Queridos amigos,
O ciclo imperial ganha novos revérberos nas vésperas da Conferência de Berlim, está em marcha um plano anglo-germânico para subtrair às colónias de Angola e Moçambique boas fatias a Sul, para satisfazer os ideais de Berlim. O ciclo nacionalista-imperialista ganha impulso, comemora-se Camões, o nascimento do Infante D. Henrique, a chegada de Mouzinho e de Paiva Couceiro ou o Centenário da Índia, a questão colonial atravessa o país todo, é uma questão de regime, os próprios republicanos são contundentes a partir do Ultimato.
Iniciara-se um ciclo que só findará com a descolonização, a partir de 1974.
Um abraço do
Mário
As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (1)
Beja Santos
Em “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga, Temas e Debates, 1998, volume II, o historiador Fernando Catroga debruça-se detalhadamente sobre as comemorações como liturgias cívicas. Vamos ver como a natureza das comemorações, regra-geral, têm como alibi a “questão colonial”. A primeira grande manifestação do ciclo nacionalista-imperialista foi o jubileu de Camões, em 1880, para os seus festejos envolveram-se personalidades como Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Luciano Cordeiro, Pinheiro Chagas e Magalhães Lima, ou seja uma composição plural, com democratas e monárquicos, o evento envolveu prémios literários, a transladação dos restos mortais de Camões e Vasco da Gama para os Jerónimos, Lisboa engalanou-se. Era latente questão colonial, Portugal estava diminuído perante as novas potências, era necessário que este centenário constituísse uma prova de vitalidade perante o estrangeiro. Como escreve o historiador a propósito deste evento “Camões é interpretado como figura cimeira do Renascimento e, através dele, os Descobrimentos são elevados a acontecimento – inaugurador da modernidade”. Não foi por acaso que Teófilo Braga associou o problema colonial. Na época, a questão de Lourenço Marques entre Portugal e Inglaterra ganhava tons virulentos. Em 1894, ocorre a passagem do centenário do nascimento do Infante D. Henrique. Com a independência do Brasil, retoma-se a “coisa africana” com redobrado interesse. Descobrira-se a “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”, de Azurara, em 1841, o Infante ganhara uma visão mítico-romântica. A crise do Ultimato ocorreu em 1890 e abalou a monarquia. Recordar o Infante, encarado como a figura máxima da epopeia dos Descobrimentos, era um excelente motivo para esconjurar traumas. A monarquia empenhou-se, a começar pela família real. Depois de tudo o que se passou na Conferência de Berlim, depois do lançamento de ofensivas científicas, de expedições ao interior africano, com o nascimento do prestígio da Sociedade de Geografia de Lisboa, esta liturgia henriquina veio mesmo a calhar, celebrou-se no Porto, local de nascimento do Infante. Como escreve o autor:
“O cortejo cívico realizou-se no dia 3 de Março e constituiu uma espécie de parada histórica, em que os participantes, representando as forças vivas da Nação, desfilaram sob os auspícios do rei, tendo em vista suscitar um clima de consenso nacional”.
Mas os republicanos demarcaram-se das comemorações oficiais, as academias de Coimbra e Porto e muitos estudantes promoveram uma contracomemoração, cantou-se A Portuguesa.
De 1897 a 1898, a propósito do centenário da viagem de Vasco da Gama, em associação com as vibrações nacionalistas provocadas pelas campanhas de Paiva Couceiro e de Mouzinho de Albuquerque, as comemorações ganharam outra vibração. Nasceu o acordo secreto entre a Inglaterra e a Alemanha (1898) que poderia pôr em causa a soberania portuguesa sobre o Sul de Moçambique e de Angola. Felizmente que o conflito anglo-bóer jogou a favor da diplomacia portuguesa:
com o Tratado de Windsor (1899) anularam-se os efeitos do negócio anglo-germânico, pois a Inglaterra procurou salvaguardar a neutralidade de Portugal no conflito do Transval, de modo a impedir a entrada de material de guerra por Lourenço Marques.
É altura de introduzirmos nesta descrição um texto de Amador Patrício publicado no seu livro “Grandes reportagens de outros tempos”, Empresa Nacional de Publicidade, 1938 e intitulado “Chegada dos heróis de África-Lisboa”:
“Lisboa vestiu as suas melhores galas para receber os heróicos expedicionários que em terras africanas escreveram páginas das mais fulgurantes da História de Portugal. Os bravos combatentes de Marracuene, de Magul e de Coolela podem bem pôr-se a par dos cavaleiros de Aljubarrota ou dos defensores de Diu. Honra ao Comissário António Enes, ao Comandante Galhardo, à memória de Caldas Xavier, aos nomes de Sousa Machado, de Freire de Andrade, de Paiva Couceiro e, muito especialmente, de Mouzinho, que no lanço temerário de Chaimite pôs um remate triunfal às campanhas de África que asseguraram e consolidaram o nosso império de além-mar!”.
É uma exaltante reportagem, as multidões à espera da chegada do navio Zaire, Lisboa engalanada, D. Carlos vestido de Generalíssimo, a pompa e circunstância do desembarque, a família real não poupou esforços para receber os heróis do império:
“A Rainha Senhora D. Amélia convidou o Comissário Régio Sr. António Enes a subir para a sua carruagem. Às três e meia, uma salva de 21 tiros anunciava que El-Rei, seguido do seu luzido Estado-Maior, ia começar a revista às tropas. Foi muito saudado o Tenente-Coronel Machado, Comandante de Caçadores 3, que levava o braço esquerdo ao peito, ferido em combate.
Deram-se então algumas cenas comoventes. Uma praça de Engenharia saiu da forma para pegar num filhinho ao colo; e uma velhinha pobre, que assistia ao desfile, não se conteve que não gritasse cheia de entusiasmo: viva o meu neto!
A revista durou apenas 20 minutos, após a qual El-Rei se dirigiu para o Quartel de Caçadores 2 a esperar os expedicionários. Pelo caminho foi muito aclamado.
Começou depois o desfile. À frente, a cavalo, o Coronel Galhardo, acompanhado do seu Ajudante e do Capitão do Estado-Maior, Costa, ferido em Coolela; seguiam-se o Corpo de Marinheiros, com a sua charanga, as Forças de Engenharia, de Artilharia e de Lanceiros 1, Caçadores 1, comandados pelo Tenente-Coronel Ribeiro, Caçadores 3, como seu Comandante Sousa Machado, e Infantaria 2, sob o comando de Gomes Pereira”.
Na Avenida da Liberdade o povo aclamava delirante. Seguiu-se o Te Deum nos Jerónimos, a família real comparece em peso, o Ministério, o Cardeal Patriarca, a aristocracia, incluindo a religiosa. Segue-se uma récita de gala em S. Carlos. E temos a seguinte passagem:
“O maior entusiasmo foi no intervalo do segundo para o terceiro ato. Durante três quartos de hora soaram ininterruptos os vivas e as aclamações a António Enes e Galhardo, a Mouzinho de Albuquerque, Machado, Freire de Andrade, etc. O Capitão Paiva Couceiro, que estava na plateia e que no combate de Magul cometeu prodígios de bravura, foi levado em triunfo aos ombros dos espectadores e alvo de enorme ovação (…) Hoje realiza-se a visita de Suas Majestades ao Hospital da Estrela, onde se encontram os feridos da Campanha de África, e a distribuição da Medalha Rainha D. Amélia”.
Comemorações do Centenário de Camões (1880)
Desenho de Martins Barata alusivo à chegada dos heróis de África, 1896
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 12 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)
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