Lourinhã > Praia de Paimogo > 28 de julho de 2012 > Uma maré de algas vermelhas...
Vídeo (2' 07''): © Luís Graça (2012). Alojado em You Tube > Nhabijoes
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Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.
Paimogo da Minha Infância
por Luís Graça
Não preciso de ser geólogo
Para te amar,
Ó Praia de Paimogo
Da minha infância.
Nem de ser paleontólogo
Para desenhar na areia
As peugadas da tua errância
De dinossauro do Jurássico Superior (1).
Nem muito menos biólogo ou sociólogo
Para te conhecer aí onde
Se alimenta o recolector-caçador,
E o polvo, o povo, se esconde
Nas marés vivas de lua cheia (2).
Fugi de terramotos e tempestades,
Procurei abrigo na tua enseada,
Domei as ondas e o vento,
Desfiz mitos,
Adorei divindades,
Esculpi a esfinge alada
Que guarda a porta do teu templo.
Andei na pesca ao candeio,
Fui pescador de lagosta,
Camponês, jornaleiro, camarada,
Andarilho de costa a costa,
Negociante de peixe, almocreve,
Apanhador de algas, caçador submarino,
Amigo do fado e da boémia,
Poeta, pirata e frade,
Mulher e fêmea,
Viúva de vivo e de morto,
Zé-Ninguém, cidadão clandestino.
Vim da Bretanha em barcos a vapor,
Fui avieiro nos meses longos de verão,
Fenício, cartaginês, romano e moçárabe,
Português do mundo em cada porto (3).
Armei navios, enriqueci, trafiquei,
De escravos fui senhor,
E dono de engenhos nos Brasis.
Embarcadiço e capitão do norte,
Aventureiro e explorador colonial,
Bandeirante, garimpeiro,
Prostituta e proxeneta,
E até de príncipes fui conselheiro.
Carreguei vinho nos barris
Da nossa Nau Catrineta,
Para a corte russa, imperial;
Naufraguei em ilhas longínquas, polinésias,
Adubei as minhas terras
Com o limo do mar dos sargaços;
Fiz o meu ninho de ave de rapina
No alto das tuas falésias,
Fui presa e predador,
Dos contrabandistas segui os passos,
Lavrei o mar, semeei a morte;
Sobrevivi a mil e uma guerras,
E os meus mortos enterrei
Nas tuas areias.
Vigiei o mar, o céu e a terra
Do alto setecentista do teu forte (4);
Tive visões, vi monstros e sereias,
Fugi das garras dos terópodes,
Escapei dos mandíbulas dos crocodilos,
Lutei contra muitas outras feras,
Fiz a paz e a guerra,
Da vida conheci todo os estilos,
Fui condenado às galeras
E quase devorado por gastrópodes,
Peguei de caras o minotauro,
Estive cativo do mouro
Nas longínquas Mauritânias,
Choquei os teus ovos de dinossauro,
Construí castros, citânias,
Andei à deriva dos continentes,
Sobrevivi à fome e à peste,
Andei a monte, fugi a salto,
Lutei pela liberdade,
Pela lei e pela grei gritei bem alto,
De norte a sul, de leste a oeste,
E a pátria te defendi,
Contra todos os invasores.
A verdade, a verdade,
É que cobiçada por muitas gentes,
Desejada por muitos senhores,
Nunca nenhuma armada invencível te venceu,
Ó Praia de Paimogo da minha infância.
Se te perdeste,
Se alguma vez te perdeste,
Foi só por amores.
Quando eu era criança,
Quando eu tive a sorte de ser criança
Como diria o Fernando Pessoa,
As sardinhas voltavam sempre,
Em frágeis cardumes de prata e luar,
À praia onde haviam desovado.
Quando eu era menino e moço,
No tempo em que ainda partiam soldados
Para a Índia, para Goa,
Havia uma princesa, moura, encantada,
Numa das tuas grutas submarinas;
O corpo coberto de ágar-ágar,
Era fonte de água pura, quente e doce,
Donde bebiam os ofegantes cavalos alados,
Com as suas enormes narinas.
E o vento, a nortada,
Nas velas dos barcos e dos moínhos,
Falavam-me da tragédia antiga,
Mas ainda viva,
Da filha do teu capitão
Que se havia matado do alto da arriba,
Dizem que por amor e solidão.
No antigo reino mouro,
E depois franco e fero, da Lourinhã,
Também os búzios me diziam
Que à noite as luzinhas,
A sul das Ilhas Berlengas,
Eram as alminhas
Dos que morriam
No mar, sem sepultura cristã.
Pobres náufragos,
Marinheiros, pescadores,
Poetas loucos, errantes, noctívagos,
Imigrantes clandestinos,
Corsários, contrabandistas, pecadores,
À deriva, sem um ui nem um ai,
Agarrados às tábuas do barco Deus é Pai (5).
Hoje não acredito mais
Nessas lendas das alminhas
Que eu ouvia aos ceguinhos das feiras,
Vendedores de letras de fado
E do Borda-d’Água:
Afinal essas luzinhas,
Lá longe e ali tão perto,
São apenas as traineiras
Ao largo do Mar do Serro,
Atrás dos cardumes de sardinhas.
© Luís Graça (2005-2012)
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Notas de L.G.:
(1) A região do Oeste (e em particular o concelho da Lourinhã) é rica em vestígios paleontológicos dos dinossauros do Jurássico Superior (c. 150 milhões de anos). Em 1993, foi descoberto na zona de Paimogo aquilo que viria a ser considerado o maior ninho de ovos de dinossauro do mundo. Segundo o jovem paleontólogo e meu amigo, o Doutor Octávio Mateus, a jazida de Paimogo tem cerca de 120 ovos. “Existem ovos ou cascas de ovos mais antigos, mas o ninho de Paimogo é a mais antiga estrutura de nidificação. É o único com embriões na Europa e possui os mais antigos ossos com embriões do mundo (150 milhões de anos)”. Além disso, misturados com os ovos de dinossauro, “descobriram-se três ovos de crocodilo, os mais antigos do mundo". Essa ocorrência, conclui o jovem cientista lourinhanense, "permite-nos pensar numa relação de comensalismo entre dinossauros e crocodilos durante o Jurássico”.
(2) Em Agosto de 2005 foi lançado um livro interessante sobre , da autoria da bióloga marinha Ana Silva, natural do concelho da Lourinhã. Esta actividade, embora complementar (da agricultura, da pesca, etc.), ainda hoje é um dos traços da identidade cultural das gentes ribeirinhas deste concelho. A edição do livro é da Câmara Municipal da Lourinhã (2005).
(3) A presença humana em Paimogo está documentada por vestígios arqueológicos, remontando pelo menos ao Calcolítico. A região da Lourinhã também foi habitada por povos como os iberos, os fenícios, os gregos, os túrdulos e os cartagineses. A passagem mais marcante foi, todavia, a dos romanos e, depois, a dos mouros. Na reconquista destas terras, D. Afonso Henriques foi ajudado por cavaleiros francos (isto é, oriundos da antiga Gália), entre eles D. Jordão, que irá ser o primeiro donatário da Lourinhã (Cipriano, 2001. 17-25).
(4) O Forte de Paimogo, construído em 1674, construído durante a regência do príncipe D. Pedro, futuro rei D. Pedro II, “fazia parte de uma linha defensiva da costa portuguesa, que começava na Praça Forte da vila de Peniche e estendia até ao Forte de São Francisco de Xabregas, na cidade de Lisboa” (Cipriano, 2001.143). Classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto nº 41191, de 18 de Julho de 1955, esteve em estado de ruína durante anos, tendo sido objeto há uns anos de uma intervenção de recuperação pela Câmara Municipal da Lourinhã.
(5) O concelho da Lourinhã também tem a sua quota-parte na história trágico-marítima deste país. Cipriano (2001. 261-262) refere a ocorrência, de 1968 a 2000, de seis naufrágios de barcos de pesca onde morreram três dezenas de filhos da terra, com especial destaque para as gentes de Ribamar (fora outros acidentes de trabalho mortais, cujo número se desconhece).
Um desses naufrágios foi o do barco Deus é Pai, em 26 de Março de 1971, no Mar do Serro, ao largo do Cabo Carvoeiro. Os restantes foram os do Certa (15 de Maio de 1968), Altar de Deus (6 de Novembro de 1982), Arca de Deus (17 de Fevereiro de 1993), Amor de Filhos (25 de Julho de 1994) e Orca II (antigo Porto Dinheiro) (19 de Julho de 2000). Entre estes homens há parentes meus, da grande família Maçarico, de Ribamar, donde era oriunda a minha bisavó paterna, Maria Augusta (nascida em 1864).
Referência bibliográfica:
Cipriano, Rui Marques (2001) – Vamos falar da Lourinhã. Lourinhã: Câmara Municipal da Lourinhã.
Sitografia:
Lusodinos - Dinossauros de Portugal
Museu da Lourinhã
Infografias: Painel informativo da Rede Natura Oeste, Praia da Areia Branca... A Grande Rota Caminho do Atlântico - Rede Natura Oeste (GR 11 - E9), numa extensão de cerca de 70 km, vai da Praia da Assenta Sul (Torres Vedras) até ao Cabo Carvoeiro (Peniche), incluindo as minhas praias favoritas no concelho Lourinhã, entre as quais está o Paimogo.... Reprodução com a devida vénia, a partir de fotos de L.G.
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2 comentários:
Não sabes, meu caro Luís, que também estou ligado à Lourinhã. Aí dei aulas, 7ºs e 8ºs anos, na secundária da Lourinhã, ano 1984/85. Os meus alunos vinham de todo o concelho, Marteleira, Vimeiro, Ribamar,etc., e tive a minha "casa
na praia", um quartinho alugado na praia da Areia Branca.
Tenho um um poema, no Forte do Paimogo, no meu livro China de Jade,
Sacavém, Fundamentos Ed.,pag 46.
Aí vai:
"As pedras carcomidas penduradas na falésia,
as ilhas encantadas dispersas pela bruma,
céu e mar azul unidos como um só.
Outrora, piratas de sabre, trespassando as água,
e soldados de vigia, golpeando o vento.
Hoje, no terraço em ruínas, a carícia do sol,
a festa, o prazer, o assombro suave,
o castelo mágico flutuando no ar. "
Os três últimos versos têm a ver com o que um homem e uma mulher fazem num terraço em ruínas ou numa cama perfumada e fresca. Amor. Não parece, mas há por aí, no Paimogo, muito assombro suave e erotismo contrabandeado.
Forte abraço,
António Graça de Abreu
António, fico-te imensamente grato pela achega inesperada. Tenho ideia de, em tempos, me teres falado das tuas breves andanças pela minha terra. Obrigado pelo poema, que relembro, do teu livro China de Jade. Estamos de acordo: Paimogo - a praia, o forte (agora recuperado), as falésias, o mar com o cabo Carvoeiro e as Berlengas a noroeste - é de facto inspirador para poetas, artistas, amantes e turistas... selvagens. Ainda hoje lá fui, na maré baixa... Uma manhã esplendorosa, e um passeio pelas praias (Areia Branca, Vale de Frades, Caniçal e Paimogo), ida e volta , em que ganhamos o dia e energia para o resto do fim de semana... Comop v~es, férias tranquilas e caseiras, como convém... Bom luar de agosto, para esta noite, que é mágica. Tenho um convite para um passeio (romântico) de 12 km, ao luar para os lados do Vimeiro... Acho que vou só à parte final, social, a do cacau quente... LG
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