(...) Comemora-se, a 10 de Junho, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
A celebração da data nacional remonta a 1880, ainda na vigência da Monarquia, quando se assinalou o tricentenário da morte do poeta Luís Vaz de Camões, devendo-se à iniciativa de Teófilo Braga e de uma comissão executiva, curiosamente composta, na sua maioria, por republicanos. Foi contudo o deputado Simões Dias quem levou ao parlamento um projeto para que o dia 10 de Junho fosse considerado o dia festivo nacional e assim viria a ser.
A evocação do poeta maior da Língua Portuguesa e a sua identificação com o Dia de Portugal adquiriam então um grande simbolismo, pautado também por forte marca ideológica, fazendo reemergir o lado épico da História, tendo nesse contexto particular um sentido regenerador, o de recuperar um passado glorioso. E assim prevaleceria.
A figura inigualável de Camões desde há muito se tornou um símbolo de Portugal e é quase um lugar-comum citar o Poeta nos discursos oficiais, sendo ele um referente máximo dos valores e da cultura nacionais, convertido numa espécie de brasão, uma imagem representativa de um percurso de vida que condensa a nossa História, feita de ciclos de grandeza e decadência.
A comemoração do tricentenário da morte do Poeta, em 1880, provém de um “culto da humanidade” e de um sentido laico (herdado da Revolução Francesa), veiculado em “representações simbólicas do Estado-Nação para consensualizarem o seu poder (…) substituindo formas e funções do ritualismo religioso para construir uma nova memória nacional” (...).
Curiosamente, estas novas formas de ritualismo de cariz civil permanecerão, durante todo o século XX e até à atualidade, atravessando regimes políticos diversos e múltiplas representações sobre Portugal.
Já na vigência da República, em 1929, o 10 de Junho é decretado como feriado nacional, e durante o Estado Novo foi comemorado como “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, sendo ainda presentes, na memória de muitos portugueses, os majestosos desfiles militares que decorriam na Praça do Comércio, em Lisboa, onde se homenageavam os combatentes em África e onde eram condecorados postumamente os militares mortos em combate.
Depois do 25 de Abril de 1974, a data adquiriu nova designação, passando a “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, por decreto de 4 de março de 1977, assumindo novo simbolismo, ao abarcar as comunidades portuguesas espalhadas pelos cinco continentes, numa visão universalista, tendo a uni-las a Língua Portuguesa, com que o Poeta épico imortalizou os feitos do seu singular Povo.
A identificação com as Forças Armadas prevaleceu, atravessando regimes políticos diferentes e formas de celebração também diversas. Talvez porque a História de Portugal é indissociável das suas Forças Armadas e em particular do Exército Português, desde a fundação de Portugal até um passado mais recente.
A associação do Exército ao Dia de Portugal sublinha, assim, o caráter eminentemente nacional da Instituição Militar. E também a sua crescente modernização e internacionalização, quando se pensa nos últimos 30 anos e na projeção de Forças Nacionais Destacadas, em que o Exército tem contribuído para a construção da Paz, a estabilização de territórios massacrados pela guerra, a reconstrução de Estados falhados, destacando-se na salvaguarda da vida humana, na defesa do Direito internacional humanitário e na promoção dos valores da liberdade e da democracia.
Por outro lado, a participação do Exército em missões de apoio à paz, de cooperação e outras tem também reforçado o estatuto de Portugal em organizações internacionais, como a ONU, a UE e a NATO, bem como junto de países amigos e aliados, no âmbito da sua política externa.
Porém, a identificação entre o Exército e a Nação, ou os Portugueses, subliminar ou explícita, através da celebração ritualizada de efemérides como o Dia de Portugal e de Camões, o Dia dos Combatentes ou o próprio Dia do Exército, significa também a partilha de uma identidade cultural, de um modo português de ser, de estar e de se relacionar com os outros. Um modo de ser e estar que tão bem têm caraterizado a atuação dos nossos militares além-fronteiras, facilitando a sua adaptação aos teatros de operações mais diversos, a integração entre povos e culturas em tudo diferentes, contribuindo inegavelmente para o sucesso das missões em que se têm envolvido. (...)
Também neste sentido a evocação de Camões ganha atualidade, tendo ele mesmo sido militar e percorrido os marítimos caminhos atravessados pelos navegadores, heróis da sua epopeia, Os Lusíadas, isto é, os Portugueses. E, como Poeta, cantado a viagem (e dispersão de uma alma errante) e abarcado a experiência de um momento entre todos glorificado na História de Portugal, fixando os mitos e as memórias mais vincados no coletivo da História, e convertendo a memória desse tempo em escrita poética, identificando-se ele próprio com o Portugal que cantou. Os Lusíadas são, por isso, o livro identificador de Portugal e não por acaso o seu autor é o rosto de uma Pátria que fez coincidir a data nacional com a da morte do Poeta.
A viagem e a errância personificadas na vida e obra de Camões são também metáfora da História nacional e readquirem significado neste tempo de globalização e universalidade, em que as fronteiras tradicionais se esbatem e que as alianças de países – mormente a nível da Defesa e da Segurança, corporizadas pelas suas Forças Armadas – se torna uma realidade não só necessária mas imperiosa. É que, se por um lado se assiste ao fenómeno da globalização, por outro, reemergem separatismos regionais, cisões ideológicas e políticas e o acentuar de extremismos que resultam num processo contrário de fragmentação e atomização, numa lógica paradoxal.
Comemorar o Dia de Portugal adquire renovado sentido num tempo de globalização, em que o País cumpre uma ancestral vocação, iniciada há seis séculos, quando se lançou ao “mar sem fim” como o definiu Fernando Pessoa, permanecendo, para além da memória histórica, uma comunidade de países unidos pela nossa língua. A Língua Portuguesa, que Camões elevou à mais apurada expressão, é hoje falada nos cinco continentes por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo, como destacou o Chefe de Estado, “a quinta língua mais falada [no] mundo, a segunda língua mais falada no hemisfério sul, e, também, no hemisfério sul a segunda mais usada no digital.”
Através da Língua Portuguesa e, muito para além do império territorial, permanecerá um espaço cultural que une os Países de Língua Oficial Portuguesa e neles encontra traços de identidade e de afetividade reconhecidos num falar comum.
A lusofonia constitui hoje o horizonte global de uma nova lusitanidade, onde o passado se reúne ao presente e a cultura e identidade nacionais dialogam com outras culturas, diálogo no qual sai reforçada a identidade indefetível entre Países de Língua Oficial Portuguesa.
Neste espaço (e tempo) da lusofonia acentua-se igualmente a ligação entre os elementos da tríade “Portugal”, “Camões” e “Comunidades Portuguesas”, a que se acrescenta um quarto elemento comum e seu elo de ligação, as “Forças Armadas”, elementos todos eles convocados na data nacional. (...)
Fonte: Excertos de Jornal do Exército > n.º 730, junho 2023 : Em foco > Ana Rita Carvalho > Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, pp. 6/10.
https://assets.exercito.pt/SiteAssets/JE/Jornais/2023/jun/730.pdf
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG) (Com a devida vénia...)
___________Último poste da série > 29 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25577: Efemérides (439): 10 de Junho, Dia de Portugal - Homenagem Nacional aos Combatentes, Igreja de Santa Maria de Belém, nos Jerónimos e junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa