segunda-feira, 28 de março de 2011

Guiné 63/74 - P8008: Notas de leitura (221): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2011:

Queridos amigos,
Nada mau como dissertação de mestrado, imensos dados da maior importância, entrevistas com revelações nunca antes publicadas. Esclarecedor da torrente de utopias e do entusiasmo desses dirigentes africanos que julgavam estar à altura de uma tarefa gigantesca. Falaram em geração da utopia, reuniram-se em Lisboa, ainda nos anos 40, depois da guerra, e foram a correr atrás dos ventos da descolonização. É o estudo desse percurso, a maioria deles andou por estas ruas de Lisboa, até por quartos alugados. O prédio da Casa dos Estudantes do Império ainda lá está, no Arco do Cego.

Um abraço do
Mário


À volta da formação da elite fundadora do PAIGC (1)

Beja Santos

“A Luta pela Independência, a formação das elites fundadoras da FRELIMO, MPLA e PAIGC” foi o primeiro trabalho de investigação de Dalila Cabrita Mateus (Editorial Inquérito, 1999). Com base numa dissertação de mestrado, este trabalho de investigação discorre sobre as lutas pela independência das ex-colónias portuguesas, entra na questão de fundo das opções ideológicas e modelos económicos e sociais adoptados por tais movimentos e procura equacionar os diferentes factores que conduziram tais opções a insucessos.

A autora, foi das primeiras investigadoras a trabalhar os então recém-disponibilizados arquivos da PIDE, estrutura a sua investigação na seguinte linha de análise: espinha dorsal da chamada missão civilizadora portuguesa; constituição das elites urbanas e crioulas dos três principais movimentos independentistas; ambiente em que se formaram as elites africanas em Portugal, sobretudo em torno de A Casa dos Estudantes do Império (CEI) e na órbita do PCP; natureza dos apoios externos à luta independentista; da utopia ao colapso da pequena burguesia independentista. Obviamente que esta recensão procurará, no essencial, dirigir-se à questão guineense.

1945 foi o ano em que, praticamente, se iniciaram as actividades da CEI, que irá ter um papel destacado na formação das elites políticas que fundaram a FRELIMO, o LMPA e o PAIGC. Ao tempo, já está em marcha a missão civilizadora que tem a sua pedra de toque no Acto Colonial, onde se afirmava ser “da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar populações indígenas que neles se compreendam”. Questão matricial era a doutrina da superioridade racial dos colonizadores, como proferiu Salazar em 1933: “Devemos organizar cada vez mais eficazmente e melhor a protecção das raças inferiores”. E como acrescentará em 1957: “Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se quiser, em relação às quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização”.

Embora estes conceitos tenham vindo a ser posteriormente amaciados nas exposições do ditador, ele nunca as retirou da sua perspectiva teórica. O regime lançou as bases do desenvolvimento, dentro da lógica do aproveitamento dos recursos a pensar na economia da metrópole e na transferência de mão-de-obra da Metrópole para as colónias. Em torno desse processo colonizador havia que encontrar cidadania e estatuto para os chamados não-civilizados. Na década de 50, a esmagadora maioria dos africanos continuava a ser considerada não-civilizada. A autora documenta com a evolução do ensino oficial nas colónias, postula com a evolução do ensino missionário católico e como este acabou inevitavelmente por entrar em conflito com a missionação das igrejas protestantes.

Está perfeitamente documentado o papel de Amílcar Cabral, nos anos 50 do MPLA e PAIGC. Os dirigentes da corrente independentista circulavam no meio de elites crioulas e o PAIGC, como é por demais sabido, assentou nas elites crioulas da Guiné e Cabo-Verde. Foi em Bissau, no número 16-A da Rua Dr. Vieira Machado (na casa onde morava Aristides Pereira), que se realizou, em Setembro de 1956, a reunião onde participaram Amílcar e Luís Cabral, Aristides Pereira, Júlio Almeida, Fernando Fortes e Elysé Turpin. Seguiu-se a mobilização orientada para as camadas urbanas. Em 1958, o partido criava a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné, organização sindical clandestina. Estima-se que em 1959, ano do massacre do Pidjiquiti, havia meia centena de membros activos, mas quase todos em Bissau. Com o desenvolvimento da luta, a origem social dos militantes do PAIGC modificar-se-á e em 1962-1963 assentará profundamente no campesinato do interior. Os principais dirigentes são cabo-verdianos e estes serão sempre uma percentagem insignificante dos combatentes.

A CEI é o ponto de encontro destes jovens que vêm à procura de habilitação superior. A casa [CEI – Casa dos Estudantes do Império] surgira ligada à Mocidade Portuguesa, fora patrocinada pelo Ministro das Colónias e pelo Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa. Situava-se no Arco do Cego, no nº 23 da Avenida Duque d’Ávila. Está lá hoje uma lápide a lembrar a sua existência, bem mal tratada por sinal.

Surgem publicações e Amílcar Cabral, com o pseudónimo de Arlindo António, irá aqui publicar um dos seus primeiros textos de reflexão política. Dalila Mateus descreve o funcionamento da CEI bem como doutras organizações, como é o caso do Centro de Estudos Africanos, o Clube Marítimo Africano e a Casa de África. As influências político-orgânicas radicaram na projecção do PCP, pólo de atracção destes líderes africanos.

Como recorda a autora, o PCP foi praticamente a única força oposicionista organizada no seio da juventude universitária. Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Mário de Andrade e Vasco Cabral fizeram parte do MUD juvenil. Nesses anos 50 um número importante destes dirigentes começa a participar junto de entidades satélites dos soviéticos, na Europa de Leste. Depois, na perfeita clandestinidade, fundam organizações unitárias como o Movimento Democrático das Colónias Portuguesas, o Movimento Anticolonialista, que evoluirá para a FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência das Colónias Portuguesas) e depois a CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas).

Debruçando-se sobre as influências político-culturais destes estudantes africanos, revela-se que eles liam Gorki, Ehremburg, Cholokov, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Fernando Amora, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, entre tantos outros. Aliás, a autora entrevistou alguns desses dirigentes e verificou que o leque de leituras era extensivo aos franceses e norte-americanos. O grosso das fugas começa no início da década de 60, vão engrossar os quadros dirigentes dos movimentos de libertação, muitas vezes graças à colaboração dos quadros comunistas portugueses.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7960: Notas de leitura (220): Comício, um grande poema em defesa do ultramar, por Couto Viana (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

É uma pena estar quase a desaparecer o que resta das referidas "elites"fundadoras, porque eram uma mais valia para Angola Moçambique e Guiné.

Faziam parte da sociedade de portugueses mais bem preparados daquele Portugal colonial, que já antecedia muito Salazar.

Como neste blog, só devemos contar aquilo que vimos e vemos, quero dizer que aquilo que elogio naquela elite, justifico com o milagre da governação e sobrevivência de um país como Caboverde.

Mas pessoalmente tive uma vivência de tantos anos com gente dessa elite que não aderiu a aos movimentos nacionalistas, mas que não eram menos nacionalistas por isso, que é uma pena que não se escreva a história dessa gente, pois sabiam muito bem o que era melhor para todos.

Neste momento a NATO está "chamando à civilização" o Kadafi.