segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15456: (In)citações (80): Quem se lembra deste fado, cantado pelos páras do BCP 12, em Cacine, em junho de 1973, na altura da batalha de Gadamael, com música dos "Amores de Estudante" ?... "Quero, quero ir para Lisboa, / Ai, ai, eu quero, / Nem que seja de canoa, /Eu quero ir / P'ra terra santa querida, / Dizer adeus a esta merda / P'ro resto da minha vida." (recolha de Abílio Magro)

1. Escreveu há tempos o Abílio Magro (ex-fur mil amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), na sua série  "Um Amanuense em Terras de Kako Baldé" (*):


(,,,) Decorria o mês de junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas pára-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.

Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., eyc..

A CCAÇ 3520 era um companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição. Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!

Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado.
Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato". Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel. O major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.

E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"!... (...) Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os sargentos paraquedistas (ah gente do "catano"!).

Recordo-me bem de um convívio noturno na "messe" de sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espetacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.

Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa,
Ai, ai, eu quero,
Nem que seja de canoa,
Eu quero ir
P'ra terra santa querida,
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida.

Pára-quedistas, homens nobres,

Tanto ricos como pobres,
Avançando pela mata (...)

(e de mais não me recordo)

  

[Guiné, algures, s/d.,foto do nosso  camarada Manuel Peredoex-fur  mil paraquedista, que é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74; do Carmo Vicente, hoje srgt mor paraquedista ref , DFA, escritor, ler e ouvir aqui o seu testemunho, na primeira pessoa, à RTP1, eobre a sua participação no 25 de novembro de 1975, ]


Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento pára-quedista [António Carmo] Vicente, evacuado para Cacine, vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite.

A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas. (...)


2. Comentário do editor (**):

Alguém se lembra de ter ouvido (ou de ter lido) a letra (e a música) deste fado (parodiado), ao que parece criação de alguém do BCP 12, e mais provavelmente da CCP 122 que estava em Cacine, na altura em que o furriel amanuense Abílio Magro também lá esteve, em junho de 1967, apoiando o major Leal de Almeida,em plena guerra de Gadamael ?

Talvez o Manuel Peredo (que vive em França e é nosso grã-tabanqueiro) se lembre do resto da letra...  Ou o próprio Carmo Vicente ou o Delgadinho Rodrigues (hoje capitão pára reformado  e furriel em junho de 73). Ou outros camaradas paraquedistas do BCP 12 que honram, com a sua presença,  a nossa Tabanca Grande, depois de terem honrado a pátria, enquanto bravos combatentes, como é o caso o  Vitor Tavares (CCP 121),  o Manuel Rebocho (CCP 123) ou o António Dâmaso (CCP 122 e 123).

E outros há que, não sendo formalmente (ainda) nossos grã-tabanqueiros são por nós referidos e acarinhados: por exemplo, o Manuel Carneiro, da Tabanca de Candoz, e que pertenceu à CCP 121 (1972/74), ou o Avelar de Sousa (que foi cmdt da CCP 123, em 1970/71, não sendo portanto contemporâneo dos camaradas acima referidos, e que é hoje maj gen pára ref, frequentador da Tabanca da Linha).

Recorde-se aqui a letra e a múscia da canção coimbrã "Amores de Estudante", cujo refrão diz o seguinte:

(...) Quero, ficar sempre estudante,
P'ra eternizar
A ilusão de um instante.
E sendo assim,
O meu sonho de Amor
Será sempre rezado,
Baixinho dentro de mim. (...) 


A letra parodiada pelos páras faz parte integrante do nosso Cancioneiro, o Cancioneiro da Guiné, dizendo muito sobre o "estado de espírito" e o "moral" das NT no terrível período dos três G (Guileje, Gadamael, Guidaje), em maio/junho de 1973. Todos estavam fartos daquela  "merda" (sic), não se vendo qualquer luzinha no fim do túnel... O poder político, na altura,   usou e abusou da extraordinária capacidade de sofrimento, abnegação, coragem e patriotismo do soldado português. E não  esteve decididamente à altura da história!...
______________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 20 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11125: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (5): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (2)

(**) Último poste da série > 30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15424: (In)citações (79): Comer crocodilo que comeu homem, é canibalismo? Felupes de São Domingos dizem que 'crocobife' é bom... (Patrício Ribeiro, Bissau)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Honra seja feita a Cacine, que fica(va) na margem esquerda do rio com o mesmo nome, o tal rio onde os fuzileiros, do DFE 21, faziam esqui náutico, desafiando os "snipers" do PAIGC, na margem direita... Felizmente que o PAIGC nunca teve grandes "snipers", a não ser, dizem, um tal roqueteiro, no (nosso) subsetor do Xime, na zona leste, que tinha fama de arrancar cabeças com o RPG 2 à distância de 50 metros... (Histórias, mitos, lendas que se contavam no meu tempo, para aterrorizar os "piras" que desembarcavam no mítico Xime!).

Pois Cacine, a jusante, foi uma importante base de apoio para os bravos de Gadamael, e nomeadamente a malta do BCP 12... Era lá se que fazia o "repouso do guerreiro" e era de lá que os heli evacuavam os feridos de Gadamael, vindos de sintex... ou de LFG (como a Orion).

Conheci Cacine, em março de 2008, e esses ecos de Guileje e Gadamael, de maio/junho de 1973, ainda estavam bem "presentes" nas árvores de grande porte (poilões, bissolões, mangueiros, cabaceiras...) que, em Cacine, resistiram à guerra, ao tempo, ao abandono... Indiferente a tudo isso, o Rio Cacine continuava deslumbrante...

Anónimo disse...

Recorde-se aqui um excerto das memórias do Manuel Peredo, que era fur mil da CCP 122 /BCP 12, 1972/74, aquando da batalha de Gadamael:


12 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/06/guin-6374-p2933-com-os-pras-da-ccp.html


(...) No dia dez de Junho [de 1973] (ninguém no mundo me convencerá que não foi neste dia ) sofremos então uma emboscada que deixou a 122 muito debilitada. Pela manhã fomos montar uma emboscada um pouco distante do quartel. Nada se passou de anormal a não ser uma tentativa do IN em abater um Fiat que voava bem lá no alto: distinguia-se perfeitamente o fumo do míssil que tinha rebentado.

A meio da tarde, iniciámos o regresso ao quartel. Estava previsto o meu pelotão e mais um pernoitarem na mata, já muito próximo do quartel e estávamos já nesses preparativos, quando se deu a emboscada. Os dois pelotões que lá deviam pernoitar encontravam-se já na mata e os outros dois seguiam pelo caminho que dava acesso ao quartel. Os dois bigrupos encontravam-se em posição paralela, o que podia ter custado muito caro.

Claro que foi um erro de quem dirigiu a manobra. Os dois pelotões que iam para o quartel é que deviam ir na frente. Eu por acaso apercebi-me do erro e disse aos meus homens para não dar fogo. Aquilo nunca mais acabava. Quando os caças Fiat vieram em nosso auxílio ainda o combate não tinha acabado. Não havia árvores de grande porte para nos protegermos. O meu colega do lado esquerdo tentava proteger-se atrás dum arbusto que foi ceifado por uma granada logo por cima da cabeça. O que estava do meu lado direito foi levantado pelo sopro duma granada. possivelmemte dum RPG 7.

Acreditem que foi verdade, pois vi com os meus próprios olhos. Há minutos na vida que duram uma eternidade. Resultado da brincadeira :17 feridos, todos causados por estilhaços, fazendo eu parte desse grupo com um ferimento na cabeça.

Por absurdo que pareça eu fiquei bem disposto e até brinquei com os meus colegas. Quando estes me viram a sangrar da cabeça disseram-me : "Ó meu furriel já pode estar descansado, já acabou a comissão". Mal eles imaginavam que passados oito ou dez dias estava de novo junto deles. Claro que o ferimento não era grave e, derivado ao medo que os médicos tinham do comandante, eu próprio pedi para voltar à minha companhia.

Quando voltei, já a 122 estava a descansar em Cacine e mal cheguei lá fui presenteado com um ataque de paludismo. Veio logo o capitão Terras Marques dizer-me que tinha que recuperar depressa pois precisava de mim para irmos fazer uma operação à fronteira da República da Guiné.

Voltando um pouco atrás. Fomos então evacuados para Cacine em dois botes que iam superlotados e de Cacine seguimos de helicóptero para Bissau. Quando eu estava no hospital a aguardar transporte para Bissalanca, chegou o homem do monóculo [, o gen Spínola,] para ver como estavam os feridos. O médico que o acompanhava apontou para mim e disse-lhe que eu era um dos feridos. Dirigiu-se a mim e perguntou-me como se tinha passado. Quando lhe disse que foi no regresso, logo me perguntou se vínhamos pelo mesmo caminho. Pensei logo que estava ali uma armadilha e lá lhe enfiei o barrete. (...)