Cortesia de Armando Tavares da Silva / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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(**) Último poste da série > 21 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19906: Historiografia da presença portuguesa em África (162): Ainda a viagem, ao Indornal (na atual Gâmbia), em março de 1883, do alferes Francisco António Marques Geraldes, cmdt do presídio de Geba, para ir resgatar duas mulheres cristãs, raptadas em São Belchior (Cherno Baldé / Armando Tavares da Silva / Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Cherno Baldé [, Bissau, nosso colaborador permanente, nascido c. 1960, faz anos a 20 de junho,l tem cerca de 190 referêmcias no nosso blogue]:
2. O REINO DE FULADU DE ALFA MOLÓ BALDÉ A MUSSÁ MOLÓ, DA BACIA DO RIO GÂMBIA AO RIO CORUBAL (1867 - 1936) (Notas de leitura)
Data - Quinta-feira, 20/6/2019, 17h32
Assunto - O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Notas de leitura)
Caros amigos Luis Graça e Carlos Vinhal,
Venho pela presente agradecer a todos pela atenção e carinho de sempre e, juntamente, envio um texto sobre o tardio e efémero reino de Fuladu (reino dos fulas em mandinga) que surgiu nos escombros do antigo reino mandinga de Kaabu ou Gaabu [, Gabu,] entre as bacias dos rios Gâmbia e Corubal.
Aproveito, igualmente, agradecer o interessante trecho histórico sobre a deslocação do destemido ten Marques Geraldes até a Indornal, capital do reino de Fuladu e suas consequências (*). Da minha parte estão autorizados a publicar no Blogue, caso tenha interesse que o justifique, em atenção ao nosso ilustre historiador português, Armando Tavares da Silva.
De Bissau, com saudações fraternais, Cherno Baldé.
2. O REINO DE FULADU DE ALFA MOLÓ BALDÉ A MUSSÁ MOLÓ, DA BACIA DO RIO GÂMBIA AO RIO CORUBAL (1867 - 1936) (Notas de leitura)
por Cherno Baldé
Alfa Moló nasceu no início do séc. XIX na aldeia de Sulabali, região de Firdu (situado entre as duas margens dos rios Gâmbia e Casamansa). O seu avô paterno, Fali Culibali, de origem Bâmbara (Mali), tinha sido comprado por uma família nobre de Fulas pastores, de apelido «Baldé».
Mais tarde, entre Malal Culibali, um dos filhos de Fali Culibali, e Gueladio Baldé, seu senhor, ambos caçadores, desenvolve-se uma amizade e sobretudo uma cumplicidade que vai permitir a fusão das duas famílias com a adopção pelo seu filho, Moló Egué (futuro Alfa Moló), do apelido dos seus senhores e mestres, eliminando, desta forma, os traços da sua origem servil.
« Entre o Malal Culibali e Gueladjo Baldé, todos eles grandes caçadores, detentores da mística do ofício, existiam fortes laços de 'badinn’ya' (#), espécie de pacto de irmandade, de entreajuda e de lealdade, unindo os membros duma mesma familia mas de linhagens e castas sociais diferentes », diz-nos o historiador e especialista da história de Fuladu, o Senegalês Mouhamadou Moustafa Sow (3), Professor de História no Liceu Regional de Kolda, Senegal, apoiando-se nas crónicas e memórias por ele recolhidas na região do antigo Firdu (Gloria Alex) (2).
Segundo os cronistas, Moló Egué Baldé, com idade de 15 anos, vai a Timbo (Futa-Djalon), para aprender (memorizar) o Alcorão e os rudimentos da religião, convertendo-se ao islamismo. No seu regresso, obtém a permissão de casar com Cumba Udé, filha de Gueladjo Baldé, e futura mãe de Mussá Moló. Entre os Fulacundas de Firdu, Moló Egué e Samba Egué (filho de Gueladjo Baldé) encabeçam a rebelião contra os mandingas pagãos de Gabu, a partir da floresta de Ndorna (Indornal, na versão portuguesa), onde construiram um fortim (Tata, em mandinga), uma espécie de praça forte, a que, de forma provocatória, designam em mandinga « Mban Ulém – Eu recuso absolutamente…».
Com a generalização da guerra, enviam um mensageiro ao chefe da Província (Diwal) de Labé, Alfa Ibrahima, a fim de pedir ajuda na sua luta contra os mandingas pagãos de Gabu (Gloria Alex). De 1840 à 1850, intensificam-se em todo o espaço do reino, guerras internas de resistência contra o domínio dos reis mandingas de Gabu. Na sequência, o Alto e o Médio Casamansa transformaram-se em lugares de combates violentos.
Convertidos ao islamismo, os grupos fulas de Fuladu procuram aliar-se aos Almames de Timbo (Futa-Djalon) para combater os mandingas de Gabu. E, por sua vez, os mandingas islamizados de Gâmbia e do Baixo Casamansa aproveitam-se para se revoltar contra os seus irmãos pagãos de Gabu. Assim, das margens do rio Gâmbia e da Casamança até ao país Gaabunké na Guiné-Portuguesa, os últimos e derradeiros clãs Soninques do império, caiem sob os assaltos dos Fulacundas (Fuladu) e dos Futa-Fulas (Futa-Djalon) assim como dos Marabus mandingas, formando uma verdadeira Confederação de forças muçulmanas.
Em meados de 1850, os reinos pagãos mandingas (Soninquês) do Médio Casamansa acabam de desaparecer, corridos pelos muçulmanos e os chefes pagãos foram substituídos por Marabus, animados pelo desejo da guerra santa contra os não muçulmanos. Bercolon ou Berecolon (Sankolla), praça forte Soninquê de Birassu (Braço, na versão portuguesa), é assaltado e destruido em 1852.
A partir de 1854, a França entra em cena na região e inicia o processo de colonização em direcção ao interior do Sudão Ocidental com o Faidherbe – Capitão e Governador do Senegal (1854/1864). Em 1867, os Confederados muçulmanos, liderados por Alfa Ibrahima de Labé, conseguem tomar Cansala, capital do império mandinga, onde morre Djanké Waly, o último Mansa de Gabu.
Na iminência da sua derrota, Djanké Waly manda incendiar o paiol de pólvora e acontece o morticínio conhecido em mandinga por «Turuban », ou seja, o fim da sementeira (dos mandingas de Gabu). Em 1873, a guerra termina com a derrota dos mandingas pagãos de Gabu. Alfa Moló e seus companheiros assinam o tratado de paz com o chefe mandinga, Fodé Madja.
Entretanto, no campo dos fulacundas há um forte desentendimento sobre quem deve tomar as rédeas do poder no novo reino de Fuladu. Por um lado posiciona-se Moló Egué e grande parte dos seus seguidores saídos das fileiras dos « Jiaábhé » Fulas-Pretos e, por outro, o Samba Egué, da linhagem Fula-Forro, que pretende ser o detentor da nobreza e logo da condição natural e necessária para chefiar o novo reino que acaba de nascer.
A batalha entre as duas partes desentendidas terá lugar na localidade de Boguel e termina com a morte de Samba Egué e a ascenção fulgurante de Moló Egué, o filho do antigo cativo (Malal Culibali) que, doravante, assume a liderança do que poderia ser uma dupla revolução ou uma dupla rebelião no reino de Fuladu : a rebelião contra o domínio dos mandingas pagãos de Gabu e também a rebelião contra os seus antigos senhores, da linhagem Fula-Forro.
Dali para a frente as coisas nunca serão como dantes em Fuladu, e esta nova situação política vai alterar o cenário das relações económicas e sociais até aí estabelecidas no seio das duas categorias de Fulacundas, convivendo no mesmo espaço territorial e que, mais tarde, serão reforçadas pela decisão dos europeus de acabar com todas as relações de servidão entre os seus sujeitos. Mas, a morte de Samba Egué (filho de Gueladjo Baldé) e a consagração de Moló Egué (filho de Maalal Culibali), visto na óptica dos cronistas da epopeia de Fuladugu (terra dos fulas , em mandinga), configura uma violação do pacto entre as duas linhagens da família « Baldé », com origens diferentes mas consagradas pelo ritual de irmandade e de lealdade «badinn’ya».
Alfa Moló divide o seu reino em cinco Províncias, entregues aos seus homens de confiança:
(i) os territórios de Monting (Bankuton) e Madina Pakane foram entregues a Maudê Baldé;
(ii) a Provincia de Manda Serakholé – Daba Baldé e os seus descendentes actuais vivem em Bantantoh Thierno (situado a Oeste de Kerewane);
(iii) Sintcha Suruel – Alanso Cumbirry, seus descendentes actuais formam a familia de Moulaye Baldé (Bâba Moulaye) em Velingará;
(iv) Kandiaye (koukane) – Faran Djabu;
(v) Kaone – Coly Embaló, seus descendentes vivem em Pathiana, actual regiao de Gabu (N’gaide Abdarahmane).
A partir de 1882, com Mussá Moló (1845-1931), as relações com o Futa-Djalon deterioram-se e a hostilidade é permanente, facto que será bem aproveitado pelos Franceses, presentes na sua colónia do Senegal, onde actua o Governador Faidherbe, decidido a ampliar e pacificar a colónia francesa do Senegal.
Mussá Moló, para fazer face à ameaça dos Almames de Futa-Djalon que, de facto, o consideram como seu vassalo, vai aproximar-se dos Franceses com os quais vai assinar, em 1883 (3 de Novembro), um tratado de amizade e de protecção (N’gaide Abdarahmane). Com esse acordo, Mussá Moló pensa poder proteger-se contra as pretensões expansionistas de Futa-Djalon e ao mesmo tempo, poder conservar e ampliar o reino legado pelo seu pai. A França, por seu lado, está satisfeita, pois com o acordo vai poder construir o caminho de ferro há muito projectado do Este a Oeste, eliminar todas as contestações da parte da Grã-Bretanha e Portugal sobre aqueles territórios do Alto Casamansa e abrir assim o caminho de acesso ao Futa-Djalon, o seu próximo alvo, já à partir de Noroeste (N’gaide Abdarahmane).
Alpha Yaya, que sucede ao seu pai (Alfa Ibrahima), vai protestar junto do Governador do Senegal e da Guiné-Francesa contra o que eles consideram de secessão do seu vassalo de Fuladu, mas os Franceses fazem orelhas moucas e preparam-se para atacar o Futa-Djalon com a ajuda de Mussá Moló.
Em 1894 (Abril), Mussá Moló parte em campanha e, com o apoio dos Franceses, derrota o rei de Pakisse, vassalo de Alpha Yaya, mas estes não perdem tempo e apertam o cerco, propondo ao Mussá Moló a assinatura de um novo tratado (1896), entre outros pontos, o pagamento de impostos (metade dos impostos de Fuladu deviam ser entregues a França) e a construção de um posto militar em Hamdalaye, capital do reino de Fuladu, situado entre a bacia do rio Gâmbia e o rio Casamansa.
Em 1894 (Abril), Mussá Moló parte em campanha e, com o apoio dos Franceses, derrota o rei de Pakisse, vassalo de Alpha Yaya, mas estes não perdem tempo e apertam o cerco, propondo ao Mussá Moló a assinatura de um novo tratado (1896), entre outros pontos, o pagamento de impostos (metade dos impostos de Fuladu deviam ser entregues a França) e a construção de um posto militar em Hamdalaye, capital do reino de Fuladu, situado entre a bacia do rio Gâmbia e o rio Casamansa.
Mussá Moló que se aproximara dos Franceses para se libertar da dependência de Labé (Futa-Djalon), e extender o seu território, escolheria assim a melhor forma de perder a sua independência, pois os Franceses encontraram nele o meio para assegurar as suas ambições coloniais naquela zona de Africa (N’gaide Abdarahmane). Em 1903, Mussá Moló, sentindo o peso insuportável de tutela da França, foge para a Gâmbia, junto dos Ingleses, pensando encontrar um tutor que fosse menos exigente. Antes de partir, mandou queimar todas as aldeias a volta da sua capital e foi acompanhado por uma multidão de seguidores.
Os Ingleses receberam-no muito apreensivos e foi autorizado a ficar sob custódia inglesa, com a condição de mandar embora a sua gente. Decididamente, Mussá Moló tardou muito a compreeender que o tempo dos monarcas africanos tinha chegado ao fim. Morreu em Kesserkunda, sua última residência, em 1931, com 85 anos. Como tinha acontecido com o seu pai, Mussá não será sepultado na sua terra natal e muito menos no território que tinham conquistado e, em partes opostas, o pai, Alfa Moló, enterrado na fronteira Sul, em Dandum (território da Guiné-Portuguesa) e o Mussá na fronteira Norte (território da Gâmbia) deixando o reino de Fuladu dividido em pequenos regulados independentes.
Tendo durado apenas pouco mais de meio século (69 anos), o reino de Fuladu será um reino efémero (1867-1936). Aconteceu assim, dizem os cronistas, devido a violação de uma das partes (Alfa Moló), ao pacto de sangue, «Badinn’ya», celebrado entre Maalal Culibali (o servo) e Gueladjo Baldé (o senhor), aos quais unia uma verdadeira irmandade de sangue, para lá das condições e ditames sociais da época em que viviam.
Com a partida de Mussá Moló para a Gâmbia, a guerra e as razias que a acompanhavam tinham, finalmente, acabado no território de Fuladu e os chefes das províncias (Regulados), que muito o temiam pela sua crueldade e violência, acabaram por se sentir livres de celebrar alianças com os representantes locais das potências coloniais (França e Portugal), os novos senhores da situação que, com a Convenção Luso-francesa de 1886, tinham acabado de traçar as fronteiras que iriam separar os territorios das suas colónias.
Com a partida de Mussá Moló para a Gâmbia, a guerra e as razias que a acompanhavam tinham, finalmente, acabado no território de Fuladu e os chefes das províncias (Regulados), que muito o temiam pela sua crueldade e violência, acabaram por se sentir livres de celebrar alianças com os representantes locais das potências coloniais (França e Portugal), os novos senhores da situação que, com a Convenção Luso-francesa de 1886, tinham acabado de traçar as fronteiras que iriam separar os territorios das suas colónias.
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Notas do autor:
# «Badinn’ya»: termo mandinga que designa uma relação de irmandade outra que não consanguínia. As famílias e/ou pessoas ligadas por estas relações deviam considerar-se como irmãos de facto, com todas as obrigações e deveres de solidaredade e entreajuda a isso inerentes, e que nenhuma das partes podia violar sob pena de sofrer o castigo dos Irãs onde este ritual era celebrado.
Referências bibliográficas :
1. Ngaidé Abdarahmane : Le royaume Peul du Fuladu, de 1867 a 1936: L’Esclave, le Colon et le Marabout, 1997/98, Thèse de doctorat de troisième cycle en histoire, UCAD (Université Cheik Anta Diop, Faculté des Lettres et Science Humaines, Dakar, Sénégal.
2. Gloria Lex : Le Dialecte Peul du Fouladou (Casamance, Sénégal): Thèse de doctorat en Linguistique et Phonétique.
3. Mouhamadou Moustafa Sow, Professeur d’histoire, Lycée Régional de Kolda, Sénégal.
Notas do editor:
(*) Vd. poste 16 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18218: Historiografia da presença portuguesa em África (107): Alfa Moló (c 1820-1881) e Mussá Moló (1846-1931), heróis de todos os fulas, tanto dos fulas-pretos (antigos servos) como dos fulas-forros (antigos senhores), uns e outros oprimidos pelos mandingas (Cherno Baldé, Bissau)
(*) Vd. poste 16 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18218: Historiografia da presença portuguesa em África (107): Alfa Moló (c 1820-1881) e Mussá Moló (1846-1931), heróis de todos os fulas, tanto dos fulas-pretos (antigos servos) como dos fulas-forros (antigos senhores), uns e outros oprimidos pelos mandingas (Cherno Baldé, Bissau)