quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1055: Estórias do Zé Teixeira (13): O Balanta que fugia do enfermeiro (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas (1).

Foto: © Humberto Reis (2006).


Continuação das estórias do Zé Teixeira (ex-1º cabo auxiliar enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) (1)


O Balanta que fugiu à seringa


Em Mampatá Forreá, os dois únicos balantas que lá conheci (a população era Fula, Futa-fula e Mandinga) eram lenhadores, contratados pela tropa a troco de uma marmita de comida diária para cortarem lenha para a cozinha militar.

Um deles tinha tanta força como de ingenuidade. Um dia peguei numa faca e disse-lhe que o ia matar. Desatou a correr e eu atrás dele, a rir-me às gargalhadas, correndo os dois a tabanca toda.

Ninguém sabia o que se passava nem entendia porque quando eu parava, atrás de uma morança, ele parava e, se eu começasse a correr, ele fugia por entre as moranças, a rir-se, mas sempre longe de mim. Um bom espectáculo para um fim de tarde de alguém que apenas precisava de queimar o tempo e ainda faltava tanto .

Só parámos, quando deitei a faca ao chão. Depois demos um abraço e . . . fizemos as pazes. Certo dia acertou com o machado num pé., cortando profundamente um dedo. Por pouco não traçava o osso por inteiro.

Dirigiu-se à enfermaria, ao ar livre, isto é, ao cantinho onde todos os dias eu montava o meu engenho de enfermaria.

O meu dilema era completar a obra do machado e sacar o dedo ou tentar suturá-lo, na esperança de o osso solidificar. Ou, então, aguardar dois dias pela avioneta do correio e mandar o embrulho para Bissau.

Optei pela sutura, lavei muito bem o pé - que talvez nunca tivesse sido lavado na vida -, e preparei a seringa para a anestesia local. Ele baixa a amostra de calções mais negros que a sua pele, convencido que ia tomar uma injecção. Quando se apercebe que ia ser picado no pé, começa a gesticular que não. No pé, não. Claro que eu não sabia balanta, ele não sabia crioulo, nem português. Assim não nos entendíamos, mas ele encontrou a solução. Desata a correr pela aldeia fora com o dedo dependurado e a sangrar. Pica no pé, nunca, só no traseiro.

Passado algum tempo lá voltou. Com a ajuda do companheiro, conseguimos entendermo-nos melhor. Fiz de novo a higienização da ferida, suturei como pude e passados uns dias, com a ajuda de umas picas de penicilina lá se curou e voltou ao trabalho de lenhador para ter direito a comer (os nossos restos).

1 comentário:

Anónimo disse...

Os jornalistas perguntaram a HOLDEN ROBERTO de Angola (fnla), logo a seguir ao 25 Abril de 1974, porque ao fim de 13 anos de luta de libertação, as populações quase nunca aderiram: Ele, que tinha sido educado numa missão protestante americana, respondeu: PARECEM COISAS DIABÓLICAS, DIFICEIS DE EXPLICAR... Como eu vivi o antes, durante e depois da guerra quase sempre em áfrica, (tenho quase 70 anos), faço como que um passatempo, tentar compreender como aguentámos 13 anos aquela guerra, e como o H. Roberto, quse digo que são coisas diabólicas...Mas não digo: (Atenção que há 30 anos as minhas leituras são quase só referentes ao assunto), o que digo é que o "sucesso", se deveu aos milicianos e rasos, que foram OS SENHORES DA NÃO GUERRA, (e o Salazar sabia disso) e aos comerciantes que não arredavam pé...E ao inssucesso de todas as FALSAS INDEPÊNDENCIAS AFRICANAS de então, que vemos agora o resultado com ps milhões de africanos a fugir para as Canárias. Antonio Esteves Rosinha, alverca