domingo, 20 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6620: FAP (49): Pista da época (Como a fruta) (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


1. O nosso Camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav da BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 18 de Junho de 2010:
Camaradas.

Escrevi em tempos este texto, pode ser que ande por aí alguém de Dulombi que se queira pronunciar...

PISTA DA ÉPOCA (COMO A FRUTA)

Lembro-me que nas Operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquivador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das características específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas delas tiradas à vertical das mesmas.

Estes dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno.
O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local...

Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...

Uma vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, se não me falha a memória), isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser utilizada pelos nossos DO-27.
Fiquei curioso com esta missão, mas uma visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou.
Na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.

É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar.
Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.

Portanto, todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.

A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista.
É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.

Nota (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem...).
Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento ainda eram bem visíveis...

Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)

4 comentários:

Jorge Narciso disse...

Viva Caro Miguel

O que "a gente" conheceu daquela terra!!!

Sitio "complicado" esse:
Galomaro, Duas Fontes e... Dulombi, última estação dessa "linha".

Fui lá algumas vezes, mas para o heli essa "estranha" configuração da pista era naturalmente imperceptivel.

Mas, já agora, e por falar em pista, aqui fica um Abração e um até sábado em Monte Real (estende à Giselda)

Jorge Narciso

antonio graça de abreu disse...

Fui uma vez ao Jolmete, em DO, com o major de artilharia Pimentel da Fonseca, oficial de Operações do CAOP 1, então em Teixeira Pinto. Foi em finais de 1972.
Não recordo o nome do piloto, mas era um daqueles gloriosos condutores de passarolas cinzentas que todos os dias desciam do céu para nos ajudar a viver. Talvez o Matos, ou o Miguel Pessoa.
O que me surpreendeu foi a pequena pista do Jolmete. Em terra, claro, não era completamente lisa, havia sido construída sobre uma bolanha e tinha uma leve ondulação, o que fazia com que as rodas da Do, ao aterrar e levantar trepidassem no solo.
Era seguro, mas aquele abanar ritmado da DO fazia tremer a espinha.

Um abraço, e até sábado em Monte Real. Vou pela A 8,no meu "avião" sem asas, de quatro rodas.

Abraço,

António Graça de Abreu

Luís Dias disse...

Caro Miguel Pessoa

Já não me recordo porque a pista do Dulombi estava colocada como tu referes, mas posso acrescentar que a pista foi feita pela minha companhia e que o heliporto já ali estava, poruqe foi construído pela CCAÇ 2700, nossa antecessora. Devo acrescentar que sempre ali pousaram DO-27, mas com as chuvas ficava impraticável, tendo de ser reparada com frequeência. Tinha até garrafas de cerveja enterradas (com gasolina ou petróleo?) para iluminar a pista durante a noite em caso de qualquer emergência. Vou contactar o capitão Pires, para ver se ele se lembra da construção da pista e depois informo-te do que apurar.
Um abraço do tamanho do Corubalo.
Luís Dias
Ex-Alf.Mil da CCAÇ3491
Guiné 1971-74

Luís Dias disse...

Caro Miguel Pessoa

Conforme referi no comentário anterior, contactei o ex-capitão Fernando Pires, cmdt da CCAÇ3491, instalada no Dulombi entre Janeiro de 1972 e Março de 1973 (a companhia foi para a sede do batalhão, Galomaro e regressámos novamente ao Dulombi em Janeiro de 1974, para preparar a recepção aos piras - embora semanalmente ali continuassemos a efectuar operações e onde tinham ficado 13 homens da companhia e 2 pelotões de mílicias) e tendo-o questionado sobre o problema da construção da pista de DO-27 que tu referes, ele disse-me que dado o tempo decorrido não se recorda dos pormenores da construção da mesma.

O que te posso dizer é que o lado da pista era um dos melhores protegidos do aquartelmento, sendo o lado da picada de saída para Galomaro.

Um abraço do tamanho do Rio Corubalo

Luís Dias