sábado, 10 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6707: Notas de leitura (128): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Era inevitável uma referência a esta obra de Basil Davidson, que correu mundo.
Nem tudo aconteceu conforme se previa no final do livro, mas o conteúdo apologético surtiu efeito, Cabral passou a ser muito mais conhecido no mundo anglófono graças a este texto apologético.

Um abraço do
Mário



A libertação da Guiné: o clássico de Basil Davidson

por Beja Santos

Em 1969, Penguin Books editam The Liberation of Guiné, de Basil Davidson, um publicista britânico que não escondia as suas simpatias pelos movimentos de libertação em luta na África portuguesa. O livro correu mundo, transformou-se no principal cartão-de-visita do partido de Amílcar Cabral em todo o mundo anglófono. Cabral e Davidson estivam reciprocamente. Aliás o prefácio do líder guineense, escrito no Boé, em Outubro de 1968, é de uma extrema beleza e revela profunda admiração: “[Basil Davidson] aceitou todos os riscos e canseiras para poder entrar em contacto, pessoalmente, com o modo de vida actual dos nossos povos. Três vezes entrou no nosso país, onde permaneceu tanto tempo quanto quis, falou com quem lhe apeteceu, viveu a realidade quotidiana da nossa vida e da nossa luta. Juntos usámos as mesmas canoas, os mesmos barcos, os mesmos trilhos do mato; estivemos presentes nas mesmas reuniões; bebemos pelas mesmas cabaças, comemos dos mesmos pratos, atravessámos os memos incontáveis rios do Sul, vadiámos através da mesma lama, lavámo-nos na mesma água, deitámo-nos e levantámo-nos à mesma hora, fomos escoltados pelos mesmos guerrilheiros”.

A viagem/reportagem começa no Quitáfine, fala do napalm lançado pelos Fiat, na travessia dos arrozais e depois o autor faz uma resenha histórica da colonização portuguesa na Guiné até ao levantamento dos grupos anti-colonialistas. Apresenta algum dos líderes políticos e militares como Osvaldo Vieira ou Otto Schacht. Combatentes como Pascoal Alves, um dos principais políticos da frente Sul falam da sua adesão ao partido, da luta ideológica dos primeiros tempos, dos medos, das alterações que se operaram no mapa. Basil Davidson evidencia as analogias que vai encontrando entre a luta do PAIGC e o combate que presenciou na Jugoslávia, durante a II Guerra Mundial, e a resistência dos vietnamitas perante os norte-americanos. Regista as conversas de Cabral em toda a região do Quitáfine, por onde vão passando. Fala das Lojas do Povo, da nova organização instalada nas chamadas regiões libertadas. O combatente Armando Ramos diz: “Chamamos zona libertada a uma área em que temos controlo quotidiano, em que apenas excepcionalmente temos de usar o nosso exército para neutralizar uma possível sortida portuguesa a partir de uma dessas guarnições e em que a população está mobilizada para o nosso lado, tanto no sentido político como no sentido militar da palavra. Outro activista do PAIGC, António Bana, fala da mobilização dos camponeses e da sensibilização dos homens grandes, a partir de 1960. A aceitarmos os dados expressos do Davidson, a acção doutrinária do PAIGC fermentou cerca de três anos eclodir a luta armada e a separação dos campos. Cabral e os outros dirigentes falam dos fulas e da sua ligação às autoridades portuguesas, isto quando visitam as zonas do Sudoeste. Os ataques maciços a Beli são explicados pormenorizadamente até ao abandono do aquartelamento, que irá isolar Madina do Boé (também abandonado em Fevereiro de 1969). Cabral vai contando a Davidson como está organizado o PAIGC nas suas bases exteriores, sobretudo a partir de Conacri, como são formados os quadros na Academia de Nanquim, e nos centros de Moscovo e Praga. Revela que em Outubro de 1967 cerca de 500 quadros frequentavam cursos na URSS e na Europa oriental.

Tratando-se de uma obra de divulgação, Davidson dá conta da evolução do pensamento político de Cabral e das principais etapas da política diplomática, da chegada do equipamento militar e da estratégia de guerrilhas centrada em dois objectivos: desarticulação da economia e dos transportes dos portugueses e construção da economia das zonas libertadas.

Escusado é dizer que estamos perante uma obra panfletária, apologética, Amílcar Cabral é o centro da placa giratória, destaca-se o crescendo da guerra que leva inclusivamente ao ataque do aeroporto de Bissau, no início de 1968. Na derradeira conversa entre Davidson e Cabral fica claro que o PAIGC estava pronto a negociar uma retirada pacífica dos portugueses, estes tinham-se metido num dilema infernal, sabiam que já não podiam recuperar o controlar da Guiné e temiam que negociar a independência deste pequeno país iria minar a posição portuguesa em Angola e Moçambique.

“A Libertação da Guiné, aspectos de uma revolução africana”, por Basil Davidson, foi editado pela Livraria Sá da Costa em 1975.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6701: Notas de leitura (127): Caminhos Perdidos na Madrugada, de Fernando Vouga (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Mais um bom bom trabalho de Beja Santos.

Há muitos discursos de Cabral, que provavelmente, B.S. ou L.G. ainda divulgarão e analizarão.

Pequena análise minha sobre a ultima passagem retirada por B.S do livro de Basil Davidson:

«...negociar a independência deste pequeno país (Guiné)era minar a posição em Moçambique e Angola».

Digo eu: Se em Angola, em 1968/9, o MPLA, irmão do PAIGC e FRELIMO, (não das outras facções), quasi não se fazia sentir militarmente, será que passou "procuração" ao PAIGC a mando dos seus fornecedores de armas e técnicos, para lutar na Guiné, pelo MPLA?

É que ouvi muitas vezes a jovens guineenses do PAIGC, que o esforço foi deles, não dos outros.

Pessoalmente, acredito que houve algo parecido com uma "procuração", pelo que vivi de calma e boa vida em Angola a fazer mapas e estradas, e o que senti mais tarde em toda a Guiné em Portos, pontes, jangadas, e estradas, e vi o que sobrou da violência.

Pessoalmente tambem estranhei sempre em tudo o que se lê, sobre Amilcar Cabral, porque nunca o PAIGC, se manifestou em Caboverde. Embora, ele tente explicar uma ou outra vez. Mas não convence cabalmente.

E, porque os Stela só apareceram logo a seguir ao assassinato de Amilcar, e não antes? Os Stela, apareceram porque Amilcar morreu? Ou Amilcar morreu para aparecerem os Stela?

Todos temos direito a ter dúvidas.

Antº Rosinha