terça-feira, 23 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22029: (In)citações (182): Viúvas e viúvos da minha aldeia (em números) (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 18 de Março de 2021 com uma curiosa estatística de viúvas e viúvos na sua aldeia:



VIÚVAS E VIÚVOS DA MINHA ALDEIA (em números)

Há já algum tempo, que dou comigo a pensar!... Quais terão sido as causas que tem levado a que tenham existido sempre muitas viúvas na aldeia de Molianos, em que os homens tem sido poucos os que tem ficado viúvos, o que ainda hoje acontece. O que me levou a tentar perceber o porquê, de tal diferença. Para isso, procurei, dentro do possível… fazer uma observação daquilo que tem acontecido desde meados da década de 1960 do século passado até aos dias de hoje.

Pelo que fui constatando durante essa viagem… a maior resistência das mulheres a certas doenças… ou não terem sido confrontadas com elas parece ter sido a principal razão para a sua longevidade. Num tempo ainda não muito distante, a esmagadora maioria dos homens na minha aldeia, quando casavam, tinham mais idade que as esposas, o que em alguns casos pode ter ajudado a contribuir para essa diferença. No entanto, aconteceram outras situações que levaram a que esse número se acentuasse ainda mais, que tem a ver com acidentes de viação e de trabalho. Durante a época acima referida, no que diz respeito ao século passado... aconteceram nove vítimas mortais, todos homens, em consequência de acidentes de viação e mais dois em acidentes de trabalho.

No século em que estamos a viver, apesar da intensidade de transito que se faz sentir, nada ter a ver com aquilo que acontecia no passado… registaram-se apenas cinco acidentes de viação com vítimas mortais, quatro homens e uma mulher, e mais um homem vítima em acidente de trabalho. No entanto, a grande diferença de óbitos, entre homens e mulheres, continua a ter como principal causa, problemas de saúde que se tem vindo a acentuar desde o inicio do século… com a agravante da maioria ter acontecido com pessoas com idades entre os sessenta e setenta anos. Não contando com mais alguns óbitos que aconteceram em que a idade avançada das pessoas leva a aceitar terem acontecido de forma natural. Desde o início do século em que estamos, aconteceram entre os homens na nossa aldeia, 26 óbitos, dos quais, 13 vítimas de doença oncológica, tendo os restantes sido consequência de várias patologias.

Com problemas de saúde no mesmo espaço de tempo, com idades não muito elevadas, ocorreram entre as mulheres quatro óbitos, três das quais vítimas de doença oncológica!… Atualmente, existem na aldeia de Molianos sessenta e quatro viúvas e cinco viúvos!...

Para a existência de um tão grande número de viúvas, os ex-combatentes têm dado um contributo importante.

Foram trinta e sete os jovens da nossa aldeia que passaram pelas guerras nas ex-províncias ultramarinas… dos quais treze tiveram a Guiné como destino, quatro deles já nos deixaram, três, vítimas de doença oncológica e um com problemas do foro cardíaco.

Em Angola estiveram dezassete, dez dos quais já não estão connosco, quatro foram vítimas de doença oncológica e os restantes com outras patologias.

Em Moçambique, foram cinco os que lá estiveram, três já cá não estão…

Em Timor esteve apenas um. Assim como em São Tomé e Príncipe o qual já nos deixou… Contas feitas, dos trinta e sete que andaram pelas ex-províncias ultramarinas, dezoito já partiram…

O mais idoso dos ex-combatentes que ainda por cá vai andando, foi também o primeiro da nossa aldeia a embarcar para a Guiné, é o Silva que fez parte da CCAÇ 618, era um dos apontadores da bazuca… (a daquele tempo), esteve em S. Domingos, Varela e Binar.

Estes são dados referentes à minha aldeia, o que pode não ter muito a ver com outras regiões.

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21864: (In)citações (181): Em memória de José Eduardo Reis Oliveira (1940-2021) (Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66)

Vd. poste de 3 DE AGOSTO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13458: Blogues da nossa blogosfera (67): Jovens da Aldeia de Molianos na Guerra da Guiné, no Blogue Molianos, viajando no tempo (António Eduardo Ferreira)

5 comentários:

Anónimo disse...



António Ferreira, meu camarada e amigo, eu constato essa mesma desproporção de existências de viúvas e de viúvas na minha aldeia, ao longo de muitos anos. Elas, aparentemente mais frágeis são mais resistentes do que os homens. Elas, as nossas mulheres, esposas e mães, têm uma força vital que se prolonga muita para lá da concepção que lhes dá forças para acompanhar a família para lá de limites que nós homens não conseguimos atingir.
Grande abraço.
Francisco Baptista

Valdemar Silva disse...

Em certas aldeias nortenhas haviam as "viúvas casadas", ou seja as mulheres casadas vestiam-se de luto carregado quando os maridos emigravam, parece que por respeito do marido estar fora por longos períodos de tempo.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Parabéns António, pelo teu "estudo de caso" epidemiológico, centrado na população da tua aldeia... Dá-nos pistas interesssantes de refelxão sobre o envelhecimento, a viuvez, a morbimortalidade por género... E até sobre a mortalidade dos antigos combatentes: em 38 já morreeam 17 (ou seja, 48,6%)..

Se quiseres saber mais,explora o portal Pordata:

https://www.pordata.pt/Portugal

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há um facto (demográfico) indesmentível: na nossa espécie nascem mais rapazes do que raparigas... Há quem diga que a "natureza" faz bem as coisas: nascem mais machos... para poderem procriar (e a seguir morrer)... Até se atingir a maturidade sexual, machos e fêmeas equivalem-se proporcionalmente... Depois elas estão melhor protegidas contra certas doenças (nomeadamente do foro cardiovascular), enquanto estão na idade reprodutiva... Por exemplo, lidam melhor como stress do que nós...

Depois dos 20, é o "abate dos machos": começam a morrer mais eles do que elas, e noemadamente por causas violentas (acidentes de trabalho, lazer, vição, homicício, suicídio, etc.)... I isso esplica também porque é que élas à nascença têm uma esperança média de vida superior a eles... A disparidade da proporção de víuvos e viúvas em Moleanos (freguesia de Aljbarrota, concelho de Alcobaça, distrito de Leiria) não deixa margem para dúvidas; segundo os teus dados, há 1 viúvo para 12,8 viúvas...

As causas são complexas para se poder compreender a morbimortalidade diferencial, por género... Há razões biológicas mas também socioantropolígicas: genoma, condições de vida e de trabalho, ambiente, economia, comportamemntos indivdiuais e coletuivos, cultura, sistema e política de saúde, etc.

Há estudos que refere que as mulheres lidam melhor com a viuvez do que os homens...Além disso, são melhores cuidadoras do que nós... (Isso deve-se também à educação, à divisão seuxal e social do trabalho, à socialiação, etc.)

Enfim, pode ser que outros camaradas queiram fazer também esta preciosa recolha de dados nas suas vilas e aldeias...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recorte de imprensa (com a devida vénia):

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Por que nascem mais meninos que meninas todos os anos no mundo?
27 dezembro 2018

BBC News | Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/geral-46692056


Estima-se que para cada 105 meninos que chegam ao mundo, nascem 100 meninas

"Na espécie humana, a relação entre o nascimento de meninas e meninos pende a favor do sexo masculino", diz a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Trata-se de uma tendência mundial que se mantém há décadas.

No Brasil, por exemplo, foram registrados em 2017 2,87 milhões de nascimentos - 1.473.166 homens e 1.400.998 mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Reino Unido, desde 1838, quando o país começou a manter os registros, não houve um ano sequer em que nasceram mais meninas do que meninos.

Por que a qualidade do sêmen está caindo no mundo e como isso ameaça a reprodução humana
A mulher que gastou todo seu dinheiro para congelar os óvulos.

E uma proporção de aproximadamente 105 nascimentos do sexo masculino para cada 100 mulheres é considerada natural e normal.