Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 7 de maio de 2017
Guiné 61/74 - P17327: Blogpoesia (509): "Um carro de fogo"; "Os discursos do piano" e "No cotovelo da praça", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Um carro de fogo
Espelhado no céu,
Um carro de fogo,
Esparzindo luz e calor,
Avança em vertigem
Até à linha do horizonte.
Se esbatem com luz
As copas ainda negras das árvores
E as linhas quebradas dos telhados.
Mais uns momentos
E uma bola gigantesca assoma
Numa festa viva
Que irá durar o dia inteiro.
Foi sempre assim, desde os tempos imemoriais,
Mesmo quando uma manta espessa,
Ensopada d’água,
O tolda e cega.
Agora, a terra acorda e exulta,
Mergulhada em vida,
Este mar imenso
Que a todos banha…
Berlim, 1 de Maio de 2017
5h50m
Jlmg
************
Os discursos do piano
Dá gosto ouvi-lo
quando, imponente e confiante,
sobe ao púlpito.
Discursa ininterrupto,
Se adrega, durante horas,
Com a mesma alma e entusiasmo.
É dele. Fala de tudo.
Sem subterfúgios.
Vai direito aos termos.
Não escolhe as notas.
Peremptório, se impõe sózinho,
Às orquestras impantes.
Nunca se fica.
A tudo responde pronto e certo.
Dá gosto ouvi-lo falar de Rachmaninov,
Seus concertos 2 e 3.
De Chopin. De Tschaykowsky.
Beethoven e tantos mais.
Arrebatador, ninguém fica a dormir.
Se forem exactas as mãos
De quem o toca.
Adora Rubinstein, apesar da idade.
Diverte-se com o fogoso jovem, Lang Lang
E suas cabriolas,
Saboreia os toques suaves e doces
Duma Hélène Grimaud
Ou da sensual Khatia Buniatiswilli.
Fica triste quando tudo acaba,
Apesar das palmas...
ouvindo concerto nº 1 para piano de Chopin
Berlim, 1 de Maio de 2017
20h59m
Jlmg
************
No cotovelo da praça
Nada passa no cotovelo da praça.
Tudo deserto.
Foram embora as barracas e os estendais.
Ficaram os paus estendidos p’lo chão.
Há papéis e garrafas plásticas vazias
Pelos cantos.
Tarda em passar o carro do lixo.
Aquelas bancadas fartas de tudo.
Fruta. Bolaria. Rolos de fazenda.
Cabides de roupa.
Pronta a vestir.
Em pano-cru ou cotim.
As albardas e arreios das alimárias.
Benfazejas.
Fazem tudo por palha seca e água na celha.
Restam ainda seus excrementos vegetais.
Voam moscas nas bancadas secas do peixe à mostra.
Há restos de cordas e amarras.
Alguns pregos presos ao chão.
E o vento louco na sua dança,
Vai varrendo as folhas
Como o diabo faz às almas
Quando entram no inferno…
Está mesmo na hora de me ir embora.
Ouvindo música de filmes
Berlim, 3 de Maio de 2017
8h49m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 1 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17299: Blogpoesia (508): "Um banho de frescura..."; "Bosque verde..." e "A voz humana", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário