1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2011:
Queridos amigos,
Era indispensável registar no nosso roteiro cultural luso-guineense o advogado Artur Augusto da Silva que conheci, aí pelos 20 anos, na leitura de uma monografia sobre o artista modernista António Soares, de quem tenho um belo desenho dos anos 30.
Curiosamente, Artur Augusto da Silva também escreveu sobre Jorge Barradas, outra das minhas devoções modernistas. Esta edição de Bissau, a que aqui se faz referência, comporta uma fieira de pérolas onde se enlaçam a língua portuguesa e diferentes exaltações guineenses. É só comprovar.
Agora, vou resumir o que sobre a Guiné-Bissau escreveu Pedro Rosa Mendes numa edição especial da Visão “África 30 anos depois”.
Um abraço do
Mário
Artur Augusto (da Silva), poeta luso-guineense
Beja Santos
Artur Augusto da Silva (1912-1983), nasceu na Ilha Brava (Cabo Verde) e passou a sua infância e adolescência entre Portugal e a Guiné. Após ter concluído o curso de Direito, em Lisboa, partiu para Angola, onde permaneceu alguns anos, entre o final dos anos 30 e início dos anos 40, tendo-se radicado na Guiné no final dessa década nas letras, como consta da sua bibliografia, escreveu poesia, romance e ensaio, sobretudo monografias de artistas portugueses. Frequentou em Lisboa os meios intelectuais do modernismo e conviveu com figuras da música da pintura e da literatura como Luís de Freitas Branco, Eduardo Malta e António Botto. Por exemplo Luís Dourdill é autor da capa do seu romance A Grande Aventura (1941).
Na Guiné, manteve-se extremamente activo, tendo participado na fundação do colégio-liceu de Bissau e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa onde publicou alguns trabalhos ainda hoje não superados sobre usos e costumes de Fulas, Felupes e Mandingas. Entrou em litígio com as autoridades por ser defensor de várias dezenas de guineenses acusados de sedição e, em 1966, proibido de regressar à Guiné. Regressou a Bissau depois da independência do país e foi juiz no Supremo Tribunal de Justiça e professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau.
“E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu poemas” é uma edição póstuma que ficou a cargo do Centro Cultural Português na Guiné-Bissau (Dezembro de 1997), e o levantamento poético ficou a cargo de Carlos Schwartz da Silva (Pepito), seu filho e nosso confrade no blogue.
É autor de poemas solares, das reminiscências da infância, dos valores telúricos, neles circulam o sangue da lusofonia em toda a sua plenitude, a luxuriante vertigem das paisagens tropicais, a exaltação etnográfica e etnológica. Nenhum poeta luso-guineense é tão caprichoso no uso da língua portuguesa, nela vazando, por formas glorificadas, as gentes e a natureza guineense.
É uma escassa colectânea de poemas, fazem ressaltar um ânimo maravilhoso e maravilhado, terá sido um homem de bonomia, de solicitude, um adaptador da língua e da cultura portuguesa aos valores de uma Pátria emergente. Basta ver o arranque do seu poema “Morreu o Homem”, dedicado a um amigo de nome Mamadu Baldé:
“Mamadu Baldé, filho de Salifo, filho de Indjai, filho de Tchamo, filho de Monjur, filho de Mutari, cuja linhagem se perde há mais de dois mil anos nas terras do Egipto e de quem os antepassados remotos viram Moisés e Maomé e com eles conversaram sobre o tempo e as colheitas”.
É uma toada quase bíblica, porque Mamadu Baldé deverá orgulhar-se da genealogia, da linhagem e da estirpe, tudo se perde nos fins da história e no despontar do vigor cultural africano. Depois canta a terra negra da sua infância onde brincou com os seus irmãos negros, com eles nadou no rio, saboreou o caju, a papaia e o mango e recorda o poilão de Santa Luzia que vomitava fogo quando a santa queria orações. Recolhe-se e faz um apelo à terra verde e vermelha da Guiné: “só te peço que todas as noites/ deixes baixar sobre meu coração/ o silêncio que cura os males da alma/ e que quando os dias nascerem húmidos e tenros/ como o barro das tuas bolanhas,/ deixes o meu corpo/ receber esse afago matinal/ que foi o meu primeiro baptismo/ e te peço seja a minha absolvição”.
Poesia de encanto e regalo para os olhos, água fresca para os sentimentos, nela convergem elementos vegetais, odores, fauna e flora, mistérios do animismo, danças e batuques, o fogo das queimadas, o barro das bolanhas e, inevitavelmente, a impressão que provoca o tornado, os seus céus eléctricos e as suas trombas de água. É poesia de um homem reconciliado, dialogante, observador e atento aos mistérios. Sobretudo, é uma poesia que espalha simplicidade e gratificação, cujo exemplo mais eloquente é o poema
Benditas
Bendita seja, minha mãe,
que me ensinaste a amar
as crianças e os velhos,
os pecadores arrependidos
e os pobre e os perseguidos
Bendita sejas!
Bendita sejas, minha mãe
que me ensinaste a desprezar
os ricos e os mandarins
e a odiar,
a odiar,
a odiar,
os verdugos e os carrascos.
Bendita sejas!
Bendita sejas, minha mãe,
que com o teu dedo irreal,
ainda me apontas
os caminhos do Bem e do Mal.
Bendita sejas!
Bendita sejas, minha mãe,
por teres enchido minha alma
de paz e tranquilidade
e de me teres ensinado a ser pequeno entre os humildes
e sobretudo entre os poderosos.
Bendita sejas!
Bendita sejas, minha mãe!
que me ensinaste a ser
de todos os valores clássicos
e a cimentar os valores clássicos,
como se tudo estivesse para refazer.
Bendita sejas!
Bendita sejas tu, que me fizeste aleitar
por uma ama negra,
para que eu bebesse a sabedoria
desse povo admirável
e compreendesse os seus segredos.
Bendita sejas, minha ama,
que me ensinaste a ser corajoso
e a não temer o perigo.
Bendita sejas tu, que eras serena
como uma noite de primavera,
boa como uma palavra de perdão,
grande como um pensamento fecundo.
Benditas sejais vós!!
O leitor interessado tem acesso à sua antologia poética no site:
http://www.triplov.com/guinea_bissau/artur_augusto_silva/index.htm
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8081: Notas de leitura (227): A Guiné-Bissau e os sabores da lusofonia (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Obrigado, Beja Santos, por esta "entrada".
Um abraço
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