Estes engenhos serão do tempo da guerra civil de 1998/99, que opôs as forças de Nino Veira, apoiadas por tropas dos vizinhos Senegal e Guiné-Conacri, às tropas revoltosas da Junta Militar, do brigadeiro Ansumane Mané... Uma guerra civil cruel, feroz e prolongada que ainda está muito viva na memória do povo da Guiné-Bissau...
No que diz respeito ao período da guerra colonial / luta de libertação, não sabemos ao certo quantas minas e armadilhas e outros engenhos explosivos (bombas da aviação e da marinha, granadas de artilharia, etc.) ficaram no terreno... Tanto nossas como do PAIGC e que continuam a matar...
César de Carvalho, responsável do CAAMI - Centro de Centro de Acção Anti-Minas, estrutura criada pelo governo guineense em 1999 para coordenar e gerir todo o processo de desminagem, a era esperado que Guiné-Bissau ficasse livre de minas até a 2006... Segundo dados da CAAMI, as minas já provocaram mais de meia centena de mortos no país e mais de 250 feridos (Fonte: Notícia da Lusa, de 18 de Outubro de 2005).
Dele recebemos o seguinte e-mail: A primeira parte de uma reportagem, sobre os campos de minas, por mim feita no fim do conflito de 1998/99 na Guine Bissau.. A segunda parte versava os "resíduos do mesmo campos, no sul e norte do pais.. estas datadas da Guerra colonial..e da guerrilha independentista do Casamance... Esta entretanto a custar localizar estes dois últimos...
Um abraço, Nelson
Guiné-Bissau: Campos de minas antipessoais e antitanques identificados nos arredores da capital (*)
por Nelson Herbert (VOA)
São, ao todo, quatro os campos de minas antipessoais e antitanques identificados no perímetro que circunda a capital guineense Bissau. Áreas que ladeiam bairros residenciais e pequenas lavras satélites à cidade, capital guineense.
A história destes campos de minas não requer um exercício profundo da memória, para a situar em termos de temporalidade. Pois datam do conflito militar que assolou a Guiné-Bissau entre 1998/1999.
Como parte da estratégia de defesa adoptada pelas então forças do presidente Nino Vieira, era necessário defender a franja da cidade de Bissau, que resistia ao isolamento imposto pela rebelião militar do general Ansumane Mané.
E mais no seu auge, o conflito foi responsável pela fuga de cerca de um terço da população de Bissau em busca de refúgio mais a interior do país, desbravando assim zonas residenciais estratégicas à penetração inimiga.
São os casos dos bairros de Brá, Quelele, Estrada de Bor, Ajuda, Antula, Enterramento, e mais a sul da capital, o Bairro Plaque 1, áreas minadas pelas forças governamentais afectas a Nino Vieira e por militares do Senegal e da Guiné Conacri.
No campo de minas de Bor, seguindo os regulamentos, os sapadores tinham decidido, momentos antes da chegada da nossa reportagem ao local, suspender temporariamente os trabalhos da desminagem. Em causa a ausência, justificada por doença, do paramédico do grupo. Mas mesmo assim o dia não deixou de ser aproveitado, para o Day After...
Munidos de machetes, a equipa de sapadores aventura-se escassos metros adentro da mata, recolhe ramos de árvores ressequidos que são utilizados para a feitura das convencionais estacas de sinalização característicos dos campos de minas.
A viagem até o Bairro de Bor, localizado num dos extremos de acesso a capital Bissau, dura um pouco mais de meia hora, entre estradas esburacadas e a azáfama dos mercadores que disputam, com as viaturas , as vias de acesso à localidade.
A zona tinha sido inicialmente, e com o fim do conflito militar, alvo de uma primeira acção de desminagem a cargo da Humaid, a mais antiga Organização Não governamental a operar no sector.
Mas receios da possibilidade de existência de minas não detectadas na primeira fase da desminagem, sugeriram à Humaid, dirigido por John Blaken, um ex-embaixador dos Estados Unidos, na Guiné-Bissau, a jogar pelo seguro e a regressar à zona para uma segunda escrutinização sobretudo dos terrenos que ladeiam a picada que dá a acesso à localidade.
A picada é, por sinal, a mesma que nos conduz ao bairro do Enterramento, o segundo campo de minas visitado é um dos quatro que circundam bairros residenciais da periferia de Bissau.
Na zona são ainda visíveis os sinais dos combates e dos meios bélicos e militares envolvidos nos confrontos que opuseram unidades das forças senegalesas aos rebeldes da Junta Militar. Invólucros de munições, projécteis intactos de armas pesadas recolhidos pelos sapadores, restos de minas antipessoais de origem distinta para além do que ainda resta das trincheiras militares escavadas na terra avermelhada.
Um elemento da população revela que um dos filhos perdeu uma perna na explosão de uma mina no campo e relembra que o bairro teria sido palco de alguns dos mais intensos confrontos militares do sangrento conflito.
Durante os trabalhos da abertura da picada as máquinas chegaram a detectar duas activas minas antitanques - conclui aquele popular.
Mas é entretanto por altura da época da lavoura que o perigo se destapa. Das imprudentes queimadas lançadas pela população para a abertura de clareiras à prática da agricultura de subsistência, resulta quase sempre a necessidade da evacuação da área devido às explosões de projécteis de artilharia abandonados no terreno.
Bacar Djau, um jovem de pouco mais de 25 anos de idade, assume, a embora corriqueira, mas difícil missão de nos conduzir pelo interior adentro do perímetro florestal minado e que ladeia a picada que dá acesso ao Bairro de Enterramento.
Mas antes é necessário a familiarização com as normas e as sinalizações do campo, sobretudo as estacas indiciando perigo à vista.
Era chegado o momento de um acerto de passo com o perigo... uma espécie de aventura nossa por um dos muitos campos de minas herdados do conflito militar na Guine Bissau.
As estimativas iniciais das forças de manutenção de paz da Comunidade Económica dos Países da África Ocidental, a Ecomog, enviadas para a Guiné Bissau em 1999 no quadro dos acordos de paz, de Abuja, Nigéria, chegaram a prever entre 15 a 20 mil o número de minas implantadas na periferia de Bissau.
Contas entretanto que a Humaid hoje contraria, situando em cerca de 4 mil o número aproximado de tais engenhos explosivos implantados durante o conflito.
John Blaken, um ex embaixador dos Estados Unidos na Guiné-Bissau e que assume a administração da Humaid, revela que, não obstante a existência de outros campos de minas, sobretudo no interior do país, estes do tempo da guerra pela independência do país, decidiu-se priorizar as áreas circundantes de Bissau, pelo perigo iminente que representam.
“Bem, foi dada prioridade a Bissau porque é onde se tem registado acidentes. Com excepção no norte, na fronteira com a Casamance, não tem havido incidentes no interior do país. Isto porque identificamos e marcamos os campos no sul e as pessoas conhecem-nas e tratam de se manter longe deles” - precisa aquele antigo diplomata à nossa reportagem.
Num mapa detalhado dos campos de minas já identificados em todo o território guineense, Blaken garante que, numa segunda etapa, a ONG tenciona estender as suas acções de desminagem às zonas rurais do interior, nomeadamente aos campos de minas no sul do país, que circundam o perímetro dos antigos aquartelamentos do éxercito colonial português.
“Existem 17 locais identificados no interior do país, como campos de minas do tempo da guerra pela libertação. São sobretudo campos junto aos antigos quartéis portugueses. Existem alguns locais no norte, mas este mapa não inclui as minas implantadas durante o conflito do Casamance... não temos esses campos de minas identificados” - frisa John Blaken.
Os números atestam os factos. De Janeiro de 2000 a Maio de 2005, a Humaid desactivou apenas na periferia de Bissau, mais de duas mil e quinhentas minas antipessoais, 55 minas antitanques, 144 minas submarinas, cerca de 14 mil projécteis não deflagrados com calibre superior a 12.7 milímetros e aproximadamente 30 mil munições de calibre inferior a 12.7 milímetros numa extensão de terreno calculado em 537 mil 990 metros quadrados. Terrenos que pouco a pouco estão sendo reocupados pelas populações na construção de palhotas e abertura de lavras.
“Se não tivesse tido a garantia do pessoal da Humaid, não construiria a minha casa aqui” - confirma este popular à nossa reportagem.
John Blaken, empenhado na desminagem na Guiné-Bissau confirma que à medida que a desminagem dos terrenos vai sendo concluídas, as populações reocupam as terras para a construção de habitações e a abertura de novas lavras. “Uma experiência, gratificante”, conclui este antigo diplomata americano. (**)
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Notas de MR:
(*) Originalmente publicado na News VOA.com, com data de 12 de Setembro de 2005
(**) Ver último poste desta série Recortes de Imprensa: 3 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4276: Recortes de imprensa (18): O Campo do Tarrafal e as distorções da História, por Pedro Pires, PR de Cabo Verde (Nelson Herbert)
Vd. também poste de 2 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4273: Recortes de imprensa (17): Engenhos explosivos do nosso tempo continuam a matar, desta vez na região de Mansabá (Nelson Herbert)
5 comentários:
Já escrevi sobre este assunto com a autoridade que me assiste pelo facto de ter pertencido à equipa que montou e desmontou o campo de minas entre Bula e S.Vicente ( Cacheu ).
O texto de Nelson Herbert refere a prioridade dada na desminagem de zonas contíguas a Bissau ; percebo.
Volto no entanto a chamar a atenção para um campo constituído por dezenas de milhares de minas instalado naquela área e que deixou dúvidas quanto à sua integral descontinuação pois engenhos houve que não foram encontrados !
Podem ter sido deflagrados como podem, tão simplesmente, ter sido arrastados para uns metros mais à frente ou atraz por acção de chuvas ou de animais !
Desconheço de todo onde se podem consultar os croquis feitos naquela altura mas essa tarefa deixo-a às autoridades interessadas na salvaguarda das populações daquele território.
Insisto ; não são meros nichos de armadilhas com minas ! É ( foi ) um verdadeiro campo de minas de 16.000 minas ! Foram cerca de 1,6 minas por metro ao longo de uma estrada e durante cerca de 10 kms !!!
António Matos
António:
É uma revelação espantosa. Para mim, uma verdadeira surpresa. N
ão faço nenhum juízo de valor: constato apenas...
Sempre pensei que eramos uns artesões, punhamos umas minas e armadilhas, aqui e acolá, pontualmente com carácter defensivo...(em trilhos, pontos de cambança, arredores de 'barracas' do IN...).
Por outro lado, sempre pensei que, depois das independências, é que se passou a uma outra escala, digamos industrial. Foi o caso de Angola (que hoje tem 400 mil mutilados de guerra, muitos deles vítimas de minas antipessoais), mas também de Moçambique e da Guiné...
As minas são as armas dos pobres, dizem-nos. Não tinha uma noção do número de minas e outros engenhos explosivos que foram montados durante a guerra civil de 1998/99... o mesmo se passa com os nossos campos de minas durante a guerra colonial. 16 mil minas, um campo de minas com 10 km de comprimento é obra!...
Reconheço a minha santa ingenuidade. Mais uma razão para pedir ao António para escerever SOBRE este assunto, até há pouco tempo tabu no nosso blogue... Eu sei que isto faz parte da guerra suja... Mas será que haverá guerras limpas ?
guerra, suja ou limpa,só guerra! A bestialidade do IN versus NT. As marcas a perpetuarem-se no tempo. Marcas de sofrimento ou de glorificação, até de santidade, para heróicos combatentes. Guerra de merda, de merdas, de bons e maus,só guerra!Basta só a guerra; a destruição, o terror, o sofrimento de populações. As tropas ditas coloniais- os usurpadores? E as tropas ditas de libertação- os salvadores...de quê? Em mais de três décadas de "paz"quantas "minas" foram colocadas? Mais ou menos do que em década e pouco de guerra de "libertação"? É necessário que os Países envolvidos se consciencializem em minimizar o mal causado pelas minas,"atingida" a liberdade, a paz... mas postas por quem e quando??E o resto???Bons e Maus,Vida ou Morte,Suja ou Limpa...Guerra na eterna Dualidade...Ab Torcato
Luís Graça, estou de bem comigo embora reconheça a selvajaria do engenho "mina".
Vivi intensamente esta realidade da guerra e recordo esporadicamente os acidentes, os incidentes e algumas das consequências.
Receei que no meu comentário anterior, a maneira propositadamente pouco técnica com que abordei o assunto fosse motivadora de juízos pouco correctos sobre a nossa "capacidade profissional" para o efeito.
Como eu, muitos outros camaradas cursaram a especialidade de minas e armadilhas em Tancos de onde saímos com o know how suficiente para o efeito.
Para alguns, a comissão não lhes teria "oferecido" esse bom-bom;
Para outros, a montagem de nichos de armadilhas teria sido suficiente;
Para mim, abriu-se um mar de oportunidades na arte de bem manejar aquelas peças mutiladoras de corpos !
Sobre o assunto já escrevi neste blogue várias vezes, ainda que o estudo psicológico dos intervenientes possa estar por fazer.
Não sei se o engenho e a arte a tanto me permitirão mas tentarei provocar momentos de interiorização a ver se depois consigo pôr por escrito alguns momentos vividos verdadeiramente terríveis.
Até lá.
António Matos
So hoje dei conta dos comentarios do Antonio Matos, um expert em minas... que agradeco desde ja...uma vez que cada intervencao dele na materia em epigrafe, e uma autentica aula ...
Dando azo a minha curiosidade na materia,ao Antonio Matos deixo entretanto estas questoes...
1-Tera a presenca de especialistas russos em minas e armadilhas,na Guine, logo apos a independencia do pais, a haver com essa "nao integral descontinuacao" de algum desses engenhos, tal como frisa num dos seus comentarios... Diria uma especie de continuidade/conclusao do trabalho iniciado pela vossa equipa ?
2-Tecnicamente quantos anos serao necessarios, dependendo e claro das caracterirsticas do terreno, para que uma mina "perdida" ...de per si, e pela acao da natureza, se desintegre ?
Um abraco
Nelson Herbert
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