O meu primo Luís Sacadura, furriel miliciano, natural de Alcobaça, hoje a viver nos EUA, estava lá, no RI 5, Caldas da Rainha, no 16 de marco de 1974, e mandou-me fotos dos acontecimentos (Juvenal Amado)

(**) Vd poste de 20 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25542: Os 50 anos do 25 de Abril (23): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 6º episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/05/guine-6174-p25542-os-50-anos-do-25-de.html

Último poste da série > 24 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25557: Os 50 anos do 25 de Abril (24): "As gargalhadas" de Salgueiro Maia (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72)

Guiné 61/74 - P25597: O 20º aniversário do nosso blogue (16): quem são os "históricos" da Tabanca Grande...




Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande >

Imagens de arquivo do VI Encontro Nacional da Tabanca Gande, Monte Real, o segundo que se realizou no Palace Hotel Monte Real, em 4 de junho de 2011. Em 2012 e em 2015, por e4xemplo, conseguimos fazer o pleno: atingir a lotação da saçla, que eram 200 lugares. Fotos do arquivo do blogue.

 
Fotos:  © Manuel Resende  (2014).
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real >X Encontro Nacional da Tabanca Grande > 18 de abril de 2015 > "Foto de família"... Um dos encontros até agora realizados em que se consguir fazer o pleno: 200 participantes...Na "foto de família", porém,  não estavam todos... A disciplina já não é o que era,,,

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Apontamentos para a história do nosso blogue, no 20º aniversário (*):

Foi a partir de 1 de junho de 2006 que o nosso blogue "mudou de instalações", passou a designar-se "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e abandonou a numeração romana na postagem... 

O poste DCCCXXV (ou poste P825) foi o último da "Série I" e o primeiro da "Série II". Mais tarde as duas séries foram fundidas, a numeração dos postes começa no nº 1 (23 de abril de 2004) (**).

Até hoje, em 20 anos, publicaram-se 25597 postes, todos eles pesquisáveis "on line" (pelo nº de poste ou pela data).


2. O que é dizia orginalmente o cabeçalho do blogue da I Série (https://blogueforanada.blogspot.com/)

blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje. lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!

Nessa altura, em em 1 de junho de 2006,  já éramos 111:

A. Marques Lopes, 
A. Mendes, 
Abel Maria Rodrigues, 
Afonso M.F. Sousa, 
Aires Ferreira, 
Albano Costa, 
Amaro Samúdio, 
Américo Marques, 
Ana Ferreira, 
Antero F. C. Santos, 
António Baia,
 António Duarte, 
António J. Serradas Pereira, 
António (ou Tony) Levezinho, 
António Rosinha, 
António Santos, 
António Santos Almeida, 
Armindo Batata, 
Artur Ramos, 
Belmiro Vaqueiro, 
Carlos Fortunato, 
Carlos Marques dos Santos, 
Carlos Schwarz (Pepito), 
Carlos Vinhal, 
Carvalhido da Ponte, 
David Guimarães, 
Eduardo Magalhães Ribeiro, 
Ernesto Ribeiro, 
Fernando Chapouto, 
Fernando Franco, 
Fernando Gomes de Carvalho, 
Hernani Acácio Figueiredo, 
Hugo Costa, 
Hugo Moura Ferreira, 
Humberto Reis,
Idálio Reis, 
J. C. Mussá Biai, 
J. L. Mendes Gomes,
 J. L. Vacas de Carvalho, 
João Carvalho, 
João S. Parreira,
 João Santiago, 
João Tunes, 
João Varanda, 
Joaquim Fernandes, 
Joaquim Guimarães, 
Joaquim Mexia Alves, 
Jorge Cabral, 
Jorge Rijo, 
Jorge Rosmaninho,
Jorge Santos, 
Jorge Tavares,
 José Barreto Pires, 
José Bastos,
 José Casimiro Caravalho, 
José Luís de Sousa, 
José Manuel Samouco, 
José Martins, 
José (ou Zé) Neto , 
José (ou Zé) Teixeira,
Júlio Benavente
Leopoldo Amado, 
Luis Carvalhido, 
Luís Graça, 
Luís Moreira (V. Castelo),
Luís Moreira (Lisboa), 
Manuel Carvalhido, 
Manuel Castro, 
Manuel Correia Bastos, 
Manuel Cruz, 
Manuel Domingues, 
Manuel G. Ferreira, 
Manuel Lema Santos, 
Manuel Mata, 
Manuel Melo, 
Manuel Oliveira Pereira, 
Manuel Rebocho, 
Manuela Gonçalves (Nela), 
Mário Armas de Sousa, 
Mário Beja Santos, 
Mário Cruz, 
Mário de Oliveira (Padre), 
Mário Dias (ou Mário Roseira Dias), 
Mário Migueis, 
Martins Julião, 
Maurício Nunes Vieira,
Nuno Rubim, 
Orlando Figueiredo, 
Paula Salgado, 
Paulo Lage Raposo, 
Paulo & Conceição Salgado, 
Paulo Santiago, 
Pedro Lauret, 
Raul Albino, 
Renato Monteiro, 
Rogério Freire, 
Rui Esteves, 
Rui Felício, 
Sadibo Dabo, 
Sérgio Pereira, 
Sousa de Castro, 
Tino (ou Constantino) Neves,
Tomás Oliveira, 
Torcato Mendonça, 
Victor David, 
Victor Tavares, 
Virgínio Briote,
Vitor Junqueira, 
Xico Allen, 
Zélia Neno
(Total=111)


3. E progressivamente alargámos o arco temporal da guerra da Guiné: começou por ser 1969/71 (o tempo da comissão do fundador do blogue,  Contuboel e Bambadinca, junho 69/mar 71), depois 1963/74 (a partir do início "oficial" da guerra) e finalmente 1961/74 (em rigor, o início e o fim desta guerra).

(...) Por razões de espaço e de tráfego, tivemos que mudar de instalações. O nosso senhorio, o Blogger.com, só nos dá 300 MB para alojar o nosso álbum de fotografias, o que é pouco para tanta gente. De facto, ao fim de um ano já estamos na casa da centena de amigos & camaradas.

O blogue passa a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, dando continuidade ao Blogue-fora-nada. Continuará a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos. É um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, nos anos quentes de 1963 a 1974. (...

E passávamos a ter um novo endereço:


Já na altura fazíamos questão de fazer uma pequena distinção, meramente circunstancial, entre: 

(i) amigos (como era o caso do José Carlos Mussá Biai, do Leopoldo Amado, do Pepito ou de outros guineenses, não combatentes; ou como é o caso das nossas companheiras ou dos nossos filhos ou sobrinhos); 

e (ii) camaradas (que dormimos no mesmo chão, que fomos mordidos pelos mesmos mosquitos, que comemos as mesmas rações, que vertemos sangue, suor e lágrimas nos mesmos rios, lalas, bolanhas, matas, buracos e tabancas, que apanhámos a mesma porrada.


4. E criámos também um livro de estilo, que foi imitado por outros blogues: o nosso comportamento, agora como… tertulianos (alguém inventou uma palavra nova em português), deve apenas pautar-se por determinados critérios éticos ou valores... E seguiam as nossas dez regras de convívio, as nossas dez regras de convívio, que fizeram história e doutrina... 

Nessa época, ainda não estava enraizado o saudável hábito de fazer comentários aos postes, embora essa funcionalidade já existisse... Simplesmente havia um mecanismo de moderação dos comentários, uma leitura e avaliação prévia por parte do(s)  editor(es)... Em boa hora acabámos com essa maçada, e abrimos as portas e as janelas a todos os comentários de todos os homens e mulheres de boa vontade que nos visitavam... O resultado tem sido deveras surpreendente e compensador, aumentando o nível de participação tantos dos membros (inscritos) do nosso blogue como dos simples leitores...  Até â data acumulámos mais de 102 mil comentários, limpos de SPAM (uma média de 5 mil por ano).

5. Por outro lado, e embora já usassemos o termo "Tabanca Grande", desde meados de 2005,   só a partir de 20 de junho de 2006 é que criámos a série "Tabanca Grande", com numeração própria (***)...

Nesse dia entraram para a nossa tertúlia o Pedro Lauret e o Mário Beja Santos. Mas não sabemos o seu nº de tabanqueitros: estão entre os 148 históricos abaixo listados. Aí a partir das 3 ou 4  centenas começámos a atribuir um número a cada novo membro (ou grã-tabanqueiro).

Escrevemos no poste P 1747, de 10 de maio de 2007 (****)

(...) Camaradas & amigos: De futuro, os novos camaradas (ex-combatentes do lado português) e amigos (por ex., filhos de camaradas nossos, jovens portugueses e guineenses que se interessam pela história da guerra colonial, antigos combatentes do PAIGC) entram directamente para a tabanca grande, que sempre é mais democrática que a tertúlia e mais arejada que a caserna... Sentamos-nos debaixo de um centenário poilão, fazemos as nossas apresentações e contamos as nossas estórias. As regras de convívio continuam a ser as mesmas.(...)

Deve ter sido a primeira vez que associámos à Tabanca Grande um poilão, simbólico, sagrado, fraterno, frondoso, acolhedor, como eram os poilões no centro, no ponto de encntro, das aldeias da Guiné-Bissau.  

Só começámos, por outro lado, a publicar estatísticas sobre a nossa atividade  bloguística em finais de 2009: nessa altura éramos já 390 tabanqueiros, tínhamos publicado c. 5580 postes, e registávamos um milhão e 400 mil páginas visitadas, 50 mil por mês... Hoje somos 888 (entre vivos e mortos), estamos à bica dos 25,6 mil postes, e mais de 15,1 milhões de páginas visitadas.


6. No final de 2006, há 18 anos,  éramos 148 os "históricos" da  nossa tertúlia (dos quais 19 já morreram; e doutros não temos notícias há muito):
 
  
A (N=28)
  • A. Marques Lopes, 
  • A. Mendes, 
  • Abel Maria Rodrigues, 
  • Abílio Machado,
  • Adelaide Gramunha Marques
  • Afonso M.F. Sousa, 
  • Aires Ferreira, 
  • Albano Costa, 
  • Amaral Bernardo,
  • Amaro Samúdio, 
  • Américo Marques (1951-2019), 
  • Ana Ferreira, 
  • Antero F. C. Santos, 
  • António Baia, 
  • António Barroso,
  • António Bartolomeu,
  • António Duarte, 
  • António Graça de Abreu,
  • António J. Serradas Pereira, 
  • António (ou Tony) Levezinho, 
  • António Pimentel,
  • António Pinto,
  • António Rosinha
  • António Santos, 
  • António Santos Almeida, 
  • Armindo Batata, 
  • Artur Conceição,
  • Artur Ramos 
B/H (N=27)
  • Belmiro Vaqueiro.
  • Benito Neves,
  • Benjamin Duráes,
  • Carlos Américo Cardoso,
  • Carlos Fortunato, 
  • Carlos Marques dos Santos (1943-2019), 
  • Carlos Schwarz ("Pepito") (1949-2014)
  • Carlos Vinhal, 
  • Carvalhido da Ponte, 
  • David Guimarães, 
  • Eduardo Magalhães Ribeiro, 
  • Ernesto Ribeiro, 
  • Fernando Barata,
  • Fernando Calado,
  • Fernando Chapouto,
  • Fernando Franco (1951-2020),
  • Fernando Gomes de Carvalho,
  • Fernando Inácio,
  • Gabriel Gonçalves,
  • Gilda Pinho Brandão,
  • Hélder Sousa,
  • Henrique Matos,
  • Henrique Pinho,
  • Hernani Acácio Figueiredo, 
  • Hugo Costa, 
  • Hugo Moura Ferreira
  • Humberto Reis
I/J (N=34)
  • Idálio Reis,
  • Inácio Silva,
  • J. Armando F. Almeida
  • J. C. Mussá Biai, 
  • J. L. Mendes Gomes,
  • J. L. Vacas de Carvalho, 
  • João Carreiro Martins,
  • João Carvalho, 
  • João S. Parreira, 
  • João Santiago, 
  • João Tunes, 
  • João Varanda, 
  • Joaquim Fernandes, 
  • Joaquim Guimarães, 
  • Joaquim Mexia Alves, 
  • Jorge Cabral (1944-2021) 
  • Jorge Canhão.
  • Jorge Neto,
  • Jorge Rijo, 
  • Jorge Rosmaninho, 
  • Jorge Santos, 
  • Jorge Tavares, 
  • José Afonso,
  • José Barreto Pires, 
  • José Bastos, 
  • José Casimiro Caravalho, 
  • José Luís de Sousa, 
  • José Manuel Samouco,
  • José Martins,
  • José (ou Zé) Neto (1927-2007),
  • José Rocha,
  • José (ou Zé) Teixeira, 
  • Júlio Benavente 
  • Júlio César 
L/M (N=29)
  • Leopoldo Amado (1960-2021), 
  • Luís Camões.
  • Luis Carvalhido, 
  • Luís Graça, 
  • Luís F. Moreira (1948-2013), 
  • Luís Moreira,
  • Luís Nabais,
  • Manuel Carvalhido, 
  • Manuel Castro, 
  • Manuel Correia Bastos, 
  • Manuel Cruz, 
  • Manuel Domingues, 
  • Manuel G. Ferreira, 
  • Manuel Lema Santos, 
  • Manuel Mata, 
  • Manuel Melo, 
  • Manuel Oliveira Pereira, 
  • Manuel Rebocho, 
  • Manuela Gonçalves ("Nela") (1946-2019), 
  • Mário Armas de Sousa, 
  • Mário Beja Santos, 
  • Mário Bravo,
  • Mário Cruz ("Shemeiks"),
  • Mário Fitas,
  • Mário de Oliveira (Padre) (1937-2022),
  • Mário Dias (ou Mário Roseira Dias), 
  • Mário Migueis, 
  • Martins Julião, 
  • Maurício Nunes Vieira
N/Z (N=30)
  • Nelson Domingues,
  • Nuno Rubim (1938-2023), 
  • Orlando Figueiredo, 
  • Paula Salgado,
  • Paulo Lage Raposo, 
  • Paulo & Conceição Salgado, 
  • Paulo Santiago, 
  • Pedro Lauret, 
  • Raul Albino (1945-2020), 
  • Renato Monteiro (1946-20121), 
  • Rogério Freire, 
  • Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),
  • Rui Esteves, 
  • Rui Felício,
  • Rui Silva, 
  • Sadibo Dabo, 
  • Sérgio Pereira, 
  • Sousa de Castro, 
  • Tino (ou Constantino) Neves, 
  • Tomás Oliveira, 
  • Torcato Mendonça (1944-2021), 
  • Victor Barata (1951-2021).
  • Victor Condeço (1943-2010),
  • Victor David, 
  • Victor Tavares, 
  • Virgínio Briote, 
  • Vitor Junqueira, 
  • Xico Allen (1950-2022),
  • Zélia Neno (1953-2023).


E a propósitos de portas e janelas (que não existem na Tabanca Grande, como não existem valas, abrigos, espaldões, arame farpado, cavalos de frisa, etc.), fica aqui uma sugestão: continuemos a celebrar o nosso 20º  aniversário, procurando sobretudo surpreendermo-nos uns aos outros, aos amigos e camaradas da Guiné, bem como às muitas centenas de leitores, anónimos, que nos visitam diariamente, com os nossos textos, as nossos documentos, as nossas fotos, as nossas histórias... Mesmo que o blogue já não tenha a mesma frescura, novidade, dinâmica, etc., dos primeiros anos... Convenhamos que 20  anos a blogar, é muita coisa, são pelo menos 10 comissões de serviço na Guiné... 

Nestes 20 anos também conseguimos reslizar  14 encontros nacionais da Tabanca Grande,de 2006 a 2019). O último foi o XIV, em 25 de maio de 2019. O XV já se realizou por causa da pamdemia de Covid-19.
________________

Notas do editor:

(***) Vd, poste de 20 de junho de  2006 > Guiné 63/74 - P887: Tabanca Grande (1): Pedro Lauret, ex-Imediato da LFG Orion e Mário Beja Santos, ex-Alf Mil CMDT do Pel Caç Nat 52

(****) Vd poste de 10 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1747: Tabanca Grande (8): Herlânder Simões, ex-Fur Mil, um dos Duros de Nova Sintra (1972/74)
 

Guiné 61/74 - P25596: Humor de caserna (62): Lerpar ou não lerpar, eis a questão (...um delicioso microconto do Alberto Branquinho, autor de "Cambança Final", 2013)

1. Alberto Branquinho (n. 1944, Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,  ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem 140 referências no nosso blogue: é autor das notáveis séries "Contraponto" e  "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

 Integra a nossa Tabanca Grande a partir de 30 de maio de 2008; é irmão de outro Branquinho, mais novo, e infelizmente já falecid0, igualmente nosso tabanqueiro, o  António Branquinho (1947-2023) que foi fur mil, no Pel Caç Nat 63, ao tempo do nosso também saudoso Jorge Cabral (ou seja em, 1969/71)

Do livro "Cambança Final", publicado em 2013, pela editora Vírgula, disponível aqui, para compra (c. 13 euros) no Sítio do Livro , tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno texto (no original, "A questão em jogo"), que nos remete para uma realidade que fazia parte do nosso quotidiano, o jogo, o vício do jogo, a  compulsão do jogo ("gaming addiction", em inglês), um comportamento que levanta(va) as mais diversas questões, das disciplinares às do foro da saúde mental... 

Em todos os "buracos" da Guiné (no final da guerra havia cerca de 225 guarnições militares!)   se jogava às cartas, do king ao bridge, da sueca à lerpa, qualquer que fosse o posto (do tenente coronel ao soldado básico)... Em muitos casos, jogava-se a dinheiro (ou à cerveja)... E em todas as companhias havia um ou mais viciados das cartas, além de "batoteiros", "vermelhinhas" ou "rufiões" como o "Chico Russo" desta história... 

"Cambança Final" é um título irónico que, em linguagem de caserna, poderia ser traduzido por... "lerpar", morrer. São histórias, muitas delas pícaras, que ajudam a reconstruir o nosso quotidiano de guerra. O Alberto Branquinh0 é mestre nesta arte de dizer muito em poucas palavras. 


Sinopse:

«Cambança Final» foi, para muitos que fizeram a guerra na Guiné, a passagem desta margem de vida para a outra: essa que é definitiva.

«Cambança Final» foi, para a maioria, o regresso, dois anos depois, ao outro lado de onde tinham partido. Regressavam endurecidos, feitos homens em movimento sofrido e acelerado. (Entrementes, muitos iam regressando, mutilados no corpo ou na alma.)

Este livro é composto de pequenas histórias que abordam não só aspectos dramáticos da guerra, mas também situações pícaras ou bizarras e encontros/desencontros de culturas que foram obrigadas a conviver no mesmo espaço geográfico em tempo de guerra. (Fonte: 
Sítio do Livro)

O autor já tinha publicado, em 2009 (na editora Sete Caminhos) um primeiro livro com um título parecido: "Cambança: Guiné, morte e vida em maré baixa" ( 98 pp.)


Lerpaste! Já lerpaste!

por Alberto Branquinho


Jogava-se à lerpa, à sueca e a outros. Clandestinamenet. Normalmente na caserna, em cima das camas.

O capitão tinha proibido todo e qualquer jogo a dinheiro. Mas jogavam. E não só com pesos guineenses, mas também escudos, guardados no fundo das maçlasn e dos sacos de campanha.

Quem fosse apanhado a jogar a dinheior sairiia para o mato todos os diuias, memso com os outro spelotões. E se não hiuvesse saídas, estaria de guarda, mesmo oque não fosse o dia de escala,

Mesmo "jogando a feijões" hvia cenas de pancadaria. A tensão acumulada aos lonmgo dos meses de guerra era nmuito ghrandse, agravada pelo isolamento e pelo álcool.

 Lerpaste! lerpaste!

Aconteciam discussões acaloradas, palavrões, empurrões, murros, bofetadas e, por vezes, de repente, surgiam as navalhas e as facas de mato nas mãos. O risco maior era de quem, acusto, os tentava separar,

Em qualquer canto esconso era improvisada uma mesa.

Ao calor das jogadas ou no meio das discussões sobrepunha-as o vozeirão do "Chico Russo", viciado e quase profissional, sempre em postura insolente e desleixada, que nem a vida militar tinha conseguido corrigir. Não perdia a oportunidade de jogar a dinheiro, que ele próprio incentivava. A insolência e o despeito estavam-lhe sempre presentes, na atitude corporal, na expressão facial e na voz:

- Cum carago! Só me saem duques!

Quando o parceiro não o acompanhava na jogava ou entendia que não o tinha acompanhado como devida, atirava as cartas contra ele, e de dedo em riste, apontado ao "incompetente", saí-lhe a linguagem natural de filho da Ribeira:

- Ó caramelo, bai-te, carago,  bai-te. Não topas nada desta merda! Quem não sabe foder, até os colhões o estróbam!  

Fonte: Adapt. de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 155/156.

(Título, revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG. Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)

domingo, 2 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25595: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (20): "Uma história antiga"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"



Uma história antiga

Há muitos anos, João andava na faculdade.
Encontrava-se no velho café a estudar umas coisas de embriologia, a estúpida abordagem da embriologia de então, que nada tem a ver com as maravilhosas lições de Richard Dawkins. Estava sentado numa daquelas pequenas mesas quadradas, mesmo junto à porta.
Tinha pedido ao empregado um café e um brandy.

Pouco tempo depois, um velhinho dos seus oitentas a noventas, como não tinha lugar - as mesas estavam cheias de jogadores de damas e dominó - fez um gesto com o qual queria pedir para se sentar na mesa do João, ao qual ele acedeu com um discreto sorriso. O velhinho sentou-se, pôs a bengalita entre as pernas, cruzou as mãos e fitou os olhos lá para o fundo do café, talvez o seu único infinito.

Estava João embrenhado na leitura, com o livro a uns quarenta e cinco graus em relação ao plano da mesa, portanto, com um campo visual relativamente limitado, quando viu a mão do velhote deslizar sorrateiramente pela mesa até o seu cálice de brandy, fazer do dedo indicador uma espécie de gatilho, arrastá-lo suavemente até si e, rapidamente, com notório trémulo, levá-lo à boca e sorver uma boa golada. Com o copo de novo em cima da mesa, iniciou delicadamente o trajeto inverso, fazendo-o deslizar suavemente e manhosamente até debaixo das costas do livro de João. Este procurou não olhar para ele, como é óbvio, pois de modo algum, pretendia denunciar aquilo que o enchera de ternura. A vida tem coisas cuja dimensão de simplicidade, autenticidade e verdade é tão grande, que as transforma em irradiantes e majestáticos fenómenos de coerência.

João deitou o rabo do olho para a cara do ancião e notou que a sua fisionomia mostrava a satisfação de um golpe de mestre.

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Nota do editor

Último post da série de 26 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25563: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (19): "O MINITITANIC"

Guiné 61/74 - P25594: Timor-Leste, passado e presente (4): Antes da invasão e ocupação do Japão (19 de fevereiro de 1942): imagens da "Vida Mundial Ilustrada" (Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1942)

 










 

Vida Mundial Ilustrada: semanário gráfico de actualidades, Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1943. Página 5, dedicada a "Timor, terra Portuguesa". Fotos de António Macedo. O NRP Gonçalves Zarco visitou Timor (incluindo o enclave de Oecussi) em 1938. (Vd álbum Fontoura / HS - Arquivo de História Social

 

Na capa, Salazar "fazendo, no passado [21 de fevereiro de 1942], na Assembleia Nacional, a sua exposição ao país sobre os factos ocorridos em Timor" (leia-se nas entrelinhas:  invasão e ocupação de Timor pelas tropas japonesas na noite de 19 para 20 de dezembro de 1942; em 17 de dezembro de 1941, os australianos tinham desembarcado na ilha, violando o estatuto de neutralidade de Portugal na II Guerra Mundial; Portugal protestou com mais veemência da primeira vez).

Ver na RTP Arquivos:

"Reportagem da Emissora Nacional no Palácio de São Bento, acompanhando o discurso do Presidente do Conselho António Oliveira Salazar na Assembleia Nacional, onde informa que a soberania portuguesa em Timor foi violada por tropas australianas e holandesas. Inclui palavras de ordem proferidas pelo público" (19 de deszembro de 1941 > áudio: 36' 09'


A RTP produziu e exibiu recentemente uma série, "Abandonados" (realização de Francisco Manso) sobre a grande coragem e patriotismo dos que, portugueses, timorenses e australianos, resistiram à brutal ocupação nipónica e foram literalmente abandonados pelo governo de Salazar. 

A série inspirou-se no o Timor na II Guerra Mundial: o diário do Tenente Pires, editado pelo ISCTE,  da autoria do historiador António Monteiro Cardoso (entretanto falecido em 2016).

(...) "Portugal tem um novo herói. Chama-se Manuel de Jesus Pires, mas podemos tratá-lo como Tenente Pires. Foi ele o administrador da Vila de Baucau durante a invasão de Timor pelos japoneses, em 1942, e liderou a resistência ao invasor, tendo salvado quase uma centena de vidas numa altura em que o regime do Estado Novo abandonou portugueses à sua sorte. A sua história é agora uma série de ficção da RTP com o título Abandonados." (....)

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Nota dpo editor:

Último poste da série > 24 de maio de 2024 >  Guiné 61/74 - P25556: Timor-Leste, passado e presente (3): cerca de 70% dos nomes próprios e 98% dos apelidos dos timorenses... continuam a serportugueses!

Guiné 61/74 - P25593: Ser solidário (270): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (8): Arquitectos da natureza (Renato Brito)


1. Mensagem datada de 29 de Maio de 2024, de Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, com mais uma Cartolina, esta que nos fala das térmitas, autênticos arquitectos da natureza:

Bom dia Carlos Vinhal,

Partilho mais uma “cartolina” anunciando mais um “mercatino dell’usato”com o objectivo de recolher fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa na Guiné-Bissau.

Este bilhete-postal fala sobre as térmitas apresentando um interessante documentário sobre a vida destes insectos:
Térmitas – O Santuário interno
https://www.youtube.com/watch?v=DXbo5ubYS9I

Cumprimentos,
Renato Brito

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Nota do editor

Vd. post anterior de 30 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25462: Ser solidário (269): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (7): Em bicicleta atravessar a África Ocidental (Renato Brito)

Guiné 61/74 - P25592: Manuscrito(s) (Luís Graça) (250): A "macacaria", o azulejo polícromo, burlesco e satírico, do séc. XVII










Lisboa > Museu Nacional do Azulejo "Macacaria. Casamento da Galinha" > Olaria. Manuel Francisco (?) . c. 1660/67. Faiança polícroma. Proveniência: Quinta da Cadriceira, Turcifal, Torres Vedras. Doação: Celeste e Vitor Cinatti Batalha Reis. MNAz Inv 400 az

Fotos: Luís Graça (2024).


1. Sou fã do azulejo. Do nosso azulejo. Ainda há dias percorri, extasiado, o Mosteiro de São Vicente de Fora, e nomeadamente os claustros revestidos de azulejos barrocos. Andava há anos para conhecer as 38 fábulas de La Fontaine, contadas em azulejo. Revestiam os claustros, os painéis foram retirados, restaurados e colocados em exposição. 

O azulejo português tem uma história, fascinante,  de cinco séculos. (A palavra vem do árabe.) E nada como visitar o Museu Nacional do Azulejo, instalado no antigo convento da Madre de Deus (séc. XVI). Os antigos combatentes tem acesso gratuito ao Museu. (O seu sítio está em remodelação neste momento; para saber mais sobre o Museu ver a entrada na Wikipedia.)

Ver ou rever, entretanto, na RTP Play, a Visita Guiada - Convento da Madre Deus, Lisboa.

De tempos a tempos passo por lá. Hoje destaco um peça, muito curiosa e rara, de que reproduzo alguns detalalhes acima. É uma painel do séc. XVII (c. 1660/67), que veio de uma quinta da região do Oeste Estremenho, a Quinta da Cadriceira, em Turcifal, Torres Vedras.

Lê-se, com a devida vénia, no sítio da Time Out, em artigo de Helena Galvão Soares (12 de maio de 2019):


(...) "O painel chama-se 'O Casamento da Galinha' e é uma 'singerie' (macacaria), um estilo em que os protagonistas são macacos (sim, daí o nome) em trajos e actividades humanas, com intenção geralmente satírica.

"Embora estas figuras já apareçam como apontamentos nas iluminuras medievais, o estilo surge em força na pintura flamenga do século XVI e XVII e espalha-se pela Europa nos séculos seguintes em frescos, mobiliário, cerâmica, serviços de louça... Em Portugal, como não podia deixar de ser, surge em azulejo.

"A nobreza que acabara de sair vitoriosa da Guerra da Restauração (1640-1668) investiu na construção de novas quintas de recreio e encomendava painéis de azulejo para o revestimento de casas e jardins. Foi em duas dessas quintas que surgiram os painéis de macacarias que chegaram até hoje." (...)


Esta nova nobreza (que apostou no cavalo certo, a causa da Casa de Bragança) tem o gosto do exótico~, do excêntrico e do burlesco: veja-se, além dos macacos, a representação de outros animais como o elefante  mas também o leão (ou o o leopardo, noutro painel ao lado).

Por outro lado, sabe-se que o macaco está sempre associado à crítica satírica mas é também um símbolo de liberdade: uma leitura possível deste painel é a sátira à antiga nobreza que se aliou ao poder filipino (vivendo inclusive em Madrid, de costas voltadas para a sua Pátria) e que  representava, portanto, o partido dos vencidos, com a restauração do reino... (As campanhas da Guerra da Restauração foram bem mais longas que a guerra colonial: 1640-1668).

A outra quinta, com painéis de "macacarias" (mas estas "in su situ" ) é a do Palácio de Fronteira, em São Domingos de Benfica, que merece uma visita demorada (estive também lá há dias nos jardins). 
Vd.  em RTP Play a Visita Guiada aos Jardins do Palácio Fronteira, em Lisboa| Ep. 222 set. 2014 |

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