Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 3 de dezembro de 2005
Guiné 63/74- P312: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros (Virgínio Briote)
Guiné > Brá, Outubro de 1975.
O Governador, General Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Saraiva (atrás) passam revista ao Grupo de Comandos Vampiros.
© Virgínio Briote (2005)
É um privilégio reunir nesta tertúlia três veteranos da guerra da Guiné. E mais do que isso, três mosqueteiros dos "velhos comandos" dos primeiros anos de guerra (1963/66). Estou referir-ne, por ordem cronológica de chegada a esta tertúlia, aos milicianos Virgínio Briote (alferes), Mário Dias (2º sargento) e, agora, João Parreira (furriel). Este é o mais recente membro da nossa tertúlia. Pedi aos dois primeiros para o apresentarem. Aqui ficam as palavras destes três sábios guerreiros que, contrariamente a muitos de nós, foram voluntários e conheceram a Guiné, de lés a lés. O Mário, inclusive, participou na mítica batalha da Ilha do Como (1964).
1. Mensagem do Virgínio Briote:
Caro Luís,
O Diário da Guiné do Abel Rei, uma visão da guerra em Porto Gole, no Xime, no Enxalé, escrita por uma alma lavada. Os elementos sobre a Guerra, do Jorge Santos, tão úteis para melhor compreender aqueles tempos. E a professora de Samba Culo, na "visita" que o Coronel Marques Lopes lhe fez!
E, de súbito, uma explosão, Luís! E tantas mais histórias escritas, muitas com sangue, nosso e deles, um desperdício de vida. Uma guerra só com uma saída, o arriar da bandeira em Mansoa, pelo Magalhães Ribeiro.
E agora pede para entrar o João Parreira, uma das lendas vivas dos velhos comandos de Brá. Andou pela Guiné toda, viu camaradas a morrer mesmo ao lado dele, foi evacuado no mesmo heli que transportou para Bissau o corpo do Furriel Morais. E tanta coisa que o João pode contar, se quiser!
Guiné > Brá > Outubro de 1965 > a 16ª Companhia de Comandos em parada.
© Virgínio Briote (2005)
Luís, parabéns pela obra que estás a erguer. Ninguém ainda a tinha feito desta forma, sem recriminações, sem bons e maus. Apenas combatentes, de um lado e doutro. Com mais ou menos vontade, uns e outros cumpriram a missão de que os encarregaram.
Um abraço a todos os camaradas, vb.
Nota de L.G. - Há dias, em finais de Novembro, o V.B. mandou-me "mais algumas fotos daqueles tempos de 65 a 67". E mais disse: "Estou a juntar os papéis e a passar para português algumas memórias que estavam emaladas. À medida que estejam ordenadas, vou enviando para o fora-nada". São mais outras prendas de Natal para os nossos tertulianos!
2. O Mário Dias, por sua vez, diz-me que "a história da batalha Como [em 1964] está em andamento. Faltam apenas algumas datas exactas em que os factos ocorreram e a elaboração de um croquis com o máximo de pormenores que ainda consiga recordar. Ainda vai ser este ano". Camarada Mário, a nossa tertúlia não podía ter melhor prenda de Natal!
3. Por fim, o João Parreira:
Portugal - Guiné – 1963/66
Camarada Luís Graça
Como o tempo passa, e é bem certo!
Ainda hoje, já velhote, recordo, como se os acontecimentos tivessem sido ontem. Também não tenho outra alternativa pois as marcas com que fiquei no corpo não me fazem esquecer.
Sou de opinião que todos nós, que passámos pelo Ultramar naqueles tempos conturbados, tem a sua própia estória para contar, e é bom que assim seja.
Guiné > Brá, Outubro de 1975.
O Governador, General Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Rubi (atrás) recebendo honras militares dos comandos em parada.
© Virgínio Briote (2005)
Eu não sou um bom exemplo, pois demorei 40 anos a decidir-me, e talvez por isso me tenha excedido um pouco, quer em pormenores pessoais, quer em descrições, algumas delas (e tanto quanto é do meu conhecimento), julgo serem as primeiras a ser divulgadas no que se referem ao Comandos formados na Guiné, mas se não fosse o excelente blogue do Camarada Luís Graça, talvez nunca o tivesse feito.
Decorria o ano de 1964, e tendo acabado de tirar o Curso de Operações Especiais em Mafra e em Penude (Lamego), sob o Comando do Tenente-Coronel Flamínio Machado da Silveira, fui um dos primeiros militares, em 6 de Setembro de 1964, a apresentar-se ao Ten. Cor. José da Glória Alves, Comandante do Batalhão de Artilharia 733, que se estava a formar no RAL 1, em Lisboa.
Como os praças estavam a começar a chegar, vindos das várias unidades do país, deu-me a oportunidade de os escolher e dar treino, para assim serem integrados na Secção que mais tarde iria liderar nas matas de uma das nossas Províncias.
Entretanto, um parente meu, Oficial do Exército, decidiu que eu não devia ir para o Ultramar (talvez por o filho ter sido ferido na Pedra Verde, em Angola) e que, quando chegasse a altura, teria um lugar à minha disposição na Secretaria do respectivo Ministério.
Ouvidos moucos, pois só lhe comuniquei a minha mobilização no dia do embarque (8 de Outubro de 1964).
Algumas semanas em Bolama com a minha Companhia, a [CART] 730, cerca de um mês no K-3 e ainda em Bissorã, com nomadizações e operações com algumas peripécias, apesar de tudo achei que não foram maus. O pior veio depois.
Em 6 de Janeiro 1965, cerca das 03H00, numa operação em Catancó (Olossato)(1), fui ferido com estilhaços de granada, bem assim como três outros camaradas, entre eles um praça e o meu Comandante de Pelotão que devido à gravidade tiveram que ser evacuados.
Na presença do Capitão, que tinha ficado com 3 pelotões em Cancongo a aguardar o nosso regresso, atribui-lhe as culpas, pois antes tinha discordado com a ordem que nos tinha dado, mas não quis ver a imprudência e puxou pelos galões.
Assim, rodeado por labaredas às quais fui alheio, decidi que devia sair da Companhia e, sem olhar a possíveis consequências, comuniquei-lhe de imediato que ia tomar as devidas providências para ir para Brá, para os Comandos.
Tinha já tomado conhecimento que em 28 de Novembro de 1964 no regresso de uma operação uma viatura do Grupo "Fantasmas" tinha sofrido o rebentamento de uma engenho explosivo na estrada de Madina do Boé – Contabane (1), perto do pontão do Rio Gogibe, tendo-se incendiado, o que originou a morte de oito Comandos, entre eles o Furriel Artur Pereira Pires (a quem fui substituir) e dois feridos graves.
Tal como era a minha intenção, e com a devida autorização segui em Fevereiro para Brá, onde me apresentei ao respectivo Comandante, Major Inf Cmd. António Dias Machado Correia Dinis que me comunicou que ia ser desde logo integrado no Grupo “Fantasmas”,que se encontrava reduzido, e nele participei em todas as operações até à sua extinção.
No mesmo Grupo fui ferido em mais duas operações, uma em 20 de Abril [de 1965], cerca da 01H00 após o regresso de uma operação na zona de Incassol (3)
O Grupo encontrava-se estacionado junto à CCAV 703 que se encontrava a guardar o perímetro, quando repentinamente fomos atacados.
Deste ataque a Companhia sofreu oito feridos (três deles graves) e os “Comandos” quatro feridos sem gravidade.
Noutra operação, a 6 de Maio, efectuada a um acampamento situado na mata a SW de Catungo (Cacine), em que foi capturado grande quantidade de material de guerra e sanitário, o Grupo (reduzido a 22 homens) teve 10 feridos, entre eles o Capitão de Artilharia Nuno José Varela Rubim que mais tarde ficou a comandar a Companhia de Comandos.
Em virtude de ter sido ferido com alguma gravidade fui evacuado de heli para o Hospital Militar em Bissau, bem assim como um grande amigo e camarada, o Furriel Joaquim Carlos Ferreira Morais, que, infelizmente, faleceu a meu lado e do qual ouvi a última palavra.
Como era amparo de mãe, e não tinha meios financeiros, teve que ser feita uma subscrição a fim de se angariar fundos para que o corpo pudesse regressar a Portugal.
Com a extinção do meu Grupo, que estava reduzido a pouco mais do que meia dúzia de homens fui integrado num dos dois restantes, os "Camaleões", os quais também acabaram por desaparecer, tal como o outro, os "Panteras", devido a muitos dos seus elementos terem terminado a comissão e estarem a aguardar o embarque.
Deste modo deixaram de existir os três primeiros Grupos de Comandos formados no 1º Curso e tornou-se necessário criar o 2º. Curso, no qual participei.
Tendo terminado o Curso deslocou-se a Brá, o Governador da Guiné, o Comandante-Chefe General Arnaldo Schultz, a fim de, em cerimónia oficial, nos colocar no peito os respectivos crachás.
Na mesma altura foram-nos entregues os restantes distintivos. Fui integrado então num dos quatro novos Grupos, os "Apaches".
Com o regresso a Portugal do Capitão Rubim, em Fevereiro 1966 ficou a Comandar a
Companhia de Comandos o Capitão de Artilharia José Eduardo Martinho Garcia Leandro, que até à data estava a comandar a Companhia 640, estacionada em Sangonhã.
Em Março de 1966 deu-se ainda início ao 3º. Curso, destinado a completar os Grupos existentes que já se encontravam desfalcados.
Para este Curso apresentaram-se um 2º Sargento, um Furriel e 18 praças. Fiquei nos "Apaches" também até à sua extinção, uma vez que chegaram a Brá, em 30 de Junho de 1966, os primeiros Comandos formados em Portugal, comandados pelo Capitão de Infantaria Comando Álvaro Manuel Alves Cardoso.
Apesar de todas as vicissitudes por que passei, em 19 de Agosto de 1966, pisei finalmente o solo da nossa Pátria.
Muitas vezes dou por mim a pensar se teria valido a pena o sacrifício e o sangue derramado, e se não teria sido melhor ter aceite a oferta e ter ficado na Secretaria, em Lisboa.
João Parreira (ex-Furriel Miliciano Comando)
(Sassoeiros-Carcavelos)
____________
Notas de L.G.
(1) Catancó, a noroeste de Olossato, 015°20'W 12°22'N,vd. carta da Guiné, 1961.
(2) Em Contabane, no sudoeste da Guiné, a estrada que vinha de Madina do Boé, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, fazia depois a ligação com Xitole (a norte) e a Aldeia Formosa (
(3) Incassol, na margem esquerda do Rio Corubal,em frente a Candoea Beafada (na margem direita), entre o Xitole (a leste) e Fulacunda (a oeste). Vd. a Carta da Guiné e a Carta do Xitole: 14° 55' 60W 11° 43' 60N
sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P311: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970: Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos Marques e Henriques da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor).
Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (do 4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, a 13 de Janeiro de 1971, a um mês e meio da sua rendição individual.
O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de conhecido comerciante na cidade de Cascais (1).
© Luís Graça (2005).
Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
13 de Janeiro de 1971.
E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…
A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.
Foi então que se produziu um curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem entra num mundo desconhecido.
Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada uma mina. Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finete, regulado do Cuor > 1969 ou 1970: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete (na margem direita do Gerba Estreito, entre Bambadinca e Missirá)
Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) Samba Só e o Soldado Umarú Baldé, o puto, apontador de morteiro 60 (na foto, de pé, fumando o seu inseparável cachimbo; na época teria 16 anos).
© Luís Graça (2005)
Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.
- Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru, o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo de fula, filho de régulo. A primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar de homem grande.
___________________________________________________________________
Bissorã> Estrada Bissorã-Olossato > Elemento da CCAÇ 13 levantando uma mina
Segundo o nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página dedicada à CCAÇ 13 - Os Leões Negros, trata-se de "uma mina anti-pessoal/anti-carro (as minas exclusivamente anti-pessoal eram muito mais pequenas e a sua explosão provocava normalmente a perda de um pé)".
Pelo contrário, esta, com uma carga de cerca de 5 kgs de TNT, "se detonasse o que restaria do infeliz, caberia numa caixa de fósforos, e a sua explosão colocaria uma viatura em cima de uma árvore"...
Foi "detectada por um elemento da população que quase a fez detonar". Como se pode ver na foto, a mina está montada numa caixa de madeira e utiliza um sistema de detonação em que parte dos componentes é feita em plástico. A madeira permitia "fazer minas de custo mais baixo e com maior facilidade", embora com o risco de "apodrecer se ficar na terra muito tempo". Tinha ainda "a vantagem de ser mais difícil de encontrar pelos detectores de metal (o exercito português tinha poucos detectores de metal, o seu detector era um ferro afiado que se espetava no chão com cuidado, se batesse em algo sólido era provavelmente uma mina)" (...). "Provavelmente tratava-se de uma anti-carro S 47/53, de origem russa".
© Carlos Fortunato (2005).
___________________________________________________________________
O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.
Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.
Trágica ironia a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, havíamos disputado amigavelmente o "lugar do morto".
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...
Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob o um dos rodado duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel. Outra puta de mina, não detectada pelos nossos picadores, fora accionada, na berma da estrada, às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos metros da anterior.
Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa que ia buscar, a Bambadinca, o almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. O Furriel Fernandes ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade (2).
Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.
As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e sob o matraquear das costureirinhas e das kalash.
Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós…
É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder mais um segundo, para logo seguir de imediato para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.
Talvez mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover é o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra. É uma corrida louca, esta, na fronteira indefinida que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos...
_____________________
(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
(2) Trata-se do mesmo Luís Moreira, que é membro da nossa tertúlia. O ex-alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817, é hoje professor de matemática do ensino secundário, "à beira da reforma".
Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (do 4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, a 13 de Janeiro de 1971, a um mês e meio da sua rendição individual.
O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de conhecido comerciante na cidade de Cascais (1).
© Luís Graça (2005).
Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
13 de Janeiro de 1971.
E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…
A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.
Foi então que se produziu um curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem entra num mundo desconhecido.
Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada uma mina. Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finete, regulado do Cuor > 1969 ou 1970: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete (na margem direita do Gerba Estreito, entre Bambadinca e Missirá)
Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) Samba Só e o Soldado Umarú Baldé, o puto, apontador de morteiro 60 (na foto, de pé, fumando o seu inseparável cachimbo; na época teria 16 anos).
© Luís Graça (2005)
Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.
- Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru, o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo de fula, filho de régulo. A primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar de homem grande.
___________________________________________________________________
Bissorã> Estrada Bissorã-Olossato > Elemento da CCAÇ 13 levantando uma mina
Segundo o nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página dedicada à CCAÇ 13 - Os Leões Negros, trata-se de "uma mina anti-pessoal/anti-carro (as minas exclusivamente anti-pessoal eram muito mais pequenas e a sua explosão provocava normalmente a perda de um pé)".
Pelo contrário, esta, com uma carga de cerca de 5 kgs de TNT, "se detonasse o que restaria do infeliz, caberia numa caixa de fósforos, e a sua explosão colocaria uma viatura em cima de uma árvore"...
Foi "detectada por um elemento da população que quase a fez detonar". Como se pode ver na foto, a mina está montada numa caixa de madeira e utiliza um sistema de detonação em que parte dos componentes é feita em plástico. A madeira permitia "fazer minas de custo mais baixo e com maior facilidade", embora com o risco de "apodrecer se ficar na terra muito tempo". Tinha ainda "a vantagem de ser mais difícil de encontrar pelos detectores de metal (o exercito português tinha poucos detectores de metal, o seu detector era um ferro afiado que se espetava no chão com cuidado, se batesse em algo sólido era provavelmente uma mina)" (...). "Provavelmente tratava-se de uma anti-carro S 47/53, de origem russa".
© Carlos Fortunato (2005).
___________________________________________________________________
O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.
Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.
Trágica ironia a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, havíamos disputado amigavelmente o "lugar do morto".
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...
Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob o um dos rodado duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel. Outra puta de mina, não detectada pelos nossos picadores, fora accionada, na berma da estrada, às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos metros da anterior.
Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa que ia buscar, a Bambadinca, o almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. O Furriel Fernandes ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade (2).
Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.
As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e sob o matraquear das costureirinhas e das kalash.
Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós…
É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder mais um segundo, para logo seguir de imediato para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.
Talvez mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover é o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra. É uma corrida louca, esta, na fronteira indefinida que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos...
_____________________
(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
(2) Trata-se do mesmo Luís Moreira, que é membro da nossa tertúlia. O ex-alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817, é hoje professor de matemática do ensino secundário, "à beira da reforma".
Guiné 63/74 - P310: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)
Guileje, no tempo da CCAV 8350, 1972/73.
Foto amavelmente cedida pelo ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho.
© Magalhães Ribeiro (2005)
1. Texto do Magalhães Ribeiro (ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais, CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné).
Boa tarde amigo Luís Graça,
A resposta quanto ao título Cancioneiro de Mansoa e tu seres meu padrinho literário é, como diziam os militares, num só termo: Afirmativo! (1)
Penso que o blogue é um óptimo ponto de encontro do pessoal, que viveu na Guiné, com um sempre renovado interesse, já que todos os dias, ou quase, lhe acrescentas novas narrações, quer de factos quer de estórias.
Eu, pelo menos, todos os dia vou ver as novidades. Costumo dizer nestas coisas, apenas uma curta frase: Fiquei cliente!
Desde muito novo que sou um curioso de tudo quanto se relacione com a História de Portugal e, esta paixão agudizou-se, mais profundamente, no capítulo que concerne à Guerra da Guiné, porque é indiscutível e inequívoco que todos nós, os ex-combatentes, fomos os seus protagonistas no terreno.
Assim, tenho reunido no meu tudo o que consigo apanhar para o meu museu pessoal, quer documentos quer peças.
Tenho aqui algumas fotos (1973/74) do povo, das suas actividades, de Bissau, do quartel de Mansoa e de Guileje.
Guileje > O furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho.
Foto amavelmente cedida pelo próprio.
De 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amilcar Cabral), obrigando as NT (CCAV 8350, 1972/73), a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis (2) .
© Magalhães Ribeiro (2005)
A este email, anexo o texto de que já te havia falado. Está concluído, e é uma pequena estória do Casimiro Carvalho [ex-furriel miliciano de operações especiais da Companhia Independente de Cavalaria 8350], que esteve naquele que ficou conhecido pelo corredor da morte, entre Guilege e Gadamael [, entre Outubro de 1972 e Junho de 1973].
Com um abraço amigo do M.R.
Guileje > Monumento de homenagem aos mortos da CCAÇ 3325 > Pormenor da lápie:
"Vencer sem perigo é triunfar sem glória.
"Homenagem da CCAÇ 3325 aos seus mortos e feridos e aos portugueses de todasa« as cores, raças e credos que tombaram em defesa da Pátria"
© Magalhães Ribeiro (2005)
2. Na minha simples análise pessoal, entre os meus conhecimentos sobre a Guerra do Ultramar, creio que entre todos os verdadeiros infernos de chumbo e metralha, o mais terrível de todos, era aquele pedaço de terra entre Guileje e Gadamael.
Também entre as mais castigadas unidades, ficou célebre a Companhia Independente de Cavalaria 8350/72, que ali prestou serviço entre Outubro de 1972 e Julho de 1973, e
que viu morrerem em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.
Foi seu Comandante o Capitão Abel dos Santos Quelhas Quintas, que escreveu numa carta dirigida ao Senhor Chefe do Estado Maior do Exército, sobre o Furriel Miliciano de Operações Especiais, José Casimiro Pereira Carvalho, que não resisti a enviar-vos e que diz o seguinte:
"Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:
"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.
"Com o relato que vou fazer a Vª Exª e, porque este furriel continuou ligado a uma força militar, ou seja, a Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, onde é considerado um bom militar com vários louvores por coragem, tenacidade, destreza e um elogiável espírito de missão, adquiridos na sua formação militar, espero, depois de Vª Exª mandar averiguar os factos referidos, pois, em minha opinião, merecerá que uma homenagem pública lhe seja prestada.
"Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.
Guileje > O furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Foto amavelmente cedida pelo próprio.
© Magalhães Ribeiro (2005)
"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.
"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar.
"Abel dos Santos Quelhas Quintas,
"Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária
Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas".
Guiné- Bissau > Antigo aquartelamento de Guileje (2005).
Na foto, vêm-se dois membros da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, junto aos restos do brazão da Companhia de Cavalaria que defendia Guileje: a CCAV 8350, (19)72/74, Piratas de Guileje (as inscrições ainda são perfeitamente legíveis)...
© AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guileje (2005)
PS - O referido militar [J. Casimiro Carvalho] soube mais tarde que a proposta de Louvor correu várias Repartições até ser arquivada, tendo sido ordenado que se desse conhecimento do seu teor ao mesmo.
Autoria do texto e créditos fotográficos:
© Magalhães Ribeiro (2005)
____
Notas de L.G.
(1) Eu tinha-lhe enviado a seguinte nota:
Grande ranger: obrigado, e parabéns pelos teus escritos. De facto, és um homem com talento literário. Vê o blogue: hoje, dia 1 de Dezembro de 2005, comecei a publicar o teu... Cancioneiro de Mansoa. Concordas com o título ? Baptizei os teus cadernos com este título, por analogia com o Cancioneiro do Niassa. Se aceitares, sou o teu ... padrinho [literário]. Um abraço. Luís.
(2) Há quem defende (por exemplo, o General Almeida Bruno) que o quartel de Guileje, tal como o de Gadamael, nunca chegou a ser abandonado pelas NT e ocupado pelo PAIGC. Teria sido de imediato reocupado pelas NT, após a polémica saída da CCAV 8350. Vd. o livro de José Freire Antunes, A Guerra de África (1961-1974), editado pelo Círculo de Leitores, 2 volumes (1995).
No seu depoimento sobre a sua acção na Guiné, diz Almeida Bruno: "Nós só abandonámos Madina Boé e Beli, não abandonámos os quartéis portugueses. Houve, no Sul, uma debandada de um quartel que depois foi reassumido com a colocação lá do capitão Manuel Monje, graduado em major. Foi em Gadamael. Guilege, por exemplo, nunca foi abandonado e o PAIGC nunca entrou no Guileje" (in: Antunes, J. F. - A guerra de África: 1961-1974. Volume II. s/l: Círculo de Leitores. 1965. 722).
Seria bom o Magalhães Ribeiro pdedir ao seu camarada e amigo Casimiro Caravalho para esclarecer este ponto (polémico): Guileje foi ou não abandonado pela CCAV 8350 em 22 de Maio de 1973, juntamente com a respectiva população ? (3)
No meu tempo (1969/71) Guileje e Gadamael, no sul, já eram nomes míticos, a par de Madina do Boé, entretanto evacuada uns dias antes de eu chegar ao território... Havia canções sobre Guileje e Gadamael. A nossa memória colectiva também passa por aqui, por estes lugares onde todos morremos um pouco, tugas e turras. Um dia os historiadores poderão finalmente ter acesso aos arquivos militares da guerra colonial, mas até lá muitos dos que por lá passaram já terão morrido...
É sempre boa altura para exorcizarmos os fantasmas da guerra colonial, disse eu uma vez ao jornalista Afonso Praça, que tinha sido alferes miliciano em Angola e que já morreu e a quem se deve a primeira grande recolha, no início dos anos 80, no extinto semanário O Jornal, de testemunhos e documentos sobre estes anos trágicos da nossa história contemporânea...
(3) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael
Neste post reproduziu-se a reportagem do jornalista Serafim Lobato "Estamos Cercados por Todos Os Lados". Público. Domingo, 28 de Dezembro de 2003.
Comentário do nosso leitor Abreu dos Santos:
Comments: 8/03/2007 5:32 PM
Magalhães Ribeiro
ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais
CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
Relativamente à 2ª parte de um e-mail remetido para Luís Graça, e por este publicado em 02Dez05, na página
http://blogueforanada.blogspot.com/2005/12/guin-6374-cccxxviii-no-corredor-da.html
pode ler-se:
– «Na minha simples análise pessoal, entre os meus conhecimentos sobre a Guerra do Ultramar, creio que entre todos os verdadeiros infernos de chumbo e metralha, o mais terrível de todos, era aquele pedaço de terra entre Guileje e Gadamael. Também entre as mais castigadas unidades, ficou célebre a Companhia Independente de Cavalaria 8350/72, que ali prestou serviço entre Outubro de 1972 e Julho de 1973, e que viu morrerem em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.»
Duas breves notas:
1. Aquela CCav 8350 não prestou serviço, em Guileje, entre Outubro de 1972 e Julho de 1973: de facto, embarcou no AB1 em 25Out72, mas só ficou colocada em Guileje em 21Nov72 e dali saiu na manhã de 22Mai73.
2. Até final da comissão (desembarque em Lisboa em 27Ago74), a CCav 8350 sofreu efectivamente as seguintes 9 baixas mortais:
1 em 05Mar73 -
- Victor Paulo Vasconcelos Lourenço (nat Torre de Moncorvo; mobilizado pelo RC3), Alf ml Cav, falecido "por acidente"; (na actual base-de-dados on-line da Liga dos Combatentes, está registado "combate")
1 em 18Mai73 -
- José Francisco Dias Rabaço (nat freg Galveias, conc. Ponte de Sôr; mobilizado pelo RC3), 1Cb Cav, ferido grave durante emboscada IN lançada cerca das 07:00 a ±2km nne da tabanca do Guileje, no habitual itinerário para reabastecimento de água, vindo a falecer cerca das 11:00 por ausência de helievacuação.
2 em 01Jun73 -
- João Pires Hipólito (nat freg.Tinalhas, conc Castelo Branco), e Mário Coelho da Silva (nat Oliveira de Azeméis), ambos Sld Cav (mobilizados pelo RC3), atingidos por estilhaços cerca das 10:00 no aquartelamento de Gadamael-Porto, quando de flagelação IN com armas pesadas.
5 em 04Jun73 -
- Artur José de Sousa Branco (nat freg São Sebastião da Pedreira, conc Lisboa; mobilizado pela EPA para recompletamento da CCav 8350 - óbito do alferes Lourenço em 05Mar73), Alf ml Art chegado a Gadamael no dia anterior; Joaquim Travessa Martins Faustino (nat freg Amiais de Baixo, conc Santarém; mobilizado pelo RC3); António Mendonça Carvalho Serafim (nat Cartaxo), Fernando Alberto Reis Anselmo (nat freg Socorro/Lisboa) e José Inácio Neves (nat Venda das Raparigas, freg Benedita, conc Alcobaça), todos Sld Cav (mobilizados pelo RC3), mortos quando em regresso de patrulha e a menos de 1km do aquartelamento, durante emboscada IN lançada perto do arame-farpado de Gadamael-Porto.
No que respeita ao BCac 4612/72, mobilizado pelo RI16 e colocado em Mansoa em Set72, tem registadas as seguintes 6 baixas mortais:
3 em 14Set73 -
- Fernando Manuel Correia Rodrigues (nat Sobrado, freg Mire de Tibães, conc Braga), José de Almeida (nat freg Ucanha, conc Tarouca), e Miguel de Sousa Vieira (nat do Arrepiado, freg Carregueira, conc Chamusca), todos Soldados da 1ª/BCac 4612 (aquartelada em Porto Gole, ±24km se Mansoa), mortos em combate.
1 em 01Nov73 -
- António Emídio Ribeiro da Silva (nat da Póvoa do Cadaval, freg Lamas, conc Cadaval), Soldado da CCS/BCac4612 aquartelada em Mansoa, falecido por acidente.
1 em 11Mai74 -
- José Fernando Felisberto Pinheiro (nat freg Santo Condestável/Lisboa), Fur ml da 3ª/BCac4612 (de novo aquartelada em Mansoa)¹, morto em combate.
¹ (nota: esta subUn tinha estado em Jul-Out73 deslocada do COP04-Mansoa (COT9) para o S3-Catió, onde reforçou no sudoeste fronteiriço a desfalcada e desmoralizada guarnição do COP5-Gadamael).
1 em 18Out74 - Oldegário Alberto da Cruz Libório (nat freg Sé/Faro), Soldado da 3ª/BCac4612; falecido por acidente em «18 de Outubro de 1974», cf se mantém registado na actual base-de-dados on-line² da Liga dos Combatentes.
² (nota: sendo certo que às 01:00 de 14Out74 – momento em que na BA12-Bissalanca o brigadeiro graduado Carlos Fabião embarcou de regresso (definitivo) a Lisboa –, já não existiam naquele território quaisquer efectivos do Exército Português, esta data «18Out74» será efectivamente a do óbito? Em caso afirmativo, ter-se-á o mesmo verificado no HMP-Estrela e assim, seguindo critério idêntico ao adoptado para todos os outros inúmeros casos (militares evacuados dos 3 TO's para Lisboa e aqui posteriormente falecidos), deverá a sua referência ser apartada da listagem geral dos mortos em campanha (ou, de outro modo, todos os outros não-mencionados haveriam de ser, também, incluídos). Em caso negativo, a data está truncada e merece rectificação.
Nesta oportunidade, exorta-se o ex-Fur ml 'Rgr' Magalhães Ribeiro a que esclareça os visitantes deste blog, sobre o que houver por conveniente sobre estes assuntos... e outros que mereçam a sua atenção.
Queiram aceitar cordiais cumprimentos,
de
João Carlos Abreu dos Santos
(civil ex-miliciano)
quinta-feira, 1 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P309: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá (Magalháes Ribeiro)
Guiné-Bissau > Mansoa > Quartel do exército >
1 de Outubro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado (2005)
GUINÉ - DO CUMERÉ A BRÁ
Autor: Ranger Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné.
Os perigos eram muitos mas… lá os íamos dobrando…
O maior inimigo era o tempo... interminável...
Cada dia parecia-nos um longo ano bissexto…
Mas o pior, eram as saudades, algo inenarrável .
O avião aterra lentamente,
Lá fora vejo... uma tabanca?
Não!... aquilo ali, era Bissau!
O aeroporto de Bissalanca.
Desci os degraus e olhei em volta,
Terra estranha de tom encarnado,
Paisagem monótona e agreste,
Céu cinzento, todo enevoado.
O ar quente e muito húmido,
Estava sereno e agradável,
Era Julho de setenta e quatro,
O ambiente turvo... insondável.
Embarcamos rumo ao Cumeré
Numa coluna de viaturas,
E... pelo caminho... tudo igual!
Diferentes, só as criaturas…
Pretos e pretas com o peito ao léu,
Trouxas à cabeça e filhos em redor;
Aqui, e além, malta fardada
Ao longe, o rufar de um tambor.
Encravado na ruidosa Berliet,Observei curioso aquela terra
E imaginei os sacrifícios
Daqueles onze anos de guerra.
Os múltiplos cursos de água…
A vegetação densa e rasteira…
E... a bolanha... negra e insalubre!
Qual deles a maior ratoeira?
Futa-Fulas, Balantas, Mandingas…
Como diferenciar o inimigo?
Papéis, Futas, Manjacos, Bijagós…
Serão os Fulas, o maior perigo?
Guiné-Bissau > Mansoa > Camponês (balanta) a caminho da bolanha.
26 de Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal(2005)
Mas se confusas eram as etnias,
Maior era a divisão com as religiões
E, assim, uns milhares de negros
Pareciam-me demasiados milhões.
Animistas, Muçulmanos e Cristãos
Dos quais alguns eram senegaleses…
Pelo meio… muitos cabo-verdianos…
Além de sírios e libaneses!
Os abutres a esboaçar por cima…
Os mosquitos na pele a picar, e…
Os répteis por ali à nossa volta.
Não aliviavam o mal-estar
As temíveis doenças tropicais,
O paludismo tão debilitante,
As disenterias e as hepatites,
Qual delas a mais fulminante?
Enfim, surge um aglomerado
De pavilhões pré-fabricados,
Cumeré, dizia uma placa,
Havia mato por todos os lados.
Após alojado e alimentado,
Acerquei-me da cerca de arame
E pelo que vi, constatei arrepiado:
“Isto aqui era o nosso Vietname”.
Dei umas voltas pelas tabancas
Naqueles dias de aclimatação,
Os velhinhos gozavam e diziam;
- Viv’à liberdade de circulação!
E, continuavam com as bocas:
- Ó periquitos, que por aí andais...
Aí fora, há umas semanas atrás...
O turra comia-vos, tal com’estais!
Aqueles velhinhos enrugados,
Tez enegrecida e voz de bagaço,De idade, vinte e poucos anos
Pareciam talhados de puro aço.
Um dia, novo destino: Mansoa!
Er’a hora de rendermos o Batalhão
Depois... entregar tudo ao PAIGC!
Foi a nossa derradeira missão!
Sacos às costas, novo local: Brá!
Pr’ó Batalhão de Engenharia,
Lá se passaram mais uns dias, e…
O regresso, breve acontecia
Já a bordo do Uíge medito;
"África atrai de modo anormal…
Aventura?... Novos horizontes?…
Julguei que, saudades, só de Portugal!»
O povo, os seus costumes, a terra?…
A mística atracção africana?
Tanto se fala dela, ninguém a vê!
Descrevê-la? Talvez p’ra semana!
Caramba! Mas se era assim tão mau!
Para quê, falar tanto... naquela Guiné?
Porquê saudades?... Voltarei ali um dia?!
Doença... tara... ou que raio isto é?!
Guiné-Bissau > Bissau > Um país em construção...
Metade da população da Guiné-Bissau está na capital e... no estrangeiro, na diáspora... Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal (2005)
1 de Outubro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado (2005)
GUINÉ - DO CUMERÉ A BRÁ
Autor: Ranger Magalhães Ribeiro - Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné.
Os perigos eram muitos mas… lá os íamos dobrando…
O maior inimigo era o tempo... interminável...
Cada dia parecia-nos um longo ano bissexto…
Mas o pior, eram as saudades, algo inenarrável .
O avião aterra lentamente,
Lá fora vejo... uma tabanca?
Não!... aquilo ali, era Bissau!
O aeroporto de Bissalanca.
Desci os degraus e olhei em volta,
Terra estranha de tom encarnado,
Paisagem monótona e agreste,
Céu cinzento, todo enevoado.
O ar quente e muito húmido,
Estava sereno e agradável,
Era Julho de setenta e quatro,
O ambiente turvo... insondável.
Embarcamos rumo ao Cumeré
Numa coluna de viaturas,
E... pelo caminho... tudo igual!
Diferentes, só as criaturas…
Pretos e pretas com o peito ao léu,
Trouxas à cabeça e filhos em redor;
Aqui, e além, malta fardada
Ao longe, o rufar de um tambor.
Encravado na ruidosa Berliet,Observei curioso aquela terra
E imaginei os sacrifícios
Daqueles onze anos de guerra.
Os múltiplos cursos de água…
A vegetação densa e rasteira…
E... a bolanha... negra e insalubre!
Qual deles a maior ratoeira?
Futa-Fulas, Balantas, Mandingas…
Como diferenciar o inimigo?
Papéis, Futas, Manjacos, Bijagós…
Serão os Fulas, o maior perigo?
Guiné-Bissau > Mansoa > Camponês (balanta) a caminho da bolanha.
26 de Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal(2005)
Mas se confusas eram as etnias,
Maior era a divisão com as religiões
E, assim, uns milhares de negros
Pareciam-me demasiados milhões.
Animistas, Muçulmanos e Cristãos
Dos quais alguns eram senegaleses…
Pelo meio… muitos cabo-verdianos…
Além de sírios e libaneses!
Os abutres a esboaçar por cima…
Os mosquitos na pele a picar, e…
Os répteis por ali à nossa volta.
Não aliviavam o mal-estar
As temíveis doenças tropicais,
O paludismo tão debilitante,
As disenterias e as hepatites,
Qual delas a mais fulminante?
Enfim, surge um aglomerado
De pavilhões pré-fabricados,
Cumeré, dizia uma placa,
Havia mato por todos os lados.
Após alojado e alimentado,
Acerquei-me da cerca de arame
E pelo que vi, constatei arrepiado:
“Isto aqui era o nosso Vietname”.
Dei umas voltas pelas tabancas
Naqueles dias de aclimatação,
Os velhinhos gozavam e diziam;
- Viv’à liberdade de circulação!
E, continuavam com as bocas:
- Ó periquitos, que por aí andais...
Aí fora, há umas semanas atrás...
O turra comia-vos, tal com’estais!
Aqueles velhinhos enrugados,
Tez enegrecida e voz de bagaço,De idade, vinte e poucos anos
Pareciam talhados de puro aço.
Um dia, novo destino: Mansoa!
Er’a hora de rendermos o Batalhão
Depois... entregar tudo ao PAIGC!
Foi a nossa derradeira missão!
Sacos às costas, novo local: Brá!
Pr’ó Batalhão de Engenharia,
Lá se passaram mais uns dias, e…
O regresso, breve acontecia
Já a bordo do Uíge medito;
"África atrai de modo anormal…
Aventura?... Novos horizontes?…
Julguei que, saudades, só de Portugal!»
O povo, os seus costumes, a terra?…
A mística atracção africana?
Tanto se fala dela, ninguém a vê!
Descrevê-la? Talvez p’ra semana!
Caramba! Mas se era assim tão mau!
Para quê, falar tanto... naquela Guiné?
Porquê saudades?... Voltarei ali um dia?!
Doença... tara... ou que raio isto é?!
Guiné-Bissau > Bissau > Um país em construção...
Metade da população da Guiné-Bissau está na capital e... no estrangeiro, na diáspora... Novembro de 2005.
Foto de © Paulo Salgado
e Jorge Leal (2005)
Guiné 63/74 - P308: O Código de Conduta do Combatente da Guerra do Ultramar (Jorge Santos)
Cartaz dos Serviços de Propaganda do Estado Maior do Exército.
© Jorge Santos (2005).
Reproduz-se a seguir o "código de conduta" do militar português em África. Documento enviado pelo Jorge Santos (ex-fuzileiro, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique, 1968/70; membro da nossa tertúlia e autor da página na NET A Guerra Colonial):
Cópia do documento SPEME-Mod.1157 (Serviços de Propaganda do Estado-Maior do Exército - Modelo 1157). Este impresso era distribuído aos nossos camaradas, mobilizados para o Ultramar.
Pelos dados que tenho, sobre publicações editadas por esses serviços, creio que o SPEME funcionou entre 1964 e 1969. Portanto o Código de Conduta é desse período.
A distribuição do mesmo, e segundo deixa entender o próprio Código, seria feita quando as unidades estavam formadas e prestes a embarcarem.
Não tenho cópia do original pois o texto foi-me cedido. No entanto, e visto ser uma publicação do Exército, creio que ou o Arquivo Geral do Exército ou a Biblioteca do Exército o devem ter, pois, quanto mais não seja, constitui um património.
Será possível, pelo menos entre os combatentes mais velhinhos, existir algum exemplar? É possível.
Um abraço a todos os tertulianos.
Jorge Santos
O CÓDIGO DE CONDUTA
Ao partires para o Ultramar, ciente da importância da missão que vais desempenhar, deves-te sentir orgulhoso e confiante porque não ignoras a razão que nos assiste na luta que somos obrigados a sustentar contra o terrorismo. Bem sabes que quem luta com razão e pelo direito é sempre mais forte. Lembra-te:
«A FORÇA DA NOSSA RAZÃO É A RAZÃO DA NOSSA FORÇA»
Agora, que vais partir, e depois, quando já estiveres no Ultramar, deves ler e repetir mentalmente o seguinte:
- Sou um militar Português que cumpre a sua missão de defender a Pátria, se necessário à custa da própria vida;
- Confio nos meus chefes e, por isso, serei disciplinado e cumprirei fielmente as suas ordens, na certeza de que a disciplina constitui a força principal dos exércitos. Se for graduado, darei em todas as circunstâncias, o exemplo de que todos os meus subordinados necessitam e esperam de mim;
- Procurarei ser bom camarada, esforçando-me por colocar sempre o interesse geral acima dos meus interesses pessoais;
- Não esquecerei que esta guerra é uma luta pela conquista da adesão das populações. Por isso, ajudá-las-ei e farei o que puder para conseguir e merecer o apoio delas;
- Estarei sempre disposto a colaborar com as autoridades civis na obra de desenvolvimento em que todos estamos empenhados;
- Não referirei, na minha correspondência particular, qualquer operação, assunto de natureza militar;
- Nunca, e em nenhuma circunstância, divulgarei informações de interesse militar, especialmente quando se tratar de operações de combate;
- Não permitirei que o inimigo me aprisione;
- Lutarei sempre para não cair nas suas mãos;
- Não permitirei que qualquer documento ou material de que eu seja portador lhe caia nas mãos mesmo que tenha de os destruir;
- Nunca esquecerei que sou um soldado Português. Saberei ser sempre merecedor da confiança que em mim depositam, saberei sempre que o meu comportamento é importante para o êxito do exército e que o meu esforço é indispensável para a continuação de Portugal;
- Lutarei pelo futuro e glória da minha pátria, da minha família e de todos os portugueses;
- Com a ajuda de Deus, na hora do regresso quero gritar orgulhosamente: MISSÃO CUMPRIDA!
(SPEME – Mod. 1157)
© Jorge Santos (2005).
Reproduz-se a seguir o "código de conduta" do militar português em África. Documento enviado pelo Jorge Santos (ex-fuzileiro, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique, 1968/70; membro da nossa tertúlia e autor da página na NET A Guerra Colonial):
Cópia do documento SPEME-Mod.1157 (Serviços de Propaganda do Estado-Maior do Exército - Modelo 1157). Este impresso era distribuído aos nossos camaradas, mobilizados para o Ultramar.
Pelos dados que tenho, sobre publicações editadas por esses serviços, creio que o SPEME funcionou entre 1964 e 1969. Portanto o Código de Conduta é desse período.
A distribuição do mesmo, e segundo deixa entender o próprio Código, seria feita quando as unidades estavam formadas e prestes a embarcarem.
Não tenho cópia do original pois o texto foi-me cedido. No entanto, e visto ser uma publicação do Exército, creio que ou o Arquivo Geral do Exército ou a Biblioteca do Exército o devem ter, pois, quanto mais não seja, constitui um património.
Será possível, pelo menos entre os combatentes mais velhinhos, existir algum exemplar? É possível.
Um abraço a todos os tertulianos.
Jorge Santos
O CÓDIGO DE CONDUTA
Ao partires para o Ultramar, ciente da importância da missão que vais desempenhar, deves-te sentir orgulhoso e confiante porque não ignoras a razão que nos assiste na luta que somos obrigados a sustentar contra o terrorismo. Bem sabes que quem luta com razão e pelo direito é sempre mais forte. Lembra-te:
«A FORÇA DA NOSSA RAZÃO É A RAZÃO DA NOSSA FORÇA»
Agora, que vais partir, e depois, quando já estiveres no Ultramar, deves ler e repetir mentalmente o seguinte:
- Sou um militar Português que cumpre a sua missão de defender a Pátria, se necessário à custa da própria vida;
- Confio nos meus chefes e, por isso, serei disciplinado e cumprirei fielmente as suas ordens, na certeza de que a disciplina constitui a força principal dos exércitos. Se for graduado, darei em todas as circunstâncias, o exemplo de que todos os meus subordinados necessitam e esperam de mim;
- Procurarei ser bom camarada, esforçando-me por colocar sempre o interesse geral acima dos meus interesses pessoais;
- Não esquecerei que esta guerra é uma luta pela conquista da adesão das populações. Por isso, ajudá-las-ei e farei o que puder para conseguir e merecer o apoio delas;
- Estarei sempre disposto a colaborar com as autoridades civis na obra de desenvolvimento em que todos estamos empenhados;
- Não referirei, na minha correspondência particular, qualquer operação, assunto de natureza militar;
- Nunca, e em nenhuma circunstância, divulgarei informações de interesse militar, especialmente quando se tratar de operações de combate;
- Não permitirei que o inimigo me aprisione;
- Lutarei sempre para não cair nas suas mãos;
- Não permitirei que qualquer documento ou material de que eu seja portador lhe caia nas mãos mesmo que tenha de os destruir;
- Nunca esquecerei que sou um soldado Português. Saberei ser sempre merecedor da confiança que em mim depositam, saberei sempre que o meu comportamento é importante para o êxito do exército e que o meu esforço é indispensável para a continuação de Portugal;
- Lutarei pelo futuro e glória da minha pátria, da minha família e de todos os portugueses;
- Com a ajuda de Deus, na hora do regresso quero gritar orgulhosamente: MISSÃO CUMPRIDA!
(SPEME – Mod. 1157)
Guiné 63/74 - P307: Cancioneiro de Mansoa (1): O esplendor de Portugal (Magalhães Ribeiro)
Capa dos cadernos do ex-ranger Magalhães Ribeiro. Pode ler-se: (1): Em Lamego... ser ranger; (ii) Em Tomar... participar no 25 de Abril; (iii) Em Mansoa, Guiné... arriar a última Bandeira.
© Magalhães Ribeiro (2005)
1. Texto do Magalhães Ribeiro (ex-furriel miliciano de Operações Especiais, da CCS do BCAÇ 4612/74), o tal que em 9 de Setembro de 1974 arriou a última bandeira portuguesa, no quartel de Mansoa (1), na presença de altos representantes do PAIGC que, por sua vez, hastearam a bandeira da nova República da Guiné-Bissau... Ele vive e trabalha actualmente no Porto.
Boa noite, amigo Luís Graça:
Estava para aqui a teclar e a enviar uns mails ao pessoal, e lembrei-me de te enviar uma parte do resultado de um dos meus hobbies, quando disponho de algum tempo e muita disposição para isso... que é rabiscar o papel.
São coisas que me vão ocorrendo e que só costumo dar a ler aos amigos. Se achares interessante colocar algum dos textos no blogue, para os nossos amigos lerem... dispõe!
Fico a aguardar que me digas qualquer coisa.
Continuo a falar com o Furriel Miliciano Ranger Casimiro de Carvalho, que esteve no coorredor da morte - Guileje e Gadamael -, para ultimar o texto e juntar alguma das excelentes fotos que ele possui daquele inferno e me deu autorização para, caso achares interesante, inserires posteriormente no blogue.
Um abraço amigo do
M.R. de Mansoa.
2. O que o Ribeiro me mandou foi um carderno, de 47 páginas, onde ele conta, em verso, as peripécias da sua atribulada vida militar. Vou chamar a estes cadernos o Cancioneiro de Mansoa, por analogia com o Cancioneiro do Niassa. Está imbuído da ideologia ou (da mística) ranger, não é uma obra colectiva, é escrito por um dos últimos guerreiros do Império e, para mais, ao longo dos anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974 em que o autor também participou... O Cancioneiro do Niassa tem outra origem, outro contexto, outro tom... De qualquer modo, o Magalhães Ribeiro e os seus camaradas de operações especiais não me levarão a mal se eu chamar Cancioneiro de Mansoa ao conjunto destes versos, ditados pela nostalgia do império perdido e pela afirmação do valor e do patriotismo do soldado português. Aqui fica a introdução aos cadernos (uma nota explicativa da sua origem e razão de ser):
"O meu velho gosto pela escrita sempre me impulsionou para, ao longo do tempo, alinhavar algumas palavras em bocados de papel, que ia guardando com as minhas outras relíquias, sem qualquer pretensiosismo, por ali, nas gavetas.
"Entretanto, li num dos jornais da Associação das Operações Especiais - da qual sou um dos orgulhosos sócios -, um apelo à colaboração de todos os Rangers, na sua composição, através do envio de artigos, contos, estórias, histórias, etc.
"Pensei então, modestamente, que os meus escritos talvez pudessem ter algum interesse para o efeito e, caso assim fosse julgado, cooperaria com muito gosto.
"Pelo que peguei nos velhos papéis e fui-os passando para outros papéis mais limpos, sem preocupações de qualquer requinte poético ou intelectual, propositadamente, através de linguagem popular e directa, de modo a ler-se e perceber-se o que realmente penso e sinto sobre as coisas e loisas de que eu gosto, sem outras interpretações ou distorções.
"Neste caderno reuni aquilo que diz respeito ao meu serviço militar que, por ter sido muito diversificado, dinâmico e histórico, constituiu para mim uma fonte inesgotável de aprendizagem, experiência, orgulho e inspiração.
"Como não podia deixar de ser, dedico especial atenção aos seus momentos mais altos: (i) o Curso de Operações Especiais, em Lamego; (ii) a participação no 25 de Abril; (iii) a comissão na Guiné; e, por fim, (iv) o arriar da última Bandeira Nacional em Mansôa.
"A todos os bons amigos que tiverem paciência para lerem este caderno o meu abraço e o meu obrigado".
3. É a propósito desse episódio (histórico) que foi o arriar da nossa última em território da Guiné (1), que se transcreve uma das reflexões poéticas do Ranger Ribeiro. A seu tempo iremos transcrevendo e comentando outras partes interessantes destes curiosos cadernos, que passam a ser baptizados, por mim, como Cancioneiro de Mansoa. O Magalhães Ribeiro pediu-me a minha opoinião, aqui a tem...
Mansoa, a última Bandeira
Com o emblema de Ranger no peito
O destino seguinte foi Évora
Foi um período de descanso, depois,
Daquela especialidade dura.
Corria o ano de setenta e quatro,
O primeiro dia de Fevereiro,
Quando saíram as mobilizações
P’rá Guiné, um Batalhão inteiro.
Depois dos serviços ali prestados
E, pr’ó Vietname mobilizado,
Tarecos às costas mais uma vez
E fui conhecer Tomar, encantado.
O encargo, ali, era severo
Na 1ª Companhia d’Instrução,
Trinta soldados especializar
Daquele famigerado Batalhão.
Mas, eis que passados uns dias,
O 25 de Abril estalou,
Começou a pedir-se o fim da guerra
E nunca mais ninguém se calou.
É anunciado o fim da guerra
E, logicamente, fomos pensando
Que p’rá Guiné já não iríamos
E o tempo lá se foi passando.
As orientações superiores
Porém, mantinham-se inalteradas:
“Instrução contínua e inflexível…
Disciplina e moral elevadas”.
Passados dois meses sobre a revoluçãoContinuávamos mobilizados
E seguimos p’ra S.ta Margarida
Formar Batalhão e ser vacinados.
Até que a hora do embarque chegou,
O último Batalhão p’rá Guiné…
Tomava assento num avião…
Bissau e, horas depois, Cumeré!
Mais uns dias se passaram, pacatos,
E nova viagem… para Mansôa,
Pequena vila em terra Balanta
Onde sem a guerra... a vida era boa.
Assim, no dia 9 de Setembro,
Foi determinado superiormente
Entregar este quartel aos turras,
Oficial e cerimoniosamente.
- Você, entrega a cantina de manhã!...
Diz o Comandante com resolução.
- E de tarde, vai arriar a bandeira...
Avance firme e sem hesitação!
De manhã entreguei o estipulado
A um PAIGC com ar simplório
A arrecadação de géneros...
A cantina e o refeitório.
À tarde começaram a surgir pretos,Às centenas, de todos os cantos,
A pé ou em camiões, amontoados;
Nunca pensei qu’eles fossem tantos.
A certo momento, todo a rigor,
Surgiu em marcha cadenciada
Um grupo de combate dos turras
E, mais atrás, uns pioneiros... em parada.
Guine > Mansoa > 9 de Setembro de 1974: Arriando a última bandeira portuguesa...
Muitos fotógrafos, jornalistas, e…
Convidados das Comunidades!
Após as apresentações da praxe
Deu-se início às formalidades.
Frente à nossa tropa ali formada,
Ondulava ao vento a Bandeira,
Parecia acenar um longo adeus
Àquela inóspita torreira.
Ao avançar para o velho mastro,
Pensava nas contradições do acto
Cada passo era um certificado,
Que o fim da guerra... era um facto.
Por a sua vida já não arriscarem
Os periquitos rejubilavam,
Enquanto tristes e conformados
Os ex-combatentes choravam.
Guiné-BIssau > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 > Hasteando a bandeira da República da Guiné-Bissau...
Toca o clarim… o Hino Nacional…
A nossa Bandeira foi retirada
E, para regozijo dos PAIGC
A deles, Guiné-Bissau, foi içada.
Nas fotos e entrevistas finais,
Entre tudo aquilo que foi dito,
Duas perguntas retive na memória
E penso dever ficar aqui escrito:
- Que pensa da política salazarista?...
- E sobre os qu’aqui perderam a vida?
- Os erros políticos pagam-se caros!...
- Pelos mortos, veneração sentida!
(...) A bandeira ondulava ao vento firme e formosa,
O mastro desceu, aprumada, em atitude imperial.
À multidão, ali em Mansôa, parecia afirmar:
- Aqui, esteve presente… o esplendor de Portugal!
Autoria e créditos fotográficos:
© Magalhães Ribeiro (2005)
NÃO ERA UMA BANDEIRA QUALQUER
A Bandeira ondulava ao vento... firme e formosa,
Naquele alto e velho mastro do quartel... como voa,
O esplendor de Portugal garantia... assaz vaidosa.
Quanta veneração em sua honra... e quanta loa,
Tais façanhas heróicas dali presenciou... orgulhosa!
Bradai - às armas - lusitanos... se o inimigo soa,
Qu’Ela é o símbolo magno de união... gloriosa,
S’ameaça à Pátria algum inimigo... apregoa!
Qu’a garra deste povo... tem engenho e arte talentosa,
P’ra levar de vencida... que seja a besta em pessoa!
Qu’ali num naco d’África cumpriu de forma honrosa,
Dando mostras de valor indómito qu’inda hoje ecoa!
Até q’um dia no país se levantou tropa revoltosa,
Reformando a política do Ultramar... em Lisboa,
E qu’emanou então para Bissau determinação rigorosa;
Que em Portugal, a liberdade é bombarda qu’atroa,
E independência às colónias concedeu airosa,
Em assinatura... cuja data ainda hoje ressoa;
Nove de setembro de setenta e quatro... luminosa.
Também, nesse dia, a Bandeira foi arriada em Mansôa,
Pondo termo a séculos de História maravilhosa,
Pela derradeira vez... em cerimónia digna da “Coroa”,
Perante multidão exultante... e soldados da Nação briosa.
E, assim, a Guiné... sua sorte... embarcou em nova canoa!
Ranger Magalhães Ribeiro -
Furriel Mil.º da CCS do
Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
Nota: A última Bandeira Nacional, arriada na ex-Guiné portuguesa, com cerimónia oficial e honras militares, ocorreu em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974. A Bandeira encontra-se actualmente exposta no Museu do Centro de Instrução de Operações Especiais, na cidade de Lamego, desde Julho de 1997.
_____________
(1) Vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
(2) vd post de L.G. de 11 de Maio de 2005 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1)
Vd. também a página do nosso camarada, o ex-fuzileiro Jorge Santos, que esteve no Niassa (1968/70), e que foi o primeiro a publicar, na Net, uma antologia das canções do Niassa, recolhidas por ele e proibidas de serem cantadas em público até ao 25 de Abril de 1974 (A Guerra Colonial > Canções do Niassa)
E#m 11 de Maio de 2005 deixei expressa a minha homenagem J.M.A. Santos (hoje, membro da nossa tertúlia) "pelo seu notável trabalho de recolha, preservação e divulgação desta documentação tão efémera mas tão importante para a sociologia histórica da guerra colonial, incluindo o estudo das representações sociais do turra, o invisível e obíquo inimigo que combatíamos em Moçambique, Angola e Guiné". No total a recolha de J.M. A. Santos ultrapassa as 40 canções, disponíveis no seu site.
quarta-feira, 30 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P306: CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68) (Abel Rei)
Guiné-Bissau > Porto Gole > Marco comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946) > Porto Gole, na margem direita do Rio, na estrada Bissau - Nhacra - Mansoa - Porto Gole - Bafatá (interdita no meu tempo, 1969/71. L.G.)
© Jorge Neto (2005)
Autor do blogue Africanidades ("Vivências, imagens, e relatos sobre o grande continente - África vista pelos olhos de um branco" que... que, felizmente para ele, não conheceu a guerra colonial)
Publicámos há tempos (1) excertos do diário de Abel Rei (n. 1945), ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande, inserido num portal da Marinha Grande, dirigido por Carlos Barros: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei.
Aqui fica, mais uma vez, o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968).
Este nosso camarada (1º cabo, ao que depreendo da leitura) fez o mesmo percurso que eu e os meus camaradas da CCAÇ 12: mobilizado para a Guiné (não nos diz em que companhia ou batalhão), partiu em 1 de Fevereiro de 1967 no N/M Uíge, desembarcou em Bissau, sob um calor sufocante, apanhou uma LGD, ouviu os primeiros tiros (dos fuzileiros) e, caso curioso, não desembarcou no Xime, mas em Bambadinca…
Daí a companhia dele seguiu para para Fá [Mandinga], o seu primeiro aquartelamento na Guiné. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem é destacado para o Xime, região onde recebe o baptismo de fogo... De 19 a 21 de Março de 1967 participa numa operação dramática ao Buruntoni, junto ao Rio Buruntoni, afluente do Rio Corubal (Op Guindaste)(vd. carta do Xime).
Em Abril de 1967 a companhia dele está espelhada por Porto Gole, Enxalé e Bissá (a leste e a oeste, respectivamente, de Porto Gole). Em 15 de Abril de 1967, ele está em Porto Gole (sede de posto administrativo, antes da guerra) e escreve o seguinte:
"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no inferno de Bissá... Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).
"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.
"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.
O Rio Geba, junto a Porto Gole. Do outro lado, a margem esquerda. Mais à frente, para leste, o Rio Corubal vai desaguar no Rio Geba.
© Jorge Neto (2005)
"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.
"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família".
Em 21 de Dezembro de 1967, o comando da companhia passa do Enxalé para Porto Gole. Em Fevereiro de 1968 vamos encontra o Abel Rei de férias em Bissau, alojado na nossa conhecida Pensão Chantre. A companhia, entrento, timnha sofirdo uam série de baixas...
Em 2 de Junho de 1968, o nosso camarada escreve o seguinte no seu diário:
"Hoje esteve cá, Sua Ex.ª o Sr. Brigadeiro Spínola, Governador e Comandante - Chefe das Forças Armadas; que se encontra nestas terras, há pouco mais de uma semana. Permaneceu algumas horas em reunião confidencial, com os nossos comandos (...)".
Três dias antes a companhia de Porto Gole tinha participado, juntamente com uma outra, de Mansoa (a Companhia 2335), numa "fatídica patrulha" na mata de Seé. Cercadas pelo IN, as NT tiveram tiveram várias baixas (incluindo o capitão da Companhia 2335). E um dos homens de Mansoa foi aprisionado, tendo sido levado para Conacri.
O nosso camarada Abel Rei (que eu gostaria de convidar para pertencer à nossa tertúlia). De férias, em Bissau. Fevereiro de 1968.
© Carlos Barros (1997-2005).
Com a devida vénia e os agradecimentos da nossa tertulia. Fonte: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei > 14/02/1968: Férias em Bissau .
Finalmente, em 20 de Novembro de 1968, o Abel Rei está de regresso a casa e escreve a bordo do N/M Uíge as últimas linhas do seu diário, prestando uma bonita e singela homenagem aos seus camaradas, vivos e mortos:
"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar, e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos ou chorarmos os [nossos] mortos.
"A estes últimos, os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos, a estes, a minha modesta homenagem que se resume a desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês, perdurará em mim eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!"...
É um diário que vale a pena ler, com mais detalhe e atenção...
2. Mas agora pergunto eu: que companhia seria esta que estva na época em Porto Gole, Enxalé e Bissá ? O nosso amigo Jorge Neto acaba de nos mandar fotos de Porto Gole (que inserimos neste post), incluindo as de um monumento erigida pela CART 1661, que ali esteve nessa época (1967/68). Só pode ser a unidade do nosso cabo Abel Rei...
Guiné-Bissau > Porto Gole (2005) > Monumento erigido pela CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68).
Dizeres, gravados na base do moumento, empdra: "Para ti, soldado, o testemunho do teu esforço".
Esta companhia era seguramente a do 1º cabo Abel Rei. Seria bom que as autoridades guineenses e a população em geral protegessem estes monumentos singelos que fazem parte de uma memória comum. Vou pedir ao Jorge Neto que sensibilize os seus leitores da Guiné-Bissau para o valor histórico, cultural e até turístico que têm estes testemunhos da passagem dos tugas por estas terras...
© Jorge Neto (2005)
Brazão da CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68). Dizeres, inscritos na chapa em bronze: Coragem, Esperança.
© Jorge Neto (2005)
____________
Nota do editor:
(1) Vd. post de 1 de Maio 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa
Guiné 63/74 - P305: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)
Bissássema, Março de 1972 > Balantas em traje de festa.
© Rui Esteves (2005)
Texto de Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro (CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73).
Educação de adultos – Escola em Bissássema
Em Novembro de 1971 fomos transferidos da região de Teixeira Pinto para a região de Tite, ficando a quase totalidade da CCAÇ 3327 instalada em Bissássema. Ficámos aqui até ao fim da nossa comissão de serviço.
A nossa viagem através da Guiné era digna de se ver: quase toda a gente tinha um animal de estimação. Havia cães, macacos e periquitos. A viagem foi feita em camiões e, quando era preciso, de barco (aqui, no barco, com tanta bicharada, parecia mesmo a Arca de Noé).
Instalados em Bissássema, começámos vida nova: em Teixeira Pinto, terra do povo manjaco, tínhamos servido de seguranças ao pessoal que abria a nova estrada; aqui, na terra dos balantas, íamos continuar a construção do novo aldeamento.
Passado poucos dias, chama-me o Capitão Alves (Rogério Rebocho Alves, Capitão Miliciano, comandante da CCaç. 3327, tão periquito quanto nós todos!) e comunica-me que vou ser professor dos soldados que pretendessem completar o Ensino Primário.
Havia de tudo: soldados que nem sabiam ler, outros que sabiam alguma coisa mas não tinham feito o exame da 4.ª classe.
Fiquei a dar aulas a este último grupo – os mais letrados – e todas as noites, depois do jantar, lá me reunia com o grupo de alunos e começava a aula.
Do que eu mais gostava era das então chamadas Redacções (hoje, parece-me que são chamadas de Composições).
Dei todos os temas habituais: o cão, o melhor amigo do homem; a vaca, essa nossa amiga que nos dá o leite e a carne; a árvore, a cuja sombra nos acolhemos e que ainda se desdobra em combustível e em pasta de papel, etc., etc.
Inevitavelmente, cheguei a uma altura em que já não sabia mais o que sugerir para tema.
Aí, socorri-me do dia-a-dia e tudo servia para pôr os meus alunos a escrever.
Um dia, pela manhã, descobrimos que o caminho entre Bissássema e Tite estava minado: o PAIGC tinha colocado algumas minas anti-carro no caminho e também anti-pessoal num local onde escreveram “VIVA O PAIGC”.
A mina anti-pessoal foi detonada da pior maneira: um guia ficou sem a perna.
Estava descoberto tema para essa noite: os meus alunos iam escrever sobre as minas.
Nunca me esquecerei da redacção do Cabral, o nosso cozinheiro, e o meu melhor aluno: escreveu ele, “Há minas boas e minas más. As minas boas são as que nós pomos aos turras. As minas más são as que eles põem a nós.”
Vila Nova de Gaia, 29 de Novembro de 2005.
© Rui Esteves (2005)
Texto de Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro (CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73).
Educação de adultos – Escola em Bissássema
Em Novembro de 1971 fomos transferidos da região de Teixeira Pinto para a região de Tite, ficando a quase totalidade da CCAÇ 3327 instalada em Bissássema. Ficámos aqui até ao fim da nossa comissão de serviço.
A nossa viagem através da Guiné era digna de se ver: quase toda a gente tinha um animal de estimação. Havia cães, macacos e periquitos. A viagem foi feita em camiões e, quando era preciso, de barco (aqui, no barco, com tanta bicharada, parecia mesmo a Arca de Noé).
Instalados em Bissássema, começámos vida nova: em Teixeira Pinto, terra do povo manjaco, tínhamos servido de seguranças ao pessoal que abria a nova estrada; aqui, na terra dos balantas, íamos continuar a construção do novo aldeamento.
Passado poucos dias, chama-me o Capitão Alves (Rogério Rebocho Alves, Capitão Miliciano, comandante da CCaç. 3327, tão periquito quanto nós todos!) e comunica-me que vou ser professor dos soldados que pretendessem completar o Ensino Primário.
Havia de tudo: soldados que nem sabiam ler, outros que sabiam alguma coisa mas não tinham feito o exame da 4.ª classe.
Fiquei a dar aulas a este último grupo – os mais letrados – e todas as noites, depois do jantar, lá me reunia com o grupo de alunos e começava a aula.
Do que eu mais gostava era das então chamadas Redacções (hoje, parece-me que são chamadas de Composições).
Dei todos os temas habituais: o cão, o melhor amigo do homem; a vaca, essa nossa amiga que nos dá o leite e a carne; a árvore, a cuja sombra nos acolhemos e que ainda se desdobra em combustível e em pasta de papel, etc., etc.
Inevitavelmente, cheguei a uma altura em que já não sabia mais o que sugerir para tema.
Aí, socorri-me do dia-a-dia e tudo servia para pôr os meus alunos a escrever.
Um dia, pela manhã, descobrimos que o caminho entre Bissássema e Tite estava minado: o PAIGC tinha colocado algumas minas anti-carro no caminho e também anti-pessoal num local onde escreveram “VIVA O PAIGC”.
A mina anti-pessoal foi detonada da pior maneira: um guia ficou sem a perna.
Estava descoberto tema para essa noite: os meus alunos iam escrever sobre as minas.
Nunca me esquecerei da redacção do Cabral, o nosso cozinheiro, e o meu melhor aluno: escreveu ele, “Há minas boas e minas más. As minas boas são as que nós pomos aos turras. As minas más são as que eles põem a nós.”
Vila Nova de Gaia, 29 de Novembro de 2005.
Guiné 63/74 - P304: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN (Luís Graça)
Publicamos hoje a III parte do depoimento do brigadeiro Hélio Felgas. Selecção: minha e do Humberto Reis. Fonte: "Os últimos guerreiros do império" (Amadora: Erasmo 1995. 134-135)
Os ataques a campamentos do Inimigo (1)
Quando tínhamos notícia da existência de um acampamento de guerrilheiros, imediatamente se faziam os planos de assalto: chegar as proximidades do local antes do amanhecer; um pelotão a cercar pela direita; outro pela esquerda e o resto dos efectivos lançados em corrida pela picada da entrada.
Se o acampamento inimigo ficava longe do nosso aquartelamento, utilizávamos primeiro as viaturas dando uma volta enorme, para não alertarmos possíveis vigias. Depois, iniciava-se a marcha nocturna através de pântanos e bolanhas onde, inadvertidamente, um ou outro mergulhava. E como era difícil ajudá-los a emergir naquela escuridão, pesando cada homem mais de cem quilos, por causa do armamento e das munições!
A fila indiana prosseguia entre gritos estranhos de aves invisíveis (on seria o adversário a trocar sinais) e o colossal concerto das rãs subitamente interrompido pela nossa passagem.
A proximidade do acampamento era anunciada, em surdina, pelo guia. apesar de todos a sentirmos. O mato tornava-se mais denso fazendo desaparecer a picada e obrigando-nos, por vezes, a rastejar. De repente a corrida, o assalto, as granadas rebentando. Todos a dispararem e a procurarem entrar mais fundo naquele labirinto que chegava a atingir centenas de metros. Logo apareciam as primeiras barracas bem escondidas, as primeiras armas abandonadas. Todos tinham conseguido fugir, o que, apesar de normal, sempre causava alguma desilusão entre os nossos soldados.
Na Guiné não se podia deixar uma zona abandonada por muito tempo. 0 adversário considerava-a logo «zona libertada» do nosso domínio. Por isso, realizávamos operacões de longa duração, as temidas nomadizacões. em zonas que os guerrilheiros efectivamente controlavam.
Lembro-me de uma que comandei no Fifioli, região onde o rio Corubal desenha aquela enorme curva antes de se juntar ao Geba. Durante onze dias, sempre com temperaturas de 44 e 45 graus à sombra, palmilhamos dezenas de quilómetros, sob densas manchas florestais ou através daquelas descampadas bolanhas, umas vezes secas e duras, outras inundadas e lamacentas. A marcha prosseguia sempre em fila indiana, já com agua a escassear nos cantis. Era horrível a sede. Por fim, numa tabanca abandonada lá se descobriu alguma água, em condições duvidosas.
Ao longe, na linha do horizonte, avistavam-se vultos que pareciam seguir os nossos passes. E, nas zonas arborizadas, era evidente que alguém espreitava. Era uma sensação desagradável. Nem mesmo quando éramos emboscados, víamos quem nos atacava.
____
(1) Vd. posts anteriores, de 25 de Novembro de 2005
Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
Os ataques a campamentos do Inimigo (1)
Quando tínhamos notícia da existência de um acampamento de guerrilheiros, imediatamente se faziam os planos de assalto: chegar as proximidades do local antes do amanhecer; um pelotão a cercar pela direita; outro pela esquerda e o resto dos efectivos lançados em corrida pela picada da entrada.
Se o acampamento inimigo ficava longe do nosso aquartelamento, utilizávamos primeiro as viaturas dando uma volta enorme, para não alertarmos possíveis vigias. Depois, iniciava-se a marcha nocturna através de pântanos e bolanhas onde, inadvertidamente, um ou outro mergulhava. E como era difícil ajudá-los a emergir naquela escuridão, pesando cada homem mais de cem quilos, por causa do armamento e das munições!
A fila indiana prosseguia entre gritos estranhos de aves invisíveis (on seria o adversário a trocar sinais) e o colossal concerto das rãs subitamente interrompido pela nossa passagem.
A proximidade do acampamento era anunciada, em surdina, pelo guia. apesar de todos a sentirmos. O mato tornava-se mais denso fazendo desaparecer a picada e obrigando-nos, por vezes, a rastejar. De repente a corrida, o assalto, as granadas rebentando. Todos a dispararem e a procurarem entrar mais fundo naquele labirinto que chegava a atingir centenas de metros. Logo apareciam as primeiras barracas bem escondidas, as primeiras armas abandonadas. Todos tinham conseguido fugir, o que, apesar de normal, sempre causava alguma desilusão entre os nossos soldados.
Na Guiné não se podia deixar uma zona abandonada por muito tempo. 0 adversário considerava-a logo «zona libertada» do nosso domínio. Por isso, realizávamos operacões de longa duração, as temidas nomadizacões. em zonas que os guerrilheiros efectivamente controlavam.
Lembro-me de uma que comandei no Fifioli, região onde o rio Corubal desenha aquela enorme curva antes de se juntar ao Geba. Durante onze dias, sempre com temperaturas de 44 e 45 graus à sombra, palmilhamos dezenas de quilómetros, sob densas manchas florestais ou através daquelas descampadas bolanhas, umas vezes secas e duras, outras inundadas e lamacentas. A marcha prosseguia sempre em fila indiana, já com agua a escassear nos cantis. Era horrível a sede. Por fim, numa tabanca abandonada lá se descobriu alguma água, em condições duvidosas.
Ao longe, na linha do horizonte, avistavam-se vultos que pareciam seguir os nossos passes. E, nas zonas arborizadas, era evidente que alguém espreitava. Era uma sensação desagradável. Nem mesmo quando éramos emboscados, víamos quem nos atacava.
____
(1) Vd. posts anteriores, de 25 de Novembro de 2005
Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
terça-feira, 29 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P303: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde?
Post nº 322 (CCCXXII)
O Jorge Neto, a caminho da pátria, desta vez, de piroga... Espera-se que ainda chegue a tempo de comer o bacalhau com pencas do Natal de 2005.
© Jorge Neto (2005) :
1. Há dias perguntei ao Jorge Neto, autor do melhor blogue sobre a Guiné, o Africanidades:
"Tens sabido do Paulo Salgado ? Estou a estranhar o silêncio dele... Roubaram-lhe o portátil, deixou de dar notícias... Ele está no Hospital Simão Mendes. Vê se o topas. Não sei se o conheces pessoalmente. É um tipo fixe".
Respondeu-lhe o nosso corresponente em Bissau:
"Olá Luís, o Paulo Salgado mora mesmo ao meu lado, no Bairro da Cooperação, onde resido por inerência da minha esposa. Ele queixa-se que anda com muito trabalho e eu acredito, porque conheço o [Hospital]Simão Mendes e sei que de hospital tem muito pouco. Espero que eles o ajudem a endireitar.
"Aproveito para dar uma sugestão. O manancial de informação que vai sendo publicado no Blogue-fora-nada daqui a mais dá para fazer um livrinho (livrão!). Que tal começarmos a pensar na ideia? Leitores não hão-de faltar e as receitas das vendas podiam ser investidas num projecto (daqueles credíveis) que se encontre aqui pela Guiné. Vocês têm os textos e as fotos do antes. Eu ofereço-me para oferecer as do depois. Está lançada a ideia".
Comentário de L.G.: Vamos vender a ideia aos nossos amigos e camaradas de tertúlia. Vamos ver se há mercado para um livro destes. Mas, para já, o meu muito obrigado pela tua dispoonibilidade e generosidade. Tenho adorado as tuas fotos e os escritos. De vez em quando, vou lá roubar-te uma "chapa"...
2. Hoje fiquei mais tranquilo ao receber notícias do próprio Paulo Salgado (e do resto ou de parte da equipa: a Conceição, o Jorge Leal).
Ele mandou-me um poema e umas fotos recentes. Uma de cada vez, que o trágefo para aquelas bandas ainda não conhece as velocidades do nosso ADSL...
Que bom saber notícias dos nossos amigos que estão em Bissau!... Um grande abraço para todos eles, e o nosso muito obrigado pelas fotos que enriquecem o nosso album e que iremos divulgando no blogue.
Guiné-Bissau > Uaque > Novembro de 2005
© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005)
3. Texto do Paulo Salgado
Camaradas e Amigos
O Bombolom [do Paulo Salgado] não se calou! Podeis ter a certeza. Reinicio com um poema simples, dedicado ao Povo da Guiné. Mas há tantos e belos e profundos poemas que foram e são escritos por Poetas, grandes Poetas desta Terra.
Para onde?
Para onde vai a picada batida,
avermelhada,
crestada?
Para onde vão as crianças
brincando
sorridentes?
Para onde vão as mulheres
caminhando,
desassossegando?
Para onde vão os homens
cavando,
desbravando?
Povo deste País
– qual o teu futuro?
Povo deste País
- por que ainda sorris?
Paulo Salgado
Bissau, 27 de Novembro de 2005
Guiné- Bissau > Uaque > A picada de terra vermelha...
© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005 )
O Jorge Neto, a caminho da pátria, desta vez, de piroga... Espera-se que ainda chegue a tempo de comer o bacalhau com pencas do Natal de 2005.
© Jorge Neto (2005) :
1. Há dias perguntei ao Jorge Neto, autor do melhor blogue sobre a Guiné, o Africanidades:
"Tens sabido do Paulo Salgado ? Estou a estranhar o silêncio dele... Roubaram-lhe o portátil, deixou de dar notícias... Ele está no Hospital Simão Mendes. Vê se o topas. Não sei se o conheces pessoalmente. É um tipo fixe".
Respondeu-lhe o nosso corresponente em Bissau:
"Olá Luís, o Paulo Salgado mora mesmo ao meu lado, no Bairro da Cooperação, onde resido por inerência da minha esposa. Ele queixa-se que anda com muito trabalho e eu acredito, porque conheço o [Hospital]Simão Mendes e sei que de hospital tem muito pouco. Espero que eles o ajudem a endireitar.
"Aproveito para dar uma sugestão. O manancial de informação que vai sendo publicado no Blogue-fora-nada daqui a mais dá para fazer um livrinho (livrão!). Que tal começarmos a pensar na ideia? Leitores não hão-de faltar e as receitas das vendas podiam ser investidas num projecto (daqueles credíveis) que se encontre aqui pela Guiné. Vocês têm os textos e as fotos do antes. Eu ofereço-me para oferecer as do depois. Está lançada a ideia".
Comentário de L.G.: Vamos vender a ideia aos nossos amigos e camaradas de tertúlia. Vamos ver se há mercado para um livro destes. Mas, para já, o meu muito obrigado pela tua dispoonibilidade e generosidade. Tenho adorado as tuas fotos e os escritos. De vez em quando, vou lá roubar-te uma "chapa"...
2. Hoje fiquei mais tranquilo ao receber notícias do próprio Paulo Salgado (e do resto ou de parte da equipa: a Conceição, o Jorge Leal).
Ele mandou-me um poema e umas fotos recentes. Uma de cada vez, que o trágefo para aquelas bandas ainda não conhece as velocidades do nosso ADSL...
Que bom saber notícias dos nossos amigos que estão em Bissau!... Um grande abraço para todos eles, e o nosso muito obrigado pelas fotos que enriquecem o nosso album e que iremos divulgando no blogue.
Guiné-Bissau > Uaque > Novembro de 2005
© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005)
3. Texto do Paulo Salgado
Camaradas e Amigos
O Bombolom [do Paulo Salgado] não se calou! Podeis ter a certeza. Reinicio com um poema simples, dedicado ao Povo da Guiné. Mas há tantos e belos e profundos poemas que foram e são escritos por Poetas, grandes Poetas desta Terra.
Para onde?
Para onde vai a picada batida,
avermelhada,
crestada?
Para onde vão as crianças
brincando
sorridentes?
Para onde vão as mulheres
caminhando,
desassossegando?
Para onde vão os homens
cavando,
desbravando?
Povo deste País
– qual o teu futuro?
Povo deste País
- por que ainda sorris?
Paulo Salgado
Bissau, 27 de Novembro de 2005
Guiné- Bissau > Uaque > A picada de terra vermelha...
© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005 )
Guinbé 63/74 - P302: Catotinha, uma bajudinha manjaca (Rui Esteves)
O Furriel Enfermeiro Esteves com os seus meninos manjacos de Chulame (1971)
© Rui Esteves (2005)
Meu caro Luís,
Aqui vai o meu primeiro texto de memórias: falo da minha amiga Catotinha, uma bajuda manjaca, de 2 ou 3 anos, que foi minha convidada durante uns meses.
Trinta e quatro anos depois, espero que a minha amiga Catotinha esteja viva e de boa saúde.
Um abraço do
Rui Esteves
(ex-furriel miliciano enfermeiro, CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73) (1)
Catotinha, uma bajudinha manjaca
Tinha começado a estação das chuvas – nessa altura era em Maio; agora, que cada vez chove menos (a seca começa a estender-se para sul), será lá para Julho ou Agosto – e a minha CCaç [3327] foi dispersa por vários agrupamentos.
A Catotinha e a mãe (Chulame, 1971)
© Rui Esteves (2005)
Até aí, tínhamos montado segurança a umas centenas de trabalhadores que abriam caminho, à catanada, pela mata que fica entre Teixeira Pinto e Cacheu: estava a ser aberta a estrada entre as duas importantes localidades da Guiné-Bissau.
A mim coube-me ficar em Chulame, uma minúscula aldeia manjaca, junto do 2.º pelotão da CCAÇ 3327. O nosso “aquartelamento” estava integrado na povoação.
Logo pela manhã, 7 ou 8 horas, lá me aparecia a minha amiga Catotinha, uma bajudinha com 2 ou 3 anos, uns calções feitos de sobras de um “camuflado”, muito risonha: vinha tomar o pequeno almoço comigo.
A menina manjaca de Chulame, amiga do Furriel Enfermeiro (1971)
© Rui Esteves (2005)
Acabada a refeição, eu seguia para o posto de enfermagem – tinha sempre umas dezenas de pessoas para atender, quase todos da população de Chulame – e a minha amiga Catotinha ficava por perto, a brincar.
Vinha o almoço, vinha o jantar, e lá estava ela, calada, à espera que eu a chamasse.
Esta rotina durou 2 ou 3 meses. Um dia, ao fazer-lhe uma festa na cabeça, dei conta que ela se retraiu: fui ver e deparei com uma otite que já purgava.
Tive que tratar da minha amiga bajudinha: uma injecção de penicilina que dói que se farta (vi tantos militares quase a desmaiar!).
A minha amiga bajudinha não chorou, nem desmaiou, mas, aos pés dela cresceu um regatinho: Catotinha tinha feito um chichi.
Para os tratamentos seguintes já tive que ir buscá-la à tabanca onde vivia, e a Catotinha, perdida a vergonha, chorava, com a mãe dela a segurar enquanto eu dava a injecção.
A minha amiga bajudinha ficou curada, mas perdeu totalmente a confiança em mim.
Passado pouco tempo, em Novembro de 1971, recebemos ordem para seguirmos para Bissássema, região de Tite, e a Catotinha não se veio despedir, mas eu nunca me esqueci dela.
Hoje, se ainda for viva, a Catotinha deve ter cerca de 36 anos, é uma mulher no fim da vida, com cabelos brancos, muitos filhos, que, espero, tenha escapado à lepra e à elefantíase (duas doenças muito vulgares naquela região).
© Rui Esteves (2005)
_____________
(1) Mensagem de boas vindas, enviada anteriormente ao Rui:
Meu caro Rui:
É verdade, parece que foi ontem… De qualquer modo, que sejas bem vindo! Espero que te sintas bem nesta tertúlia. A época natalícia era a pior para quem vivia numa buraco, na Guiné. Ah!, as saudades, a tristeza, a revolta dos nossos vinte/vinte e dois anos…
És o primeiro furriel miliciano enfermeiro a dar sinal de vida. Também não tínhamos ninguém da zona de Tite. Acabei agora mesmo de publicar o teu texto no nosso blogue (2). Manda duas fotos tuas (uma antiga e uma actual), se quiseres. Vou pôr-te na nossa lista de e-mails e em contacto com os outros camaradas e amigos. Presumo que continues a trabalhar na área da saúde Fico à tua espera.
Luís Graça
(2) Vd. post de 29 de Novembrod e 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIX: Parece que foi ontem (CCAÇ 3327, 1971/73: Teixeira Pinto, Bissássema)
© Rui Esteves (2005)
Meu caro Luís,
Aqui vai o meu primeiro texto de memórias: falo da minha amiga Catotinha, uma bajuda manjaca, de 2 ou 3 anos, que foi minha convidada durante uns meses.
Trinta e quatro anos depois, espero que a minha amiga Catotinha esteja viva e de boa saúde.
Um abraço do
Rui Esteves
(ex-furriel miliciano enfermeiro, CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73) (1)
Catotinha, uma bajudinha manjaca
Tinha começado a estação das chuvas – nessa altura era em Maio; agora, que cada vez chove menos (a seca começa a estender-se para sul), será lá para Julho ou Agosto – e a minha CCaç [3327] foi dispersa por vários agrupamentos.
A Catotinha e a mãe (Chulame, 1971)
© Rui Esteves (2005)
Até aí, tínhamos montado segurança a umas centenas de trabalhadores que abriam caminho, à catanada, pela mata que fica entre Teixeira Pinto e Cacheu: estava a ser aberta a estrada entre as duas importantes localidades da Guiné-Bissau.
A mim coube-me ficar em Chulame, uma minúscula aldeia manjaca, junto do 2.º pelotão da CCAÇ 3327. O nosso “aquartelamento” estava integrado na povoação.
Logo pela manhã, 7 ou 8 horas, lá me aparecia a minha amiga Catotinha, uma bajudinha com 2 ou 3 anos, uns calções feitos de sobras de um “camuflado”, muito risonha: vinha tomar o pequeno almoço comigo.
A menina manjaca de Chulame, amiga do Furriel Enfermeiro (1971)
© Rui Esteves (2005)
Acabada a refeição, eu seguia para o posto de enfermagem – tinha sempre umas dezenas de pessoas para atender, quase todos da população de Chulame – e a minha amiga Catotinha ficava por perto, a brincar.
Vinha o almoço, vinha o jantar, e lá estava ela, calada, à espera que eu a chamasse.
Esta rotina durou 2 ou 3 meses. Um dia, ao fazer-lhe uma festa na cabeça, dei conta que ela se retraiu: fui ver e deparei com uma otite que já purgava.
Tive que tratar da minha amiga bajudinha: uma injecção de penicilina que dói que se farta (vi tantos militares quase a desmaiar!).
A minha amiga bajudinha não chorou, nem desmaiou, mas, aos pés dela cresceu um regatinho: Catotinha tinha feito um chichi.
Para os tratamentos seguintes já tive que ir buscá-la à tabanca onde vivia, e a Catotinha, perdida a vergonha, chorava, com a mãe dela a segurar enquanto eu dava a injecção.
A minha amiga bajudinha ficou curada, mas perdeu totalmente a confiança em mim.
Passado pouco tempo, em Novembro de 1971, recebemos ordem para seguirmos para Bissássema, região de Tite, e a Catotinha não se veio despedir, mas eu nunca me esqueci dela.
Hoje, se ainda for viva, a Catotinha deve ter cerca de 36 anos, é uma mulher no fim da vida, com cabelos brancos, muitos filhos, que, espero, tenha escapado à lepra e à elefantíase (duas doenças muito vulgares naquela região).
© Rui Esteves (2005)
_____________
(1) Mensagem de boas vindas, enviada anteriormente ao Rui:
Meu caro Rui:
É verdade, parece que foi ontem… De qualquer modo, que sejas bem vindo! Espero que te sintas bem nesta tertúlia. A época natalícia era a pior para quem vivia numa buraco, na Guiné. Ah!, as saudades, a tristeza, a revolta dos nossos vinte/vinte e dois anos…
És o primeiro furriel miliciano enfermeiro a dar sinal de vida. Também não tínhamos ninguém da zona de Tite. Acabei agora mesmo de publicar o teu texto no nosso blogue (2). Manda duas fotos tuas (uma antiga e uma actual), se quiseres. Vou pôr-te na nossa lista de e-mails e em contacto com os outros camaradas e amigos. Presumo que continues a trabalhar na área da saúde Fico à tua espera.
Luís Graça
(2) Vd. post de 29 de Novembrod e 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIX: Parece que foi ontem (CCAÇ 3327, 1971/73: Teixeira Pinto, Bissássema)
Guiné 63/74 - P301: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > 2005 > No tchon balanta... região de Porto Gole.
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos ao nosso amigo Jorge Neto.
Fonte: Africanidades > 21.11.05 > Tchon balanta (região balanta).
© Jorge Neto (2005)
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos ao nosso amigo Jorge Neto.
Fonte: Africanidades > 21.11.05 > Tchon balanta (região balanta).
© Jorge Neto (2005)
Caros camaradas
Estamos já em época natalícia e vou dar-vos uma de prosa, para amenizar (será?...). Tem sido uma das ideias dos meus natais.
A. Marques Lopes
Nota de L.G.:
Amigos e camaradas, esta estória comoveu-me. É a coisa mais linda que eu podia ler neste Natal. Ela foi decididamente escrita com sangue e lágrimas. É sobretudo reveladora da grandeza de alma do nosso amigo e camarada A. Marques Lopes que, em 7 de Julho de 1967, estava no sítio errado, em Samba Culo.
Estamos já em época natalícia e vou dar-vos uma de prosa, para amenizar (será?...). Tem sido uma das ideias dos meus natais.
A. Marques Lopes
Nota de L.G.:
Amigos e camaradas, esta estória comoveu-me. É a coisa mais linda que eu podia ler neste Natal. Ela foi decididamente escrita com sangue e lágrimas. É sobretudo reveladora da grandeza de alma do nosso amigo e camarada A. Marques Lopes que, em 7 de Julho de 1967, estava no sítio errado, em Samba Culo.
Ele era alferes miliciano da CART 1690, sediada em Geba. Não creio que o luto das nossas perdas se possa fazer de uma vez por todas. Escrever e partilhar a escrita ajudam a fazer o luto de tudo aquilo que perdemos quando tínhamos vinte anos e fazíamos a guerra na Guiné... Obrigado, António.
A professor de Samba Culo
Ali estava ela, jovem e bela como a conheci há trinta anos, mas agora com um olhar calmo e um sorriso nos lábios, vi-a na expectativa do meu abraço. E abracei-a... e chorei (...).
Professora, este jovem é o Cinco, que me trouxe de jeep até aqui, e este é o Blétch Intéte, filho da siguê (1) dos balantas de Barro. O outro teu patrício, homem-grande (2), é o Cacuto Seidi, chefe da tabanca (3) de Barro. Foi ele que me disse que o Blétch Intéte tem irã (4) e que só ele podia fazer com que eu te encontrasse. A minha chegada aqui, há trinta anos, foi muito diferente, como deves calcular, e não me refiro, evidentemente, às razões de cada uma das viagens. Desta vez, assim que pisei o aeroporto Osvaldo Vieira (5), tive de levar as mãos ao peito para que o coração não me abandonasse. Por mais esforços, por mais conversas apaziguadoras, durante as quatro horas que durou a viagem, não consegui acalmá-lo nem convencê-lo de que era preciso dominar a ansiedade e moderar os desejos de ti. Perdido, cego de alegria e paixão, chegara a hora da realização do sonho de vários anos, depois de desvanecidos todos os fantasmas, é claro, porque, quando saí daqui a primeira vez, evacuado para o hospital, este coração estava enraivecido com vocês todos, que me tinham ferido e matado amigos meus. Passados nove meses, aqui voltei, para continuar na guerra, é verdade, ainda confuso mas já sem ódio e desejoso de entender o que se passava. Foi nessa minha fase, Professora, que nos conhecemos, quando dei contigo na tua escola de Samba Culo, naquela manhã de 7 de Julho (6). Da segunda vez que abandonei a Guiné e deixei a guerra, a minha vontade e empenho foi esquecê-la, varrer-vos a todos da minha memória, lavar as marcas do sangue dos meus amigos, do meu próprio, e também do vosso, banir o medo e o cansaço que se me entranhara na alma ao percorrer as matas deste chão que, agora, vê lá!, reguei com lágrimas de alegria e de saudade consolada. Para aqui chegar, frequentei bares e prostitutas, acumulei sessões contínuas no Olímpia (7), fui estudante mas nunca acabei cursos, percorri a Europa, estive em Paris, no Quartier Latin das minhas leituras, Londres, vi a Royal Guard e a rainha, Roma, não vi o Papa porque estava de férias em Castelgandolfo, e vê lá que me atrevi a passar a cortina de ferro, em Praga, Moscovo, onde namorei uma soviética na Praça Vermelha, a tchetchena Aniuska, Leninegrado e Kiev, fui activista sindical e militante político, participei em primeiros de Maio, fiz trabalhos clandestinos e levei porrada da polícia, dormi em esquadras, casei-me, fiz filhos e apanhei bebedeiras, bati nos filhos e descasei-me, conheci muitas mulheres, fiz amor por todo o lado, levei muitas negas e passei noites de solidão, dormi em bancos de jardim e debaixo de árvores, mas nunca te esqueci, não houve prazer-anfetamina que cauterizasse esta memória em carne viva nem bebida que a afogasse, cansei-me da vida, como me cansara antes para não morrer, e pensei em matar-me. Mas, olha, não consegui, não por causa de Deus, pois nesse período nunca fui à missa e nunca me confessei. Não o fiz porque tinha começado a amar-te e não queria morrer sem voltar a ver-te, sem deixar de to dizer.(...)
Está a ficar noite e tenho três horas para chegar a Bissau. Cinc, prépare le jeep, nous en allons tout de suite. Sabes, professora, porque é que o meu condutor se chama Cinco? Nasceu no dia 5 de Maio e é o quinto filho de sua mãe, que decidiu dar-lhe esse nome tão significativo. Não, não te preocupes que ele não percebeu nada da nossa conversa, além do crioulo só sabe francês, pois frequentou apenas uma escola em Dakar. É que, professora, nasceu há 23 anos, muito depois daquele dia em que tive de te abrir o ventre com uma rajada de G3 por te ver empunhar a kalash que tinhas pendurada no quadro da escola. Ele não estava aqui entre os teus meninos. Se tivesse estado, saberia falar e escrever português, com certeza. Sei que foste uma boa professora. Vi que escrevias no quadro as palavras com o desenho correspondente para os teus alunos identificarem bem em português os objectos do seu dia-a-dia. Vi os livros por onde aprendiam a ler, vi os cadernos de redacção e de cópias. Está descansada, não matei nenhum deles, garanto-te. Devem estar por aí, cidadãos do teu país (...).
Uma escola do PAIGC, em "região libertada"...
Tal e qual como a que as forças da CART 1690 destruiram na Op Inquietar II (4 a 7 de Julho de 1967) e em que morreu a jovem professora, aqui evocada pelo autor.
© Agência de Notícias Xinhua (1972)
Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” (8) e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...) Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora. (...)
© A. Marques Lopes (2005)
______
(1) Feiticeira tribal
(2) Homem idoso, respeitável, aceite como autoridade pelos mais novos da povoação.
(3) Povoação.
(4) Irã, entre os balantas, que são animistas, é qualquer ser da natureza, árvore ou animal, ou qualquer objecto a que é atribuído poder mágico. «Tem irã» significa ter poder sobrenatural que é preciso respeitar e temer.
(5) Aeroporto de Bissau, a que foi dado o nome de Osvaldo Vieira, herói do PAIGC, morto durante a guerra de libertação.
(6) vd. post de A. Marques Lopes, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II :
" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida".
(7) Cinema popular na Rua dos Condes, em Lisboa.
(8) Está quieta aí!
A professor de Samba Culo
Ali estava ela, jovem e bela como a conheci há trinta anos, mas agora com um olhar calmo e um sorriso nos lábios, vi-a na expectativa do meu abraço. E abracei-a... e chorei (...).
Professora, este jovem é o Cinco, que me trouxe de jeep até aqui, e este é o Blétch Intéte, filho da siguê (1) dos balantas de Barro. O outro teu patrício, homem-grande (2), é o Cacuto Seidi, chefe da tabanca (3) de Barro. Foi ele que me disse que o Blétch Intéte tem irã (4) e que só ele podia fazer com que eu te encontrasse. A minha chegada aqui, há trinta anos, foi muito diferente, como deves calcular, e não me refiro, evidentemente, às razões de cada uma das viagens. Desta vez, assim que pisei o aeroporto Osvaldo Vieira (5), tive de levar as mãos ao peito para que o coração não me abandonasse. Por mais esforços, por mais conversas apaziguadoras, durante as quatro horas que durou a viagem, não consegui acalmá-lo nem convencê-lo de que era preciso dominar a ansiedade e moderar os desejos de ti. Perdido, cego de alegria e paixão, chegara a hora da realização do sonho de vários anos, depois de desvanecidos todos os fantasmas, é claro, porque, quando saí daqui a primeira vez, evacuado para o hospital, este coração estava enraivecido com vocês todos, que me tinham ferido e matado amigos meus. Passados nove meses, aqui voltei, para continuar na guerra, é verdade, ainda confuso mas já sem ódio e desejoso de entender o que se passava. Foi nessa minha fase, Professora, que nos conhecemos, quando dei contigo na tua escola de Samba Culo, naquela manhã de 7 de Julho (6). Da segunda vez que abandonei a Guiné e deixei a guerra, a minha vontade e empenho foi esquecê-la, varrer-vos a todos da minha memória, lavar as marcas do sangue dos meus amigos, do meu próprio, e também do vosso, banir o medo e o cansaço que se me entranhara na alma ao percorrer as matas deste chão que, agora, vê lá!, reguei com lágrimas de alegria e de saudade consolada. Para aqui chegar, frequentei bares e prostitutas, acumulei sessões contínuas no Olímpia (7), fui estudante mas nunca acabei cursos, percorri a Europa, estive em Paris, no Quartier Latin das minhas leituras, Londres, vi a Royal Guard e a rainha, Roma, não vi o Papa porque estava de férias em Castelgandolfo, e vê lá que me atrevi a passar a cortina de ferro, em Praga, Moscovo, onde namorei uma soviética na Praça Vermelha, a tchetchena Aniuska, Leninegrado e Kiev, fui activista sindical e militante político, participei em primeiros de Maio, fiz trabalhos clandestinos e levei porrada da polícia, dormi em esquadras, casei-me, fiz filhos e apanhei bebedeiras, bati nos filhos e descasei-me, conheci muitas mulheres, fiz amor por todo o lado, levei muitas negas e passei noites de solidão, dormi em bancos de jardim e debaixo de árvores, mas nunca te esqueci, não houve prazer-anfetamina que cauterizasse esta memória em carne viva nem bebida que a afogasse, cansei-me da vida, como me cansara antes para não morrer, e pensei em matar-me. Mas, olha, não consegui, não por causa de Deus, pois nesse período nunca fui à missa e nunca me confessei. Não o fiz porque tinha começado a amar-te e não queria morrer sem voltar a ver-te, sem deixar de to dizer.(...)
Está a ficar noite e tenho três horas para chegar a Bissau. Cinc, prépare le jeep, nous en allons tout de suite. Sabes, professora, porque é que o meu condutor se chama Cinco? Nasceu no dia 5 de Maio e é o quinto filho de sua mãe, que decidiu dar-lhe esse nome tão significativo. Não, não te preocupes que ele não percebeu nada da nossa conversa, além do crioulo só sabe francês, pois frequentou apenas uma escola em Dakar. É que, professora, nasceu há 23 anos, muito depois daquele dia em que tive de te abrir o ventre com uma rajada de G3 por te ver empunhar a kalash que tinhas pendurada no quadro da escola. Ele não estava aqui entre os teus meninos. Se tivesse estado, saberia falar e escrever português, com certeza. Sei que foste uma boa professora. Vi que escrevias no quadro as palavras com o desenho correspondente para os teus alunos identificarem bem em português os objectos do seu dia-a-dia. Vi os livros por onde aprendiam a ler, vi os cadernos de redacção e de cópias. Está descansada, não matei nenhum deles, garanto-te. Devem estar por aí, cidadãos do teu país (...).
Uma escola do PAIGC, em "região libertada"...
Tal e qual como a que as forças da CART 1690 destruiram na Op Inquietar II (4 a 7 de Julho de 1967) e em que morreu a jovem professora, aqui evocada pelo autor.
© Agência de Notícias Xinhua (1972)
Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” (8) e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...) Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora. (...)
© A. Marques Lopes (2005)
______
(1) Feiticeira tribal
(2) Homem idoso, respeitável, aceite como autoridade pelos mais novos da povoação.
(3) Povoação.
(4) Irã, entre os balantas, que são animistas, é qualquer ser da natureza, árvore ou animal, ou qualquer objecto a que é atribuído poder mágico. «Tem irã» significa ter poder sobrenatural que é preciso respeitar e temer.
(5) Aeroporto de Bissau, a que foi dado o nome de Osvaldo Vieira, herói do PAIGC, morto durante a guerra de libertação.
(6) vd. post de A. Marques Lopes, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II :
" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida".
(7) Cinema popular na Rua dos Condes, em Lisboa.
(8) Está quieta aí!
Guiné 63/74 - P300: Tabanca Grande: Parece que foi ontem (CCAÇ 3327, 1971/73: Teixeira Pinto, Bissássema) (Rui Esteves)
Caro Luís Graça,
Chamo-me Rui Esteves, tenho 57 anos de idade, fui furriel miliciano enfermeiro. Pertenci à Companhia de Caçadores 3327, formada nos Açores,companhia denominada independente.
Chegámos a Bissau em Janeiro de 1971; regressámos em Janeiro de 1973.
Estivemos na zona de Teixeira Pinto / Cacheu ("acampámos"ao longo de meses ao longo da estrada que começou em Teixeira Pinto: a dormir no chão; sem água para banhos; sem qualquer construção que não fosse feita de folhas de palmeira).
Aqui morreu o único soldado da nossa companhia.
Quando começou a estação das chuvas, fomos distribuídos por vários aquartelamentos da zona.
Em Novembro fomos transferidos para a zona de Tite, para Bissássema (1), onde rendemos uma CCAÇ que estava muito desmoralizada e com muitas baixas quer em combate quer por motivos de saúde.
Encontrei aqui um rapaz que tinha feito a recruta comigo, nas Caldas da Raínha: falo do Pedro Alegre, que tinha um jeitão para a música e um azar do caneco em tudo o que se metia.
Os meses foram passando, escorrendo devagar... O tempo que eu passei a olhar para dentro, a sonhar com a vida aqui; os meus projectos para quando regressasse !
Em Janeiro de 1973, prestes a completar 24 meses de comissão, regressámos à Metrópole.
Tivemos sorte, as Companhias que se seguiram já fizeram 27, 28 meses de comissão...
Parece que foi ontem, e já estamos aqui quase a verificar na prática como será quando tiver 64 anos (lembram-se do When I'm Sixty-Four, do album Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band ?).
Voltarei a dar sinal.
Um abraço,
Rui Esteves
Os meus contactos:
Telemóvel (...)
E-mail: ruber@netcabo.pt
_____
(1) Em frente a Bissau, na margem esquerda do Rio Geba. Vd. Carta da Guiné.
Chamo-me Rui Esteves, tenho 57 anos de idade, fui furriel miliciano enfermeiro. Pertenci à Companhia de Caçadores 3327, formada nos Açores,companhia denominada independente.
Chegámos a Bissau em Janeiro de 1971; regressámos em Janeiro de 1973.
Estivemos na zona de Teixeira Pinto / Cacheu ("acampámos"ao longo de meses ao longo da estrada que começou em Teixeira Pinto: a dormir no chão; sem água para banhos; sem qualquer construção que não fosse feita de folhas de palmeira).
Aqui morreu o único soldado da nossa companhia.
Quando começou a estação das chuvas, fomos distribuídos por vários aquartelamentos da zona.
Em Novembro fomos transferidos para a zona de Tite, para Bissássema (1), onde rendemos uma CCAÇ que estava muito desmoralizada e com muitas baixas quer em combate quer por motivos de saúde.
Encontrei aqui um rapaz que tinha feito a recruta comigo, nas Caldas da Raínha: falo do Pedro Alegre, que tinha um jeitão para a música e um azar do caneco em tudo o que se metia.
Os meses foram passando, escorrendo devagar... O tempo que eu passei a olhar para dentro, a sonhar com a vida aqui; os meus projectos para quando regressasse !
Em Janeiro de 1973, prestes a completar 24 meses de comissão, regressámos à Metrópole.
Tivemos sorte, as Companhias que se seguiram já fizeram 27, 28 meses de comissão...
Parece que foi ontem, e já estamos aqui quase a verificar na prática como será quando tiver 64 anos (lembram-se do When I'm Sixty-Four, do album Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band ?).
Voltarei a dar sinal.
Um abraço,
Rui Esteves
Os meus contactos:
Telemóvel (...)
E-mail: ruber@netcabo.pt
_____
(1) Em frente a Bissau, na margem esquerda do Rio Geba. Vd. Carta da Guiné.
Guiné 63/74 - P299: O Saltitão (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72) (Manuel Melo)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 2001:
O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho. Segundo o testemunho deste ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sediado em Bambadinca (1970/72), o Saltinho era um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo).
Em 2001 revisitou, com um gurpo de amigos, os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos". Essa companhia era CCAÇ 2701 (1870/72)...
A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...
© David J. Guimarães (2005)
1. Mensagem do Manuel Melo:
Fui militar da Companhia de Caçadores 2701, comandada pelo capitão Carlos Trindade Clemente, no sítio do Saltinho, Guiné-Bissau, no período de 1970/72 e navegando na NET, verifiquei que era feita, por si, alusão a uma publicação da dita Companhia, denominada o Saltitão, que gostaria de ter como recordação e que infelizmente não sei o modo como possa adquirir exemplares, pelo que solicito a sua ajuda.
2. Resposta de L.G.:
Amigo e camarada:
Vou pôr-te em contacto com os membros da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné. Pode ser que alguém conheça a tua companhia (CCAÇ 2701) que esteve no Saltinho, no período de 1970/72 e te arranje cópia do jornal de caserna, O Saltitão.
Julgo que vai ser muito difícil. Talvez o A. Marques Lopes te possa dizer onde consultar um exemplar, talvez no Arquivo Histórico-Militar. Alguns de nós conheceram o Saltinho e fizeram operações com malta de lá. Se quiseres, junta-te a nós, manda uma foto tua (uma antiga e uma actual). E conta-nos algumas das tuas estórias. Pode ser?
Um abraço.
3. Mensagem do A. Marques Lopes:
O camarada Marques Lopes manda dizer que na Biblioteca do Exército (Rua Museu de Artilharia, 1149-065 Lisboa; telefone: 21 854 1025; e-mail: bibex@mail.exercito.pt) é possível consultar (e fotocopiar) O Saltitão, publicado em 1971 pela Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268. Director:Cap. Inf. Carlos Trindade Clemente.
4. Nova mensagem do Manuel Melo:
Agradeço o seu contributo para a descoberta do Saltitão [...] Tenho fotos minhas antigas que enviarei logo que possível, juntamente com uma recente. No que diz respeito a estórias militares tenho feito o possível por esquecê-las, o que é difícil. Nunca esqueci nem esquecerei os camaradas que comigo viveram alguns períodos menos bons.
Em breve darei mais notícias minhas.
O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho. Segundo o testemunho deste ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sediado em Bambadinca (1970/72), o Saltinho era um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo).
Em 2001 revisitou, com um gurpo de amigos, os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos". Essa companhia era CCAÇ 2701 (1870/72)...
A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...
© David J. Guimarães (2005)
1. Mensagem do Manuel Melo:
Fui militar da Companhia de Caçadores 2701, comandada pelo capitão Carlos Trindade Clemente, no sítio do Saltinho, Guiné-Bissau, no período de 1970/72 e navegando na NET, verifiquei que era feita, por si, alusão a uma publicação da dita Companhia, denominada o Saltitão, que gostaria de ter como recordação e que infelizmente não sei o modo como possa adquirir exemplares, pelo que solicito a sua ajuda.
2. Resposta de L.G.:
Amigo e camarada:
Vou pôr-te em contacto com os membros da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné. Pode ser que alguém conheça a tua companhia (CCAÇ 2701) que esteve no Saltinho, no período de 1970/72 e te arranje cópia do jornal de caserna, O Saltitão.
Julgo que vai ser muito difícil. Talvez o A. Marques Lopes te possa dizer onde consultar um exemplar, talvez no Arquivo Histórico-Militar. Alguns de nós conheceram o Saltinho e fizeram operações com malta de lá. Se quiseres, junta-te a nós, manda uma foto tua (uma antiga e uma actual). E conta-nos algumas das tuas estórias. Pode ser?
Um abraço.
3. Mensagem do A. Marques Lopes:
O camarada Marques Lopes manda dizer que na Biblioteca do Exército (Rua Museu de Artilharia, 1149-065 Lisboa; telefone: 21 854 1025; e-mail: bibex@mail.exercito.pt) é possível consultar (e fotocopiar) O Saltitão, publicado em 1971 pela Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268. Director:Cap. Inf. Carlos Trindade Clemente.
4. Nova mensagem do Manuel Melo:
Agradeço o seu contributo para a descoberta do Saltitão [...] Tenho fotos minhas antigas que enviarei logo que possível, juntamente com uma recente. No que diz respeito a estórias militares tenho feito o possível por esquecê-las, o que é difícil. Nunca esqueci nem esquecerei os camaradas que comigo viveram alguns períodos menos bons.
Em breve darei mais notícias minhas.
Subscrever:
Mensagens (Atom)