OUTRAS FESTAS NATALÍCIAS
NATAL – UMA ÉPOCA MÁGICA[1]
Juvenal Amado
Naquela casa, pouco mais que remediada, o Natal era celebrado com grande alegria. Na altura a árvore era enfeitada de algodão e bugalhos pintados com purpurinas douradas e prateadas, alguns chocolates seriam pendurados mais próximo da data. Na antevisão das prendas não se sonhava com as grandes e inacessíveis montras das lojas que ofuscavam com o brilho e cores.
Tanta coisa que soava a agressão, para quem não podia reclamá-las.
A mãe fazia os fritos de abóbora, a batata doce frita em rodelas envoltas em açúcar e canela e uns bolinhos também fritos a que chamam hoje carolinas.
Era uma azáfama com que se preparava o festejo.
Comiam carne pois de bacalhau estavam fartos, eventualmente havia laranjada, bebia-se café de cevada e petiscavam os fritos e bolinhos.
As crianças deitadas agitadas mal dormiam para ir ao sapatinho onde as esperavam as alegrias que o menino Jesus lá tinha deixado - e também desilusões.
O comboio tinha ficado nalguma estação e a boneca tinha ido parar por engano a outra casa. A título de justificação o pai e mãe diziam que iam ver como tal tinha acontecido.
O pai fazia a maior parte dos brinquedos às escondidas. Pistolas e espingardas, camas e guarda-roupa para as bonecas. Era tudo lindo, a que se juntava uns lápis e chapéus de chocolate.
O tempo foi passando e, na vez de brinquedos, começaram a receber umas meias, uns sapatos, uma mala para a escola – material que há muito fazia falta. Rapidamente se passou dos brinquedos para as necessidades mais prementes.
Os Natais foram melhorando em função dos filhos que logo que saídos da escola iam trabalhar. Perdia-se a magia em troca de mais alguns bens que se podiam comprar.
Para o filho mais velho o Natal teve mais tarde outro significado, que foi o da saudade, quando em África passou três Natais seguidos.
O tempo corria lento e pesado, o suor corria denso encharcando o caqui nas longas noites de serviço ou em patrulhas esgotantes e perigosas. Não pensava no regresso pois era doloroso, embriagava-se e espantava assim a melancolia junto com os camaradas. Para casa escrevia que tinha sido bom e que estava bem.
Em Abril de 74 regressou a casa. Para trás ficou um muro de recordações de bons, assim-assim e inesquecíveis maus momentos.
Perderam-se os convívios, os calores humanos, tinha regressado - mas nunca totalmente. O que se perdeu lá ficou no passado por vezes sangrento, feito de medo e solidão, que hoje será coragem.
Casou, teve filhos e finalmente reviu-se nos Natais passados ao assistir à agitação dos mais pequenos na antevisão das prendas no sapatinho.
E a magia voltou a acontecer.
17 de Dezembro de 2024
Juvenal Sacadura Amado
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Notas do editor
[1] - Com a devida vénia ao Blogue da Tabanca do Centro
Último post da série de 18 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26285: Desejando Boas Festas, Feliz Ano Novo de 2025, e aproveitando para fazer... prova de vida (7): Mensagens natalícias de José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381; Grã-Tabanqueiro José Carlos Mussá Biai; Grã-Tabanqueiro Patrício Ribeiro, fundador da Impar em Bissau e Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil da CART 1659
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
JUVENAL , muito bonita apresentação e lembranças. Em poucas linhas está tudo dito.
Em muitas dessas passagens também me revejo, quando as prendinhas eram miniaturas de plástico de carrinhos.
Depois andava com eles pelos cobertores da cama, a arranjar caminhos para passear.
Mais tarde uns chocolatinhos ou rebuçados..
Não me lembro de mais nada.
O jantar não sei de quê, talvez de bacalhau, e algumas rabanadas e aletria!
Cada um tem as suas lembranças, as minhas são estas.
E se não me lembro foi porque não havia mais.
Estas gerações agora querem sapatilhas de marca, telemóveis de ultima geração, e alguns ainda sonham com carros, se possível de alta cilindrada.
Obrigado Juvenal, por me trazeres à minha longa infância, pois na guerra , eu nasci em 43, faltava tudo, incluindo o vil metal.
VT.
Bela texto Juvenal.
A batata doce frita em rodelas envoltas em açúcar e canela, nunca tinha ouvido falar.
A minha criancice foi tramada, lembro-me de um cigarro de chocolate envolto em prata vermelha e pouco mais.
Bom Natal e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Obrigado pelo texto Juvenal! Um bom Natal para ti e para a tua família. Um bom Natal para os que incorporam este lugar de memórias. Como diz o Virgílio, foi um regresso às recordações duma época com muitas dificuldades.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
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