Major inf Humberto Trigo de Bordalo Xavier, natural de Lamego (c. 1942-2024). Foto: cortesia de Joaquim Mexia Alves e da Associação de Operações Especiais
(i) O saudoso Victor Alves (1949-2016), que foi, no seu tempo, fur mil SAM na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73), escreveu sobre ele o seguinte:
Foram vários os factores que contribuiram para isso. Porém, o grande causador disso terá sido a vinda, para a CCAÇ 12, do Cap Humberto Trigo Bordalo Xavier, oriundo das Operações Especiais, e amigo pessoal de Spínola.
Ele soube muito bem provocar uma aglutinação e consequentemente uma união entre todos, ao ponto de estabelecer uma messe e bar para todos os militares da companhia oriundos da metrópole, sem distinção de posto...
Foi, na minha óptica, eata a principal razão da nossa união. Eu, por exemplo, como vagomestre e sempre que havia uma operação, por exemplo com saída às 4 da manhã, lá estava a dar pequeno almoço, pão quente e café à rapaziada que seguia. Assim como, mal regressassem, por exemplo, às 3 da tarde, tinham sempre a refeição com meio frango ou meio bife com acompanhamento à sua espera...
Foi isso que o Capitão pediu e foi isso que se fez. É evidente, dentro dos limites da guerra. Com fomos todos em rendição individual, nem sempre nos encontros conseguimos reunir todos, alguns já faleceram, outros emigraram e outros não vão porque... não.
Este ano conseguimos trazer mais duas presenças novas o que foi maravilhoso, foram eles o cabo radiotelegrafista Andrade, de Caldas da Rainha, e o cabo cripto Simões, de Lisboa. Isto quer dizer que não nos víamos há 37 anos, portanto foi muito bom.(...)
(ii) Joaquim Mexia Alves:
O Cap Bordalo Xavier, meu particularissimo amigo, é e foi na Guiné um homem de extraordinárias relações humanas, para além de um fantástico operacional, que conseguiu uma união notável com todo o pessoal, não só da CCAÇ 12 mas de outras unidades, como o meu 52.
Reside em Lamego, é major, obviamente na reserva, e é a alma da Associação de Operações Especiais. Infelizmente há muito que não contacto com ele, mas quero fazê-lo brevemente.
Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo à frente do Hotel das Termas e vejo para um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o Cap Bordalo.
Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado. A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.
Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao capitão para vir à rcepção por um motivo qualquer. Quando nos vimos, literalmente num abraço como que lhe peguei ao colo, (o Cap Bordalo Xavier é bem mais baixo do que eu, o que não é de espantar), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados.
O hall do Hotel estava cheio de gente que ficou muito espantada de me ver assim abraçado a um homem de barbas. Foi dos encontros mais emocionantes da minha vida!!! (...) (***)
(...) "Quando estava no Pel Caç Nat 52, junto a Bambadinca, tinha uma forte ligação à CCAÇ 12, não só operacional mas de amizade com todos eles, especialmente o Capitão Bordalo e os seus Alferes, de que infelizmente neste momento não me lembro do nome de nenhum.
"Para além das operações e outras actividades que íamos fazendo, sobrava-nos tempo para algumas loucuras, resultantes de algum cacimbo e do cansaço provocado pelo stress permanente, e por alguma incompetência, de quem deveria ser competente.
"Entre algumas de que lembro, fomos uma vez à noite, o Capitão Bordalo Xavier, os seus Alferes e eu, armados até aos dentes, de Unimog jantar ao Xime, pela estrada de todos conhecida e que naquela altura só se fazia em coluna protegida, mercê das emboscadas que nela tinham acontecido.
"Quando regressávamos, num alarde a roçar a loucura, talvez também ajudados por uns uísques, parávamos na estrada, no sítio das emboscadas, e voltados para a mata, aliviámos as bexigas.
"Foi um momento hilariante, mas muito intenso, que nos uniu ainda mais na amizade e companheirismo" (...). (****)
(iii) António José Pereira da Costa
Já fui a Lamego e tive dificuldade de comunicar com ele por estar completamente surdo. Encontrei-o no Clube de Lamego na sua paixão (jogar bridge).
Fui agradecer-lhe a ajuda que me deu no dia 10 de agosto de 1972, quando morreram 3 soldados da CART 3494. Os detalhes deste acontecimento estão no meu livro "A Minha Guerra a Petróleo" (Ed Chiado Books, fev 2019). (...)
Não tendo vantagem em ficar à beira do rio e debaixo de chuva torrencial, acabámos por "ser autorizados" a dirigirmo-nos a Bambadinca num percurso extremamente difícil pela bolanha. A certa altura começámos a ver uma luz para nos orientarmos. Era o Bordalo que, com um pequeno grupo da CCaç 12, trazia um petromax à cabeça para evitarmos as áreas mais alagadas.
Realizámos (a CART 3494) uma acção ("Garlopa II") com a CCAÇ 12, para Sul da zona da Ponta Varela. Fomos pela 2.ª vez a uma área que o In ocupava, usando a população como escudo humano. A CCAÇ 12 desceu pelo nosso lado direito em direcção ao Sul e, terminada a acção, retirámos pelas mesmas posições. Já no final houve um ligeiro contra-ataque sem consequências.
Sei que participou no 25 de Abril, mas não sei em que moldes. Depois de Abril, encontrámo-nos em Coimbra quando os oficiais da guarnição do Norte vieram pôr-se às ordens do brigadeiro Charais e alguns anos no breve contacto no Estado-Maior do Exército.(...)
O saudoso cap inf op esp QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier , natural de Lamego, no TO da Guiné, foi comandante de: (i) CART 3359 (Jumbembém, 1971/73),, subunidade do BART 3844, "Bravos e Sempre Leais" (Farim, 1971/73; (ii) CCÇ 12 (Bambadinca, c. 1972); e CCAÇ 14 (Cuntima, c. 1973).
A Ordem da Liberdade, criada em 1976, destina-se a "distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação da Pessoa Humana e à causa da Liberdade". (*****)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25169: In Memoriam (495): major inf ref Humberto Trigo de Bordalo Xavier, ex-cap op esp QEO, CART 3359 (Jumbembém, 1971), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1972) e CCAÇ 14 (Cuntima, 1973); era natural de Lamego (c. 1948-2024) (Joaquim Mexia Alves)
(**) Vd. poste de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1832: Convívios (15): CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971-73), 2 de Junho de 2007, Azeitão: o 34º encontro anual (Victor Alves)
(*****) Vd. poste de 18 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24411: (In)citações (250): Sou amigo do ex-cap QEO Bordalo Xavier, ex-cmdt da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72); fui a Lamego pagar-lhe uma dívida de gratidão; sei que participou no 25 de Abril de 1974 mas não sei qual foi o seu papel (António J. Pereira da Costa, cor art ref)
15 comentários:
São Victor , que estás lá no céu, foi um caso bem raro, na nossa Guiné, em que nos nossos quartéis era como nas antigas cortes régias: nobreza (oficiais), clero (sargentos) e povo (praças)... Nada de misturas!
Só por isso o Xavier Bordalo merecia estar aqui connosco!... Ele remou contra a maré! Soube criar espírito de corpo!... Soube ser líder (que é aquele que vai à frente mostrando o caminho)...
BOMBEIROS DE LAMEGO | ESTAMOS DE LUTO
Página do Facebook, 13 fev 2024 | 11:14
https://www.facebook.com/ahbvl?locale=pt_PT
…A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lamego, cumpre o doloroso dever de participar o falecimento do nosso ex- Comandante, Sr. Major HUMBERTO TRIGO DE BORDALO XAVIER.
...partiu mais um dos Nossos...Homem de «H» Grande... Ser Humano de Excelência.
...Obrigado Sr. Major Bordalo...por toda a amizade que tinha por esta Instituição...aonde serviu com toda a sua Competência , Zelo e Empenhamento o Corpo de Bombeiros da nossa Associação…
…Sentidas Condolências a toda a Família…e um Forte Abraço de conforto.
...Sr. Cmdt. Major Bordalo , ficará para sempre vincado nos nossos corações.
…Paz à Sua Alma
…ATÉ SEMPRE CMDT. MAJOR BORDALO
............O Comandante ............. O Presidente da Direção
João Nuno Ferreira Carvalho....... Hélder João Pereira dos Santos.
De facto, fez uma comissão de serviço em Angola, em meados dos anos 60, como cap mil grad inf, na 1ª Companhia (mais tarde, CCAÇ 211), do BCAÇ 3, unidade de guarnição normal (que apartir de 1abr67 passou a designar-se por BCAÇ 12).
De: Joaquim Alves
Date: quarta, 14/02/2024 à(s) 13:23
Bom dia, Carlos
Obrigado.
Não tenho a ideia quando nasceu mas era bem mais velho do que eu pois até já tinha feito uma Comissão, salvo erro em Angola.
Deveria ter muito perto de 90 anos, se não mais.
De 1948 como está no blogue é que não era de certeza absoluta.
Um abraço
Joaquim
Fui um dos militares " fundadores" da CCaç 14 . Não conheci pois o Sr major Bordalo Xavier.
Já tinha reparado que a sua data de nascimento indicada no blogue devia estar enganada.
Tive oportunidade de escutar de viva voz elogios sinceros à sua actuação enquanto comandante daquela unidade militar, proferidos por camaradas guineenses residentes em Lisboa e que depois de mim continuaram na 14 e serviram sob as ordens do Sr. Major.
À sua família e amigos apresento as minhas sentidas condolências.
Abraço
Eduardo Estrela
Descanse em Paz.
Nasceu em 3/5/935
Ref Lista antiguidades
Gabriel Tavares
Sentidos pêsames à família enlutada do Sr. Major Bordalo Xavier. Também tive um comandante na altura capitão e do quadro permanente hoje Coronel reformado comandante da c caç 557 de nome João Luís da costa Martins Ares, que também pensava e agia como o Sr Major Bordalo Xavier e enquanto estivemos no mato a messe era única oficiais sargentos e praças inclusive para a secção de milícias, deu-se o caso quando ele esteve o mês de férias na metrópole o 2º comandante, nesse curto espaço de tempo criou como era da praxe a messe de oficiais e sargentos, logo que ele regressou encontrou a ordem interna alterada, e as queixas dos seus soldados. Reuniu com o 2º comandante deu-lhe aquilo que nós chamava-mos na gira uma "pixada" que não tinha nada que alterar o que ele tinha determinado e voltou tudo à primeira forma messe única no quartel do Cachil.
... à atenção do editor:
O nome correcto é Humberto Trigo de Bordalo Xavier.
Como já referi no post anterior, conheci o Capitão/Major em Maio de 1969 quando nos foi render em Jumbembem como Comandante da CArtª 3359.
O Estrela já não estava na Guiné, mas sim na Metrópole, pois os velhinhos da 14 regressaram em Março de 71
Condolências à família
Paz à sua alma
Carlos silva
Carlos, sê bem aparecido!... Esta CART 3359 parece ter tido uma vida calma em Jumbembem... Ou não? ! Luis
O papel de um comandante operacional no mato, na Guiné, não era fácil. CO modelo se diz no Norte, tinha que seraio 'pai e patrão"... O comermos todos a mesa tinha algo de forte mente simbólico. ..Mas era de todo impossível numa companhia metropolitana com 150/160 homens, vivendo em grande promiscuidade, em buracos... Numa africana, era mais fácil, só com os "tugas"... Aqui era impossível haver "comunhão de mesa" (=companheirismo) por causas dostabus alimentares (pelo que as praças eram desarranchadas).
O papel de um comandante operacional no mato, na Guiné, não era fácil. CO modelo se diz no Norte, tinha que seraio 'pai e patrão"... O comermos todos a mesa tinha algo de forte mente simbólico. ..Mas era de todo impossível numa companhia metropolitana com 150/160 homens, vivendo em grande promiscuidade, em buracos... Numa africana, era mais fácil, só com os "tugas"... Aqui era impossível haver "comunhão de mesa" (=companheirismo) por causas dostabus alimentares (pelo que as praças eram desarranchadas).
Companheiro, do latim "cum + pane", o que come o mesmo pão à mesa... Podíamos (e fomos) camaradas mas nunca (ou raramente) companheiros. Três messes separadas, em plena guerra, no mato (pelo menos nas sedes de batalhão) diz tudo...
O Estado Novo era "classista", o nosso exército "classista" também...
Em relação ao falecimento deste Homem, tive a oportunidade de endereçar os meus pêsames à família, logo que li o texto de conhecimento e homenagem que o Joaquim Mexia Alves produziu.
Em relação ao comentário que o Luís Graça produz acima devo dizer que essa "separação de classes" era corrente.
Não era visto "com bons olhos" que Alferes convivessem com Furriéis e uns e outros com Soldados.
Seria como que uma diluição de "autoridade".
Tive alguns episódios motivados por situações dessas.
A primeira, logo depois da chegada a Piche onde fui encarregado de chefiar o Posto do STM desse comando de Batalhão que, na ocasião, era o BCAV2922, alojei-me no pequeno edifício do STM, anexo à viatura do serviço e nesse edifício era também camarata dos operadores. Tal não foi bem visto pela Chefia do Batalhão mas aceitaram como medida para disciplinar o pessoal com controlo mais apertado.
Uma outra situação sucedeu num dia em que tinha um operador de férias e 2 comm paludismo e nessas circunstâncias disponibilizei-me para aliar a carga horária fazendo eu próprio um dos turnos. De manhã cedo o Comandante mandou chamar-me para qualquer coisa que agora não recordo e como tinha saído do turno demorei mais um pouco do que seria natural a apresentar-me, de tal modo que o Comandante inquiriu sobre essa minha demora (coisa inferior a 5 minutos.... só que não foi de imediato!) e tendo eu explicado o porquê do atraso, dizendo que não tinha pessoal disponível palas razões que acima indiquei, ele retorquiu desaprovando e dizendo que eu "não estava ali para trabalhar mas sim para disciplinar".
Hélder Sousa
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