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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27047: Historiografia da presença portuguesa em África (491): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1930-1936 (45) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Apresentando-se o Boletim Oficial da Província da Guiné, com a Ditadura Militar, cada vez mais opaco, quanto às questões internas, ao modo de relacionamento entre a administração e populações insubmissas ou francamente hostis, porventura na suposição de quem governa em Bolama de que se tem de enviar para Lisboa o sinal de que a casa está arrumada, pacificada e a caminho do progresso, procurou-se ajuda primeiro no acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva e nos 10 anos seguintes recorrendo à leitura de René Pélissier.
Contestamos o ponto de vista deste último de que 1936 é o marco que define um quadro identitário para a colónia. Basta ler o que escreveram sigilosamente os chefes da delegação do BNU da Guiné para a sua administração em Lisboa para se perceber com meridiana clareza que foi preciso esperar por Sarmento Rodrigues e os meios que ele trouxe para que a Guiné fosse alvo de um salto qualitativo e quantitativo quanto a educação e saúde, transportes e comunicações, cultura, investigação científica e conhecimento aprofundado em domínios como a etnografia e a medicina tropical. Devemos, no entanto, a René Pélissier, o recordar-nos a combatividade étnica que ocorreu depois da chamada pacificação de Teixeira Pinto e a forma como releva as etnias que profunda e claramente hostilizaram a presença portuguesa como aquelas que acabaram por ter um papel bastante à margem na guerra da libertação.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1930-1936 (45)


Mário Beja Santos

Sendo cada vez mais penoso encontrar no Boletim Oficial informações que nos permitam ficar esclarecidos da efetiva presença portuguesa, do desaparecimento ou não de hostilidades, da existência de conflitos interétnicos, etc., socorro-me da parte final do trabalho de René Pélissier, História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, Editorial Estampa, 1997.

Vellez Caroço retira a sua exoneração com a chegada da Ditadura Militar, em dezembro de 1926, era republicano convicto, vê-lo-emos envolvido em insurreições, mais tarde. O novo governador é António Leite de Magalhães, até abril de 1931, data da chamada Revolução Triunfante. O novo governador pretendia ser o homem do desenvolvimento económico dos indígenas, chega à Guiné quando as plantações europeias, do final do século passado, estavam mortas ou falidas. A grande exceção era uma sociedade luso-alemã, a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, será alvo de suspeitas de camuflar uma futura base de submarinos dos alemães, nos Bijagós. Constrói-se muito em Bissau, Bolama começa a morrer lentamente. Fruto das severas restrições orçamentais, reduzem-se os efetivos metropolitanos e até o número de postos administrativos, estes só voltaram a subir em 1936. Em 1928, o Regime do Indigenato codifica a distinção entre assimilados e indígenas, o que deixa uma boa parte dos Grumetes indignados, por não poderem demonstrar que têm conhecimentos suficientes de português. O poder militar e político dos chefes indígenas está morto, primeiro com a prisão de Abdul Indjai, e depois com a operação de retalhar o império do Gabu do régulo Monjur.

A chamada Revolução Triunfante é o grande acontecimento de 1931, os republicanos dominam a situação na Guiné entre 17 de abril e 7 de maio, foi uma aventura sem futuro. Contrariando o que dizem muitos historiadores de que o continente guineense está pacificado em 1915, Pélissier regista um massacre étnico, entre setembro de outubro de 1931. Os Papéis atacam à espada ou à catana uma aldeia de Mancanhas, a guarnição de Bissau não intervém, os Grumetes terão um comportamento ambíguo. Os massacres ganharam tais proporções que Soares Zilhão, que viera substituir Leite de Magalhães, decreta o estado de sítio na ilha, irão ser irradiados os chefados Papéis de Intim e Oncompia, os chefes de Antula, Bandim, Bor e Safim, todos deportados para São Tomé.

O Major de Cavalaria, Luís António de Carvalho Viegas, será governador entre 1933 e 1940. É do seu tempo o famoso caso de um avião francês desaparecido em chão Felupe, que tratei largamente aqui no blogue, Pélissier dá-nos um vastíssimo quadro de idas e vindas, com toda a turbamulta que ocorreu nesses pontos do Norte da Guiné. E o historiador aborda o problema cabo-verdiano. “Os portugueses metropolitanos na Guiné não amam os cabo-verdianos. Censuram-lhes serem indignos de confiança e terem uma mentalidade de guarda de forçados das galés em relação aos negros. Inversamente, os cabo-verdianos instruídos consideram-se muito superiores aos portugueses. Os números mostram-nos que a Guiné volta a ser uma colónia de Cabo Verde, ou melhor, de certos cabo-verdianos, bem mais claramente que durante o período 1879-1909. Em 1936, metade dos funcionários de craveira média são cabo-verdianos. Bissau comporta um bairro cabo-verdiano com uma dezena de ruas; grande número das amantes dos brancos são mestiças de Cabo Verde. Nos 6009 civilizados e assimilados da Guiné, em 1933, bem pode avaliar-se que mais de metade são cabo-verdianos.”

Temos agora a última campanha de Canhabaque entre novembro de 1935 e fevereiro de 1936. Canhabaque é o último bastião que não quer conhecer o seu colonizador, é uma singularidade desse arquipélago em que a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné possui plantações de palmeiras em Bubaque, Rubane e Soga, é de longe a maior empresa da Guiné com os seus 300 km de pistas privadas, um cais em betão e exportações diretas em cargueiro vindo de Hamburgo. O historiador descreve a evolução dos acontecimentos, a capacidade de resistência da gente de Canhabaque, a necessidade que as autoridades portuguesas tiveram de chamar para a expedição militar régulos Mandingas e Fulas. A gente de Canhabaque foi forçada a render-se, mas mantiveram-se inteiramente livres, apesar de três postos existentes naquela terra Bijagó.

No final do seu trabalho, Pélissier lembra-nos que a velha fortaleza de Bissau, por uma portaria de novembro de 1939, foi classificada como monumento nacional. Quando chegar a Segunda Guerra Mundial, a Guiné vive em paz, apesar de não se poder falar em domínio completo quanto aos Bijagós e aos Felupes, e tece uma observação: “Contrariamente aos Macondes, os últimos a submeterem-se e os primeiros a lançarem-se na luta de libertação em Moçambique, a participação dos Felupes e dos Bijagós ao lado do PAIGC, foi coletivamente subestimável, enquanto que, sem falar de Canhabaque, o triângulo Felupe estava estrategicamente bem situado para desempenhar o papel de abcesso de situação.”
E temos as conclusões.
“Sem querer entrar numa análise muito profunda, constatamos que a Guiné regista, entre 1841 e 1920, o mínimo de 72 campanhas. A História da Guiné é regada pelo sangue das suas vítimas. Se afirmarmos que, em 140 causas económicas, políticas ou específicas à colonização portuguesa, somente dez são económicas, estando os problemas fundiários notoriamente ausentes, contrariamente à colonização em Angola, devoradora de terras. A hostilidade ou a agressividade comercial continua marginal em todos os aspetos.

Do mesmo modo, com 18 casos, as causas específicas à colonização portuguesa na Guiné, são secundárias. A única e tardia aparição (1924) do trabalho forçado leva-nos a dizer que nada existe de comum entre a Guiné e a África centro-austral portuguesa. Impõe-se, de maneira incontestável, a preponderância das causas políticas (…) Podemos colocar uma questão que, aos olhos do historiador da colonização, não é tão ociosa quanto parece. Qual teria sido a situação na Guiné, se o Portugal do século XIX tivesse obtido o território que reivindicava (grosso modo, da Gâmbia ao Cabo Verga, com as terras altas do Futa-Djalon)? As constatações que desenvolvemos quanto à fraqueza dos futuros angolanos e moçambicanos, face à colonização portuguesa, parece-nos igualmente válidas para os futuros guineenses serão assim recapituladas: a) ausência ou fragilidade da sua coesão; b) falta de capitais, de conhecimentos modernos, de apoios exteriores e mesmo líderes carismáticos. Nem uma vez, durante o período formador (1841-1936), se viu na Guiné uma revolta anticolonial supraétnica. Casos de resistência, sim; revoltas após submissão, não. Nem uma vez encontramos um só chefe ou notável africano, na Guiné, falar em nome de outra coisa que não seja dos interesses do seu clã, da sua etnia, da sua classe ou da sua religião (Islão). Era inevitável num país tão fragmentado e batido por vagas exteriores, que o consideravam mais como um terreno de caça ou de refúgio, que como a entidade política que ainda não era.

Nascida no cheiro da pólvora, a Guiné parece-nos ser uma das consequências típicas da artificialidade da colonização europeia na África negra mas, ao mesmo tempo, ela confirma o seu papel insubstituível de matriz das jovens nações.”


Damos por concluída esta digressão de pontos de vista que possam contrabalançar todos os silêncios que existem no Boletim Oficial da Província da Guiné.

Fotografia oferecida por René Pélissier (1935-2024) ao blogue
Tríptico do pintor Manuel Lapa, alusivo aos preparativos de Nuno Tristão e à sua expedição até ao Norte da Senegâmbia, onde faleceu. Constava na Segunda Sala da exposição do V Centenário do Descobrimento da Guiné, 1946
Imagem retirada do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, finais de 1950, onde se refere que o tríptico foi oferecido à Casa do Algarve, que já não existe. Por onde andarás, Nuno Tristão?
Documentos referentes à chamada Revolução Triunfante, o movimento revolucionário que conquistou precariamente o poder em 1931, depois foi rapidamente sufocado pela Ditadura Militar
Escarificações no arquipélago dos Bijagós
Homens grandes de Bubaque.
Estas duas últimas imagens foram retiradas do trabalho Por Entre As Dórcades Encantadas: Os Bijagó Da Guiné-Bissau, por Dilma de Melo Silva, 2000
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Nota do editor

Último post da série de 16 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27021: Historiografia da presença portuguesa em África (490): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, ainda 1928 e 1929 (44) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27046: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVII: Mansoa, o rio Mansoa, as suas pontes (1923 e 1964)







Foto nº 1, 1A, 1 B e 1 C









Foto  nº 2, 2A, 2B, 2C, 2D, 2E


Foto nº 3





Foto nº 4, 4A e 4B



Foto nº 5


Foto nº 6


Guiné > Zona Oeste > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Mansoa > s/ d>   

Legendas: 

Foto nº 1 > Troço da estrada alcatroada Bissau - Mansoa e duas pontes sobre o rio Mansoa: a mais antiga, em pedra,  construída na época seca, e inaugurada em maio de 1923, pelo governador Vellez Caroço, ponte essa que tomaria o seu nome; em junho de 1947 seriam iniciados trabalhos para substituir a antiga ponte Vellez Caroço, inutilizada nos seus pilares e tabuleiro; em 1964 foi inaugurada a nova ponte, em arco,  de betão armado, pintada de branco, obra típica do Estado Novo (não confundir com a nova Ponte  Amílcar Cabral, ttambém sobre o rio Mansoa, mas em João Landim, a 20 km da capital, inaugurada oficialmente em 2004: construída com financiamento da UE, liga o norte e o sul da Guiné-Bissau, tem 785 metros de comprimentos e 11,4 metros de largura, com duas faixas de circulação automóvel de 3,5 metros cada.

Foto nº 2 > Em primeiro plano, vê-se um grupo de rapazes e raparigas que parece terem vindo da pesca no rio Mansoa; ao fundo, vê-se a antiga ponte Vellez Caroço, de 1923; há uma aglomeraçáo de gente ao longo ponte, não sabemos a razão, as fotos não trazem legendas pormenorizadas, nem datas, mas pode ter sido a visita a Mansoa do "homem grande de Bissau", o novo governador e comandante-chefe da Guiné, António Spínola. Quem se lembra destes tempos (o capelão José Torres Neves esteve em Mansoa, entre maio de 1969 e março de 1971) ?

Foto nº 3 > Uma papaieira (árvore caricácea que produz a papaia); sinónimo, mamoeiro

Foto nº 4 > Pequena plantação de papaieira; em primeiro plano, veem.se uns cinco "jagudis" (abutres);

Foto nº 5 > Duas crianças pilando o arroz (presume-se);

Foto nº 6 > Vendedeiras ambulantes

Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, antigo capelão militar.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O capelão José Torres Neves,
missionário da Consolata
1. Mais fotos do álbum da Guiné-Bissau, do padre José Torres Neves, enviadas
pelo seu amigo e nosso camaradad o Ernestino Caniço.

Ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fev 1971, hoje médico, a residir em Tomar; o Ernestino Caniço fez amizade com o Zé Neves, e este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné (ao tempo, província portuguesa da Guiné), que temos vindo a publicar desde março de 2022; são cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus diapositivos, digitalizados; uma coleção única, preciosa.

O Ernestino Caniço tem sido o zeloso e diligente guardião do álbum fotográfico da Guiné, deste padre missionário da Consolata, José Torres Neves:  os dois merecem as nossas palmas, quentes e efusivas. 

O José Torres Neves, ex-alf graduado capelão,  integrou 
o BCAÇ 2885,  sediado em Mansoa. Prestou serviço 
de 7 de maio de 1969 a 07 a 3 de março de 1971.  Segundo a informação que temos, foi o único sacerdote das Missões da Consolata a prestar serviço na Guiné como capelão militar.

Recorde-se que o padre José Torres Neves, nosso  grão-tabanqueiro, é natural de Meimoa, Penamacor,  reformou-se recentemente de uma vida inteira, abnegada, dedicada às missões católicas, nomeadamente em África. Tem já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue.

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 15 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27017: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVI: a presença da Igreja Católica em Mansoa


terça-feira, 22 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27045: (De) Caras (236): Sobrenomes invulgares dos militares do BCAV 2867 (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)

1. Em mensagem de 1 de Julho de 2025, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos um texto com sobrenomes invulgares de militares do seu Batalhão.


SOBRENOMES INVULGARES DE MILITARES DO BCAV 2867

APÓS CONSULTA DA HISTÓRIA DA UNIDADE

No ano de 1962, na Escola Comerial de Oliveira Martins, tive um professor de Português que era um colecionador apaixonado por diversas coisas. Uma das suas coleções consistia em obter e registar nomes invulgares, mas reais, de indivíduos.

Na altura fixei alguns nomes, que agora não lembro, mas há um que ficou gravado na minha memória. E o nome é “José Casou de Calças Curtas”, de um brasileiro, está bem de ver. Por outras fontes registei outros nomes, também reais e que são: António Pancadas Acabado; Um Dois Três de Oliveira e Quatro; Pedro Penedo da Rocha Calhau, Pica Sinos e Aurora da Liberdade Viva a Républica.

Em tempos, em conversa com amigos sobre o tema e sabendo que no meu Batalhão (BCAV 2867) havia sobrenomes de camaradas, também invulgares, consultei a História da Unidade e daí resultou a seguinte lista:

Cuco
Galinha Jorge
Toucinho
Tarrinca
Cabeceira
Birrento
Calção
Chambrinho
Poupada
Bicho
Parracho
Paquim
Boleto
Negalho

Barriga
Fachada
Carrão
Portásio
Cabeçarra Valseiro
Vestias Palhinhas
Cachucho
Estreito
Inverno Chainça
Palhaça Lérias
Saiote
Vestias
Tacão
Ratola
Brissos
Sandonico Cascalho
Vale de Râ Lauzinha
Minorsa
Tanca Galinha
Xufre
Coelho Rijo
Tendeiro Ameixa
Brilho Faritas
Cerqueiro Repolho
Samouqueiro
Estevainha
Pagarim Lança
Engrossa
Chaveiro
Sota
Limpinho
Chita Ferragem
Ratalho
Rolo Jarreta
Acatis
Verdade Ventinhas


Arcozelo/Gaia, 01 de Julho de 2025

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Nota do editor

Último post da série de 20 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26940: (De) Caras (235): Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... (Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art)

Guiné 61/74 - P27044: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (58): O racismo em Portugal... onde ninguém sabe se os seus antepassados foram escravos ou esclavagistas...


1. Mensagem do nosso camarada António Rosinha (foto à esquerda, em Pombal, 2007, por ocasião do II Encontro Nacional da Tabanca Grande; foi fur mil, ainda do tempo da farada "amarela", em Angola, 1961/62; topógrafo em Angola, para onde foi adolescente, africanista de alma e coração, regressou a Portugal em novembro de 1974, emigrou para o Brasil da ditadura militar (que vigorou de 1964 a 1985), e mais tarde para a Guiné-Bissau do partido único, onde trabalhou, de 1978 a 1993,  na empresa TECNIL, ao tempo do Luís Cabral e do 'Nino' Vieira, "camaradas", "heróis da liberdade da pátria",  que ele conheceu bem no poder; entrou para o nosso blogue,  em 29/11/2006, é um histórico da Tabanca Grande; é autor da série "Caderno de Notas de Um Mais Velho"; tem cerca de 150 referências no blogue).


Data - 17 de julho de 2025 14:13
Assunto - Os internautas e o racismo (em) "português"

Entre verdades, mentiras e fantasias, parece um fenómeno ver tanta gente a analisar, esmiuçar e excomungar os últimos 610 anos da história de Portugal, 1415-2025.

Já se misturam as viagens dos Descobrimentos com as colonizações e escravidões, e no caso dos brasileiros e brasileiras, que descobriram a terra de origem de Cabral há apenas poucos anos, estranham imenso o comportamento do "portuga" que conheciam há séculos na sua rua vendendo cachaça no botequim da esquina, comparando com o comportamento dos portugas que vieram encontrar em Lisboa e arredores.

"Brasileiro, vai prá tua terra"

São historiadores, antropólogos, filósofos, poetas, políticos, gente de todas as latitudes e longitudes, mas principalmente o que vai do Minho a Timor, e de Goa a Mato Grosso do Sul, mas principalmente na ex-capital do império, onde parece que veio reunir-se pelo menos um representante de todos aqueles cantos do mundo.

São facebook, blogs, youtube,  jornais... e coisas que não pratico, tudo emite opinião sobre o assunto mencionado, o característico, ou incaracterístico racismo dos portugueses.

E depois entra o colonialismo e a escrividão africana, que foi a mais infernal aos olhos de hoje..

E aparecem os queixosos como se fossem eles sofrer o que sofreram os seus quinquavós, sem terem a certeza se este foi o escravo ou o do chicote, e outros o contrário, a pedirem perdão pelo seus antepassados esclavagistas, sem saberem se eles foram escravos ou esclavagistas.

Tem gente surpreendida, pois verifica que, ao fim de séculos, não sabe de que lado ficar, se do lado do que foi colonizado, se do lado do que foi colonizador, que sendo fruto dos dois, (no Brasil agora chamam-se de pardos) pois ficou entre um e o outro, sem saber para onde se virar.

E subentende-se automaticamente que o principal culpado da sua existência é quem???

Daí, até tem virtude um bom apartheid, onde se evitava uma futura hierarquia. Matizada, em que fica muita gente baralhada, com o resultado final do fenómeno da mestiçagem, ao qual pertence.

Mas, de facto, o português, racista ou não, ou incaracteristicamente racista, deu e dá azo a muitas queixas, ao querer isentar-se de culpas que lhe são atribuídas pelos colonialismos que fez, ou não fez e devia ter feito.

É preciso desmascarar o racismo português, dizem alguns, "o meu pai era português, mas tinha criados e lavadeira e não os mandava à escola".

Mas a autoflagelação de alguns portugueses "que teremos que devolver às antigas colónias aquilo que trouxemos de lá", só me faz vir à ideia que termos que fazer uma grande cerimónia para entregar a Moçambique o grande Eusébio, criando uma vaga na igreja de Santa Engrácia.

Como retornado tento não fazer humor com este assunto, mas é difícil resistir.

Não serão vítimas de bullying, de todos os lados, os heróis do mar?

Quando joga a seleção nacional, verificamos sempre se há alguém que não soletra o hino nacional.E verificamos se não fica corado, quando o faz.

Um autor (Paulo Varela Gomes) ficcionou um inglès de olhos azuis e loiro e outro inglês sem olhos azuis nem loiro, em viagem a Goa,

Um tinha tratamento à inglesa, o outro insistentemente com tratamento um pouco menos, e tinha que provar que não era português.

Fico por aqui, para não me esticar demais.

Cumprimentos

Antº Rosinha

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 16 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26590: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (57): O "15 de Março de 1961": quem ganhou, quem perdeu ? Quem ficou na pior, previsivelmente, foram mesmo duas ou três gerações de angolanos.

Guiné 61/74 - P27043: Notas de leitura (1822): 2ª edição do livro do nosso José Saúde, "Aldeia Nova de São Bento" (Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp.)



Foto nº 1 > Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa,  anos 30 > O Poço do Lobo  (1)... Hoje fica na Rua do Poço do Lobo. A povovoação, cuja origem remonta à guerra da restauração (Séc. XVII) foi elevada à categoria de vila em 1988.


Fotos nºs 2 > Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa, anos 30 > O Poço do Lobo  (2)


Foto nº 3 > Aldeia Nova de Sáo Bento, concelho de Serpa > s/d > Rapariga com "enfusa" à cabeça


Foto nº 4 >  Aldeia Nova de Sáo Bento > Serpa   > José saúde, o autor quando jovem... Aos 9 meses, em 1951...Vê-se o braço da mãe, que o ampara...

José Saúde > Página do Facebook > Fotos do seu álbum (Com a devida vénia...). Presume-se que as fotos nºs 1,2 e 3 sejam do domínio público. (LG)


Fotos (e legendas): © José Saúde (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso José Saúde,  jornalista e escritor, ex-fur mil OE/Ranger, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), antigo desportista, "aldeano", hoje a viver emn Bejam membro da nossa Tabanca Grande, com 255 referências no nosso blogue, publicou em 2021 o seu decimo livro;

José Saúde - "Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes" 2.ª ed. Lisboa: Edições, 2021, 299 (Prefácio de David Monge da Silva) (Preço de capa atual: 14,40 €).

Apraz-nos registar que a obra foi muito bem aceite pelos seus conterrâneos, pelo que já saiu uma 2ª edição. Vão daqui as nossas palmas para ele e os demais "aldeanos".

Aproveiutamos para publicar, editadas, algumas fotos do seu álbum, disponíveis na sua página do Facebook.


Sinopse

Recanto de imensas conversas, a bica, onde o pessoal da nossa aldeia recorria para encher mais uma “enfusa” de água ou para atestar mais uma pipa instalada num carro de animais que se protegiam debaixo de um enorme chorão ali existente, era um local deveras enternecedor.

(…) Mulheres trajando com os xailes pretos, assim como outras com lenços atados à cabeça, outras com “enfusas” já cheias e transportadas irrepreensivelmente sobre a nuca, outras esperando, gentilmente, que chegasse a sua vez para chegarem às bicas de água, que eram duas, uma menina de pé descalço, um burro que bebia na pia localizada a meio. Enfim, pedaços de histórias que ficam aqui retratadas e que visam trazer à opinião pública um passado que merece um inexcedível respeito.

***

(...) "Ao ler estas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudar a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

(...) Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

(...) Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

(...) As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós. Este livro é serviço público." (...)


David Monge da Silva | Fonte. Edições Colibri, página do Facebook, 19de dezembro de 2021 


Sobre o autor, José Saúde:

(i) nasceu em Aldeia Nova de São Bento no dia 23 de novembro de 1950, todavia, o seu registo oficial de nascimento reporta-se a 23 de janeiro de 1951;

(ii) desportivamente, iniciou a sua carreira futebolística no Despertar Sporting Clube e aos 16 anos ingressou no Sporting Clube de Portugal;

(iii) como jogador sénior representou o Desportivo de Beja, o FC Serpa e em 1974 foi um dos grandes impulsionadores do futebol de competição na Aldeia Nova de São Bento ao reativar a atividade no Clube Atlético Aldenovense;

(iv) tem colaborado ativamente na Imprensa Regional e Nacional como comentador desportivo.e como cronista do que foi a vida dos seus pais e avós;

(v) tem uma dezena de livros publicados, sobre a sua história de vida,  incluindo  a sua experiència omo militar na Guiné, durante a guerra colonial.


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 18 de julho de 202 > Guiné 61/74 - P27030: Notas de leitura (1820): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) - 3 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27042: (in)citações (276): Os sinais de Deus (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais)


1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de 20 de Julho de 2025:


OS SINAIS DE DEUS

Era para ser uma consulta normal de oftalmologia.
Na quarta feira a caminho de Lisboa, pareceu-me sentir algo diferente na minha vista direita mas não dei importância por já ter alguns problemazitos anteriores que eram, aliás, motivo da consulta.
Na consulta a médica, muito simpática e competente, (amiga do meu filho mais velho e da minha nora), mandou-me ler com a vista direita as habituais letras do quadro e foi então que percebi que não via nada daquela vista, estava tudo negro, excepto uma pequena nesga do lado direito que ainda tinha imagem.
O susto foi enorme e feitos os exames competentes logo se chegou ao diagnóstico de um grave descolamento da retina que necessitava de intervenção cirúrgica urgente.
A competência e dedicação da médica foram inexcedíveis e conseguiu que uma sua colega arranjasse tempo para me operar no fim da manhã seguinte.

Assim aconteceu e, para encurtar razões, já me encontro em casa, em repouso prolongado para garantir o bom êxito da operação.
Como em tudo o que me acontece hoje em dia tento sempre ver a presença de Deus e o que Ele me quer dizer no que me vai acontecendo.
Assim escrevo este texto que vai ser o último destes próximos dias.

Os sinais de Deus
A mão de Deus


Esta consulta já tinha sido adiada por mim.
Se fosse quando estava marcada inicialmente o problema não teria sido detectado.
A mão de Deus guiou-me para o tempo certo e as circunstâncias certas.
Nas coisas de Deus não há coincidências, há “deuscidências”.

Sinal de Deus

A constatação de que nada via da vista direita, como se fosse uma cortina preta, excepto a pequena nesga do lado direito, levou-me a reflectir que muitas vezes nós colocamos essas “cortinas” na nossa relação com Deus e apenas O queremos ver em pequenas partes das nossas vidas.
Também precisamos de uma “operação espiritual” que remova essas “cortinas” da nossa visão de Deus.

A presença de Deus

Depois do enorme susto de perceber a perda da visão naquela vista, sobreveio uma grande serenidade, aceitação e entrega à vontade de Deus.
Entreguei tudo por aqueles que podendo ver Deus querem continuar cegos à Sua presença nas suas vidas.
Nas horas que fui passando nos cadeirões e macas, fui invocando o Espírito Santo e servindo-me dos dedos das mãos para ir contando as contas do Rosário, sentindo assim bem viva a Sua presença com Maria nossa Mãe junto de mim.

O amor de Deus

As médicas, as enfermeiras, auxiliares, administrativos daquele Hospital dos Lusíadas, foram de uma simpatia e dedicação a toda a prova, (e reparei que não era só comigo), e isso foi para mim o amor de Deus a rodear-me.
A minha comunidade paroquial da Marinha Grande com os seus grupos a que pertenço com enormes amizades, as minhas amigas e amigos do Renovamento Carismático Católico, no CHARIS, Pneuma, Comunidade Emanuel também do Alpha com as suas orações, foram também, sem dúvida, sinal visível do amor de Deus para mim.
O meu “velho” grupo de amigos de Lisboa com o Grupo de Forcados de Montemor e não só, já desde a juventude, com a sua amizade e solidariedade, foram uma expressão muito sentida deste amor de Deus que une os amigos. Um deles até escreveu logo que esperava um texto sobre o “acontecimento”!
Os meus filhos, nora e genro, a minha mulher, a minha irmã e irmãos, a minha família e ligados a ela, com o seu carinho e ternura foram e são sempre a parte mais visível e próxima do amor de Deus na minha vida.

A todos, muito, muito obrigado.
Guardo-vos nas minhas orações
Deus vos abençoe, proteja e guarde sempre.
Realmente o amor de Deus não tem largura nem comprimento, é incomensurável, eterno e manifesta-se das mais variadas formas.
Obrigado meu Deus por tanto que me dás e eu dou-Te tão pouco.

Marinha Grande, 19 de Julho de 2025
Joaquim Mexia Alves

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Notas do editor

- Este texto pode ser lido na página do facebook do nosso amigo Joaquim Mexia Alves, clicando no título

- Último post da série de 4 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26982: (in)citações (275): Jorge Ferreira, "um dos nossos mais velhos"... "Jorge, até aos 100 é sempre em frente!... É só preciso ter cuidado com as minas e armadilhas!... E um dia Buruntuma ainda será grande!" (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27041: Notas de leitura (1821): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Ínvios são os caminhos de que pesquisa e de quem tem a ambição de arregimentar a documentação mais relevante com a leitura do processo colonial e da descolonização que aconteceu depois do 25 de Abril. O que sempre muito me impressionou em Almeida Santos é a raríssima associação entre o poder da escrita e o vigor discursivo, lembro-o em plena Assembleia da República discorrendo como se tivesse a escrever, possuidor de uma riqueza vocabular incomum, simples e fluente. Não mascara o papel que desempenhou na oposição democrática em Moçambique, e o desempenho histórico que lhe coube na descolonização. Dirá deste primeiro volume, que se lê de um só fôlego: "Esta é a minha verdade sobre o estertor do colonialismo e sobre o dossiê da descolonização; sobre os mais salientes acidentes do processo revolucionário posterior a abril que lhe determinaram o tempo, o modo e o resultado final. Deixo ligados a tudo isso inolvidáveis momentos da minha vida. Nem todos agradáveis. Apesar disso, foi reconfortante recordá-los."

Um abraço do
Mário



Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1)

Mário Beja Santos

Em 2006, Casa das Letras/Editorial de Notícias e Círculo de Leitores deram à estampa as mais de mil páginas das memórias de Almeida Santos centradas na sua vida em Moçambique, o seu olhar sobre o processo colonial e as suas causas remotas, como se chegou ao 25 de Abril, a sua intervenção direta em sucessivos governos, a evolução do processo revolucionário, ponto em que se encontrava a guerra da Guiné e a leitura internacional que se fazia do conhecimento da independência da antiga colónia, isto matéria que ele versa no primeiro volume; a obra seguinte inicia-se com a descolonização da Guiné e prossegue com a narrativa de diferentes descolonizações até se chegar à frustrada descolonização de Timor e à não descolonização de Macau.

António de Almeida Santos, a opinião é da minha exclusiva lavra, foi o mais eloquente tribuno que passou pela Assembleia da República depois do 25 de Abril, discursava tal como escreve, possui um domínio absoluto da escrita, simples, mas deslumbrante do uso do termo próprio, não faz conceções a qualquer primarismo de juízo, não se furta à análises mais tortuosas.

Lembra o seu encontro com D. Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, uma conversa decisiva, desfiou as suas observações sobre os Direitos Humanos, o trabalho forçado (herdeiro da escravatura), o Estatuto do Indigenato, com o seu cortejo de sujeições, os chibalos, compulsivamente arrebanhados e enviados para as minas do Transval, as palmatoados compulsivas da produção do algodão. “Tudo isso desfilou perante o basbaque que eu era ali, certificado pela clarividência aguada do sentido cristão de justiça daquele sacerdote que falava dos negros como Cristo havia falado dos pobres.” O que o remete para outras lembranças, os negros que Almeida Santos vira a trabalhar em Angola com uma inamovível esfera de ferro ligada por cadeias a um tornozelo, entre outras ignominias; em Moçambique, onde exerceu de 1953 a 1974 advocacia viu de perto como se comportava o Apartheid.

Elenca a obstinação do Estado Novo e do seu líder em recusar os ventos da história, assobiando para o lado com o mundo emergente da Segunda Guerra Mundial, a tentativa fruste de imaginar que estávamos em África há cinco séculos, e como o chamado Império não fosse mesmo desdenhado em obras de grandes escritores, como Eça de Queiroz, e não tivessem havido críticas assanhadas até de administradores coloniais como António Enes e Norton de Matos e denúncias como a que Henrique Galvão fez no seu relatório sobre o trabalho forçado, matéria que Almeida Santos analisa ao detalhe. Homem do Direito, percorre os sistemas jurídicos africanos e revela-nos como o nosso sistema jurídico produzia um choque brutal nos diferentes processos culturais das etnias africanas. Inevitavelmente fala dos nacionalismos, o branco e o negro, recorda que pertenceu ao Grupo dos Democratas de Moçambique, o principal esteio da oposição democrática na colónia, o seu poder assentava nos abaixo-assinados; e não deixa de referir o balão de oxigénio que o regime encontrou no luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, uma tremenda confusão entre desejos e realidades. O autor vai mais longe, disseca as causas remotas até se chegar a 1961, o ano de todos os avisos.

E os movimentos emancipalistas entraram em cena, o Estado Novo indiferente com o que se passava na Argélia ou na Rodésia, o abandono gradual das potências coloniais em África; e os anos do fim com Marcello Caetano, lembra a completa dissonância deste assegurando em discurso a defesa intransigente do Ultramar e procurando, pela porta do cavalo, negociar com o PAIGC, à procura de uma saída política, já que a militar caminhava para o desastre. O regime não tinha solução política, veio o 25 de Abril. O autor disserta sobre a constituição do I Governo provisório, as viagens que fez a África, as notícias que diariamente chegavam dos diferentes teatros de guerra que ninguém queria continuar a combater, como se chegou à Lei 7/77, que abria caminho à autodeterminação das colónias. E explana sobre as determinantes de descolonização, as pressões internacionais, as constantes manifestações em Portugal para pôr termo à guerra colonial e o caso particular da Guiné em que a 1 de julho, numa Assembleia Geral do MFA se exigia que o Governo português reconhecesse imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau.

O autor demora-se a contar a atitude do general Spínola face à descolonização da Guiné. Spínola entrara em conflito consigo mesmo, confrontava-se com a Comissão Coordenadora do MFA e até com o general Costa Gomes. A descolonização da Guiné era para ele um sapo muito difícil de engolir e o autor observa: “Quando partimos para Londres, onde teve lugar a primeira reunião entre a delegação portuguesa e a do PAIGC, o essencial estava definido que era impensável tentar impor ao PAIGC uma consulta popular; impensável deixar de reconhecer o PAIGC como último e legítimo representante do povo da Guiné; impensável recusar o reconhecimento da Guiné-Bissau como novo Estado soberano; impensável seguir outra via que não fosse a da negociação direta entre o Estado português e o PAIGC. Ainda a lei 7/77 não tinha sido publicada e já o comunicado resultante da visita a Lisboa do secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim, se situava também no tempo futuro. Mas nem por isso restava a menor dúvida sobre os citados pontos.” Houve discussão acesa entre Spínola e Mário Soares, Spínola negava-se a admitir que era um processo sem retorno, corria-se o risco do PAIGC poder voltar a pegar nas armas, seria para nós a humilhação suprema.

Os rancores de Spínola pelo PAIGC foram exibidos numa sessão protocolar. “No almoço que teve lugar em Belém, a convite do Presidente, na sequência da homologação do acordo de Londres, o Presidente Spínola sentou o comandante Pedro Pires, que no ato representava o PAIGC, do outro lado da mesa, à direta do General Costa Gomes. E sentou à sua direita o embaixador do Brasil. No brinde final, destacou com particular ênfase o mesmo embaixador, a quem ostensivamente intitulou de seu principal convidado. E, sem deixar de saudar o povo da Guiné, bebe à memória dos três oficiais portugueses, emboscados e mortos, quando se dirigiam, desarmados e em missão de paz, ao local de um encontro secreto aprazado com o PAIGC.
Seguiu-se um momento de expectativa tensa. Mas o Comandante Pedro Pires, de seu feitio controlado, ergue por seu turno o cálice, brindou pelo futuro das relações do povo português e o povo da Guiné-Bissau, e de imediato pediu licença para se retirar. Tive assim a oportunidade de assistir à última batalha do General Spínola com o PAIGC. E tirei para mim a conclusão de que é errado pôr quem fez a guerra a negociar a paz!”
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Nota do editor

Último post da série de 18 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27030: Notas de leitura (1820): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) - 3 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27040: Parabéns a você (2398): Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70)

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Nota do editor

Último post da série de 19 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27031: Parabéns a você (2397): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 e CART 2732 (Bula e Mansabá, 1970/72)

Guiné 61/74 - P27039: Agenda Cultural (897): Programa "Linha da Frente", reportagem "Marcados pela Guerra": RTP 1, quinta-feira, dia 24, às 21h00... Um dos participantes é o nosso camarada José Saúde (ex-fur mil OE/Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74; vive em Beja)



O nosso camarada José Saúde (ex-fur mil OE / Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74; vive em Beja; tem 254 referências no nosso blogue) é um dos participantes  no programa “Linha da Frente": esta semana, dia 24 de julho, quinta-feira, às 21h, na RTP1. A não perder.

Imagens: O Zé Saúde, fotrograma do "trailer" do documentário, e página do Facebook do programa "Linha da Frente" (  com a devida vénia...


Sinopse

“Marcados Pela Guerra” é uma reportagem da jornalista Sandra Claudino, com imagem de Emanuel Prezado, e edição de Nuno Castro,  para ver no “Linha da Frente, esta semana, dia 24 de julho, quinta-feira, às 21h, na RTP1.

Entre 1961 e 1974 cerca de 800 mil jovens portugueses partiram para combater nas colónias africanas. 

Hoje, 60 anos depois, a guerra mantém-se viva na memória dos que estiveram nas três frentes de batalha: Angola, Guiné e Moçambique.

“Marcados Pela Guerra” mostra a profundidade e persistência do impacto psicológico da Guerra Colonial nos ex-combatentes.

O stress pós-traumático, frequentemente não diagnosticado e silenciado ao longo de décadas,  moldou vidas e deixou marcas invisíveis na saúde mental de milhares de homens.
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 20 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27037: Agenda cultural (896): 9ª edição da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro 1808: Lourinhã e Vimeiro, 18, 19 e 20 de julho de 2025 - II ( e última) Parte

Guiné 61/74 - P27038: Manuscrito(s) (Luís Graça) (271 ): Pôr-do-sol na varanda do Vigia, GAPAB -Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca: onde a terra acaba e o Atàntico começa, há um varanda que guarda o último suspiro do sol...


Pôr-do-sol na varanda do VIGIA, GAPAB - Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca, Lourinhã... Onde a terra acaba e o Atântico começa, há um varanda que guarda o último suspiro do sol...

(Cartaz gerado por assistente de IA / LG)



Lourinhã, Praia da Areia Branca, varanda do VIGIA, 19 de julho de 2025, 20:44

Fotos: © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cuidado, frágil, adorador do sol

por Luís Graça


No teu testamento vital,
que é também uma declaração de interesse,
vais ter que escrever que não tens religião,
mas és adorador do sol,
veneras o sol como um deus,
deves a vida ao sol.

Fica de fora a lua, 
e mais ainda o "black, dark, side of the moon".
(Passaste há dias,  na rua,  
por uma mulher 
que escolheu esta frase tão sensaborona
ou se calhar, genial, provocadora, feminista,
para pôr ao peito,
na parte da frente  da sua t-shirt,
intencionalmente preta e suja...
Pensaste:  já é tudo tão vulgar, tão "kitsch", tão triste... 
Ou talvez não, se elevares a frase
 à categoria do sarcasmo social!).

Não sabes se é pecado maior,
aos olhos dos guardiões do céu,
adorar o sol.
Nem sabes se o deus todo poderoso das religiões monoteístas
tem ciúmes do sol, tão adorado,
afinal sua criatura, finita, 
um deus menor.

Os pobres dos antigos egípcios,
que já tinham a mania que eram astrólogos e astrónomos,
adoravam o sol, o deus-Rá: 
tinha  um corpo humano com cabeça de falcão,
e sobre a cabeça um disco solar e uma cobra enrolada...
Divindade híbrida,  
criador do mundo, 
era ele quem trazia a luz e regulava a vida,
viajando pelos céus durante o dia na sua barca solar,
e mergulhando à noite no submundo das trevas,
para combater a entropia e as forças do mal...

Tu,  animista, heliocêntrico, te confessas.
És um tonto de um girassol.
Perturbam-te os eclipses, totais ou parciais, do sol.
Extasias-te com o pôr-do-sol, 
e não tanto com o nascer-do-sol.
Sabes que o sol é um dado adquirido,
mesmo que não nasça para todos,
como já não nascia no vale do Nilo 
no  tempo dos faraós e do deus-Rá.

Sabes que podes contar com ele,
todas as manhãs, ao acordar,
mesmo em dias de céu cinzento, nublado, deprimente.

Mas também te aterroriza o pôr-do-sol,
onde se oculta, emboscada, a morte.
Aterroriza-te saber que um dia, 
daqui a alguns milhões de anos,
o sol apagar-se-á.
Ou implodirá.
Perguntar-te-ão: que te  importa, pobre diabo,
se sabes que vais morrer um dia destes ?!

Pensava-lo imortal, ao deus-sol, mas é finito:
quando descobriste,  aos teus catorze ou quinze anos,
que um dia o sol iria morrer,
tornaste-te ateu (ou, talvez melhor, agnóstico,
ou talvez nem isso:
tiveste muito simplesmente a tua primeira crise existencial).

Nunca ligaste ao sol na Guiné,
na tua segunda crise existencial.
Ou melhor: odiava-lo, ao sol tropical, 
odiava-lo com um ódio de morte.
Afinal, ninguém faz uma guerra 
sem ter um ódio de estimação. 
Um inimigo.

Não tinhas o mar, no interior, no mato,
para te deslumbrar com o pôr-do-sol.
Não tinhas o "mare nostrum" dos teus antepassados, o Atlântico.
Apenas os poilões, a tabanca, 
a bolanha e os palmeirais e a savana arbustiva.
Ou a floresta-galeria que te tapava o sol.
Nunca foste ao Boé, onde havia pequenas colinas.
A Guiné era plana, horrivelmente plana, chata como a Holanda.

Ah!, como tu odiavas o sol da Guiné.
Detestavas o sol porque havia guerra,
e penosas operações a pé que te podiam levar
à insolação, à desidratação e, "in limine", à morte.
Detestavas o sol porque não sabias
por que razão havias de morrer de insolação e desidratação
só porque havia guerra no tempo seco.

Odiavas o sol da Guiné,
razão por que sempre preferias a  noite e os seus pesadelos.
Não te lembras de ver a lua, 
ou então só viste o  "black, dark side of the moon".
Dormias de dia, sempre que podias ou te deixavam.

E, quando tu morreres,
se ainda puderes deci
dir
(isto é, escolher onde, como e quando...),
e, se não for pedir muito a quem de direito,
aos seres do panteão,
com cabeças de falcão e braços de serpente,
pois então que peças para morrer ao pôr-do-sol,
frente ao mar da tua infância,
ao Mar do Serro.
Duvidas que os deuses aceitem cunhas, 
por isso não também rezas.

Não, ainda não escreveste o teu testamento vital,
mas esperas ainda ir a tempo de o fazer
e de lá pôr essa cláusula,
para o cangalheiro ler:
'Quero que, no meu caixão,
antes de entrar no forno crematório,
escrevam a tinta anti-fogo:
Cuidado, frágil, adorador do sol".

Lourinhã, Praia da Areia Branca,  Vigia-Gapab, 19 de julho de de 2025
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Nota do editor:

Último poste da série: 17 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (270): Salve, Jaime, ao km 79 da tua picada da vida!

domingo, 20 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27037: Agenda cultural (896): 9ª edição da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro 1808: Lourinhã e Vimeiro, 18, 19 e 20 de julho de 2025 - II ( e última) Parte


Lourinhã, 19 de julho de 2025, 11h30 > 

À emória do nosso camarada Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um dos grandes pioneiros e entusiastas da recriação histórica da Batalha do Vimeiro (1808)

Vídeo: You Tube / Luís Graça (2025) (2' 50'')



9º edição da Recriação Históriica da Batalha do Vimeiro 1808 (18, 19 e 20 de Julho de 2025), este ano dedicado ao tema "Medicina e Farmácia na Época Napoleónica"... Desfile dos grupos de recriadores históricos na vila da Lourinhã, com cerimónia do hastear das bandeiras, às 11h30 do dia 19, na Praça José Máximo da Costa, frente ao edifício da CM Lourinhã.



1. Além da recriação histórica, há também o mercado oitocentista, animação de rua e concertos. Na vila do Vimeiro, até domingo, dia 20. Pode consultar-se o programa, aqui, na respetiva página do Facebook. O ano passado, a 8ª edição, foi já um grande sucesso, pelo número de visitantes (15 mil) e de recriadores hiistóricos (300).


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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27036: Agenda cultural (895): 9ª edição da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro 1808: Lourinhã e Vimeiro, 18, 19 e 20 de julho de 2025 - Parte I

Guiné 61/74 - P27036: Agenda cultural (895): 9ª edição da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro 1808: Lourinhã e Vimeiro, 18, 19 e 20 de julho de 2025 - Parte I



Lourinhã, 19 de julho de 2025, 11h30 >

À memória do nosso camarada Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um dos grandes pioneiros e entusiastas da recriação histórica da Batalha do Vimeiro (1808)

Vídeo: You Tube / Luís Graça (2025) (2' 21'')



9º edição da Recriação Histótrica da Batalha do Vimeiro 1808 (18, 19 e 20 de Julho de 2025), este ano dedicado ao tema "Medicina e Farmácia na Época Napoleónica"... Desfile dos grupos de recriadores históricos na vila da Lourinhã, com cerimónia do hastear das bandeiras, às 11h30 do dia 19, na Praça José Máximo da Costa, frente ao edifício da CM Lourinhã. Parte I



1. Além da recriação histórica, há também o mercado oitocentista, animação de rua e concertos. Na vila do Vimeiro, até domingo, dia 20. Pode consultar-se o programa, aqui, na respetiva página do Facebook. O ano passado, a 8ª edição, foi já um grande sucesso, pelo número de visitantes (15 mil) e de recriadores hiistóricos (300).

Dois momentos altos do dia de ontem, sábado, 19:

  • Recriação histórica da Batalha do Vimeiro: Combate Noturno, 22h00, Vimeiro, Campo de Batalha;
  • Concerto: Brigada Victor Jara e Coro Municipal da Lourinhã, 23h00, Vimeiro, Palco Wellington

Destaque tajmbém para o lançamento do livro de Rui Pires de Carvalho, "Médicos e Cirurgiões do Exército Português na Guerra Peninsular: Percursos, vivências e contributos", 18h00, auditório do Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro.

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Nota do editor: