terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...

(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes.  Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)

O que (não) fizemos para voltar ao mar. 


Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.



Praia do Porto Dinheiro
por Luís Graça

À memória dos meus antepassados Maçaricos
marinheiros, mareantes, navegantes, 
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas), 
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).


Finisterra, pórtico do tempo, 
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento 
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.

Porto Dinheiro: o
 irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários, 
Monstros e mostrengas, 
Dinossauros, loucos menestréis, 
Contadores de lendas,
Mouras encantadas, 
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores... 
E os bretões com os seus barcos a vapor, 
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do  Rimbaud.

É de lá,do mar profundo,  que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.


Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão 
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas, 
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio 
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.


Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.


Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.


Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!

Luís Graça




Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta 


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta,  hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

10 comentários:

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes disse...

Só tu, filho dessa terra túrgida de húmus, salgada de mar, poderias escrever uma ode tão maravilhosa...
Um abraço
Joaquim

Anónimo disse...

Belo, sim senhor e que inveja ver o mar. Eu pobre e aqui na Ericeira, desde sábado que só tenho nevoeiros. Um abraço do
Veríssimo Ferreira

Torcato Mendonca disse...

Ai e venho descendo até aqui.
Aproveito para dizer que gosto. Deixa-me dizer que deves guardar par um dia, em livro, publicar. Este Blogue devia ter uma maneira de seleccionar textos para publicar. Com calma e humildade, com a força de quem com coração escreve.Em livro (s)ficava mais aconchegado tanto escrito...
Havia padre em Bambadinca? Só, cerca de um ano depois é que soube que havia Capela ou, mais pomposamente,Igreja. Fui assistir a meterem um camarada do meu grupo,o primeiro morto. na urna.Um Padre suavizava o acto.Seria? Depois apanhei boleia e vim de férias. Tive que cortar a minha querida barba, antes de embarcar. O Capitão Vaz,de pera, dizia para eu tentar passar...e a pide? Puta de vida.
Ah, escrevia eu - a idade não perdoa - que gostei do poema onde falas do mar, da Tasca com navalheiras...e eu lembrei-me da falta que o mar e os petiscos, dele vindos, me fazem. Há muitos anos costumava agarrar no Mini e ir meditar na vida, nos problemas, ali para a Costa Vicentina e o mar ao fundo, a ir, a vir, a espraiar-se, a acalmar-me e a ajudar...foi há muito tempo, no século passado. Mesmo agora sou capaz de estar horas a ver o mar. No Algarve sento-me no sofá e vejo-o ali azulinho,com o casario cá em baixo que um 10º fica alto,trinta e tal metros. Nunca medi e borrifo-me nisso, mas ajuda aquela paisagem. Prefiro o mar, as gaivotas -que mudaram de hábitos e frequentam as varandas e menos a praia- e acalmia que aquele azul, aquela imensidão nos dá...vim há dez dias? e tenho que voltar...

Deves pensar: o velho está maluco ou bebeu ao almoço. Não, não bebo álcool. Quanto á sanidade mental...bem aí não sei. Oque sei é que gosto do mar e, não o ver faz-me "diferença" (como se diz na minha terra.Qual? Já nem sei com tanto que naveguei...sinto-me do Sul...

Adeus L.G., boas férias, poetisa e vai guardando p.f.
Um abraço, T. (o que escrevi eu?...letras e tretas... vai assim. Coisas de Verão...)

Anónimo disse...

Mais um dos poemas a serem publicados no "tal" livro...a sair.
Se um dia passear pelo nosso querido Portugal,a Praia do Porto Dinheiro e a tasca da Ti Augusta seräo locais a visitar.
Mas,e como täo bem dizem os Lapöes-"Näo é o temporal de ontem que decide da tua vida mas sim o de amanhä"
Um grande abraco.
(E,como o mundo é pequeno e esta Tabanca é Grande...caldeirada de Peniche? No Restaurante do Fernando em Key Largo-Florida.)

Luís Graça disse...

Obrigado, amigos e camaradas, pelas críticas, elogios e incentivos. Joaquim, a força telúrica é-nos comum... Não consigo viver sem raízes. Mas só há relativamente pouco tempo fiz as pazes com a minha terra. Andámos meia vida de costas viradas. Também estou dividido pelo norte... Mas o agosto, e o mar, o mar do Serro (onde se pescam as melhores sardinhas da costa que, depois, vão ser desembarcadas em Peniche)... só pode ser aqui nas belas praias deste concelho...que é o último do ex-distrito de Lisboa... Penbhiche, a seguir, já +é Leiria...

Verísismo, ainda há diz encontreo na paraia o Oliveira, e falámos em ti, do bancos, de Angola, da vida de reformado... A nossa costa é um microclima... Tenho apanhado bom tempo... Boa continuação de férias... Depois responmdo ao Torcatoe ao Belo... O computador é muito disputado... Ciao. Luis

Hélder Valério disse...

Caro Luís

A tua 'veia poética' vem ao de cima sempre que tens oportunidade mental para isso.
E, está visto, que o chamado 'tempo de férias' é propício.

Pois aqui está mais um poema que se lê com agrado, que 'marca' a história do local mas também um pouco a do País. Tem algum desencanto mas também tem esperança.

Fiquemos esperançados, pois.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Meus caros Torcato e José:

Quanto ao "tal livro"... A pedido de "várias famílias", a começar pela minha, estou a fazer diligências no sentido de juntar alguns dos meus cento e tal poemas, e publicar um livrinho (até 150 pp.)...

Foram vocês, amigos e camaradas do blogue, mas sobretudo a Alice e os meus filhos que me têm incentivado a publicar.. O João inclusive fez-me um uitimato: quer um livro como prenda de anos para o seu 30º aniversário, a comemorar a 21 de janeiro de 2014...

Vamos a ver se eu não borro a pintura... Já tenho uma editora "apalavrada" e nestas férias estou a trabalhar... para a prenda de anos.

Um abração... Boa continuação do "nosso querido mês de agosto"... Luís

Anónimo disse...

Caro Luís!

Gostei muito, muito!

Enquanto o li...sonhei!

Trás-nos à memória, os velhos da nossa história e muita da nossa realidade.

Também o quero ver num livro.

Obrigada!

Beijo

Felismina mealha

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes disse...

Fico a a aguardá-lo com ansiedade...Parabéns.
Joaquim

admor disse...

Afinal, já está tudo dito. Que é que eu posso dizer? Que reitero o que foi dito pelos outros comentadores, assim como a tua decisão.

Um grande abraço para todos.

Adriano Moreira