quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22311: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (21): Martins, o caçador de rolas

Enxalé 1972 – Entrada da Tabanca
Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2021, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), lembra a aventura do Martins, o caçador de rolas.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

21 - MARTINS, O CAÇADOR DE ROLAS

Os recursos alimentares no Enxalé não eram os melhores, dependíamos totalmente do Xime e eram muitas as dificuldades em transportar os escassos artigos alimentares de uma margem para outra do rio Geba, mas lá nos íamos desenrascando com o que nos chegava da Companhia, às vezes também conseguíamos um frango que comprávamos na tabanca e que o nosso "Espanhol" o assava não à moda da Guia, mas sim à moda de Barrancos de onde era natural. O local também era propício para que alguns dos nossos atiradores fazendo jus da sua pontaria, se dedicassem à caça das rolas com a melhor amiga, a G3. Foi o caso do Martins que de quando em vez lá ia arranjando uns petiscos.

Normalmente as caçadas eram efectuadas junto à bolanha virada para o lado do Geba e com poucos riscos de segurança associados. O Martins porém resolveu arriscar mais e entendeu ir à caça das rolas para a mata densa oposta à bolanha e que ficava numa zona mais perigosa e apesar dos meus avisos para que tivesse cuidado e não fosse para aquele lado do matagal, continuou a fazê-lo, mas não foi necessário ir para aquelas bandas muitas vezes para que os meus pressentimentos acontecessem.

Estava eu na área da cozinha à conversa com alguns dos nossos militares quando de repente se ouve o rebentamento de uma granada seguido de algumas rajadas de tiros. Inicialmente pareceu-me uma flagelação vinda daquela zona da mata e até pensei mandar para aquela área uma bazookada ou duas, quando alguém grita: "O Martins está no mato". Fiquei para não ter vida, lá levaram o Martins pensei. De imediato peço para 7 ou 8 elementos me acompanharem numa tentativa de localizar o Martins e possivelmente resgatá-lo. Havíamos percorrido umas duas centenas de metros, na nossa rectaguarda um elemento do nosso pelotão faz um disparo para nos alertar e grita que o Martins está no quartel.

Foi um alívio para mim, mas não acalmou logo a minha ira, nem sequer quis ouvir qualquer justificação do referido militar, só passados dois ou três dias fiquei a saber do que aconteceu. Depois de ter feito um disparo e quando se preparava para recolher uma ave abatida, o Martins ouve algumas vozes e apercebe-se que são alguns guerrilheiros, que possivelmente se preparavam para o agarrar. O Martins não perdeu a calma e instintivamente saca de uma granada de mão que tinha pendurada à cintura e atira-a na direcção de onde havia avistado os seus presumíveis captores e de imediato corre à procura de abrigo no quartel, estes fazem-lhe umas rajadas mas sem lhe acertar e assim o Martins salva-se de ser caçado e de eventualmente fazer um passeio até à Guiné-Conacri, ou de vir numa caixa de pinho até a Metrópole.

Um grande abraço para o pessoal da nossa Tabanca Grande.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé Nascimento, ninguém gosta de "estar preso"... Eram semanas e semanas, meses, a fio, dentro do "buraco"... às vezes uma saída para o mato até fazia bem à "saúde mental" do Zé Soldado... Mas comportamentos destes, como o do "Espanhol", de Barrancos, eram susceptíveis de pôr em risco a vida dos próprios e dos seus camaradas...

Mais uma história "edificante"...

A disciplina custa muito...Eu estive seis dias trancado em casa, em confinamento profilático, desde sábado passado... Telefonei para a Saúde 24, e zás!, chichi e cama!... 37.9 de febre, e diarreia, alto lá, que pode ser Covid!... .Mas eu (e a minha mulher) estou duplamente vacinado, desde princípios de maio. Com a Phizer... Não há mas, nem meio mas, já para o quarto!...

Lá fui fazer o teste, aqui a 50 metros de mim, no Centro de Covid, de Lourinhã. Não há serviço ao domícilio. Faça o favor de vir cá, pode ser até em roupão e de carro...

Desço à garagem e faço 50 metros para fazer o teste... Drentro do carro, na rua...KL
a a ET da enfermeira, muito simpática e querida... E alá, moço, que se faz tarde... 24 horas depois, terça feira à tarde, recebo a mensagem do Laboratório: O Germano de Sousa (o homem mais poderoso deste país, neste momento) mandava-me dizer que o resultado era negativo...

Só podia ser!...Só tive uam vez 37,9, depois a febre normalizou... Mas só agora mesmo tenho, técnica e legalmente alta... Ufff!!!... Estou livre, gritei.

Infelizmente anda muita gente na rua, que devia estar em casa... Mas eu reconheço que não é fácil sozinho em casa, depois de ano e tal de pandemia... (E para mais com o mar aqui a 2 km.) Tal como na Guiné, no nosso tempo, há hoje muitos "apanhados do clima"...

Que os bons irãs nos protejam!

PS - Gostei dessa, do "Espanhol", alcunha de um português de Barrancos... Só há uns fui lá de propósito, fica longe para burro... A maior parte dos portugueses não faz ideia onde fica... Era como o Freixo de Espada à Cinta, lá no cu de Judas... Tambémsó lá fui há uns anos atrás...E que bela surpresa!...

Valdemar Silva disse...

Nascimento
Pelo que vemos na fotografia, o abrigo, espaldão do morteiro e bidões quer dizer que o quartel da tropa estava misturado com as moranças da tabanca, então ainda havia arame farpado envolvente perto dos miúdos na brincadeira?
Vá que ainda havia abrigo/instalações, a minha CART.11 no destacamento de Guiro Bocari tínhamos a vala e o arame farpado envolvendo a tabanca junto com as nossas tendas de campanha (fornos!!) para instalações e dormir a partir das 11 horas da noite.
O resto foi o "Espanhol" estar convencido que podia andar à caça na Guiné em guerra, sem que muito provavelmente ser caçado. Valeu-lhe a granada de mão e estar próximo da tabanca.

Caro Luís, os 37,9 de febre é para meninos que nunca tiveram paludismo à séria.
Rápidas melhoras, está a chegar o verão com a praia e o mar à espera ....e a boa comidinha
da Senhora cozinheira com estrelas mechelin, mabor, pirelli e restante firmamento. Rápidas melhoras.

Abraços e saúde da boa
Valdemar Queiroz