segunda-feira, 3 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22168: Desaparecido do nosso radar (1): António Duarte de Paiva, ex-sold cond ambulâncias, HM 241, Bissau, 1968/70







1.  A propósiio do Dia da Mãe e do belíssimo texto escrito pelo Francisco Baptista (*) ("as nossas não se esquecem, nunca morrem"), foi "respescar" o primeiro poste da série, "As Nossas Mães", escrito pelo António Paiva (**).

É um poema pungente, escrito pela mãe do nosso camarada, Leopoldina Duarte: "Recordação da Saudade"... com a seguinte nota de rodapá: "O que fez uma mãe dominada pela dor"... O texto merece ser de novo reproduzido... Na altura, o Paiva explicou-nos a sua origem:

(...) "Andando por aqui, nesta casa,  só, vasculhando malas e caixinhas, algumas do meu tempo de menino, pertences de minha mãe que me deixou em 1996, sou surpreendido por uma folha de papel dobrada em 12 partes, da qual não tenho a mínima ideia de ter tido conhecimento e com os nossos tertulianos quero partilhar. Minha mãe também a eles se dirigia.

 (...) "Minha mãe, mal sabia ler ou escrever, mas em quadras soltas era mestra. Hoje tenho pena de nunca ter escrito o que ela dizia. Não sei quem lhe escreveu isto à máquina, mas pouco importa. Está com data de 10 de Dezembro de 1969, em cima, mas não consegui aqui no scan apanhar data e assinatura, preferi a assinatura Leopoldina Duarte." (...)

Recordação da Saudade

Meu filho, a tua mãe
Tanto suspira por ti,
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim.

Se tu soubesses, meu filho,
O amor que a tua mãe te tem,
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm.

Será que tu me esqueceste
Ou a carta se perdeu ?
Mas perdoa-me, meu amor,
Se a criminosa sou eu.

Tinha a carta quase feita
E ainda fui ao correio,
Agora estou satisfeita
Porque a notícia já veio.

Lá vinha o meu querido filho
A ler o que me mandava,
Com uma cara de riso
E eu com saudades chorava.

Agora estou satisfeita
Assim como tu também,
Já recebeste notícias
Da tua mãe por alguém.

Adeus, meu filho querido,
Eu do coração te peço
Que não esqueças a tua mãe
Que aguarda o teu regresso.

Trago-te no coração
Mas ando sempre em cuidados,
Daqui mando um forte abraço
Para todos os nossos soldados.

Eu aqui peço, a Deus
E à Virgem Santa Maria,
Que seja a vossa protectora
E de todos a vossa guia.

Adeus, amor, que eu cá fico,
Com o coração em pedaços
E saudades de não te ver
Para te apertar nos meus braços.

Leopoldina Duarte

[Revisão e fixação do texto: L.G.]

2. O António Paiva desapareceu literalmente do nosso radar muiti antes de 2018... E há 99,9% de probabilidades de já ter morrido... Já em 2017 (e antes) os problemas de saúde o atormentavam, para além da solidão... Creio que foi por essa altura que falei com ele, ao telemóvel, e soube que estava a ser tratado no IPO de Lisboa. Tentei ajudá-lo com contactos.

Simplesmente, até agora ainda não encontrei nenhuma fonte, escrita ou verbal, que confirme a funesta notícia  da sua morte. O seu telemóvel deixou de tocar. O seu mail, antoniodpaiva@gmail.com, deixou de responder. O último mail que lhe mandámos dizia o seguinte_:

Assunto - O que é feito de ti, camarada ?
Data - 15/12/2018, 22:49

António: boa noite, precisamos...da tua prova de vida!... Vamos saber se este teu endereço de email ainda está ativo... Tudo OK ? Luís Graça


Ele tinha entrado para a Tabana Grande em 2008 (***). E quem mais lidou com ele foi o nosso coeditor Carlos Vinhal. 

No final de 2008 descobtriu-nos com grande alegria e entusiasmo e fez um esforço por melhorar as suas competências em matéria de literacia informática de modo a acompanhar-nos... Publicámos inclusive algumas das suas histórias, mais de uma dúzia (****).. Descobriu ainda, através do nosso blogue (e conviveu ainda com)  alguns dos nossos camaradas que prestaram serviço no HM 241 como o Manuel Freitas.

Fazia anos em 16 de dezembro, tendo nascido em 1946 (*****).



Lisboa, CulturGest > 13 de Maio de 2011 >  O António Paiva e a Giselda Pessoa numa aparição pública a propósito do filme "Quem Vai à Guerra", da jovem realizadora Marta Pessoa em cuja elenco entraram, além da Giselda, as nossas grã-tabanqueiras, Maria Arminda, Rosa Serra e Maria Alice Carneiro.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa(2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]

3. Conhecemo-nos pessoalmente, julgo eu, em 2011, na altura da apresentação do filme da Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra". Depois disso, a sua colaboração no nosso blogue tornou.se mais esparsa (******). Mas mandava-nos todos os anos as "boas festas"...até 2015.

Em 16 de dezembro de 2018, o nosso coeditor Carlos Vinhal escreveu a seguinte nota no seu último cartão de parabéns: 

(...) As últimas notícias que tivemos do nosso amigo António [Duarte] Paiva davam conta de que ele estava muito doente. Chegou a ir à Tabanca da Linha e a outros convívios. Vivia muito só. Telefonou em tempos ao nosso editor a pedir ajuda. Agradecemos desde já a quem nos possa actualizar o seu estado de saúde uma vez que não é possível aceder ao seu telemóvel. Talvez o Manuel Freitas, de Espinho, que organiza o convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau), nos possa dar alguma pista. Oxalá tenhamos hoje boas notícias do Paiva, mas o Juvenal Amado diz-nos que o nº de telemóvel que nós tínhamos até 2016, não está atribuído, o que é mau sinal.(...)

Também não tinha página no Facebook, não fazendo parte dos amigos da Tabanca Grande Luís Graça.  Em 30 de setembro de 2010, tinha mudado de endereço de email, alegadamenet por razões de segurança:

"Caro Carlos: Suspeitando de mãos alheias a entrarem no meu correio, me vi forçado a alterar o meu e-mail. Se algum camarada recebeu e-mail com escritos em meu desabono, ou mesmo servindo-se do meu mail para tal, agradeço que me informem, para que não fiquem a pairar no ar duvidas sobre a minha pessoa. Não enviar nada para o e-mail anterior." (...)

Tudo indica, infelizmente, que o António Duarte de Paiva nos tenha deixado definitivamente, sem tempo sequer para se despedir de todos nós.  Não tinha família nem amigos próximos. Não será caso virgem: ao perfazermos 17 anos de existência, há muitos camaradas de quem deixámos de ter notícias. Nalguns casos, como o do António Paiva, podemos temer o pior. (LG)

__________

Notas do editor:



(****) Vd. postes de:


24 de nvembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

13 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim

17 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3641: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (2): Aventura de Domingo

22 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3775: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Ir a Mansoa, não é perigoso?

20 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

20 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

5 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva ) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

17 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4203: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (6): É uma alegria a notícia de que se vai ser pai

28 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969

30 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4613: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (8): Pôr os pontos nos "is"

2 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4629: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (9): Dois pequenos amigos de quatro patas

30 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (10): Quando a missão não deixa ver

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (11): Quando a missão não deixa ver




20 de julho de 2011  > Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A Leopoldina Duarte, com fraca literacia, sabia versejar... O que me remete para a hipótese de ser alentejana de origem... E ter vindo cedo para a Grande Cidade... Se alguém tiver uma pista sobre o paradeiro do nosso António Paiva, que escreva aqui... Mas tudo sugere que tenha morrido, sozinho, sem família, sem amigos, numa cama de hospital... A triste sorte que tem calhado a muitos dos antigos combatentes. LG

Anónimo disse...

Manuel Freitas
3 mai 2021 17:22


Boa tarde Luís
Deixei de ter contacto com o Paiva a partir de Setembro de 2016, o telemóvel estava inativo, mandei, para o endereço que tinha dele, não obtendo resposta. Pedi ao pessoal de Lisboa informações dele mas, ninguém sabia dele.
A vida foi-lhe madrasta, a mudança de Viana do Castelo para Lisboa ou vice versa, não correu nada bem.
Mostrei-me disponível para o ajudar mas ele fechava-se muito.
Esteja onde estiver que esteja em paz.
Abraço

Manuel Freitas

Anónimo disse...

Juvenal Amado
3 mai 2021 20:45


Luís julgo que tenha morrido. Ele aparecia á minha filha mas a última vez foi buscar o meu livro. Já lá vão talvez 4 anos. Ele estava muito doente (cancro) e muito afectado a nível nervoso. Julgo que já estava em cuidados paliativos no IPO.

Anónimo disse...

Grande poema este, mas nem todos podem ter essa sorte.
Se o nosso Paiva fazia serviço no HM 241 em Bissau, ainda nos encontramos lá em Maio de 1969 quando fui internado em Psiquiatria.
Lamento, se é verdade, que tenha deixado este mundo.
Mas não se sabe.
Ab,
Virgilio