segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Vale a pena passar os olhos pelo todo da iniciativa dos estudos gerais da Arrábida sobre a descolonização da Guiné.
Desta feita, intervêm António Ramos, Ajudante de Campo de Spínola na Guiné, Embaixador Nunes Barata e o General Hugo dos Santos.
A direção dos trabalhos foi um tanto solta daí a dispersão excessiva das exposições, os comentários a atalhar as exposições e a distorcer o sentido, etc., etc. Mas ficaram ali registados depoimentos de três intervenientes importantes que aqui e acolá perderam o sentido do encontro e ressuscitaram questiúnculas velhas, despropositadas.
O balanço geral é muito bom e vale a pena ler tudo.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (2)

Beja Santos

Dando continuação às jornadas de trabalho que os “Estudos Gerais da Arrábida” dedicaram à descolonização da Guiné, e uma vez mais alertando os confrades para o site (http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), propriedade do Instituto de Ciências Sociais onde constam na íntegra todos estes documentos, procede-se à resenha do painel que se realizou em 27 de Agosto de 1996 e onde depuseram António Ramos, oficial paraquedista que foi Ajudante de Campo do General Spínola na Guiné, Embaixador João Nunes Barata, alferes miliciano na Guiné onde também foi Chefe de Gabinete do Governador Spínola e delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional e o General Hugo dos Santos (falecido em 2010), responsável pela criação do MFA em Angola, tendo igualmente integrado a delegação portuguesa que negociou a independência da Guiné.

Volta-se a chamar a atenção dos confrades para o facto de toda esta documentação enfermar de várias lacunas, intervenções impercetíveis, alguns cortes, conversas inaudíveis, etc., seja como for é incontestável que o coordenador Manuel de Lucena ajuntou alguns depoimentos de incontestável valia, e de leitura obrigatória para quem se interesse ou investigue o período da descolonização.

Nunes Barata e António Ramos trocaram impressões sobre o significado de “Portugal e o Futuro”, como sensibilizou a opinião pública para a questão da guerra e o imperativo das soluções políticas. Ramos confessa que Spínola chegou a ser tentado a vir com Comandos Africanos e forças paraquedistas para, dito por si “acabar com a fantochada à metrópole” isto na altura do Congresso dos Combatentes que ele e o seu círculo consideraram tratar-se de uma provocação da extrema-direita do regime. Dissertaram sobre o “fantasma da Índia”, que se avolumou de 1972 para 1973. Nunes Barata procurou realçar a coerência de Spínola com a figura da autodeterminação. Essa coerência estava diretamente ligada à aquilo que Spínola entendia ser necessário dar voz à população da Guiné na gestão dos problemas fundamentais, e que levara a criar os Congressos do Povo. Ele repetia sem cessar que era preciso entregar “A Guiné aos Guinéus”. Barata disse mesmo que Spínola não aceitava que a Guiné fosse governada por cabo-verdianos, havia a consciência que estes desempenhavam a função de intermediários entre o branco e a população negra, exerciam autoridade, eram símbolos da administração, exerciam o poder com imensa autoridade e muita rispidez.

Barata acrescentou que quando Spínola descobriu que não havia solução militar à vista tentou estabelecer contactos com Dakar e por esta via com o PAIGC. Disse que os primeiros contactos tinham sido feitos pelo chefe da delegação da PIDE/DGS, inspetor Fragoso Balas e por um comerciante de Pirada, Mário Soares. Barata acompanhou duas vezes Spínola ao Senegal, a primeira para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares e a segunda com Senghor, em Maio de 1972, em Cap Skiring. Spínola falava de uma progressiva autonomia, indicou um prazo de 15 anos, Senghor achou que, na situação que as coisas se encontravam, o prazo era talvez excessivo, sugeriu um encontro com Amílcar Cabral. Como se sabe, Marcello Caetano recusou dar luz verde a este encontro. Mais adiante, Barata fala da sua deslocação com Carlos Fabião a Paris para se encontrar com Senghor, em 1 de Maio, de 1974. Senghor não escondeu a sua preocupação de que o PAIGC viesse a ser totalmente dominado pela Guiné Conacri. A Guiné-Bissau ia averbando apoios fundamentais na comunidade internacional, de Julho a Agosto, o Brasil, o Japão, os escandinavos, a Austrália e a Espanha reconhecem a independência do país. A tese da autodeterminação fica para trás, tornou-se um arcaísmo. Em 3 de Agosto, Kurt Waldheim, secretário-geral da ONU diz a Spínola que a tese da autodeterminação já não é realista, a independência da Guiné era inevitável.

Ramos e Barata dissertam livremente sobre o impacto do assassinato de Amílcar Cabral e Ramos recorda o briefing realizado logo que foi divulgada a notícia, Spínola mostrava-se acabrunhado, desalentado: “Estragaram-nos o trabalho dos últimos quatro anos”, terá dito. A conversa é por vezes saltitante, tanto se fala de Rafael Barbosa como agente duplo, sobre o grau de infiltração do PAIGC nas milícias africanas, críticas a Alpoim Calvão na operação Mar Verde onde se teria revelado um planeador com poucos conhecimentos das operações terrestres, depois discutem o conteúdo das reuniões de Dakar, Londres e Argel, as relações afetivas de Spínola com a Guiné e a inevitabilidade do PAIGC muito cedo, a seguir ao 25 de Abril se ter assenhoreado da situação, tendo sido, com escassas exceções, um cumpridor do estipulado na reunião de Mejo, onde se convencionou o recuo do dispositivo militar português e a gradual ocupação das povoações e aquartelamentos pelo PAIGC. Aqui e acolá estes dois intervenientes proferem juízos altamente discutíveis, Ramos chega a dizer que mais de 50% dos oficiais milicianos estavam ligados a grupos de esquerda na metrópole, uma consideração sem qualquer fundamento ou demonstração.

Na sua intervenção, o General Hugo dos Santos referiu o período final da descolonização da Guiné, recapitulou as teses de autodeterminação de Spínola e como estas foram ultrapassadas pelo bom entendimento entre as forças militares portuguesas e as do PAIGC. Referiu como as diretivas previstas no Acordo de Argel foram quase exemplarmente cumpridas graças à comissão mista, houve raras exceções como a entrada em Buruntuma e a tentativa de um comandante do PAIGC em bombardear com mísseis terra-terra as tropas portuguesas. Referiu por alto as reuniões do MFA, sobretudo a reunião de 1 de Julho que teve a participação de 800 militares e onde se instava o Governo Central a reconhecer a independência da Guiné, terá sido o MFA da Guiné a determinar não só o quadro geral da descolonização da colónia como tudo aquilo que viria a ser aplicado nas outras. Discutiu-se igualmente o que terá levado Spínola a ter querido visitar a Guiné, logo em Maio e como o MFA se opôs. Manuel de Lucena observou: “O que se julgava principalmente na ida do General Spínola à Guiné não era nenhuma modificação do estado de espírito das populações, mas uma modificação das relações de força políticas locais – da tropa portuguesa e do PAIGC que tinha aparecido”.

A seguir o embaixador Nunes Barata fez uma longa intervenção sobre a descolonização de Angola e só no termo da jornada de trabalho é que se voltou à Guiné para debater os encontros impulsionados por Marcelo Caetano antes do 25 de Abril com os movimentos de libertação. A despeito de amplas falhas que são notórias no documento, estes três protagonistas da descolonização da Guiné prestaram um importante serviço com os seus depoimentos, mesmo quando cederam às emoções e fizeram ressaltar velhas questiúnculas pessoais.
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 7 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Anónimo disse...

"A ESTE NADA DE NOVO"

Apesar dos depoimentos serem de pessoas respeitáveis com altas responsabilidades militares e políticas..cada um tem a sua verdade

O que me indigna como ex-combatente é compararem a situação na Guiné com o que se passou na Ìndia ou que iríamos ser corridos até ao mar..dá-me prurido=comichão.

C.Martins

antonio graça de abreu disse...


Não é só comichão,meu caro C. Martins que até és médico e sabes bem destas coisas. A nossa "derrota" militar na Guiné face ao tremendo poder bélico do PAICG, essa derrota
que nunca existiu, não é só comichão, é sarna, é lepra mental.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
manuel carvalho disse...

Por aquelas matas apanhavamos cada maleita.

Manuel Carvalho