quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21720: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (39): E já aí bem a bacina, / Diz a gente aqui do Norte, / Não é santa a medicina, / Mas quem a tem, está com sorte! (Os editores do blogue)



Lisboa > Praça do Comércio > Dezembro de 2020 > As... luzes ao fundo do túnel...

Foto:   Mário Beja Santos (2020), editada com a devida vénia... (*)


Quem canta as nossas janeiras,
seu mal espanta!

Para a minha querida cunhada e 'mana' Nitas,
com votos de muita saúde e longa vida
porque ela... merece tudo!
Pode ter perdido uma batalha no "annus horribilis" de 2020, 
mas vai a ganhar a guerra no Novo Ano de 2021! (LG)


Desinspirado, confesso
Que ando,  desde o Natal,
Mas a todos eu vos peço
Que não me levem a mal.

“Annus horribilis”, este
Ano que agora acaba,
Mas não acaba a Peste,
Nem com um... abracadraba!

Com muita fé e esperança,
O Novo vamos saudar,
Qu’ o Velho fique de lembrança,
Não o podemos olvidar!

Foge, foge, c’um caraças!,
Qu’ o Covid, e outras maleitas,
Semeado tem desgraças,
Com ou sem as malas feitas.

Em sendo a doença mortal,
Não te vale nenhum doutor,
Mas mal por mal hospital,
Lá tens um ventilador.

Entre mortos e feridos,
Haveremos de escapar,
Uns mais que outros, sofridos,
Inda é tempo d'aguentar.

Estar aqui é um bom presságio,
Na praia não morreremos,
Tendo escapado ao naufrágio,
Muito ainda contaremos.

É meio caminho andado,
Não esquecer a nossa história,
Não há futuro projetado,
P’ra quem perder a memória.

Doze passas são desejos,
P’rós meses que hão de vir,
Não havendo mais festejos,
... Toca a comer,beber, rir!

E já aí bem a bacina,
Diz a gente aqui do Norte,
Não é santa a medicina,
Mas quem a tem, está com sorte!

E quem as janeiras canta,
Dizendo a sua asneira,
Também o seu mal espanta,
A fingir que' é brincadeira.

Diz o povo, que é otimista,
“A cada dia Deus m’lhora”,
Eu, que sou racionalista,
Não me fui ainda embora.

Pandemias, pandemónios
Vão e vêm com o inverno,
Entre anjos e demónios,
Escaparemos ao inferno.

... Pois, as janeiras, senhores,
Cantadas sob o poilão,
São de nós todos, editores,
Que p'ró ano aqui estarão.

Luís Graça... e demais editores do blogue, 
Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro,  Jorge Araújo, ativos, 
e Virgínio Briote, jubilado. 

Que os bons irãs do nosso poilão, nos protejam a todos/as, camaradas e amigos/as! (**)
__________


Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)


Facebook > Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora > Carlos Cordeiro > 17 de janeiro de 2017

(...) Há 49 anos dava entrada no CISMI - 4.ª companhia. Deixo de lado as coisas menos boas para olhar com ternura o tempo de juventude. Foto: regresso da Semana de Campo. À excepção do cabo miliciano (...) todos os recrutas são naturais de S. Miguel - Açores. Da esquerda para a direita: Carlos Alberto Pereira Rangel; José Luís Vasconcelos Botelho; cabo miliciano; Domingues e eu,  Carlos Cordeiro  [, saudoso membro da nossa Tabanca Grande, 1946-2018]  (...)




Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora  > Carlos Cordeiro > 9 de março de 2015 

 
(...) CISMI. 1.º turno de 1968 (recruta). Um dos pelotões da 4.ª Companhia (não me lembro o n.º), "foto de família". Regressámos da "visita" às salinas já tarde e não havia muito tempo para vestir a farda n.º 2, tirar a foto e a seguir formar para o almoço. O aspirante (que talvez tivesse feito com que chegássemos tarde de propósito) disse então para vestirmos a parte de cima da farda n.º 2 e ficarmos com as botas e calças como se pode ver pela foto. 

Sou o terceiro a contar da direita na fila do meio [, assinalado com cercadura a amarelo[. Ao meu lado direito está um amigo aqui de S. Miguel,  Açores. De resto, infelizmente, não me lembro do nome de mais ninguém, ainda que todos tenham assinado a foto. O aspirante era bastante reguila, o que era temperado pelo cabo miliciano, excelente pessoa. Oxalá algum camarada se reveja na foto. (...) 
 

1. Comentários do João Candeias e do Carlos Silva ao poste P217092 (*):

(i) João Candeias da Silva [ex-fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama (1973/74)]

CISMI, Tavira. Terceiro turno de 1971.

Depois da recruta no Hotel das Caldas, rumámos a sul até Tavira para fazermos a especialidade de atirador de infantaria.

A viagem longa e demorada foi feita sem paragens em vilas onde pudessemos dar ao dente, a excepção era para fazer xixi no meio do mato.

Em Tavira, no CISMI, destaco 3 personagens:

(a)-Tenente Moleiro, que no primeiro dia aparaceu no campo da feira, conhecido por Atalaia. O pelotão formou e depois do blá, blá da retórica, tirou o quico e disse: "é este o corte de cabelo da companhia;

(b) Caifás, o barbeiro onde nos iríamos apresentar e dizer #corte à tenente Moleiro":

(c) O capitão capelão que dava palestras aos sábado ao fim da manhã no refeitório.

O pessoal estava exausto, sentado e com o queixo apoiado ao cano da G3, não tardava em adormecer. A palestra que alertava para o "respeito" pelas meninas e ameaçava que quando tal não acontecia termimava em casamento na parada. E dava como exemplo o que, na recruta / especialidade, anterior, tinha acontecido.

Depois era ouvi-lo: "tu aí ao fundo levanta-te e castiga-te a ti próprio".... "Sim tu que estavas a dormir"...

A malta como não sabia a quem ele se dirigia, levantavam-se dois ou três. Então dizia: "não és tu, ele sabe quem é". À segunda ou terceira acertava.

A malta que sabia tocar e cantar e fosse "actuar" na missa de domingo tinha tratamento VIP. Também havia outros VIP por serem futebolistas, destaco o Vaqueiro, um dos chamados bebés do Varzim. Havia mais.

A salina era onde os mais tesos eram humilhados por resistirem onde não havia hipótese de vencer. Terminava quando todos estavamos encharcados de água podre e mal cheirosa. O cheiro ficava presente por dias.

Na Guiné, onde fui dos primeiros a chegar por ir em rendição individual, encontrei vários camaradas. Destaco o Penedos, que tocava trompete e em Tavira já tinha um Renault.

João Silva, terceiro turno de 1971, com passagem por Beja, Depósito de Adidos e Guiné.

(ii) Carlos Silva  (ex-Fur Mil Inf,  CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), Régulo da Tabanca dos Melros]

Meus Amigos & Camaradas:

Entrei no dia 8/1/1969 no RI 5 nas Caldas da Rainha e fiquei integrado na 2ª Companhia comandada pelo Ten Bicho Beatriz, Capitão de Abril, infelizmente já falecido, homem de bom trato.

Integrei o 2º Pelotão, comandado pelo Ten Carneiro, também um militar respeitador. Os Cabos Milicianos, um deles era o Moreira que encontrei na Guiné e posteriormente muitas vezes em Lisboa, um tipo porreiro. O outro, cara de mauzão, mas bom rapaz e quem era ele ? Quem era ele ? Todos o conhecem aqui no Blogue, nem mais nem menos, o nosso amigo & camarada o Humberto Reis.

Das Caldas, para além de vários episódios, lembro-me do mais importante, que foi o sismo de 28 ou 29 de Fevereiro de 1969 e da audição em parada das Ordens de Serviço com o final de " O Comandante ... Giacomino Mendes Ferrari "...

Daqui deram-me a guia de marcha para apanhar o comboio e parar em Tavira onde nos esperavam os autocarros de turismo do Exército para nos transportar até ao designado quartel da Atalaia - CISMI onde dei entrada no dia 9/4-/969, 2º Turno, para aí tirar a especialidade de Armas Pesadas, ficando integrado na 2ª Companhia, comandada pelo Cap Viegas, bom homem, que nunca mais ouvi falar dele. talvez o Carlos Alberto Nascimento, se lembre dele.

O pelotão era comandado por um Aspirante Miliciano do qual não me lembro o nome, coadjuvado por dois Cabos Milicianos, sendo um de nome Soromenho, cara de mauzão, o outro não me recordo o nome.

A instrução e aplicação militar, claro, era exercida no campo da Atalaia e para os lados da Conceição de Tavira ou nas encostas do rio Gilão, para os lados da ponte nova EN.

Falam muito do Ten Madeira, do "Trotil", etc., etc, não me lembro deles, pois a nossa convivência era restrita. Lembro-me de um Tenente, do qual não me recordo o nome, um tipo magro e alto, que nos dava as aulas teóricas, nada acessível, militarista, que andava sempre com um pingalim e um outro Ten Coelho Lima, do Norte, indivíduo de bom trato.

Episódios não são muitos, mas recordo-me de uma cena de uma barata que vinha no prato de arroz de um dos camaradas, que percorreu os pratos todos, pois foi passando de prato em prato, porque nenhum de nós era chinês.

Lembro-me também de quando íamos fazer marchas, sempre que íamos para o lado de lá do rio, ao passar junto às esplanadas, ouvíamos a ordem de comando: "Pelotão... olhar... direita" !!! "... para saudar o 2º Comandante, Maj Teixeira que por ali estava sentado acompanhado ...

Nunca mais ouvi falar deste senhor, nem do Comandante do CISMI que não sei quem era. A rapaziada aqui nunca se referiu aos altos Comandos.

Um outro episódio que me recordo, foi termos um castigo colectivo, privação de fim de semana, dado pelo Maj Teixeira, porque lhe foram fazer queixinhas que os instruendos tinham participado numa operação de assalto a um laranjal ... Pudera!, as laranjas do Algarve tinham fama...

Quanto às meninas e aos casamentos, também eram falados, mas não sei se alguém do meu Turno ficou por lá perdido. Creio que apenas houve por lá um episódio relativo à "espanholita" (?)...

A semana de tiro foi normal, fomos com os canhões e morteiros 81 para Cacela fazer fogo para a Ilha de Tavira. Do CISMI fui parar ao RI 10 Aveiro, mas nem aqueci o lugar, fui logo mobilizado para a Guiné, o que não esperava, pois tinha sido bem classificado.

Foi o meu azar, os camaradas maus classificados foram mais tarde mobilizados, mas foram integrados em pelotões de canhões ou de morteiros e não alinhavam para o mato. Encontrei-me com alguns na Guiné, já eu andava por lá há 6 ou 8 meses. Talvez fosse essa a minha vantagem. Bem, Tavira já vai longe.

Abraço para todos com votos de um Bom Ano 2021 com saúde.

(iii) Luís Graça, editor:

Lembram -se do Carlos Alberto Dores Nascimento, 1º cabo miliciano, e monitor do CSM, entre 1967 e 1969 ? Há uns anos, em 9 de setembro de 2010, escreveu-me o seguinte email:

"Alô, Luis. Sou o Carlos Alberto Dores Nascimento, estive em Tavira de Janeiro de 67 a Dezembro de 69. Especialidade de atirador... e por lá fiquei até ao fim como monitor. Conheci o Robles e o Trotil. O Trotil era Óscar. Conheci-os de alferes a capitães.

"Também gostava de encontrar alguns companheiros daquele tempo (,agora somos avós, ) mesmo que tivessem sido 'meus' intruendos. Sei que todos os anos em Outubro fazem lá no quartel um convívio com todos os que passaram por lá. Eu este ano quero ir pois nunca fui. Estou inscrito no Facebook, tenho lá algumas fotos do nosso tempo para ver se há alguém que se identifica.

"Bom, um grande abraço."


De facto, o Nascimento, algarvio, que é natural de Alagoa, e vive em Portimão, é (ou era, em 2014) um dos elementos mais ativos do Grupo (aberto) do Facebook, Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora.

Segundo o Carlos Nascimento, a 2.ª companhia era "a companhia das várias especialidades",  incluindo a de armas pesadas de infantaria. Ou seja, o ten Esteves Pinto  foi meu comandante de companhia, no CISMI, no último trimestre de 1968.
  

Guiné 61/74 - P21718: O segredo de ... (33): conversas da treta entre dois milicianos da CCAÇ 12 (Luís Graça / João Candeias da Silva)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > 1970, ao tempo do BART 2917 > O Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira. Era o comandante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 e, na prática, o 2º comandante da companhia. Era o homem de confiança do Cap Inf Carlos Brito. O melhor preparado dos oficiais milicianos da companhia. Tinha o curso de operações especiais. Era disciplinado e disciplinador. Um homem afável, mas algo distante e reservado, muitas vezes escondido sob os então na moda óculos de sol Ray-Ban (um "ronco"  muito apreciado pelo milicianos, que tinham algum poder de compra no TO da Guiné...). 

Sempre o tratei por você... Fora da actividade operacional, convivíamos pouco, eu e ele. Não era homem de noitadas. E nunca ou raramente vinha beber um copo connosco no bar de sargentos, contrariamente ao alf mil Abílio Machado, da CCS / BART 2917. 

Era "compreensível":  os furrieís da CCAÇ 12, milicianos, mais os dois sargentos do QP (e, em particular, o impagável 2º sargento Piça), tinham um excelente espírito de corpo... Mas, numa sede de batalhão, o "espírito de casta" era cultivado e mantido, e o convívio, "fora do mato" (leia-se: da guerra) entre oficiais, sargentos e praças não eram bem vistos ... 

O bar de sargentos de Bambadinca era, em 1969/71, o único sítio, dentro do grande quartel que era o de Bambadinca, onde "os três estados, a nobreza, o clero e o povo", podiam confraternizar...  Vistas as coisas à distância de meio século,  Bambadinca era bem um retrato de um Portugal que estava em vias de desaparecer... 

Não creio que o Moreira conheça o nosso blogue... Nunca nos contactou. Respeito o seu silêncio, o dele e dos demais camaradas que estiveram connosco no TO da Guiné, e que têm, provavelmente,  reservas quanto ao risco de exposição da sua vida privada, decorrente da participação de um blogue como este...  

Vi-o,  pela última vez, em 1994, em Fão, Esposende, no 1º encontro do pessoal de Bambadinca (1968/71). Desejo-lhe muita saúde e longa vida e um ano de 2021 melhor do que o "annus horribilis" de 2020. E daqui vai, para ele,  um alfabravo do tamanho do nosso longo e sinuoso Rio Geba de cuja água bebemos os dois. 

Claro que ele não tem nada a ver com a "conversa da treta" travada entre mim e o Joâo Candeias, reproduzida a seguir.

Foto do  álbum do Benjamim Durães, tirada numa tabanca fula em autodefesa, que não consigo identificar.  

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > CCAÇ 12  (1969/71) > Estrada Xime-Bambadinca > O 1º comandante da companhia, o Cap Inf Carlos Brito (hoje, coronel na reforma), uma homem afável e  educado, mas já à beira dos 40 anos, e que delegava grande parte das responsabilidades operacionais no alf mil op esp / ranger Francisco Moreira... 

O Carlos Brito também não tem a nada a ver com os "segredos" aqui partilhados a seguir. Esta foto pretende apenas ilustrar a "solidão" de muitos dos nossos comandantes operacionais, quer do QP, quer milicianos, que os impediam de conviver com os seus subordinados, milicianos e praças, fora das horas da guerra... Como se dizia na tropa, "serviço era serviço, conhaque era conhaque". Ou seja, nada de misturas. Acredito que noutros quarteis do mato, com instalações mais precárias e exíguas, o "distanciamento social" fosse mais curto...

Foto: Arquivo de Humberto Reis (ex-fur mil op esp / ranger,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O nosso blogue vai fazer 17 anos (dezassete anos !!!), em 23 de abril de 2021, se lá chegarmos,..  Desde 2008, ou seja,  há 12 anos,  temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos, da nossa vida militar, ou até pessoal ou mais íntima,  "coisas" passadas há mais de meio século, mas que só agora, por uma  razão ou outra, queremos partilhar uns com os outros... 

O propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo da tropa e da guerra (1961/74),  que estavam guardadas só para nós ou só eram do conhecimento do nosso círculo de relações restrito (alguns camaradas de armas) ou mais íntimo (cônjuge, filhos, amigos do peito).

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militares, os usos e costumes, a moral da época, o "politicamente correto",  etc.

Aprendemos, neste blogue, a "saber ouvir os nossos camaradas de armas e a não julgá-los"!...  Nomeadamemnte, os vivos... Nos dois casos a seguir referidos, há omissões que são compreensíveis (*). Trata-se de uma "conversa" que não é da treta, entre o nosso editor Luís Graça e o João Candeias da Silva, por coincidências dois camaradas que integraram a mesma companhia, a CCAÇ 12 (formadas por praças do recruramento local) mas em épocas diferentes, e que por isso nunca se cruzaram, "nem lá nem cá"... A CCAÇ 12, formada no CIM de Contuboel (1969), esteve em Bambadinca (1969/73) e no Xime (1973/74), tendo estado "ao serviço de" quatro batalhões diferentes. Foi extinta em meados de 1974.

O João Candeias Silva foi fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama (1973/74). O Luís Graça é um dos "pais-fundadores" da CCAÇ 12 e é o autor da única história da unidade que existe no Arquivo Histórico-Militar.

(i) João Candeias Silva:

Não sei se estou a pôr a pata na poça, mas em 73 um alferes, que não recordo o nome, foi colocado numa companhia que estava a fazer a protecção aos trabalhos nessa estrada [Farim-Mansabá]

Estivemos juntos em Cabuca na CCAC 3404 em finais de 1972. Em 73 Janeiro fui para a CCAÇ 12 e ele para a companhia que estava a fazer a segurança à estrada de Farim.

Passados meses, talvez uns seis encontramo-nos em Bissau, placa giratória, para ir e para vir de férias ou ir para o mato ou consulta externa, etc. E qual não é o meu espanto, em vez de ter o galão de alferes, era 2° sargento. Tinha levado uma porrada.

Da conversa que tivemos o assunto tinha chegado ao Spínola. Ele, um ótimo rapaz, precisava de desabafar e ficávamos muito tempo à conversa. O assunto tinha-o abalado muito. Não era caso para menos.

Não sei como terminou.

Julgo ter sido um caso inédito.

Sobre este assunto tem de haver registo no arquivo do exército e sobre a nega da CCAÇ 12 em ir para o Xime também é pouco plausível que não haja. (*)

(ii) Luís Graça:

João, há muitas histórias da nosssa guerra que nunca chegarão à luz do dia... Algumas já chegaram ao nosso conhecimento através do blogue...

Isto é como a história dos impedimentos do casamento em que o oficiante, antes de se dar o nó, pergunta, na presença dos noivos, dos padrinhos, dos pais, da família e dos demais convidados, se alguém tem alguma objeção aquela união, então que "fale ou cale-se para sempre"...

Alguns de nós perdemos a oportunidade de falar na altura devida, e agora resta-nos falar aqui ou calarmo-nos para sempre... Sempre assim foi em todas as guerras...e nos pós-guerras.

Mesmo assim, entre dois uísques, num alamoçarada, num convívio, às vezes lá sai um "segredo de confessionário"...

Quando fui a Angola (e fui lá meia dúzia de vezes a partir de 2003), houve antigos miliatres das FAPLA, do topo da hierarquia (oficiais generais), que me contaram "segredos de Estado", à mesa... Coisas "sinistras" que só agora há coragem para se falar delas em público (como o que aconteceu na sequência dos trágicos dias de 27 de maio de 1977 e seguintes)..

Mas voltando à Guiné, soube há uns anos de uma história dessas que não podem aqui ser contadas, com datas, locais, topónimos, nomes de camaradas, etc.

Num destacamento (que não vamos identificar porque os protaggonistas estão vivos), guarnecido por a nível grupo de combate, e na ausência do comandante (alferes miliciano), dois militares desatam à porrada, por razões de lana caprina...

Muitas veses estes conflitos entre dois camaradas e amigos eram provocados pelo stress, a tensão, o isolamento, a exaustão, o cansaço, a promiscuidade, a subnutrição, mas tabém o álcool, etc.

Soco atrás de soco, um deles cai de costas, bate com a cabeça no chão, takvez nalguma pedra,  e morre, de traumatismo craniano (presume-se)... E agora ? Como justificar um "trágico acidente" destes, na ausência de um ataque ou flagelação do destacamento por parte do IN ou de embocada nas imediações ?...

Fez-se um "pacto de silêncio" entre todos os presentes (soldados, cabos e um furriel...). O corpo foi transportado num Unimog e entregue na sede da companhia ou do batalhão, já cadáver...

Deve ter havido um auto de averiguações, mas toda a gente (os graduados e as praças) mantiveram a mesma versão, a de uma queda acidental, infelizmente mortal...

O "pacto de silêncio" também faz(ia) parte das regras de camaradagem... Ontem como hoje... em toda parte do mundo, em todas as guerras (*)


(iii) João Candeias da Silva:


Caro Luís: As conversas são como as cerejas. Ao ler o que descreveste sobre a pancadaria que teve tão trágico desfecho (*), veio à minha memória uma ocorrência na CCAÇ 12 que vou descrever.

Estávamos ainda aquartelados em Bambadinca, no topo do edifício onde era a messe da CCAÇ 12, virado para a escola, havia 4 ou 5 cadeiras de baloiço feitas de pipas de vinho.

E nós, os furrieis, costumavamos depois do pequeno almoço ficar por ali na cavaqueira. Naquele dia, algures entre feveiro e março de 1973, devia ser domingo, pois estávamos à civil. Bem instalados, e na conversa da treta, éramos uns de 4 ou 5 furrieis.

Os cadeirões todos ocupados. Chegou um alferes da 12, começou a conversar connosco.
A conversa foi-se prolongando durante um bocado e, completamente fora do contexto, o alferes disse para um furriel: "Levanta-te, que eu quero sentar-me."

A nossa primeira reacção foi que o alferes estava a brincar, mas como o furriel não se levantou para lhe ceder o lugar, o tom de voz subiu e disse ostensimante: "Levanta-te, é uma ordem!.

Como o furriel não lhe obedeceu, deu-lhe uma chapada na cara. Após a agressão, o furriel levantou-se e, felizmente, não reagiu à agressão. Nós estávamos incrédulos e sem palavras. Era surreal o que estava a acontecer na nossa frente.

O furriel acabou por fazer queixa, pois como sabes o inferior hierárquico não pode participar, e tem logo à partida garantida uma porrada que tem como consequência imediata a perda do mês de férias.

O fim da ocorrência não sei como terminou.

Para situação ainda hoje não encontro justificação. Foi presenciada por mim e pelo António Duarte, entre outros, que não recordo.

Durante muito tempo fiquei a matutar: "E se fosse comigo?!!... (*)
________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21170: O segredo de... (32A): Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)... "Também tenho um víquingue na minha árvore genealógica"

Guiné 61/74 - P21717: Parabéns a você (1917): Publicação de Postais de aniversário em 2021: novas regras (Carlos Vinhal, Coeditor)



PARABÉNS A VOCÊ - PUBLICAÇÃO DE POSTAIS

Camaradas:

Sabemos de há muito que o facebook faz "concorrência desleal" ao nosso Blogue, e até os postais de aniversário aqui publicados se ressentem quanto ao número de comentários. Longe vai o tempo em que todos aqui manifestavam a todos a sua alegria quando cada um de nós completava mais 365 dias nesta dimensão terrena.

Constata-se que agora até os próprios aniversariantes deixaram de "aparecer" para de algum modo manifestarem o seu agradecimento, alguns deles só mesmo no facebook dão sinal de vida.

Parecendo que não, tenho uma preocupação quase diária para não esquecer os aniversários da tertúlia e de publicar os postais a tempo e horas. Também publico o poste no face da Tabanca Grande e os postais no facebook dos aniversariantes, quando autorizado, aumentando assim o espaço onde podem receber os parabéns. Já falhei, e acreditem que houve quem me acusasse de esquecimento deliberado e quem se dirigisse a mim em termos que eu não mereço.

Com a concordância do nosso Editor Luís Graça, está decidido que em 2021 só se publicarão postais de aniversário dos camaradas que em 2020 deram sinal de vida no Blogue. Infelizmente, e atendendo à nossa idade, é possível que alguns de nós tenham já falecido, que estejam doentes e incapazes de aceder ao Blogue, ou que pura e simplesmente se tenham desinteressado do que por aqui acontece.

Relembramos aos camaradas a quem nunca publicamos postais de aniversário, e que queiram ver o seu dia aqui lembrado, que devem manifestar o seu desejo junto do Blogue, informando pelo menos o dia e o mês do seu nascimento, para que, com todo o gosto, participemos da alegria de celebrar, em conjunto,  mais um ano da sua vida.

Aqueles que por qualquer motivo têm andado mais distraídos e por isso vejam suspensa a notícia do seu aniversário, caso queiram ver de novo os seus postais publicados no Blogue, só têm de "fazer prova de vida" porque farão sempre parte da “nossa base de dados” e muito mais da nossa amizade.

Votos de um excelente 2021 com saúde.

Carlos Vinhal
Coeditor

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21714: Parabéns a você (1916): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

Guiné 61/74 - P21716: Consultório militar do José Martins (57): Reduto de Monte Cintra


Publicamos hoje mais um trabalho do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado ao Reduto de Monte Cintra.

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21582: Consultório militar do José Martins (56): A Delegação de Loures da Liga dos Combatentes da Grande Guerra

Guiné 61/74 - P21715: Em busca de... (310): Hilário Peixeiro, capitão que conheci no Forte da Graça, em Elvas, em 1973/75 (João Rico, ex-fur enfermeiro)




O hoje cor inf ref  Hilário Peixeiro, ex-cap,  
CCAÇ 2403 / BCAÇ 2851, Nova LamegoPicheFá Mandinga,
 Olossato e Mansabá, 1968/70


1. Mensagem do nosso leitor  João Rico, que foi fur enfermeiro, no Forte de Elvas, no período de 1973/75, é atualmente professor e vive em Mira:


Data: quarta, 25/11/2020 à(s) 23:47
Assunto: Hilário Peixeiro 


Faz hoje exatamente 45 anos que dei por finda a minha atividade militar (1973/75), tendo tido a sorte de ter servido o capitão Hilário Manuel Pólvora Peixeiro no Forte da Graça, em Elvas. 

Tentei, por diversas vezes, saber onde ou como o poderia encontrar ou contactar, sempre sem sucesso. Hoje, numa leitura pela vossa (de todos, afinal) "Tabanca", deparou-se-me o seu nome e não resisti à tentação.

Assim e desde já pedido-lhe desculpa pela ousadia de o incomodar sem o conhecer, agradecia-lhe que lhe solicitasse autorização para me facultar os seus contactos.

Para o ajudar, lembre-lhe que fui furriel enfermeiro, no Forte de Elvas, que: 

(i) conseguimos que a direção escolar nos autorizasse a fazer (e fizemos) exames da quarta classe aos militares; 

(ii)  conseguimos fazer uma enfermaria com 6 camas;

(iii) jogámos futebol na equipa do Forte.

Acrescento que sou professor e que resido em Mira.

Obrigado.
João Rico

 2. Resposta do editor LG:

Caro João Rico: Ficamos na dúvida se, na devida altura, lhe respondemos ao seu pedido. Se sim, espero que tenha conseguido contactar o nosso camarada que procurava, o Hilário Peixeiro. Se não, esperamos que ainda vá a tempo. 

Segue, por outra via, o endereço de email do nosso camarada,  cor inf ref Hilário Peixeiro. Não temos tido notícias dele, esperamos que esteja bem de saúde. Vamos em breve reeditar algumas das suas fotos relativas à Op Mabecos Bravios (5-6 fevereiro de 1969) (retirada de Madina do Boé). (**)

Vamos também editar a sua mensagem (, omitindo apenas os seus contactos pessoais que apenas seguem para o Hilário Peixeiro), na expetativa de o nosso camarada entrar em contacto  consigo e/ou connosco. (***)

Desejamos-lhes uma boa entrada no ano de 2021. Luis Graça

 PS - O Hilário Peixeira foi cap inf, CCAÇ 2403 / BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70. É membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio de 2011 (*). Tem 15 referências no nosso blogue.

Tem facebook activo: https://www.facebook.com/hilario.peixeiro
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(...) "Sou Coronel reformado e, como complemento à minha vida militar, contida na história da CCaç 2403 que vos enviei (**),  acrescento que, depois da primeira comissão na Guiné,  iniciei a segunda em Maio de 1972 em Moçambique.

Ofereci-me para os Comandos donde saí a meu pedido e ingressei nos GEP (Grupos Especiais Pára-quedistas) depois de fazer o respectivo curso, regressando em Junho de 1974.

Fui colocado no Forte da Graça em Elvas onde estive até Setembro de 1977. Seguiu-se Santa Margarida, 2 anos, Casa de Reclusão de Elvas, Curso de Estado Maior e colocação no Estado Maior do Exército, Regimento de Elvas, Quartel General de Évora e Tribunal Militar de Elvas onde, aproveitando a chamada lei dos Coronéis, passei à situação de Reforma. (...)


(**) Vd. postes de:

14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8273: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (1): Deslocação para a Guiné e chegada a Nova Lamego

16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8284: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (2): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

19 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8299: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (3): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

Guiné 61/74 - P21714: Parabéns a você (1916): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21696: Parabéns a você (1915): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21713: Recortes de imprensa (113): Guiné-Bissau: Crianças tornadas mulheres à força (Joana Benzinho, "Bird Magazine", 19 de outubro de 2020)




"Neste mesmo dia, em 1959, era aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e, em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança. Mas temos ainda um longo caminho a percorrer para que todas as meninas e meninos possam efetivamente ver os seus direitos reconhecidos, cabendo a cada um de nós um papel decisivo nesse processo. Para que esta seja realmente uma data de celebração para todas as Crianças." 

(Com a devida vénia, página do Facebook da Afectos com Letras, ONGD., com sede em Pombal)


1. Com a devida véniaa autora, Joana Benzinho,  e ao editor, Bird Magazine:


Bird Magazine > Cidadania e Sociedade > (*)

 CRIANÇAS TORNADAS MULHERES À FORÇA

19Out 2020

por Joana Benzinho (**) 



Um dia conheci uma menina numa instituição da Guiné-Bissau com um ar demasiado frágil para os seus 14 anos e com quem me sentei a conversar. Contou-me que um dia, há alguns meses atrás, tinha fugido da aldeia onde vivia com os pais e irmãos para não acabar na cama e na vida de um homem muito mais velho.

Os seus pais tinham acertado o dote e o casamento à revelia da sua menoridade e da sua vontade e era questão de horas ou dias acontecer aquela violação consentida e para a vida, por parte de quem a devia proteger. A menina encheu-se de toda a coragem que nunca pensou concentrar na sua breve juventude e saiu de casa sem nada, quando a noite caiu e todos dormiam.


Talvez não tenha tido noção da amplitude do seu gesto naquele instante mas ele veio mudar toda a sua vida de uma forma dura e definitiva. A partir daquele momento a menina deixou de ter família, de ter aldeia, de ter amigos, de ter escola, de ter amparo. A corajosa decisão que tomou fez os pais, familiares e vizinhos cortar definitivamente relações com ela. É sempre assim.


Aos 14 anos partiu para o mundo sozinha. Procurou ajuda ao cabo de muitos quilómetros a errar pela noite escura e encontrou-a, mesmo que de forma temporária. Quando a conheci, a precariedade da sua situação ainda se mantinha e o medo de ser procurada fazia-a tremer a cada chegada de um carro ou ao cruzar um rosto desconhecido.

Estas meninas feitas mulheres pela crueldade da família ou casam ou ficam sozinhas no mundo. Não há meio termo. E quando ficam sozinhas nem sempre conseguem encontrar a ajuda adequada ao drama que estão a viver. Umas acabam violentadas, outras violadas, outras enganadas por quem é suposto protegê-las, algumas na prostituição. Outras fogem para o colo de quem as devia defender dos casamentos forçados e onde acabam precisamente pela sua mão.

São meninas a quem foi roubada de repente a vida na sua plenitude, quando este conceito por si já é tão limitado na Guiné-Bissau. Algumas infelizmente não aguentam a pressão da fuga e voltam para os braços dos carrascos que as agridem e as casam de imediato.

São estas meninas feitas mulheres que vivem no anonimato na Guiné-Bissau mas que engrossam estatísticas dos casamentos forçados e precisam de quem as proteja. De quem as acolha e lhes proporcione apoio emocional, depois de se verem despojadas de qualquer afecto filial e traídas pelas pessoas em quem mais confiavam. De quem lhes dê apoio pedagógico para que não engrossem os números da ileteracia da Guiné-Bissau. De quem lhe dê ferramentas formativas para abraçarem a vida de forma activa e com independência financeira quando atingirem a maioridade.

Como esta menina com quem conversei, há muitas outras na Guiné-Bissau e pelo mundo fora. E com a pandemia, os estados de emergência e os confinamentos os casos tornaram-se aparentemente mais numerosos, mais incógnitos e com consequências mais graves pois muitas meninas não conseguem fugir deste drama que lhes vai cortar a infância e destruir a vida.

Nunca esquecerei o seu rosto e a fragilidade da figura que encobriam a força hercúlea daquela menina criança e penso ainda hoje, ao recordá-la, que me ensinou que coragem não vive de aparências nem de estádios de maturidade. Aprendi com ela que a coragem ali foi um grito de desespero, um Enorme ato de amor à vida que neste caso não aceitou que lhe violassem o direito à infância e à sua integridade fisica e psicológica.

Uma menina frágil transformada à pressa pela família numa mulher fortaleza mas que no fundo ainda precisa da ajuda, ainda precisa de colo.

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(*) A BIRD Magazine é uma revista online nascida em 2013. A BIRD Magazine é um meio independente, plural e equilibrado, orientado pela ética e deontologia jornalística. A BIRD Magazine procura a verdade, o rigor, a isenção e promove um espaço público de debate através dos seus cronistas residentes. 

(**) Joana BenzinhoAssessora Parlamentar no Parlamento Europeu desde 1999 | Fundadora e presidente da ONGD Afectos com Letras, criada em 2009, com sede em Pombal | Tem página no Facebook | É uma grande amiga da Guiné-Bissau e das suas gentes]  Tem 7 referências no nosso blogue.
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Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

Foto 1> Citação: (1966-1973), "Amílcar Cabral com um destacamento das FARP do PAIGC (na região do Boé; Frente Leste)", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44176, com a devida vénia.



Foto 2 > Citação: (1963-1973), "Amílcar Cabral com combatentes do PAIGC, no Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44296, com a devida vénia.



Mapa da região do Boé (Centro - Sul). Infografia: Jorge Araújo (2020)



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
ainda no ativo; tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- DIRECTIVAS E INSTRUÇÕES MILITARES DIFUNDIDAS EM 1965 -     

 

1.   - INTRODUÇÃO


Perto de completar trinta meses, após o início do conflito em Tite [em 23Jan63], e quinze meses antes da «Operação Madina do Boé» [em 10Nov66], a maior acção militar realizada até então pelos guerrilheiros do PAIGC, em cooperação com meia-dúzia de elementos do contingente cubano chegados, em 29Abr66, a Conacri – P21547 –, Amílcar Cabral (1924-1973) decide enviar uma "mensagem" aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, em nomadização na região do Boé (ver mapa acima).


Nessa "mensagem", datada de 1 de Julho de 1965, uma quinta-feira, reafirma, como "palavra de ordem", a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante, compreendida entre Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu.


Pela relevância do seu conteúdo, pois faz parte da historiografia do conflito a que designei anteriormente de «Guerra dos Doze Anos» [CTIG; 1963-1974 (P21547)], e porque o dossiê  "Madina do Boé" continua em aberto, tomei a iniciativa de o partilhar no nosso fórum, organizando a apresentação em pequenos fragmentos, com o objectivo de facilitar a sua leitura, tendo por fonte de investigação, uma vez mais, o valioso espólio documental de Amílcar Cabral, disponível na Fundação Mário Soares.


2.   - MENSAGEM DIRIGIDA AOS COMBATENTES DAS FARP DO BOÉ DATADA DE 01 DE JULHO DE 1965




Ø 
Camaradas.


Vocês todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos. Na verdade, se acabarmos rapidamente de libertar a região do Boé, se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu. Criamos além disso uma base muito boa para libertar rapidamente toda a área compreendida entre o rio Corubal, Xitole, Bambadinca, Bafatá e o Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados.


Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a "jangada de Xexe [Ché-Che, em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado abaixo, manuscrito por Umaro Djaló [1940-2014], cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. Mas temos de lembrar que podíamos ter feito muito mais, se agíssemos sempre com mais conhecimento das condições do inimigo e se não cometêssemos certos erros.



Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada [?], mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas.


Mas têm de ficar no Boé os combatentes que têm dado provas de coragem e de audácia para garantirem o cumprimento do nosso dever nessa região.



 

Ø  Camaradas,


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos totalmente o Boé em pouco tempo.


O que é preciso é iniciativa, audácia, coragem e acção, com base no conhecimento concreto do inimigo.

Temos de libertar completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [de 1965]. Este é um trabalho importante do nosso Partido que nada poderá evitar.


Avante, pois, na libertação total do Boé, região importante para o grande avanço da nossa luta.

Pelo Bureau Político do PAIGC


Amílcar Cabral (Secretário-Geral)

1 de Julho de 1965

 

Ø  Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:


■ 1. - Limitar o número de homens a uma subsecção, bem armada e dispondo de morteiros e bazucas. Obter informações sobre o inimigo.


■ 2. - Instalar armas anti-aéreas (DCK) para ataques aos aviões. Fazer sempre tiros contra os aviões e helicópteros. Destruir os campos de aviação.


 

■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 4. - Colocar um grupo de emboscada perto a Guilejezinho.


■ 5. - Destruir a jangada de Xexe [Ché-Che], mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina.


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto de Xexe para não deixar passar o inimigo.


■ 7. - Bombardear Madina [do Boé] com morteiros de dia e de noite.


■ 8. - Fazer ataques rápidos e muitas vezes a Madina [do Boé], sobretudo com bazucas, para destruir casas em que está a tropa. Retirar-se.


■ 9. - Concentrar forças e atacar Madina [do Boé], para destruir o quartel inimigo e todos os soldados inimigos (mortos ou presos).


■ 10. - Concentrar forças e atacar Béli, depois de bombardear com morteiros e bazucas.


■ 11. - Controlar as estradas de Xexe [Ché-Che], Contabane e Palaque (ao norte de Béli), que vai para Cabuca).


■ 12. - Organizar e controlar a população em todas as zonas dentro do Boé.


■ 13. - Colocar armas pesadas ao longo do rio Corubal (em todos os quartéis) para evitar o regresso do inimigo.


■ 14. - Instalar várias armas anti-aéreas em pontos estratégicos de maneira a destruir todos os aviões que venham a Boé.



Fonte: Citação:
(1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   - DESTRUIÇÃO [?] DA "JANGADA DE CHÉ-CHE"

  - EM 11 DE MAIO DE 1965 – COMUNICADO DE UMARO DJALÓ


De modo a poder validar a informação descrita na "mensagem" de Amílcar Cabral sobre a destruição da "jangada de Ché-Che", em Maio de 1965, encontrámos uma referência a essa ocorrência, assinada pelo Cmdt, à época, na região do Boé – Umaro Djaló –, que seguidamente se transcreve:


Ø   Comunicado


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a "jangada de Cheche" no dia 11 do mês corrente [Maio de 1965], às 4 horas da manhã. Foi totalmente destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos.


A reacção das tropas em Madina [do Boé], depois de se aperceberem da detonação do explosivo, chamaram a intervenção da aviação, que imediatamente chegaram dois aviões às 6 horas do mesmo dia e rondaram até às 12 horas.


Agora estamos preparando um novo ataque sobre Béli, às sabotagens repetidas, sem interrupções. Pedimos que nos mandem munições, o mais depressa possível.

L-1-10 + bazucas, obuses chineses e checos, binóculos.


Madina do Boé, 12-5-1965

O comandante; Umaro Djaló.

 


Fonte: Citação:
(1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708

 

4.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegados ao fim da presente narrativa, mais uma tendo por temática «Madina do Boé»: factos encontrados na literatura, escritos por Amílcar Cabral dois anos e meio após o início do conflito, não nos foi possível localizar qualquer "contraditório", por parte das NT, quanto à destruição da «Jangada de Ché-Che» em 11 de Maio de 1965.


Como última hipótese de tal poder vir a acontecer, acreditamos que o nosso camarada Manuel Luís Lomba esteja em situação privilegiada para legitimar/confirmar, ou não, esse facto (caso ainda dele tenha memória), já que, como é aludido no P18623, "a região do Boé foi também um dos 'amores' da malta operacional do BCAV 705, transferido de emergência para o Leste, em Maio de 1965 [a mesma data da ocorrência acima], e calhou à CCAV 704 [Companhia de Cavalaria 704] assentar arraiais em Madina [do Boé] e Béli, comandada pelo então Capitão de Cavalaria Fernando Ataíde."

Aguardemos o seu feedback.    

► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Um melhor Ano de 2021.

Jorge Araújo.

28DEZ2020


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