quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10566: Ciganos, meus camaradas (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)

1. Texto enviado pelo nosso camarada Constantino (ou Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário,  CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 2006

Assunto - Ciganos

Desta vez, não vou contar histórias nem enviar fotos, simplesmente lançar um "mote" ou "tema" como queiram chamar, que é: ex-Combatentes de etnia cigana. Este  tema ainda não foi abordado na nossa Tabanca Grande.

E porque é que me lembrei disso ? Porque na minha Companhia (CCS/Bcaç 2893) havia um, que vivia no Bonfim, Porto, o qual se vangloriava muito desse estado e do qual eu vou contar uma pequena história.

Já em Bissau, de regresso à Metrópole, estávamos sentados na esplanada da Cervejaria  MarSol  (assim se chamava,  se a memória não me falhar, ou algo parecido, pois era a Cervejaria maior e mais conhecida de Bissau). Foi quando por lá passou um daqueles vendedores ambulantes, vestidos de branco,  a vender um rádio portátil, e pedindo por ele 3.000 pesos. O meu camarada cigano ofereceu-lhe 500 pesos, e o vendedor praguejou qualquer coisa e foi-se embora. Mas,  passados alguns minutos,  apareceu outra vez, com o mesmo rádio, julgo eu,  e vendeu-o então ao meu camarada pelos 500 pesos.

Era ver a satisfação do meu camarada que dizia em voz alta e em bom som:
- Eu sou cigano e sei fazer bons negócios!...

Mas houve um imprevisto, cinco  minutos depois de o rádio estar a tocar no seu som máximo, "pifou",   deixou de tocar mais, O meu camarada surpreendido tratou logo de abrir o rádio a ver o que se passava com ele, e acabou por ver o que não queria, uma caixa quase vazia, somente tinha 2 transistores e alguns fios.

Como não podia deixar de ser, o seu orgulho foi seriamente atingido, e correu logo à procura do "nharro" que conseguiu enganar um cigano... "para o matar", dizia ele,  muito irritado.

Conto esta história,  não tendo a intenção de ofender os ciganos, pois tenho conhecido e conheço actualmente muitos ciganos e tenho-os por amigos, e mesmo o meu camarada da história sempre foi bom amigo e boa pessoa, somente ficou muito irritado por se sentir enganado.

E também conheci lá em Nova Lamego outro cigano, não me recordo a que companhia pertencia, pois passou por lá apenas alguns meses, falava com ele muitas vezes e só fiquei a saber que era cigano porque ele me confidenciou esse facto, pois se o não fizesse nunca o viria a saber. 

 Mais tarde vim a saber que ele era jogador de futebol, não me lembro ao certo a equipa, mas talvez o Beira Mar, só me lembro de ser numa equipa do norte. Ele se chama Montoya ou Montoia.

Sem mais

Um Abraço a todos os Camarigos da Tabanca Grande

Tino Neves

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Tino, por te teres lembrado dos nossos camaradas "ciganos portugueses" que fizeram a guerra colonial como todos nós.  E por nos teres contado uma história protagonizada por um "cigano português", teu camarada, nosso camarada...

Não sabemos ao certo quantos "ciganos" passaram pelos três teatros de operações de África. Nem mesmo hoje sabemos, ao certo, quantos são os "ciganos portugueses", até por que ao longo dos séculos houve misturas com populações não ciganas, apesar da maior prevalência de práticas endogâmicas entre as comunidades ciganas... São 50 mil ? 100 mil ?...

Seria interessante que aparecessem aqui, no nosso blogue, testemunhos em primeira mão e na primeira pessoa de camaradas nossos, "ciganos"...

Concordo contigo: o tema é delicado, sensível, recomendo a consulta do sítio do Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI). Os "ciganos portugueses" não são diferentes, geneticamente, dos "outros portugueses"... Nem hoje ninguém fala já dos portugueses de origem judia,  berbere (moura) ou africana subsariana (descentes de escravos) ... Continuamos a falar dos "ciganos", das "comunidades ciganas", do "povo cigano", muitas vezes por más razões, já que são vítimas de discriminação e de estereótipos sociais, e têm maiores dificuldades de integração e de participação como cidadãos portugueses...

Pessoalmente, tenho reservas ao uso do conceito de "etnia" ou "minoria étnica" aplicado aos portugueses de origem cigana... Mas este é assunto que dá pano para mangas...Há uma "União Romani - União de Todos os Ciganos Portugueses" que tem tomado posições públicas sobre estas questões de "identidade", mas que não tem - ao que eu saiba - uma página na Net.

Por último, e não menos importante, ainda bem  que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 13.º,  o Princípio da igualdade de todos os cidadãos ("1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.  2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever  em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,  instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.")...

Sabemos, contudo, que da lei fundamental à prática quotidiana vai, muitas vezes e em muitos casos, uma distância considerável, continuando nós a usar indevidamente (na comunicação social, nas nossas conversas, nos nossos escritos...) conceitos como "raça", por exemplo, "raça cigana"...

PS - O título do poste é da responsabilidade do editor. A expressão "o meu camarada cigano" é da autoria do Tino Neves.

15 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Na CCAÇ 5, durante a minha permanência (24 meses) houve o soldado Montoia, de etnia cigana, que era muito estima do quer por "iguais quer por superiores" (linguagem militar).
Se não estou em erro, creio que fazia "uma perninha" na messe de graduados - local onde os oficiais e sargentso tomavam as suas refiçoes, que eram iguais as servidas no refeitório das praças, pois saiam todas do mesmo panelão.
Tanto quanto sei, ainda está em actividade, fazendo o seu negócio de comerciantes, em várias feiras do Porto e arredores.

José Marcelino Martins disse...

Na CCAÇ 5, durante a minha permanência (24 meses) houve o soldado Montoia, de etnia cigana, que era muito estima do quer por "iguais quer por superiores" (linguagem militar).
Se não estou em erro, creio que fazia "uma perninha" na messe de graduados - local onde os oficiais e sargentso tomavam as suas refiçoes, que eram iguais as servidas no refeitório das praças, pois saiam todas do mesmo panelão.
Tanto quanto sei, ainda está em actividade, fazendo o seu negócio de comerciantes, em várias feiras do Porto e arredores.

Anónimo disse...

Em África conheci um soldado cigano, na BAC 7, em 1968. Seria servente de 10,5 mm e tinha a mulher com ele. Onde, não sei. "Desenfiava-se" para estrada de Bor para vender tudo e mais alguma coisa. Recordo-me de o ver a querer vender um isqueiro a um alferes da Artilharia. Como não teve sorte, foi-se embora a protestar:
- Pronto nã querem comprar nada ao Mafra nã comprem.
O Cap. Brito e Faro, cmdt da BAC, andava de olho nele. Por isso, ele andava sempre a resmungar:
- Mas mê alferis pakéká capitões?!
Na Metrópole, no antigo RAAF (Queluz) tive dois irmãos, na minha bateria de instrução: um com 42 anoa, outro com 20. Um dia, o mais novo fugiu. O outro pediu-me a sexta-feira para o ir buscar e trouxe-o. Tiveram um bom fim-de-semana de vendas, como é de calcular.
Não creio que a comunidade cigana tenha dado muitos homens ao "esforço patriótico que a guerra impunha". Creio que isso se deve à postura dos ciganos na sociedade portuguesa e às características ideológicas da sua sociedade.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Ora aí está, Luis Graça, obrigado
Era mesmo essa a minha intensão, debater e comentar esse assunto pois como dizes é uma tema complicado, poder-se-ia dizer mesmo "tabu", mas como a nossa Tabanca trata todos os camaradas por igual, achei opertuno abordar este tema, pois havendo muitos ou poucos ex-combatentes Ciganos, eles ao estarem lá presentes é por direito próprio por serem também portugueses.
O Soldado do qual o José Marcelino Martins fala, só pode ser o mesmo.
Era (é) uma pessoa muito calma e gentil eu simpatizei logo com ele assim que o conheci.
Um abraço
Tino Neves

Anónimo disse...

Em termos científicos só existe a raça humana,com diferentes tipos.
Os ciganos são classificados como etnia do tipo caucasiano,devido às suas características de organização social.
Pessoalmente não conheci na vida militar nenhum cigano.
Penso que poucos cumpriram o serviço militar por duas razões fundamentais,não eram registados no registo civil e ou não tinham residência fixa.

C.Martins

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caros camaradas

Já aqui no Blogue contei uma história do Marques, um soldado da CART. 2519 de etnia cigana e postei uma foto do mesmo numa operação feita por nós a Salancaur........

O Marques quando se apresentou em Évora,vindo com os demais de Beja para a formação da Companhia, ficámos sempre com a sensação que ele ia desertar até ao dia de embarque mas tal não aconteceu e o mesmo veio a revelar-se um dos nossos melhores elementos em combate. Era indisciplinado e rebelde e sempre pronto a arranjar complicações com os seus camaradas e superiores, mas no mato, justiça se lhe faça era um guerreiro sempre em alerta e pronto a combater. O Marques já não está entre nós, pois faleceu ainda novo num acidente de carro perto Castro Verde de onde era natural.......

Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

Não se vislumbram referências elogiosas relativas a actividades edificantes e continuadas da maioria do ciganos; apenas refrências ad hoc que vão do cómico ao pitoresco mas sempre fora de qualquer integração e geralmente com prejuízo da expectativa de tranquilidade da maioria não cigana.
Já no Gujarat de onde são originários (não são caucasianos) exibem a atitude agressiva do soldado que queria vender o isqueiro - quem não decide uma compra nas condições oferecidas tem que aguentar a arrogância ruidosa e se não aceita a imposição da escolha, pior ainda. Tudo catalizado; o cigano é 'gregário' e piora quando em manada...
Em Portugal, abstraindo do roubo como lugar comum, a actividade do 'cigano geral' é pouco produtiva, tanto em termos economicistas como em termos humanísticos e se a tão propalada democracia implica vontades, e direitos daí decorrentes, de uma maioria, não vejo porque se deva tolerar e admitir, quando não acalentar, a tradicional e permanentemente imposta diferença negativa - o cigano pode manter crenças e costumes no seu circuito étnico e familiar mas deve integrar-se no todo social, público e colectivo, sem afectar o modo prevalecente.
A multiplicidade e a diferença, no plano étnico-antropológico, serão motivos de enriquecimento se forem contributo, técnico ou filosófico, mas não se forem destruição ou mera agitação de natureza tendencialmente caótica.


SNogueira

PS
Já chega de confusão de etiquetas!
Este tipo de reflexão/anúncio não tem que ser chauvinista, nem racista, nem segregacionista, nem padecer de outro 'ismo' qualquer anatemizado pela propaganda 'do antigamente'.
Essa é a arma de arremesso da marginalidade, minoritária, 'a viver à sombra'

Anónimo disse...

Passei algumas décadas a trabalhar a tempo inteiro,em Departamento relacionado com as minorias e os seus problemas legais,e näo menos,sociais.Não tenho uma visão romântica quanto ás minorias,como näo tenho também a arrogância de alguns que só as conhecem através dos seus aspectos mais trágicos ou anedóticos.Não se pode falar no problema Cigano,que existe e se agrava em toda a antiga Europa de Leste,e näo só,sem se tomar em consideracäo algumas verdades de tal modo básicas que se tornam inconvenientes.Há que salientar também(e é importante) que os grupos de Ciganos com que lidei,tanto na Suécia como na Finlândia, (onde são bem mais numerosos),näo procuram, ou desejam, a assimilacäo.Procuram obter os mesmos direitos dos restantes membros da sociedade envolvente.Atitudes e práticas de séculos näo se irão desvanecer nas consciências colectivas de ambas as partes em curto par de anos.Demorará geracöes pois a desconfiança existente é profunda.Até há bem pouco tempo,por essa Europa fora,e por aqui também,violar uma mulher cigana era um facto mais "incomodativo" do que criminal.O único entrave era a oportunidade.Queixar-se ás autoridades centrais?Ou então queixar-se ao Cabo-de-Ordem da mesma Aldeia em que o agressor teria nascido?Na Finlândia,os grandes senhores locais,acompanhados de amigos e convidados,iam,depois de festas bem bebidas, literalmente "caçar" ciganos como se de animais se tratasse.A educacäo escolar básica,ou a aprendizagem da profissão mais simples,era obviamente impossível quando,e segundo as leis vigentes na maioria da Europa,só podiam acampar um curto número de dias em cada local da comarca.A que escola poderiam ir as crianças?Ou os aprendizes?Na Suécia,até a meios dos anos sessenta(repito,anos sessenta)esta lei ainda se aplicava na prática.A Suécia dos anos sessenta näo seria dos países mais atrasados socialmente.Caso tivessem tido então diferentes oportunidades de integracäo teriam aceitado? Não teria certamente resultado.Demorará geracöes a modificar toda uma maneira de estar,tanto imposta com violências várias desde o exterior,como as auto-criadas em respostas também várias.Muitos e interessantes exemplos concretos posso dar mas este "comentário" já vai longo. Um abraco.

Antº Rosinha disse...

A Senhora Merkel pediu desculpa. hoje que deu na TV, pediu desculpa aos ciganos e homo-sexuais.

É hábito juntar sempre as minorias, em Portugal também é hábito juntarem várias minorias em manifestações.

Ainda não entendi a razão da mistura.

É que às vezes essas minorias são contraditórias entre si que nem se compreende porquê a mistura.

Será que sozinhas têm vergonha?

Anónimo disse...

Existe uma linguagem militar de características frontais e directas.Muito útil,mesmo necessária,em contexto próprio.Mas quando se escreve:"O cigano é gregário e piora quando em manada"somos levados para uma zona valorativa que se tornará mais evidente(?) ao escrever-se:"O português é gregário e piora quando em...manada".Existirá por certo, na nossa tão rica língua pátria, o termo "grupo" quando nos referimos a humanos. Como anteriormente escrevi,trabalhei décadas,e a tempo inteiro,junto de minorias,entre elas os Ciganos.Comecei este trabalho (Estatal e näo "Ideal")sem o mínimo de simpatia por este grupo humano e.... terminei-o ainda com menos.As razões são inumeráveis.Mas o termo "manada" será,quanto a mim,inaplicável. Um abraco.

Anónimo disse...

Ponho à consideração do auditório uma reflexaão simples: "não há ciganos em Portugal". Há portugueses (de várias etnias) com os mesmos direitos e deveres e quem falha ou não cumpre é punido (ou deve ser) sem se atender à étnia. Ser cigano não pode ser vantagem, mas também não é nenhuma desvantagem. No caso da participação na "guerra" foi vantagem e isso foi mau...
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro camarada SNogueira

Se bem que a origem dos ciganos seja da região indopaquistanesa(dizem),tendo posteriormente emigrado para todos os continentes,a sua tipagem tem mais características caucasianas do que indo-asiáticas devido à evolução genética ao longo de séculos.
Sobre o ter havido poucos ciganos (não tenho dados)a cumprir o serviço militar,como referi em comentário anterior,seria principalmente devido às suas características de organização social.
A grande maioria não quer integrar-se socialmente tendo inclusive comportamentos anti-sociais,estando apenas interessados em direitos.
Foram mortos durante o "consulado" de Hitler cerca de 500.000, se a "merkelzona"lhes prestou homenagem não fez mais do que a sua obrigação,só peca por tardia.
Também não nutro grande simpatia pela maioria deles,devido apenas e só ao seu comportamento anti-social,mas como tudo na vida há bons e maus.

C.Martins

JD disse...

Camaradas,

EU QUERO SER CIGANO!

Depois destes comentários sérios e ilustrativos, com profusão de conhecimentos antropológico-evolutivo-sociais, dei-me conta de que entre nós, os ciganos de etnia comprovadamente cigana, com burros atados às mulas, e tendas plantadas à beira de chaparros protectores, são uns anjinhos comparados com outros ciganos, de carácter mais evoluído, também gregários, por causa das moscas, mas de tendência sedentária em terras de boa semeadura, de cabelo bem tratado, gravata de seda, tal como o táctil canto das suas intervenções, e revelam grandes capacidades para cativar, antes de endoidecer, todos quantos lhes depositam os votos necessários à sua sobrevivência, à protecção e continuidade da espécie que, podemos designar, de grandes ciganos.
Repito: eu quero ser cigano! Mas dos grandes.
JD

JD disse...

Camaradas,

EU QUERO SER CIGANO!

Depois destes comentários sérios e ilustrativos, com profusão de conhecimentos antropológico-evolutivo-sociais, dei-me conta de que entre nós, os ciganos de etnia comprovadamente cigana, com burros atados às mulas, e tendas plantadas à beira de chaparros protectores, são uns anjinhos comparados com outros ciganos, de carácter mais evoluído, também gregários, por causa das moscas, mas de tendência sedentária em terras de boa semeadura, de cabelo bem tratado, gravata de seda, tal como o táctil canto das suas intervenções, e revelam grandes capacidades para cativar, antes de endoidecer, todos quantos lhes depositam os votos necessários à sua sobrevivência, à protecção e continuidade da espécie que, podemos designar, de grandes ciganos.
Repito: eu quero ser cigano! Mas dos grandes.
JD

Anónimo disse...

Camarada JD

"ASSIM SEJA FEITA A VOSSA VONTADE.....AMEN.

C.Martins