Queridos amigos,
O mínimo que se pode dizer deste relatório que se julga ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão Castro Fernandes, e datilografado nos anos 1930 por António Pereira Cardoso, importante funcionário colonial, é que se trata de um documento cheio de informação, de muita história e de saber de experiência feito.
O administrador, a fazer fé no que escreveu, palmilhou todo o território e sabia do que falava quando descrevia etnias e culturas. à distância de um século, revela preconceitos e ideias feitas sobre etnias, mas o que aqui importa é o seu poder de observação e o vigor do seu testemunho.
Um abraço do
Mário
Meu Corubal, meu amor (2)
Beja Santos
Nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um dossiê assim apresentado: Província da Guiné – Relatório de autor ignorado (mas que julgamos ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão José António de Castro Fernandes, natural da Índia, cujo filhos residem, ainda, na Guiné.
Um abraço do
Mário
Meu Corubal, meu amor (2)
Beja Santos
Nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um dossiê assim apresentado: Província da Guiné – Relatório de autor ignorado (mas que julgamos ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão José António de Castro Fernandes, natural da Índia, cujo filhos residem, ainda, na Guiné.
O original existia em poder do falecido Capitão Alberto Soares, antigo administrador do concelho de Bolama, combatente das campanhas de pacificação). Quem datilografou em 1931 diz que faltam as primeiras páginas, o que reproduz inicialmente está cheio de tracejado, é manifestamente incompreensível. O manuscrito, como iremos ver, é da década de 1910.
O documento datilografado (presumivelmente em 1931) começa por dizer tratar-se de Cópia – Extraída de um relatório, feito por autor desconhecido. Quem terá datilografado foi António Pereira Cardoso, funcionário colonial vastamente referido em diferentes relatórios das décadas de 1930 e 1940.
Depois de ter falado sobre o rio Corubal, e correspondendo às perguntas do inquérito: Que raças habitam a sua circunscrição? Qual a que predomina? Responde que as raças predominantes eram: Fulas-Forros, Futa-Fulas, Fulas-Pretos, Mandingas, Beafadas, Brames ou Mancanhas, Balantas e Manjacos.
E dá-nos um quadro bastante rigoroso de quem é quem na circunscrição de Buba.
Os Fulas-Forros povoavam todo o território do Forreá, encontrando-se também no Corubal. É raça bastante simpática e nada tem de comum com as outras que habitam a Guiné, distinguem-se pelo seu temperamento linfático e uma constituição fraca, cor mulata, nariz saliente, boca e face regulares, cabelos lanudos e voz suave.
Os Fulas-Forros povoavam todo o território do Forreá, encontrando-se também no Corubal. É raça bastante simpática e nada tem de comum com as outras que habitam a Guiné, distinguem-se pelo seu temperamento linfático e uma constituição fraca, cor mulata, nariz saliente, boca e face regulares, cabelos lanudos e voz suave.
O aparecimento desta raça na Guiné data de 1851, ter-se-iam estabelecido no Forreá pouco a pouco e como emigrantes vindos do Norte e Oriente de África. Para se estabelecer, tiveram de pagar um imposto aos Beafadas, destes receberam toda a qualidade de represálias e vexames, e exemplifica: não lhes era permitido que se deitassem em camas ou esteiras no sentido do seu comprimento; não lhes deixavam possuir qualquer espécie de armamento, ou mesmo instrumento cortante; aos cadáveres só era permitido que dessem sepultura dentro das próprias palhotas.
Assim oprimidos os Fulas-Forros, prepararam a rebelião, nomearam vários cabecilhas, entre eles Bacar Guidali, pai do atual régulo Monjur, do Gabu, e este, auxiliado pelo régulo Délabé, na colónia vizinha, conseguiu livrar os Fulas-Forros do jugo dos Beafadas, mas ao mesmo tempo foi nesta época que se iniciou o aniquilamento do falado comércio e das feitorias do Rio Grande.
Descreve assim os Futa-Fulas: distinguem-se por Futa-Fulas os cativos de Alfa Iáiá, isto é, Futa-Fulas Pretos, que povoam a região do Forreá entre o rio Corubal e os marcos da fronteira 20 a 24; e por Futa-Fulas Forros, que andam em grande número espalhados nas mais densas florestas sem domicílio certo. Estes não se dedicam à agricultura, empregam-se na colheita de produtos naturais, especialmente a borracha. Procuram evitar a aproximação da autoridade, esquivam-se ao pagamento do imposto de palhota. Os processos que esses Futa-Fulas Forros empregam na extração da borracha causam grandes prejuízos às matas.
Os Fulas-Pretos povoam todo o território do Corubal. Antigos escravos dos Fulas-Forros, libertaram-se das opressões destes, por uma revolta estabeleceram-se no Corubal. O Fula-Preto constitui um grupo étnico de filhos espúrios nascidos no cativeiro, sendo assim mestiços de Fulas e Beafadas, por quanto durante as lutas entre estas duas raças escravizavam os seus prisioneiros de guerra. São bastante trabalhadores. Embora amigos de álcool, os seus costumes assemelham-se aos dos Fulas-Forros.
Os Mandingas constituem um grupo oriundo das raças Beafadas, Oincas e Soninqués, que deixaram de beber vinho e se tornaram sextários de Maomé. A origem da raça Mandinga propriamente dita é na região de Pacau, do território francês, ao Norte de Farim. Na circunscrição, como em toda a nossa Guiné, são governados pelos Fulas ou outra raça predominante onde se estabelecem. A sua índole denota uma pronunciada falta de caráter, tendo em pouca conta o princípio da honestidade e honradez; mentirosos por hábito, todos os seus atos são regulados para os fins que têm em vista, não se importando com os meios para os alcançar. Dedicam-se principalmente ao trabalho comercial, sendo a lavoura entregue às mulheres.
Os Beafadas são os primitivos habitantes do Forreá e Corubal, donde sucessivamente foram expulsos pelos Fulas. Povoam o centro do território do Quínara, onde vivem na maior miséria, furando palmeiras e bebendo o vinho que extraem. As suas mulheres, pode-se dizer, são as que pensam no passadio quotidiano, empregando-se na agricultura.
Os Brames ou Mancanhas são emigrados do território da circunscrição de Cacheu e de Mansoa, povoam todo o território marginal do Quínara, desde a confluência do Rio Grande com o de Bolama até ao canal das Arcas. Empregam-se, especialmente, na plantação de mancarra. É considerada a raça mais inferior da Guiné e distinguem-se das outras raças não só pelo seu vestuário como por trazerem a cabeça e o corpo untados com azeite de palma, o corpo tatuado com salientes cicatrizes com variados desenhos feitos com instrumento cortante. São muito trabalhadores e ágeis no manejo de pau e espada.
Os Balantas povoam o território marginal do Quínara desde o canal dos Arcos até Gampará. Vieram emigrados da margem oposta, sendo os que vêm de Nhacra até Colicunda, oriundos da primitiva raça Papel; os que vêm de Gole até Malafo, da raça Beafada e os que vêm de Contoiá, uma mistura de Papéis, Beafadas e Brames. De caráter independente, cada um é chefe de sua casa, não têm régulo.
Os Manjacos são emigrantes de Pelundo, Cacheu, Pexixe e Bissau, povoam geralmente todo o território marginal do Rio Grande e seus afluentes. São muito trabalhadores.
O inquérito irá seguidamente abordar a duração da vida humana (natalidade e mortalidade), os produtos naturais da região, a borracha, a escultura, a habitação, e algo mais.
(Continua)
O Quartel Militar de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19336: Historiografia da presença portuguesa em África (141): Meu Corubal, meu amor (1) (Mário Beja Santos)
Descreve assim os Futa-Fulas: distinguem-se por Futa-Fulas os cativos de Alfa Iáiá, isto é, Futa-Fulas Pretos, que povoam a região do Forreá entre o rio Corubal e os marcos da fronteira 20 a 24; e por Futa-Fulas Forros, que andam em grande número espalhados nas mais densas florestas sem domicílio certo. Estes não se dedicam à agricultura, empregam-se na colheita de produtos naturais, especialmente a borracha. Procuram evitar a aproximação da autoridade, esquivam-se ao pagamento do imposto de palhota. Os processos que esses Futa-Fulas Forros empregam na extração da borracha causam grandes prejuízos às matas.
Os Fulas-Pretos povoam todo o território do Corubal. Antigos escravos dos Fulas-Forros, libertaram-se das opressões destes, por uma revolta estabeleceram-se no Corubal. O Fula-Preto constitui um grupo étnico de filhos espúrios nascidos no cativeiro, sendo assim mestiços de Fulas e Beafadas, por quanto durante as lutas entre estas duas raças escravizavam os seus prisioneiros de guerra. São bastante trabalhadores. Embora amigos de álcool, os seus costumes assemelham-se aos dos Fulas-Forros.
Os Mandingas constituem um grupo oriundo das raças Beafadas, Oincas e Soninqués, que deixaram de beber vinho e se tornaram sextários de Maomé. A origem da raça Mandinga propriamente dita é na região de Pacau, do território francês, ao Norte de Farim. Na circunscrição, como em toda a nossa Guiné, são governados pelos Fulas ou outra raça predominante onde se estabelecem. A sua índole denota uma pronunciada falta de caráter, tendo em pouca conta o princípio da honestidade e honradez; mentirosos por hábito, todos os seus atos são regulados para os fins que têm em vista, não se importando com os meios para os alcançar. Dedicam-se principalmente ao trabalho comercial, sendo a lavoura entregue às mulheres.
Os Beafadas são os primitivos habitantes do Forreá e Corubal, donde sucessivamente foram expulsos pelos Fulas. Povoam o centro do território do Quínara, onde vivem na maior miséria, furando palmeiras e bebendo o vinho que extraem. As suas mulheres, pode-se dizer, são as que pensam no passadio quotidiano, empregando-se na agricultura.
Os Brames ou Mancanhas são emigrados do território da circunscrição de Cacheu e de Mansoa, povoam todo o território marginal do Quínara, desde a confluência do Rio Grande com o de Bolama até ao canal das Arcas. Empregam-se, especialmente, na plantação de mancarra. É considerada a raça mais inferior da Guiné e distinguem-se das outras raças não só pelo seu vestuário como por trazerem a cabeça e o corpo untados com azeite de palma, o corpo tatuado com salientes cicatrizes com variados desenhos feitos com instrumento cortante. São muito trabalhadores e ágeis no manejo de pau e espada.
Os Balantas povoam o território marginal do Quínara desde o canal dos Arcos até Gampará. Vieram emigrados da margem oposta, sendo os que vêm de Nhacra até Colicunda, oriundos da primitiva raça Papel; os que vêm de Gole até Malafo, da raça Beafada e os que vêm de Contoiá, uma mistura de Papéis, Beafadas e Brames. De caráter independente, cada um é chefe de sua casa, não têm régulo.
Os Manjacos são emigrantes de Pelundo, Cacheu, Pexixe e Bissau, povoam geralmente todo o território marginal do Rio Grande e seus afluentes. São muito trabalhadores.
O inquérito irá seguidamente abordar a duração da vida humana (natalidade e mortalidade), os produtos naturais da região, a borracha, a escultura, a habitação, e algo mais.
(Continua)
Publicidade publicada no jornal ‘O Comércio da Guiné’, numa edição de 1931.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19336: Historiografia da presença portuguesa em África (141): Meu Corubal, meu amor (1) (Mário Beja Santos)