1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Março de 2018:
Queridos amigos,
Desta belíssima Provença só conhecia de viagens-relâmpago Arles e Nice, a primeira encheu-me logo as medidas, a segunda não tanto.
Havia a intenção de um dia aqui peregrinar, com algum tempo, num sul de França um pouco mais extenso que a Provença. Desenhada a viagem, assentou-se em duas etapas, chegada e partida em Marselha, passando por Aix-en-Provence, Arles, Avignon, Nîmes e a cidade de Marselha propriamente dita; e chegada e partida em Toulouse, visitando Albi e Carcassone (fora da Provença, em Midi-Pirenéus e Languedoc-Roussillon) até Montpellier.
Foram 8 dias de sonho, a satisfação por mirar e remirar o génio arquitetónico romano, pelos belos edifícios do românico provençal, os palácios de Avignon, os fabulosos museus, a desmesura do porto de Marselha.
Aqui se contarão as vicissitudes de tão opulenta viagem.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (1)
Beja Santos
Há muitos anos que o viandante congeminava uma peregrinação a terras da Provença, havia que selecionar bem, Nice, Cannes, Saint Tropez ou Toulon estavam bem longe de ser itinerários suspirados, o grande anseio era ver algumas amostras da grande beleza e valia da antiguidade clássica provençal, ali assentou a Gália Narbonense, a desembocadura do Ródano foi sempre rota apetecida para os navegadores e comerciantes do Mediterrâneo, há o românico provençal, o gótico flamejante, a omnipresença dos Alpes. Tanto para ver e tomou-se a decisão de chegar a Marselha e partir rapidamente para Aix-en-Provence, daqui para Arles, visitar Avignon, Nîmes e por fim Marselha. Uns meses mais tarde, fazer o roteiro às avessas, começando em Toulouse.
Começa-se pois em Aix-en-Provence, chega-se com a chuva a cântaros, não faz mal, já se desenhou o que fazer no primeiro dia, graças a uma iniciativa autárquica entra-se num Diablines, um género de tuk-tuk e fazem-se os três circuitos dentro do casco histórico, tudo por 60 cêntimos.
O trânsito automóvel está severamente condicionado, os Diablines são a solução mais conveniente para se percorrer a cidade, consumidores, turistas, comerciantes agradecem. O centro da cidade tem aspetos concêntricos de grande beleza, o céu estava plúmbeo, chegou a ficar glauco, de quando em vez descarregava uma tromba de água, miudinha, irritante.
Há pouco de antiguidade clássica nesta cidade de que os condes da Provença fizeram a sua capital, na segunda metade do século XII, depois o condado passou para a Casa Real de Anjou, que dominava o reino de Nápoles. Em 1481, a Casa de Anjou foi forçada a ceder a Provença à coroa francesa, naquele processo unificador de que Luís XI se obstinou. Aix é cativante pelo seu cosmopolitismo em que o velho pitoresco está profundamente mantido. Chamam-lhe a cidade de Paul Cézanne, o pintor com quem arrancou a pintura contemporânea, o seu festival de arte lírica atrai melómanos de todo o mundo. O viandante começa o passeio pela Aix barroca, é um barroco que utiliza motivos parisienses e que se dissemina por inúmeros palácios e edifícios principais. Deixara de chover e o viandante entusiasmou-se com aquele ângulo que lhe permitia ver a torre da câmara municipal, uma torre datada de meados do século XVII.
Na praça da Câmara, aproveitando a aberta da chuva, apareceram vendedores com as flores de inverno, linda explosão de cor, o viandante afadigou-se em imagens, fica este registo, lembra um cesto altamente decorativo, um centro de mesa gigante ali posto para saudar o viandante.
A fachada da Câmara é soberba, mas a torre não lhe fica atrás, palácios urbanos é o que não falta, a fachada da Câmara é em estilo clássico, com três andares, há praças sumptuosas, há igrejas e capelas hoje transformadas em estabelecimentos comerciais, dá gosto ver esta conservação na preservação da memória.
O viandante trazia na agenda uma visita ao ateliê de Cézanne, esta é a sua terra natal, aqui nasceu em 1838, aqui compôs pinturas que estão hoje nos principais museus de todo o mundo. Convém não esquecer que os seus contemporâneos rejeitaram e troçaram da sua obra. No final da década de 1860, Cézanne voltou a fixar-se em Aix. É dado assente que foi aqui que nasceram as obras que os fundadores do modernismo consideram como pioneiras do novo estilo. Cézanne criou naturezas mortas, banhistas e paisagens provençais. O seu ateliê está aberto ao público, ele dali avistava a Montagne Sainte-Victoire, um imponente maciço calcário, um dorso de dinossauro a contrapor-se àqueles campos de terra vermelha e aos pinheiros e oliveiras que por aqui pululam. O viandante preferiu mostrar a escultura que está na praça principal, Aix-en-Provence resolveu reconciliar-se com o artista genial, pelo adiante se falará da exposição no museu Granet dedicada às obras de Cézanne que fazem parte da coleção Henry et Rose Pearlman, Cézanne at home.
O genocídio arménio, perpetrado pelas autoridades turcas, em 1916, e sistematicamente negado, tem em França diferentes memórias. O viandante colheu a imagem desta escultura evocativa de mais de um milhão de arménios massacrados, decorria a I Guerra Mundial.
Um dos ícones de Aix é o Cours Mirabeau, simultaneamente o passeio principal e uma das avenidas barrocas mais famosas do sul da França. A arquitetura é soberba, temos os plátanos e as fontes, os cafés, os restaurantes, as livrarias, trata-se de uma rua com cerca de 40 metros de largura e 440 de comprimento. Em 1778, o Cours transformou-se numa verdadeira rua, estabelecendo a ligação com as estradas para Marselha e Avignon. Imagine agora como não será no verão, quando os plátanos e ulmeiros estiverem verdejantes e oferecerem sombra, os toldos expostos para a rua, o bulício dos passantes, mirando as fontes e os pormenores desta ímpar arquitetura barroca.
Aqui ficam imagens de duas belas fontes de Aix, deixa-se para próximo episódio a estátua do rei Renato com um cacho de uvas-moscatel, há quem sugira que se ficou a dever a este monarca a sua introdução na Provença.
Era visita obrigatória o museu de belas-artes, o museu Granet, indo seguidamente visitar as obras-de-arte da coleção Planque, estão noutro edifício, de ambos os museus se fará amplamente referência. O que para aqui interessa é que o museu confina com a elegante igreja de São João de Malta, é um dos mais antigos exemplos da arquitetura provençal que segue o estilo do gótico flamejante. É impressionante, este estilo reflete-se nos perfis esbeltos dos colunelos e nos belos ornatos geométricos curvilíneos. É uma fachada muito modificada com a adição da torre em 1689. O viandante encontrou-a em obras, como se mostra, depois desta intervenção é capaz de ficar parecida com esta última imagem.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18652: Os nossos seres, saberes e lazeres (268): Monsanto revisitada (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
A propósito de "O genocídio arménio, perpetrado pelas autoridades turcas, em 1916" não me esqueço da actuação em Luanda do grande, enorme cantor Charles Aznavour, durante a nossa guerra do Ultramar no fim dos anos 60.
Enviar um comentário