quarta-feira, 13 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1842: 10 de Junho: Nós também estivemos lá (A. Marques Lopes / Lema Santos)

Lisboa > Belém > Monumento aos Combatentes > 10 de Junho de 2007 > 14º Encontro Nacional de Combatentes > No foto, podem reconhecer-se alguns camaradas nossos, membros da nossa tertúlia, a começar pelo Xico Allen (na ponta direita), o Fernando Chapouto, o Casimiro Vieira da Silva e o A. Marques Lopes... À esquerda, reconheço o Tino Neves e o António Santos. O Xico, o Casimiro e o Marques Lopes vieram do Porto. Tive pena (LG)



Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.



Mensagem do A. Marques Lopes:




Nós também estivemos lá. Estivemos vários da tertúlia. Os que vêem e o Vacas de Carvalho, que não está nela. Os que vi, porque estiveram outros. Esta fotografia é do Lema Santos, que estava a disparar, e não está por isso.



Lá encontrei muitos guineenses e pude falar com eles. Para meu espanto, também encontrei o sheik David Munir, que cumprimentei. Estava, certamente, para encontrar alguns dos seus fiéis da mesquita de Lisboa.



O Hernâni Lopes, que discursou, foi da Reserva Naval e esteve também na Guiné. É um ex-combatente e merece respeito como tal. No entanto, estou de acordo com o Amílcar Mendes (1): era bom, abandonado os discursos de ocasião, que houvesse "um dia só com ex-combatentes e aproveitar a ocasião para tratarmos de coisas úteis aos ex-combatentes". Seria bom. As Associações que se entendam para isso. Parece-me que aí é que há dificuldades.


Abraço


A. Marques Lopes



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Nota de L.G.:



(1) Vd. post de 12 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1842: Estive no 10 de Junho... e que bem que me soube olhar aquela multidão de boinas e de cabelos brancos... (A. Mendes, 38ª CCmds)

terça-feira, 12 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1841: Estive no 10 de Junho... e que bem que me soube olhar aquela multidão de boinas e de cabelos brancos... (A. Mendes, 38ª CCmds)


1. Texto do nosso camarada Amílcar Mendes, da 38ª CCmds:


Luís Graça, no dia 10 de Junho, dia que alguém um dia se lembrou de apelidar o dia do ex-combatente, eu fui lá a Belém (1).

Eu fui lá, mas antes de te contar as emoções que senti deixa-me desabafar!

Dia do COMBATENTE! Essa é boa. Digamos que é o dia em que ex-combatentes se encontram para prestar homenagem aos nossos mortos e em que temos de ouvir um discurso apalavrado a bajular-nos para nos manter quietos. Estive lá e ouvi um senhor a botar discurso que não fez o mínimo sentido. Chamam os jornalistas àquele tipo de discurso Encher Chouriços. E ele nem sequer foi combatente e nem lá estava para fazer merda nenhuma por eles. Estava a cumprir calendário.

Porra, façam alguma coisa por aqueles que ainda estão doentes da alma, por aqueles que ainda hoje não se conseguiram encontrar, por aqueles que esperam ansiosamente um dia do ano para poderem estar junto daqueles que falam a mesma linguagem e para quem aquela conversa chata sobre guerra faz todo o sentido e não é de forma nenhuma uma seca!

Estive lá, Luís, e que bem que me soube olhar aquela multidão de boinas... verdes, amarelas, vermelhas, pretas, castanhas ou só aqueles cabelos brancos ao vento. Estive lá, Luis, e sabes que mais? Já ninguem está triste por sucessivos Governos não terem feito nada pelos ex-combatentes porque todos temos consciência que o fardo dos ex-combatentes está a pouco tempo de acabar. Assim sem mais nem menos. Sabes Luís, que ao falar com muitos deles já ninguém espera nada de nada do governo, estão resignados.

Fiquei surpreso com a quantidade de associações que representam os ex-combatentes. Assim, tão dispersos por várias, não temos força em nenhuma, mas não será isso que alguém quer?
Mas foi um dia lindo. Apenas faço uma pergunta a uma das muitas associações que esteve presente:
-Será possível termos o dia do ex-combatente só com ex-combatentes, sem discurssos de ocasião, e aproveitar a ocasião para tratarmos de coisas úteis aos ex-combatentes? Digamos, um dia mais [para os] ex-combatentes.

Gostaria de ouvir a opinião dos camaradas do blogue. Um abraço a todos.

A. Mendes,
ex-1ºcabo da 38ª Companhia de COMANDOS
Guiné, 1972/74

PS - Amigo Luis Graça, assim que eu puder vou-te fazer chegar as mãos o CD dos COMANDOS, que é um documento fantástico (2). Um abraço. A. Mendes.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. programa do 14º Encontro Nacionald e Combatentes > Vd. sítio da Comissão Executiva do Encontro Nacional de Combatentes. O discurso este ano foi feito pelo Professor Doutor Hernâni Lopes, antigo ministro das finanças, e que foi Oficial da Reserva Naval, pertencendo nessa condição à Associação dos Oficiais da Reserva Naval (AORN).

(2) Há dias eu tinha-lhe escrito: "A propósito, vi ontem na televisão um reportagem sobre o lançamento de um DVD com a história dos comandos em Portugal (3). Entre outros, vi o Folques, já aqui falado diversas vezes. Quando tiveres um tempinho livre, peço-te para nos falares desse DVD cujo conteúdo eu ainda não conheço".

Vd. post de 9 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1827: Convívios (14): 38ª Companhia de Comandos, Pínzio, Vilar Formoso, 9 de Junho de 2007 (A. Mendes)

(3) Comandos - Um Contributo para a História - 1962/2006. [DVD]

É um documentário de cerca de 100 minutos, da autoria do jornalista Carlos Santos, com imagens dos arquivos do Exército, RTP e SIC e com depoimentos de diversos Comandos. Acabou de ser lançado em Lisboa, no passado dia 8 do corrente, no auditório do Instituto de Defesa Nacional.

A história dos Comandos remonta a 1962, ano em que nasceram em Angola (Zemba e Quibala). Estiveram depois sediados em diversos locais: Luanda, Namaacha, Montepuez, Brá (Bissau), Lamego, Amadora, Carregueira e, mais recentemente, Mafra.

Segundo Carlos Santos, trata-se de "um documento que, pelas imagens e pelos depoimentos recolhidos, fala dos Comandos e da sua História: de como se formam e como agem; do caminho percorrido desde a sua fundação até aos dias de hoje - de África ao 25 de Novembro, de Timor-Leste ao Afeganistão. E dos seus Heróis".

Guiné 63/74 - P1840: A trágica história dos sapadores Alho e Fernandes da CCS do BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (César Dias / Germano Santos)

1. Mensagem do César Dias, com data de 4 de Junho corrente, enviada ao novo membro da nossa tertúlia Germano Santos:

Camarada Germano Santos:

Sou o César Dias, também como tu um tertuliano da grande caserna, sempre com o Luís Graça de plantão.

Santos, atrevo-me a enviar-te este e-mail por termos em comum o facto de termos feito a comissão em Mansoa.

Fui um dos Furriéis Milicianos Sapadores do BCAÇ 2885 que , como sabes, foi rendido pelo teu BCAÇ 3832.

A parte final da minha comissão foi passada em Mansabá, onde o vosso pelotão de sapadores nos rendeu. Um dos furriéis era do meu concelho (Torres Novas), o Furriel Alho.

Ainda estávamos no Cumeré à espera de embarque e tivemos a notícia que tinham falecido, ele e outro Furriel, que penso eu seria o Fernandes.

Será que tens mais pormenores sobre esse triste episódio?

Agradeço-te, caso possas adiantar alguma coisa sobre isto. Por agora dou-te as boas vindas a esta grande caserna, verás que te sentirás bem em partilhar as tuas memórias connosco.

Um abraço
César Dias
Santiago do Cacém

2. Resposta do Germano Santos (2):


Camarada César Dias,

Obrigado pelo teu mail. Hoje mesmo recebi também um mail do nosso camarada Luís Graça. Fico contente por participar e estar integrado na tertúlia. Já estou a divulgar o blogue por vários camaradas do meu Batalhão.

O que sei sobre o Alho e o Fernandes é que pertenciam à CCS do Batalhão como sapadores e na altura estavam a servir uma das Companhias do mesmo, a CCAÇ 3304.

Pelo que me disseram, eles foram montar umas minas e estavam a ser observados pelos elementos do PAIGC. Quando retiraram, os elementos do PAIGC levantaram as minas e colocaram-nas uns metros adiante. Passados dias, os nossos camaradas foram observar o local e acabaram por pisar as próprias minas que tinham colocado, mas que não estavam onde as tinham posto.

Esta é a história que me foi contada, mas que posso tentar confirmar junto do Alferes Amorim, que era o responsável pelos sapadores.

Como és da zona de Torres Novas, gostava de te perguntar se conheces um fulano chamado Rito Rodrigues, que mora em Riachos e trabalha em Torres Novas, num Banco (salvo erro o antigo Banco Nacional Ultramarino). Ele era o Alferes responsável pelas transmissões do BCAÇ 3832.

Por agora, fico-me por aqui, mas prometo continuar a dar notícias.

Um grande abraço.
Germano Santos
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)

1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1557: No regresso éramos menos 32 (César Dias, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1813: Os heróis desconhecidos de Cussanja, os balantas das boinas amarelas (César Dias)

(2) Vd. post de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73

Guiné 63/74 - P1839: 10 de Junho de 2007: Manifestação da Associação dos Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Junho, o mês das mangas > "A caça às mangas : Sabem a mel, as mangas de Junho. Enganam a fome e divertem os miúdos, que se entretêm a derrubá-las da árvore com tiros certeiros. No tempo das mangas há pedrada que ferve! E de quando em vez um pára-brisas partido, dum veículo estacionado debaixo de uma mangueira. No tempo das mangas todos enchem a barriga" (Fonte: Africanidades, blogue do Jorge Rosmaninho > 30 de Maio de 2007)

Foto: Africanidades (2007) (com a devida vénia...).


Notícia da Lusa, divulgada pelo Diário Digital (Secção: Sociedade), e que chega ao nosso blogue por mão do A. Marques Lopes, o mais bem informado, de todos nós, sobre a actualidade política, social e económica da Guiné-Bissau.


FAP/Guiné: Antigos combatentes reivindicam pensões e reformas

Diário Digital / Lusa > 10-06-2007


Mais de 50 antigos combatentes guineenses das Forças Armadas Portuguesas (FAP) manifestaram-se este domingo frente à Embaixada de Portugal em Bissau para reivindicar o pagamento de pensões e reformas (1).

«Estamos aqui a reivindicar os nossos direitos que são reformas, pensões de sangue e invalidez» para as pessoas que, há 34 anos, combateram do lado dos portugueses, afirmou o presidente da Associação dos Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau, Marques Vieira.

«França, Inglaterra e Alemanha pagaram os direitos aos seus antigos combatentes, porque razão Portugal não paga aos seus?», questionou o responsável, adiantando que também pretendem saber se vão «ser pagos na Guiné-Bissau ou se vai tudo para Portugal».

Lembrando que há antigos combatentes doentes sem assistência médica, o porta-voz da associação, Malam Mané, frisou que, quando os portugueses se foram embora daquele território, os guineenses foram perseguidos e alguns fuzilados.

Nesse sentido, a Associação dos Combatentes Portugueses da Guiné-Bissau apela ao Estado português para assumir as suas responsabilidades, após já se terem manifestado no passado dia 25 de Abril, com as mesmas exigências.

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Nota de L.G.:

(1) Sobre o problema dos antigos combatentes africanos e suas (justas) reivindicações, vd. posts de:

27 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P998: Antigos combatentes: sem pernas, sem braços mas com memória (Jorge Neto)

7 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1156: Dar voz (e fazer justiça) aos antigos combatentes africanos (Jorge Rosmaninho)

Guiné 63/74 - P1838: Camaradas que já nos deixaram (3): O Ex-Alferes Médico Martins Faria, da CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/71 (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > Da esquerda para a direita: tripulação do heli, Alf Mota (CCAÇ 2701), Alf Santiago (Pel Caç Nat 53), General Spínola, Cap Clemente (Cmdt da CCAÇ 2701), Cap Tomás (ajudante de campo do Spínola), sendo o último da direita o Alf Médico Marins Faria (do BCAÇ 3872).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

Mensagem do Paulo Santiago, enviada hoje por volta das 10h:

Luís e Carlos:

Há poucos minutos, recebi um telefonema do Carlos Santos [ex-Fur Mil da CCAÇ 2701, Saltinmho, 1970/72], que me deixou chocado e entristecido. Morreu, na passada 4ªfeira, o ex-Alf Mil Médico Martins Faria, natural de e residente em Guimarães (1).

Conheci o Faria, quando cheguei ao Saltinho em Outubro de 1970. A CCAÇ 2701 era uma das poucas CCAÇ que, na altura tinha Médico, sendo também a CART [2716] do Xitole ( onde estava o Dr. Nunes de Matos) outra das privilegiadas.

Quando eu estava em Bambadinca, o Faria foi transferido para uma sede de Batalhão, do qual me falha completamente o nome, neste momento.

O ex-Alf Mil Faria era um excelente Médico e um grande camarada, grande conversador e grande companheiro para jogar King. Quando o uísque esgotava no bar, era ao stock do Faria que recorríamos (2).

Nestes últimos anos, costumávmos marcar um encontro para um almoço, eu, o ex-Fur Mil Carlos Santos, os ex-Alf Mil Mota e Julião, o Clemente [ex-comandante da CCAÇ 2701], o ex-Fur Mil Belarmino e, enquanto vivo, o 1º Sargento Picado.

Em 12 de Maio houve um destes almoços, não fui, estava num torneio [de râguebi] em França e soube, através do Santos, que o Faria também não estaria presente, devido a uma operação que fizera à cabeça, não sendo portanto já muito boa a sua saúde.

Isto é tudo tão rápido. Hoje, a filha do Faria, também Médica, telefonou ao Santos, dando-lhe a má notícia e dizendo que o pai se lembrou de nós nas últimas horas de vida.

Mando esta mensagem que, além de evocar um camarada e amigo, poderá encontrar algum tertuliano que tenha passado pelas mãos do Médico Martins Faria. Descanse em Paz.

Paulo Santiago

Ex-alf mil,
Cmdt do Pel Caç Nat 53
(Saltinho , 1970/72).
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Nota de L.G.

(1) Julgo tratar-se do Dr. José Alberto Martins Faria, médico especialista em obstetrícia/ginecologia, sócio da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Ginecologia, com residência na Rua Alexandre Herculano, 200, 6º Esq., 4800-026 Guimarães. Tratando-se, de facto, da mesma pessoa, dava consultas de ginecologia/obstetrícia na Casa de Saúde de Guimarães.

(2) Vd. post de 13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

(...) "Não posso esquecer o Médico, Martins Faria, de Guimarães, excelente clínico e excelente pessoa.

"Havia no Saltinho uma regra, não escrita, mas era cumprida. Quando vinham as colunas, vinham várias caixas de uísque, por vezes havia desvios, e penso que em muitas companhias era costume fazer uma distribuição daquelas marcas mais conceituadas, ficando para beber as mais vulgares. Ali não havia distribuição, primeiro bebia-se, quando chegasse nova coluna, caso ainda sobrasse alguma das tais garrafas, vendia-se, prioritariamente, a quem estivesse para vir de férias, fosse oficial, sargento ou soldado" (...).

Guiné 63/74 - P1837: Pensando na Gilda, no Picão, no Zé da Desordem... O nosso grito no 10 de Junho (Torcato Mendonça / Luís Graça)

Portugal > Lourinhã > 10 de Junho de 2007 > Este jovem não morreu na Guiné, em Angola ou em Moçambique, não morrreu na guerra colonial... Não morreu, crivado de balas, em Bagdade ou no Rio de Janeiro... Morreu - ou melhor, não regressou do seu sono profundo - nas traseiras da minha casa de fim de semana, no pátio da Misericórdia da Lourinhã... Ironicamente no dia 10 de Junho de 2007, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades...

Encontrei-o, de manhã, a escassos metros do meu carro, quando ia regressar a Lisboa e ainda pensava passar pelo Monumento aos Mortos do Ultramar, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, para me encontrar com alguns dos habitués da cerimónia do 10 de Junho, e que são membros da nossa tertúlia... Desta vez não tinha nada combinado com ninguém, mas de repente perdi a vontade de lá ir... Que me desculpem a franqueza os camaradas e amigos da Guiné que possivelmente também me procuraram...

Não o conhecia, mas era meu conterrâneo, natural da Lourinhã, ao que parece... Dizem que morreu de overdose, um palavrão ou um eufemismo que usamos para esconder a nossa incapacidade, como comunidade, como sociedade, como país, como Nação, como Estado, em criar futuro, esperança, solidariedade, suporte social, sentido de vida... para muitos dos nossos jovens que hoje já não lutam contra o pesadelo da guerra colonial, mas têm que lidar com outros demónios, igualmente predadores e assassinos...

Levava a máquina a tiracolo. Não foi por morbidez ou voyeurismo que tirei a foto, mas sim por que uma foto de alguém que morre, tão jovem, de noite, abandonado na rua de uma pacatíssima vila do oeste estremenho como a da minha terra, deve interpelar-nos, deve incomodar-nos, deve inclusive tirar-nos o sono, deve mexer com as nossas consciências, com os nossos sentidos, com a nossa razão, com o nosso coração...

O absurdo da morte - seja aqui, hoje, na Lourinhã ou no Darfur, como ontem na Guiné, no Quirafo ou na Ponta do Inglês - continua, no mínimo, a indignar-nos e a obrigar-nos a escrever... Why ? Porque se morre hoje, tão jovem, de morte violenta, nas nossas ruas, nas esquinas da noite, nas nossas estradas, nos nossos estaleiros de construção, nas nossas fábricas... ? Como ontem nas picadas, nas bolanhas e nos aquartelamentos da Guiné ? Por overdose, por acidente, por suicídio, por homicídio ? Com a nossa cumplicidade, a nossa burocracia, o nosso cinismo, a nossa indiferença, o nosso egoísmo...

Ironicamente, neste quadro tétrico em que o elemento central da composição é um corpo já com sinais de rigidez cadavérica, as garrafas, uma de álcool e outra de água mineral, parecem ser as únicas testemunhas, mudas, de pé, da tragédia que acabou de se consumar durante a noite (ao que presumo)...

Ironicamente ainda, o rótulo da garrafa é de um uísque novo, o VAT 69, talvez a mais popular marca de uísque do nosso tempo, na Guiné (1)... Na época, a nossa droga era o álcool e o tabaco... Ainda não conhecíamos as outras drogas (ditas pesadas, ilegais...) que hoje matam os nossos filhos e irmãos... Nem sequer a erva, a marijuana, tinha chegado à Guiné do nosso tempo...

Enfim, deixem-me acrescentar esta reflexão - algo melancólica e amarga, horas depois do dia dos nossos mortos e dos nossos heróis - ao Grito (sic) que, do Fundão, nos lança o Torcato, a propósito de casos aqui relatados, ora dramáticos ora trágicos, como o da Gilda, do Picão ou do Zé da Desordem...

Citando o Jorge Cabral e o poema que ele dedicou ao Zé da Desordem:

Que te matou, Irmão?
Uma mina? Um tiro? Uma granada?
Ou foi a Solidão,
Que transformou a vida em emboscada?


Coube-nos, historicamente, o papel (necessário mas repulsivo) de coveiros do Império... Nós fomos a geração das hienas e dos jagudis... Outros foram garbosamente, gloriosamente, os leões e os leopardos... Liquidámos o Império (colonial) há pouco mais de 30 anos, regressámos a casa (vencidos ? vencedores ? nem vencidos nem vencedores ?)... Dizem que também fomos parteiros... De um novo regime, de uma sociedade que se queria nova, de novos países... De qualquer modo, há ainda uma ou mais gerações (a nossa e a a dos nossos filhos) a pagar a pesada factura social e humana desse parto doloroso que fechou um ciclo de 500 anos na história do nosso país e que deu origem a novos países lusófonos...

Cá e lá, em Portugal, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em Timor, a vida continua entretanto a pregar-nos partidas... É claro que o drama individual não conta para os historiadores... Dos fracos não reza a História, dizem-nos os leões e os leopardos antes de acabarem nas garras e nos dentes das hienas e dos jagudis... É bom, não esquecê-lo, sobretudo nos tempos de arrogância e de mediatismo em que vivemos, e numa sociedade que apenas glorifica "aqueles que da lei da morte se vão libertando" (citando, mal, o nosso grande Camões).

Obrigado, Torcato, foste tu que me deste o mote, o (pre)texto... e definitivamente deixa de pensar e escrever que nos podes chatear com as tuas sempre oportuníssimas notas de comentário aos posts que mandamos para a blogosfera... (LG)

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Mensagem do Torcato Mendonça:

Luís Graça:

1. Vi agora o post do desabafo sobre a Gilda (2). Dias depois, desse meu desabafo, apareceu a caso do Picão (3) ; muito antes tinha aparecido o Zé da Desordem (4). A este, do Jorge Cabral, respondi.

Agora ao do Picão, escrito pelo Amaral Bernardo, ficou a revolta cá dentro… Não queria chatear... só que hoje, 10 de Junho, dizem ser o dia das Forças Armadas, dos Combatentes, dos que, com glória, da vida se libertaram, dizia um sujeito qualquer!

Não gosto dos dias evocativos disto ou daquilo… Tolero, aceito, mas todos os dias são dias de tudo o que querem evocar ou comemorar… Mais ainda, no que aos ex-Combatente diz respeito. Em redundância – respeito, merecem todos os homens e mulheres, que para lá foram empurrados, em juventude perdida, em posterior sofrimento até hoje e, aos poucos, esses sim, não em glória (?) mas em sofrimento, desta vida vão desaparecendo.

Acho que devemos fazer algo. Há tanta gente por aí…e outros que por lá ficaram.

2. Os putos são da Tabanca do Jorge Cabral – Fá Mandinga [e não de Mansambo] (5). Um deles tem um pé deformado, creio que era elefantíase. Seria? Escrevi algo sobre isso. Lá, em Bambadinca, falei com um médico, mas o pai era contra mesinho de branco e não só.

Termino, talvez seja necessário dar um GRITO, a dizer basta e queremos, exigimos, além de respeito, que estes homens sejam tratados com dignidade. Mais não digo, sobe a revolta e vocês não merecem ser chateados com tanto palavreado.

Um abraço,

PS - PARABÉNS PELA FOTO "UM HOMEM E A SUA CRUZ"... ESPECTACULAR! (3)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

(...) "Guiné, 24 de Dezembro de 1969. Exma menina e saudosa madrinha: (...) Lá na metrópole há gente que pensa que isto é bonito. Que a África é bonita. Eu digo-lhe que isto é bonito mas é para os bichos. São matas e bolanhas que metem medo, cobertas de capim alto, e onde se escondem esses turras que nos querem acabar com a vida. E mais triste ainda quando se aproxima o dia e a hora em que era pressuposto estarmos todos em família, juntos à mesa na noite da Consoada. Vai ser a primeira noite de Natal que aqui passo. Com a canhota numa mão e uma garrafa de Vat 69 na outra" (...) .

[Vat 69:] Marca de uísque escocês, muito popular na época entre os militares (Havia uma generosa distribuição de bebidas alcoólicas nas frentes de guerra, com destaque para o uísque, 'from Scotland for the exclusive use of the Portuguese Armed Forces').

Na época o salário de um soldado-atirador (cerca de 1500 a 1800 escudos, parte dos quais depositado na metrópole) dava para comprar mais de uma garrafa de uísque (novo) no serviço de aprivisionamento militar (cerca de 40 pesos ou escudos por unidade). No entanto, a bebida mais popular entre os soldados era cerveja. Uma garrafa de cerveja de 0,6 litros chamava-se 'bazuca'.


(2) Vd. post de 6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)


(3) Vd. post de 8 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1823: Camaradas que já nos deixaram (2): O Picão, da CCS do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), que morreu há dias na miséria (Amaral Bernardo)

(4) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1398: Poema de Natal: Só agora, camarada, te mataram (Jorge Cabral)


(...) "Correia da Manhã > S/d [Dezembro de 2006] > A recorte de jornal dando a notícia de que um ex-combatente na Guiné, de 60 anos, foi encontrado morto na barraca que lhe servia de casa, em Ponte da Barca, Nazaré (...).

"Segundo informações da GNR, não havia suspeita de crime e o cadáver estava já em adiantado estado de decomposição. O ex-combatente, que era conhecido na vila piscatória como o Zé da Desordem , era divorciado e tinha dois filhos já adultos... Ultimamente afastara-se da família, vivendo sozinho numa barraca, sem quaisquer condições de dignidade. Diz ainda a notícia que trabalhava esporadicamente na construção civil e sofria de diversos problemas de saúde, tendo já estado hospitalizado" (...).

(5) Vd. post de 10 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1829: Tabanca Grande (9): À Gilda e a todas as vítimas de guerras, discriminação, racismo... (Torcato Mendonça)

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1836: Caso Picão: quando a justiça não chega, nem sequer tarde (Luís Martins Silva / Amaral Bernardo)


Cópia do ofício do Chefe de Gabinete do Secretário da Defesa Nacional e dos Antigos Combatentes, com data de 17 de Fevereiro de 2005, acusando a recepção da exposição do Luís Martins Silva sobre o triste caso do Picão (entretanto falecido há duas semanas) (1).

Espero, como escrevi há dias, que isto possa desencadear uma série de efeitos em cadeia, ao darmos um murro na burocracia (sem rosto), no cinismo (triunfante) e na indiferença (criminosa). Há tempos comentámos aqui um caso semelhante, o de um camarada que morreu, como um cão, na sua barraca, na Nazaré, e que tinha por alcunha o Zé da Desordem... Para ele, o Jorge Cabral escreveu um pungente Poema de Natal (2).

Mensagem do Luís Martins Silva, que nos chega através do nosso amigo e camarada Amaral Bernardo , ex-Alf Mil Médico da CCS / BCAÇ 2930 (Catió, 197o/72):

Assunto - Caso Picão


Caro Doutor:

Escreve-lhe o Silva, ex-furriel da CCS do BCAÇ 2930, que enviou a mensagem sobre o caso do Picão, para conhecimento do pessoal que foi ao nosso Encontro.

De facto até ao momento não consegui que a viúva me enviasse quaisquer documentos em sua posse, sobre o processo do falecido Picão. Apenas me disse, um destes dias, que falou para o Centro de Saúde Militar, em Benfica, com alguém (penso que com o sargento Pinho), que foi muito simpatico, etc., etc., mas que não adiantou nada sobre o assunto.

E, tanto quanto sei, quando despoletei o assunto em 2005, junto do gabinete do então Ministro da Defesa, Paulo Portas, do qual recebi uma carta, que junto lhe envio em anexo, tudo indica que o Picão teria a pensão deferida desde há 3 anos. Desconheço, porém, o motivo para não lhe pagarem nada, apenas sei pela viúva, que o processo (pelos vistos já deferido) teria transitado para o Centro de Saúde Militar, onde se encontra retido.

Por agora não sei dizer mais nada, continuo à espera da resposta da viúva, que me parece ser tambem uma pessoa muito doente e com algum desiquilíbrio. Logo que tenha informações lhas enviarei.

Com os melhores cumprimentos

Luís Silva


PS - Em anexo junto lhe envio cópia da carta que, em 2005, me foi enviada pelo chefe de gabinete do Ministro da Defesa, Paulo Portas.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1823: Camaradas que já nos deixaram (2): O Picão, da CCS do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), que morreu há dias na miséria (Amaral Bernardo)

(2) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1398: Poema de Natal: Só agora, camarada, te mataram (Jorge Cabral)

Natal

Só agora, Camarada, te mataram
Abandonado e só no teu Abrigo.
Finalmente, os pesadelos cessaram.
Não tens mais Inimigo!
A Paz foi sempre Guerra,
Porque jamais esqueceste,
Nem nunca regressaste à tua terra,
Pois foi ainda lá, que tu morreste.
Que te matou, Irmão?
Uma mina? Um tiro? Uma granada?
Ou foi a Solidão,
Que transformou a vida em emboscada?

Nunca te conheci, oh! Meu Amigo,
Apenas li a notícia no Jornal,
Mas hoje estarás comigo,
Na ceia de Natal.

Lisboa, 25/12/06

Jorge Cabral

Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (11): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73

T/T Carvalho Araújo > 19 de Dezembro de 1970 > CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 > 1º Cabo Operador Cripto Germano Santos, no dia de embarque para a Guiné.


Guiné > Região de Bissau > Cumeré > CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 > Finais de 1970 > 1º Cabo Operador Cripto Germano Santos, junto a um heli, no dia em que o General Spínola visitou o batalhão, antes de este ser colovado em Mansoa.

Fotos: © Germano Santos (2007). Direitos reservados.

Caro Camarada Luís Graça,

Conforme combinado aqui vai um ficheiro com 3 fotos minhas, uma actual e duas relativas à Guiné.

Uma delas foi tirada no embarque a bordo do navio Carvalho Araújo, no dia 19 de Dezembro de 1970. A outra é do Cumeré, nos primeiros dias após a chegada à Guiné, e na sequência da visita do Spínola ao batalhão.

Brevemente contactar-te-ei de novo para contar um ou outro episódio passado na Guiné e ainda para te descrever a minha visita à Guiné em 1998.


Um abraço.
Germano Santos


2. Comentário de L.G.:

Germano: Já te dei há dias as boas vindas. Obrigado pelas fotos. Aguardo as tuas impressões da Guiné, de 1970/73 e, depois, em 1998. Diz-me só uma coisa: tiveste mais de 24 meses de comissão ? Quando regressaste a casa ? Foi em 1972 ou 1973 ? O teu batalhão estava sediado em Mansoa... E a tua companhia ? E, já agora, onde vives actualmente ? Um abraço. Luís

3. Informações complementares do Germano:


Caro Luís: (...) Quanto às perguntas que me fazes, aqui vão as respostas:

Embarcámos em Lisboa, no dia 19 de Dezembro de 1970. Chegámos a Bissau a 29 do mesmo mês e fomos directamente para o Centro de Instrução do Cumeré (a seguir a Nhacra).

Embarcámos em Bissau a 6 de Janeiro de 1973 e chegámos a Lisboa a 12 do mesmo mês. Regressámos no Uíge.

Estivemos, pois, na Guiné, cerca de 24 meses e meio.

O meu Batalhão de Caçadores 3832 esteve sediado durante todo o tempo em Mansoa. A minha Companhia, a CCAÇ 3305, tinha uma parte em Mansoa, outra em Braia e outra em Infandre. Tenho ideia que, nos primeiros tempos, também tivemos elementos em Cutia. [vd. carta de Mambonco].

Sou natural de Moscavide (Concelho de Loures) e moro actualmente na Bobadela, do mesmo Concelho.
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1814: Tabanca Grande (8): Apresenta-se o Operador Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73) , Germano Santos

(...) "Fui Operador Cripto do Batalhão de Caçadores 3832 que operou, sediado em Mansoa, nas regiões de Cutia, Infandre, Braia, Porto Gole, Bissá, Jugudul, Uaque, Bindouro e Rossum.

"Tive oportunidade de regressar à Guiné em 1998, e rever Mansoa e Jugudul. Deu ainda para dar um salto a Bissorã, João Landim, Quinhamel e ao Arquipélago de Bijagós, designadamente a Ilha das Galinhas, antiga rota dos escravos, sem esquecer Bissau" (...).

Guiné 63/74 - P1834: O Capitão de Op Esp Bordalo Xavier, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73) (Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Alf Mil Joaquim Mexia Alves, pousando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé. O Pel Caç Nat 52 terá ido para este destacamento em finais de 1972. Antes esteve no destacamento do Rio Udunduma. O Mexia Alves esteve lá até meados de 1973, altura em que foi para Mansoa, para a CCAÇ 15. Foi nesta época que privou com o pessoal da CCAÇ 12 e com o Cap Bordalo Xavier.

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (1):

Caro Luis Graça

Li com atenção o último post sobre o encontro da CCAÇ 12 (2) e, se tivesse sabido antes(3), tinha lá dado um salto.

A sala de que fala o Vitor Alves, frequentei-a muitas vezes, aliás, para mim era a sala que eu frequentava nas minhas visitas a Bambadinca.

O Cap Bordalo Xavier, meu particularissimo amigo, é e foi na Guiné um homem de extraordinárias relações humanas, para além de um fantástico operacional, que conseguiu uma união notável com todo o pessoal, não só da CCAÇ 12 mas de outras unidades, como o meu 52.

Reside em Lamego, é Major, obviamente na reserva, e é a alma da Associação de Operações Especiais. Infelizmente há muito que não contacto com ele, mas quero fazê-lo brevemente.

Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo à frente do Hotel das Termas e vejo para um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o Cap Bordalo.

Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado. A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.

Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao capitão para vir à rcepção por um motivo qualquer. Quando nos vimos, literalmente num abraço como que lhe peguei ao colo, (o Cap Bordalo Xavier é bem mais baixo do que eu, o que não é de espantar), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados.

O hall do Hotel estava cheio de gente que ficou muito espantada de me ver assim abraçado a um homem de barbas.

Foi dos encontros mais emocionantes da minha vida!!!

As histórias que tenho com ele e com a CCAÇ 12 nesse tempo....


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > CART 3492 > 1972 > "No jeep. Da frente para trás: Alf Canas, Alf Novais, Alf Lima (Secretaria?), Alf Rodrigues (meu camarada de curso, também que era da CCS e veio depois para o Xitole, por troca com o Alf Gonçalves Dias se não me engano), Alf Martins (CART 3493, Mansambo) e eu" (4).

Foto e legenda: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados.

Outro assunto. Penso, a não ser que tenha havido dois Alf Mecânicos com o mesmo nome, seguidos em Bambadinca, que o Canas a que se refere o Vitor Alves era do BART 3873 e não do Batalhão que ele refere [, o BART 2917].

Se assim for, nalgumas fotografias que te enviei e publicaste, mormente em Bolama, ele está presente.

Estou a preparar um novo texto mas o tempo falta-me!!!

Abraço forte e amigo do
Joaquim Mexia Alves
_________

Notas de L.G.:

(1) Ex- Alf Mil Op Esp Joaquim Mexia Alves esteve na Guin, entre Dezembro de 1971 e e Dezembro de 1973, tendo pertencido à CART 3492 (Xitole), ao Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa). Nunca esteve sedeado em Bambadinca, mas sim no Rio Udunduma e no Mato Cão, destacamentos do Sector L1 (Bambadinca). Ia de vez em quando à sede do Batalhão (BART 3873, 1972/74), a que estava adida a CCAÇ 12, do Cap Xavier Bordalo.

(2) Vd. post de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1832: Convívios (15): CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971-73), 2 de Junho de 2007, Azeitão: o 34º encontro anual (Victor Alves)

(3) Vd. post de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1791: Convívios (11): 32º encontro da CAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73)

(4) Referências à CCAÇ 12 e ao Mexia Alves:

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P958: 'Gajos das tropas africanas eram doidos' (Joaquim Mexia Alves, CART 3492, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

(...) "Quando estava no Pel Caç Nat 52, junto a Bambadinca, tinha uma forte ligação à CCAÇ 12, não só operacional mas de amizade com todos eles, especialmente o Capitão Bordalo e os seus Alferes, de que infelizmente neste momento não me lembro do nome de nenhum.

"Para além das operações e outras actividades que íamos fazendo, sobrava-nos tempo para algumas loucuras, resultantes de algum cacimbo e do cansaço provocado pelo stress permanente, e por alguma incompetência, de quem deveria ser competente.

"Entre algumas de que lembro, fomos uma vez à noite, o Capitão Bordalo Xavier, os seus Alferes e eu, armados até aos dentes, de Unimog jantar ao Xime, pela estrada de todos conhecida e que naquela altura só se fazia em coluna protegida, mercê das emboscadas que nela tinham acontecido.

"Quando regressávamos, num alarde a roçar a loucura, talvez também ajudados por uns uísques, parávamos na estrada, no sítio das emboscadas, e voltados para a mata, aliviámos as bexigas.

"Foi um momento hilariante, mas muito intenso, que nos uniu ainda mais na amizade e companheirismo" (...).


17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

(5) Vd. post de 30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)

Guiné 63/74 - P1833: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (49): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (4)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1969 > Espectacular vista aérea do Geba Estreito entre o Xime e Bafatá > Na época, havia um serviço de cabotagem entre Bissau e Bafatá, embora precisasse de segurança militar próxima, no troço Xime-Bambadinca, e nomeadamente na zona do Mato Cão. Este troço era um pesadelo para as embarcações civis. Durante largos meses, o Pel Caç Nat 52 assegurava o patrulhamento, quase diário, desta zona. Será depois substituído pela CCAÇ 2590/CCAÇ 12, colocada em Bambadinca nos finais de Julho de 1969.

Em carta enviada à noiva, Cristina Allen, o comandante do Pel Caç Nat 52, Mário Beja Santos, escreve: Resisto, mas ando de rastos, não sei como hei-de pôr ordem nesta existência automatizada a ir vigiar barcos junto ao Geba ou estar dentro de água à noite à espera do inimigo que não vem atacar-me junto de Missirá. Desde que nos retiraram mais 10 milícias sem quaisquer contrapartidas fazemos das tripas coração. Chego a ir a Mato de Cão com 18 homens. (LG)

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


49ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 17 de Maio de 2007.

Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (4)
por Beja Santos (1)

Para Paulo Ribeiro Semedo, no Hospital Militar Principal >

Paulo, querido amigo,

Recebo notícias tuas pela Cristina e pela minha irmã, que te dedicam particular estima. É por elas que soube que a operação aos teus olhos correu bem mas continuas a falar pouco. Em nome de todos os teus amigos de Missirá, peço-te o favor de não adiares por mais tempo os teus deveres de amizade, ao menos escreve ao Domingos e ao Uamsambo, que nunca mais esqueceram o bravo 40.

Por aqui, o quartel está muito bonito, mas temos muitos militares doentes na época das chuvas e com a canseira das idas diárias a Mato de Cão e emboscadas nocturnas. Ussumane Baldé e Gibrilo Embaló, teus camaradas de cubata, querem que te diga que o primeiro abrigo foi deitado abaixo e, se houver flagelação, será mais fácil reagir ao fogo nesta construção mais segura.

Espero poder no próximo mês de Julho mandar-te o gira-discos por um Cabo da CCS de Bambadinca que vai de férias, a minha mãe tratará do conserto para que rapidamente possas matar saudades das tuas mornas e coladeras. Os teus amigos querem que te mande mais um disco do Bom Assim, bem como o teu álbum de discos. A situação militar do nosso sector está a piorar, no Xitole/Saltinho há muitas flagelações, as tabancas de Mansambo estão a ser flageladas, o mesmo se passa entre Xime e Amedalai.

Encontrei há dias em Bambadinca o Zé Pereira que trabalha no Xime, ele manda-te um grande abraço, está roído de saudades de Missirá. O teu amigo, o Furriel Casanova, bem como o Mamadu Camará andam doentes, o primeiro com uma grande tristeza, o segundo anda cheio de paludismo.

Peço-te que não me deixes sem notícias tuas, quem me escreve e fala de ti é o Jolá Indjai, que continua aí, nas doenças infecto-contagiosas. Continuo sem perceber porque é que não somos atacados em Mato de Cão, embora seja muito difícil emboscar-nos pois percorremos sempre caminhos diferentes. Mas há dias, entre Gambaná e Mato de Cão os nossos vizinhos de Madina puseram uma mina anti-carro num pontão, devem-nos ter avistado ao longe, tentaram fazer saltar a mina, mas nada aconteceu.

Dentro de dias vou a Bissau, por causa do julgamento do Ieró Djaló, que adormeceu na operação que fizemos a Madina e em que o Fodé Dahaba ficou muito ferido, quando acordou o prisioneiro tinha fugido. Espero então trazer um gerador para Missirá, e acabarmos então com o tormento de acendermos os petromaxes debaixo de chuva. Aceita um grande abraço deste amigo que só te quer bem e com muito mais saúde.

Para o Carlos Sampaio > Inesquecível amigo,

Os teus livros chegaram e já os devorei. A leitura, tal como a oração, é um refúgio e um bálsamo para a alma. Ando sempre com livros embrulhados em plástico, na tentativa vã de eles resistirem às chuvas ou aos campos alagados dos arrozais. Às vezes, quando estamos a esperar os barcos que passam pelo Geba, não resisto a ler umas páginas seja de autores clássicos seja dos poetas da nossa geração, como o Gastão Cruz ou a Fiama.

Um dos quartéis de que sou responsável, e que ficou praticamente destruído em Março passado, está já de pé, foi um esforço enorme desde o final de Março até ao fim de Maio, sem dias de descanso mas foi muito bonito ver civis e militares aceitar este sacrifício para não ficarmos na época das chuvas em condições ainda mais deploráveis.

Carlos, ajuda-me com o teu conselho já que podes conversar aí com a Cristina, embora eu saiba que estás muito tomado com o preparativo desse batalhão com que vais para Moçambique. A Cristina insiste em vir para Bissau e dar aulas, até eu me poder juntar. Acontece que ninguém fala na minha transferência, antigamente um militar passava cerca de 12 meses em teatro de operações, consta que doravante não vai ser assim, podemos andar a comissão toda em locais de muito risco. Não me sinto no direito de a deixar num estado grande de ansiedade e inclusivamente ficar sozinha até meados do ano que vem.

Como tu irás certamente experimentar, a guerra é por natureza absorvente: com os militares só falas de guerra, tens que estar permanentemente atento se há comida bem feita na messe ou falta arroz à população civil, levar as crianças e os doentes à consulta médica, há que conversar e estar atento aos problemas das autoridades civis, há que cuidar da segurança do quartel, é um estado de espírito dominado pelo serviço aos outros. Não vejo, pois, circunstância de apoiar este projecto da vinda para Bissau. Prometi à Cristina ir a Bafatá tratar dos documentos na conservatória, mas peço do coração que me ajudes a ver melhor todo este quadro, e diz-me com sinceridade se a minha inquietação tem fundamento.

Não ando bem de saúde, tenho a tensão baixa, ando cheio de líquen, micoses, durmo mal, precisava de uns dias de repouso, não chega tomar tónicos ou vitamina C. Os quartéis à minha volta estão a sofrer muito com os ataques dos rebeldes. Estes, descobriram uma nova modalidade de atacar os barcos militares e civis que circulam no Geba, já não os atacam em Mato de Cão, põem-se num extremo acima de uma povoação chamada Xime de onde disparam os seus rockets, semeando o pânico.

A guerra aqui agrava-se muito e confundo-me os ataques que os rebeldes fazem às populações em autodefesa. Hoje não te maço mais, agradeço toda a tua ajuda, é para mim impensável viver sem a tua grande amizade. Deus te ajude na tua comissão que vai começar em breve.


Para Cremilde Tapia, em S. Miguel

Querida Bibi:

Peço-lhe desculpa por andar a escrever tão pouco, o estado de saúde não é dos melhores. Todos os dias penso em si, quando mexo no crucifixo que me ofereceu antes de partir para Lisboa. Já não vale a pena limpá-lo, a prata não resiste a estes 40 graus em que diariamente ando daqui para ali, no mínimo 25 quilómetros. Louvo a este crucifixo que me tem preservado a vida, dando-me ânimo para suportar todas estas contrariedades.

Diz-me na sua carta que me espera ver em Lisboa. Infelizmente, só nos veremos para o ano já que fui punido e tenho pouca esperança em que os meus argumentos sejam considerados e o castigo retirado. A guerra aqui entrou numa nova fase, os rebeldes estão muito activos, atacam constantemente os aquartelamentos e os povoados na outra margem do Geba. Sei praticamente de tudo porque oiço os rebentamentos aqui, a qualquer hora do fim da tarde e até de madrugada. É horrível nada poder fazer, ficamos angustiados com o sofrimento dos outros mas impotentes.

Ainda a noite passada vi as colunas de fumo subirem para o céu, pensámos logo na perda de vidas e na destruição que tais flagelações provocam. Não entendo muito bem como é que depois estes militares, os meus superiores, se indispõem uns contra os outros, castigam-se, desprezam-se, e certamente esquecem que nós estamos a ver e não ficamos lá muito moralizados.

Diz-me também na sua carta que me quer enviar livros e pergunta-me o que eu gostaria de ler. Lembro-lhe que me ofereceu O Senhor, de Romano Guardini que ardeu em Março passado. Teria muito gosto de ter esta grande companhia, se não estiver a abusar do seu dinheiro. Há vários livros da Moraes Editora que também me tentam e que têm a ver com o pensamento pós-conciliar. Estou totalmente aberto à sua generosidade. Hoje e amanhã vou escrever à Maria e ao Marino, na rua de Santa Clara 2, e ao Padre Agostinho. Receba toda a ternura deste seu amigo que só lhe deve generosidade e que lembra sempre o bem que lhe fez aí em S. Miguel.

Para o Ruy Cinatti > Ruy, Dear Father:

Não começo com ciúmes com o Teixeira da Mota só porque ele escreve torrentes de cartas. Ele é assim, não há competições, cada amizade tem o seu lugar. Obrigado pelas suas observações, criticando o excesso de palavreado em que ando autocentrado. Comoveu-me a sua resposta para contrariar a minha enxúdia culta ou pseudo-culta, enviando-me alguns dos seus poemas, de uma secura à chinesa, carregadinhos de força. Por exemplo,

Ao nascer, iguais
Dizem à ... e ao morrer
Devido a quais
os casos angélicos?


De um poema seu:

Donde sei
para onde
não se sabe
sou retirante.

O resto
irá por carta
ou por telefone

Que outros relatem
o meu cansaço
Eu anuncio
o poder da morte
lembrando tudo o que
me prende à vida

Viver a pedir,
receber, porquanto
quem recebe deve.
- estranha condição

Eu nunca pedi.
Devo solidão.


Sinceramente, agradeço-lhe ter posto em tão bela poesia pedaços dos meus sentimentos que vazo nos meus escritos. Li mais um dos livros que me mandou, Sábado à Noite e Domingo de Manhã, por Alan Sillitoe. Sei muito bem que V. gosta muito da literatura britânica mas não o sabia aficcionado pela cultura operária do pós-guerra. Este herói-menino, Arthur Seaton, é bem um paradigma de uma geração que rompe com os valores da solidariedade estreitada pela guerra. Bebe, goza o dia sem consequências para amanhã. Corteja as mulheres dos outros e diverte-se, com a agravante de parecer simpático com os maridos. Por fim, cede ao desgaste de um vida conduzida a extremos e aceita novos vínculos familiares como se tivesse ido buscado, ele que é pescador nos tempos livres. A tradução parece-me primorosa.

Logo que possa vou pegar nos poetas franceses que me mandou. Desculpe ser breve mas ainda não me recompus da minha baixa tensão. Estamos cade vez menos a poder saír para os patrulhamentos ou para as emboscadas, o transporte de comida e materiais é um suplício com as estradas encharcadas e as bolanhas na sua plenitude. Estou cada vez mais descrente de poder ir a Lisboa, este ano. Obrigado por todo o estímulo que me dá, pela oferta da sua bela poesia que eu gostaria um dia de poder imitar. Um grande abraço do gadulha para o Dear Father.


Para a Cristina Allen > Meu adorado amor:


Resisto, mas ando de rastos, não sei como hei-de pôr ordem nesta existência automatizada a ir vigiar barcos junto ao Geba ou estar dentro de água à noite à espera do inimigo que não vem atacar-me junto de Missirá. Desde que nos retiraram mais 10 milícias sem quaisquer contrapartidas fazemos das tripas coração. Chego a ir a Mato de Cão com 18 homens. Não querendo deixar-te mais intranquila, isto parece um convite a uma desgraça se houve uma emboscada bem montada. Há dias senti-me tão indignado que fui falar ao Pimbas, chegando mesmo a pedir-lhe para me tirar daqui. Ele procurou tranquilizar-me dizendo-me que está uma companhia de tropa africana a ser formada em Contuboel e que em breve vou ser aliviado nas idas a Mato de Cão.

Espero que tenhas ido visitar a D. Maria Alzira, ela dá-nos excelente companhia na messe, faz petiscos e introduz uma nota de urbanidade com conversas que nos fazem esquecer o palavrório da guerra. Espero ir em breve a Bafatá tratar da documentação, embora não resista a dizer-te que estou muito indeciso quanto à bondade desta tua vinda como professora em Bissau, ignorando eu o meu futuro em teatro de operações. Vamos pensar bem.

Ando exausto, Cristina. O Casanova não me pode ajudar como me ajudava, está presentemente a descansar uns dias em Bambadinca, anda muito acabrunhado, quem me ajuda mais agora é o Pires, eu vou a Mato de Cão e ele coordena a emboscada ou vice-versa. A minha concentração diminuiu, defendo-me ouvindo música ou com leituras aligeiradas. Li um livro de uma nova geração de escritores britânicos que me impressionou muito, Sábado a Noite e Domingo de Manhã, por Alan Sillitoe. Já vira o filme realizado por Karel Reisz em que o Albert Finney era o protagonista. Grandioso filme mas não menos vigoroso romance sobre o actual operariado inglês.

O que leio é mais distractivo, menos comprometedor. Ando agarrado aos romances de Mickey Spillane e ao seu detective que actua como justiceiro solitário, Mike Hammer. Desta vez, em A Minha Arma Não Perdoa, o Mike procura ajudar uma prostituta desvalida e enfrenta um tenebroso gang de tráfico de carne humana. Spillane escreve primorosamente, não percebo como é que tratam literatura policial como um produto de fancaria quando há investimentos estéticos mesmo com recurso a linguagem tão violenta do género "Finquei-lhe 4 dedos duros na gorja e, com a outra mão, atirei-lhe uma lambada que o deixou marcado na boca por algum tempo". Spillane é um produto típico desta guerra fria e conhece todos os artifícios de exaltar a América e os seus heróis, desbobinando um anticomunismo sem rival. Compro estes livros da Colecção Vamipro numa livraria em Bafatá, é uma boa companhia neste período de imenso cansaço que não sei iludir.

Sei que o Carlos Sampaio te vai contactar e peço-te o favor de conversares com ele sobre a hipótese de vires. A todo o transe quero evitar mais sofrimento, mais ânsias, mais intranquilidade. O nosso correio espelha um devotado amor, entre a guerra e a paz. Lutamos por chegar à paz, não demos mais circunstâncias às guerras dentro da guerra. Obrigado por tudo quanto fazes por mim, quanto fazes por quem ficou tão ferido aqui no Cuor. Beijos, e tantas, tantas saudades!

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post desta série > 1 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1806: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (48): Junho de 1969: Missirá em estado de sítio

O último post, com cartas do beja Santos, é o post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1657: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (41): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (3)

Guiné 63/74 - P1832: Convívios (15): CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971-73), 2 de Junho de 2007, Azeitão: o 34º encontro anual (Victor Alves)

Guiné > Zona Leste > Estrada Xime- Bambadinca > 1969 > O Capitão do Quadro Permanente Carlos Brito, da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). 

Foi o primeiro comandante da CCAÇ 12, uma unidade de intervenção, constituída por quadros metropolitanos e por soldados do recrutamento local, que esteve ao serviço do Sector L1 da Zona Leste. Os quadros metropolitanos eram de rendição individual. Carlos Brito é hoje coronel e vive em Braga. Julgo ter sido substituído pelo Cap Mil Humberto Trigo Bordalo Xavier, com formação em Operações Especiais, em Março de 1971. É a ele que se refere, no texto a seguir, o nosso camarada Victor Alves. 

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Victor Alves, que foi furriel miliciano vagomestre na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73), o periquito do Jaime Sanjtos, o primeiro vagomestre da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadina, 1969/71). 

O Victor vive em Santarém e aderiu recentemente ao nosso blogue. Amigo Luís, Conforme informámos (1), lá realizámos o nosso habitual encontro, que eu informei ser o 32º, mas vou corrigir para 34º. Tem causado algum espanto, o facto de se ter começado a realizar, tão cedo, os nossos encontros... 

Foram vários os factores que contribuiram para isso. Porém, o grande causador disso terá sido a vinda, para a CCAÇ 12, do Cap Humberto Trigo Bordalo Xavier, oriundo das Operações Especiais, e amigo pessoal de Spínola. 

Ele soube muito bem provocar uma aglutinação e consequentemente uma união entre todos, ao ponto de estabelecer uma messe e bar para todos os militares da companhia oriundos da metrópole, sem distinção de posto... 

 Foi, na minha óptica, eata a principal razão da nossa união. Eu, por exemplo, como vagomestre e sempre que havia uma operação, por exemplo com saída às 4 da manhã, lá estava a dar pequeno almoço, pão quente e café à rapaziada que seguia. Assim como, mal regressassem, por exemplo, às 3 da tarde, tinham sempre a refeição com meio frango ou meio bife com acompanhamento à sua espera... 

Foi isso que o Capitão pediu e foi isso que se fez. É evidente, dentro dos limites da guerra. Com fomos todos em rendição individual, nem sempre nos encontros conseguimos reunir todos, alguns já faleceram, outros emigraram e outros não vão porque... não. 

 Este ano conseguimos trazer mais duas presenças novas o que foi maravilhoso, foram eles o cabo radiotelegrafista Andrade, de Caldas da Raínha, e o cabo cripto Simões, de Lisboa. Isto quer dizer que não nos víamos há 37 anos, portanto foi muito bom. 

 Para além deles vieram também o Canas (Alf Mil Mecânico do Bart 2917), o H. Martins (Alf Mil Pel Nat 54) e o J. L. Vacas de Carvalho (Alf Mil Pel Rec Daimler 2206): estes últimos já são clientes habituais, embora faltem algumas vezes. 

 De qualquer forma é sempre uma grande alegria, vermo-nos e estarmos juntos. Para o próximo ano é no dia 31 de Maio (Sábado) em Lamego e quem vai organizar é o J. Andrade (Fur Mil CCAÇ 12). 

 Um abraço Victor Alves 

  2. Comentário de L.G.: 

 Victor, ainda não nos mandaste as duas 'chapas da praxe', uma fotografia do teu tempo de furriel vagomestre e outra, mais recente... 

Além disso, tens de trazer, contigo, malta da nossa querida CCAÇ 12. Eu pertenço à primeira vaga de quadros metropolitanos (1969/71), tu pertences à segunda (1971/73)... Temos que reconstituir o puzzle. É espantoso como até agora não mantivémos quaisquer contactos... Mas nunca é tarde. Teremos que nos (re)encontrar, algures, um belo dia destes. O ponto de partida pode e deve ser o nosso blogue. 

Parabéns pelo vosso 34º encontro anual. Isso quer dizer que vocês se têm reunido todos os anos, religiosamente, desde o vosso regresso em 1973 !... Gostava conhecer a história da tua/nossa companhia nesse período em que lá estiveste (1971/73). 

O teu ex-comandante, o Cap QEO Bordalo Xiavier, está contactável ? Já lhe falaste no nosso blogue ? Ele deve ter sido um excelente líder, a avaliar pelo que nos dizes. 

 Um abração para ti e demais camaradas periquitos da CCAÇ 12. 

Luís.

 _________ 

 Nota de L.G.: 

domingo, 10 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1831: Macbeth em África ou Namanha Makbunhe no Teatro da Trindade, com os Fidalgos, grupo de teatro de Bissau (Beja Santos)

Lisboa > Teatro Nacional D. Maria II > Uma cena da peça Namanha Makbunhe. A partir da obra-prima Macbeth, de William Shakespeare. Produção Teatro Nacional D. Maria II em colaboração com o Grupo de Teatro Os Fidalgos, da Guiné Bissau (1).


Foto: Teatro Nacional D. Maria II (2007) (com a devida vénia...)


Namanha Makbunhe
por Beja Santos

O superclássico Macbeth de William Shakespeare é uma referência (por vezes um mero pretexto) e um ponto de partida para um espectáculo profundamente africano, criado por um encenador polaco e desempenhado pela Companhia de Teatro Guineense Os Fidalgos, de Bissau. Sobre esta estrutura dramática paira o drama da guerra civil que enlutou a Guiné Bissau, fala da luta pelo poder, disseca a natureza humana, equilibra-se entre o sagrado e o puramente mágico, usando a ética como pólo de atracção.

Macbeth é a doença pelo poder, a cedência à traição, o enredado da intriga política que leva à quebra de alianças, à rendição às forças do Mal. O encenador Andrzej Kowalski pega numa narrativa imortal, recria uma peça com elaborado trabalho filológico onde se entrançam os melhores e mais eloquentes registos de Shakespeare com vernaculismos, usos e costumes da mais poderosa realidade comunicativa guineense (2).

Onde havia Macbeth passa a haver Namanha Makbunhe, um grande guerreiro do Império Mali. Onde há aristocracia inglesa, passa a haver os grandes senhores da guerra como o régulo de Buruntuma. É uma leitura ágil, aquecida pela música instrumental guineense, uma encenação que oferece um ritmo quase mediaval africano, pontuado pelos figurinos, destacado pelos costumes exibidos em cena.

Não é a história de Shakespeare que prevalece, é a verdade intemporal da luta pelo poder, até à destruição. Há duas Lady Macbeth em cena, a pérfida e aquela que exprime o amor verdadeiro. A pérfida leva ao crime, a amante incondicional tudo perdoa no momento da hecatombe.

Para nós, que vivemos no meio do crioulo, da sonoridade dos instrumentos musicais gentílicos, que observámos as sessões intermináveis de partir mantenha, que nos lembramos das luzes da floresta, que vivemos em destacamentos rodeados destas mulheres e homens que se movem com solenidade, que riem com absoluta sinceridade, Namanha Makbunhe é um momento excepcional de reencontro com uma cultura dilacerada numa tragédia que avassala todas as fronteiras entre a vida e a morte.

A ver no Teatro da Trindade, de 31 de Maio até 1 de Julho, de quarta a sábado, às 21:30 e, aos Domingos, às 16:30. Duração: 1:50 e preços acessíveis. Os Fidalgos estão à vossa espera e representam primorosamente.

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Notas de L.G.:

(1) Este grupo de teatro tem um blogue próprio, um "sítio que aborda a cultura na Guiné Bissau", e que se chama justamente Os Fidalgos. Animam também o Centro de Intercâmbio Teatral de Bissau, que é uma parceria com a AD - Acção para o Desenvolvimento (do nosso Pepito) e a Cena Lusófona.

(2) Referências à peça (texto de William Shakespeare; adaptação / encenação de Andrzej Kowalski)

Resumo da peça (Fonte: sítio do Teatro Nacional D. Maria II > Produções > Namanha Makbunhe)

O valente guerreiro Namanha Makbunhe, régulo de Iall, mata, em combate, o traidor Makumba, conseguindo a vitória para o rei Bolum. Ao regressar da batalha com o companheiro Borry encontra na floresta três feiticeiras que o saúdam: a primeira chama-lhe régulo de Iall, a segunda régulo de Cansala e a terceira dirige-se a ele como rei. Makbunhe fica perturbado e é nessa altura que chega Madiu, enviado de Bolum, que o felicita pelo seu novo cargo: Makbunhe acaba de ser distinguido com o título de régulo de Cansala.

Makbunhe fica eufórico: se a primeira profecia das feiticeiras está certa, então a segunda estará também e ele será, um dia, rei. Ao chegar a casa, as suas mulheres – Djatú e Rokya – têm reacções distintas à notícia. A primeira aconselha prudência ao marido, a segunda diz-lhe que não deverá esperar: o rei Bolum vem visitá-lo e deve morrer já.

Makbunhe mata o rei e o filho deste, Djagra, foge, temendo pela própria vida. O guerreiro assume o trono e a sua primeira preocupação é eliminar os rivais, sobretudo Borry, a quem as feiticeiras predisseram que seria pai de reis. Makbunhe envia um assassino matar Borry e o filho Bunka, mas a missão falha: o assassino consegue matar o pai, mas não o filho. Borry aparece ao rei na forma de fantasma e, muito assustado, Makbunhe manda chamar as feiticeiras para que lhe predigam o futuro. Estas dizem-lhe que ele não deverá temer nenhum homem nascido de ventre materno e que só será destituído quando a floresta de Foroba caminhar.

Makbunhe fica tranquilo, mas será sol de pouca dura: um exército liderado por Djagra caminha já na sua direcção, disfarçado com ramos de árvore. E é Madiu, que não nasceu "por via natural", mas foi arrancado da barriga da mãe, morta, que mata Makbunhe num confronto final.


Post de 15 de Maio de 2007 >Os Fidalgos > Os Fidalgos em Foco


Mais uma vez Os Fidalgos (Guiné - Bissau) em Portugal, desta vez a convite, do Teatro Nacional D. Maria II.

O texto Macbeth, de William Shakespeare, serve de base para a estrutura dramática e poética de Namanha Makbunhe, um espectáculo profundamente africano que também integra actores angolanos e moçambicanos.

Envolvido num ambiente de magia e superstição esta tragédia africana narra também a sede do poder e a ambição desmedida dos homens. Inspirado por uma cadeia de acontecimentos vividos em África, a metáfora ultrapassou a adaptação simples para à realidade histórica, cultural e tradicional desse continente para se tornar numa transposição, original.

Se William Shakespeare tivesse nascido em África, a história de Macbeth não seria idêntica. Porque o que é dramático para um europeu pode não o ser para um africano e vice-versa. Namanha Makbunhe recria em termos plásticos e sonoros: climas e atmosferas de uma outra realidade; da luz, da floresta, dos ritmos e dos cheiros africanos.

O rufar quente dos tambores, a dança, o canto dolente, ajudam a esquecer os males de que África padece. É preciso exorcizar as dores; sorrir, brincar, transmitir energia para a vida; sonhar com um mundo melhor para todos, com mestria e através do sorriso contagiante, uma parte de Africa está viva neste espectáculo.

A africanização desta tragédia mostra-nos que, apesar de realidades históricas distintas e locais diferentes, mantem-se o enredo original. Afinal a Mãe-África dos nossos dias, no caminho para a democracia, ainda está longe de ser um acto pacífico entre os povos de uma mesma Nação.

Guiné 63/74 - P1830: Guileje, uma espécie de colónia penal militar até finais de 1969... (Nuno Rubim)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Homens e vacas rodeados de arame farpado ... Até finais de 1969, Guileje era considerado um sítio tão mau que funcionava como... uma espécie de colonial penal militar. Foto do nosso saudoso Zé Neto (1929-2007) (1).

Foto: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada Nuno Rubim:


Durante anos, após a minha permanência lá (2), ouvi referências sobre o facto de serem enviados para Guileje militares punidos ou indesejados de outras unidades do CTIG [Comando Territorial Independente da Guiné].

Apesar de ter tido uma experiência pessoal que parece ter confirmado este facto, só agora descobri, no AHM [Arquivo Histórico Militar] (3), um documento oficial que esclarece totalmente a questão !

Mensagem Com-Chefe, Guiné, Dezembro 1969.

Retransmitido pelo Batalhão de Artilharia 2865, reponsável pelo Sector S3 (nessa altura em Catió), que englobava o sub-sector de Guileje. (AHM )

Por determinação superior “… Considerada a situação de Guileje, cancelamento de mais transferências por motivos disciplinares para aquela guarnição” !!!
Um abraço

Nuno Rubim

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

(2) O Nuno Rubim, hoje coronel de artilharia na reforma , esteve em Guileje, à frente de duas unidades, a CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) e a CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966).

(3) Vd. post de 7 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1408: Vamos salvaguardar a(s) nossa(s) memória(s), apoiando a Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar (Luís Graça / Nuno Rubim) .

O presidente da direcção desta Liga é o coronel, na reforma, e conceituado historiador da guerra colonial Aniceto Afonso.

Guiné 63/74 - P1829: Ser solidário: À Gilda e a todas as vítimas de guerras, discriminação, racismo... (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Fotos Falantes II > Putos do campo fortificado de Mansambo...

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Zona Leste, Sector L1, Mansambo , 1968/69) . Vive actualmente no Fundão, o coração dos lusitanos e do Viriato, que merece uma visita, com tempo e vagar, não só pela sua cereja e a sua festa (15 a 17 de Junho próximos) pelo seu património arquitectónico, pelo seu Museu Arqueológico Municipal José Monteiroe pela sua novíssima casa da cultura, a Moagem - Cidade do Engenho e das Artes... De facto, há mais vida, para lá do litoral, do eixo Setúbal-Lisboa-Coimbra-Porto-Braga e das autoestradas que nos levam da periferia ao centro... A A23, por exemplo, que nos leva ao Fundão e à Cova da Beira e às nossas raízes lusitanas... (LG)


Eih, pá, consegues dizer praticamente ou realmente tudo. Esta estória (1) é, para mim, um cântico à tragédia das guerras, ao sofrimento daqueles miúdos que nós conhecemos, às mães e pais a sofreram aquele drama. Há um aperto em mim, se sou piegas problema meu, mas recordo, talvez o que mais fortemente recordo são os meninos e o olhar…um olhar doce, a suplicar ajuda das mães.

Luís, só por este post, só por esta estória valia a pena ter um espaço na Net para ajudar…contribuir para que as pessoas, que tanto sofreram, sejam um dia, mais felizes. Tocou-me e não dá para continuar. Obrigado a ti, aos camaradas que ajudaram a Gilda e que ela, a filha, a família sejam felizes. Que, se assim o desejarem, voltem a reunir-se à sombra das mangueiras e dos poilões… e a Gilda diga que é de Catió, de Cascais, portuguesa ou guineense, as duas naturalidades… E não se esqueça que nós, humanos, temos diferentes cores…religiões…eu sei lá…Felizmente tanta diferença para, ao fim e ao cabo, sermos todos iguais, humanos.

Obrigado por este final de tarde, mesmo sofrido.

Um abraço para ti, para a Gilda (1) e, através dela, para todos os que foram – continuam a ser – vítimas de guerras, de discriminação, de racismo, de tanto sofrimento… o tal Grito de protesto…


Torcato Mendonça
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1828: Armamento do PAIGC (3): O Foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (Nuno Rubim)



Lisboa > Museu Militar (1) > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (na terminologia do PAIGC).

Fotos: Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.

Texto do Coronel Art, reformado, Nuno Rubim, o nosso (deste blogue) grande especialista em armamento, tanto das NT como do PAIGC. É, reconhecidamente hoje, o maior especialista português em história da artilharia (2). Foi, além disso, um dos capitães de Abril, injustiçado em 25 de Novembro de 1975.

Last but note the least, é um dos oficiais da sua arma, a Artilharia, mais condecorados: é detentor de condecorações como a Cruz de Guerra, Medalha de Serviços Distintos com Palma, Medalha de Mérito Militar e outras. Todas essas medalhas tiveram por base louvores do escalão de Comante de Agrupamento para cima (a Cruz de Guerra e a Medalha de Serviços Distintos com Palma acabaram em Ministros do Exército e Defesa Nacional).

O Nuno Rubim esteve na Guiné (por duas vezes). A sua presença, neste blogue, muito nos honra. Com ele, ao nosso lado, corremos sempre o risco de, quando abrimos a boca, de dizer asneira. Foi o que aconteceu comigo ao escrever que o foguetão 122 mm podia atingir os 20 km de alcance (3)... (LG).

Caro Luís:

Para complementar as informações sobre o Foguete de 122 mm (1), utilizado pelo PAIGC, aqui vão mais alguns dados:

(i) O Sistema era conhecido pelo PAIGC como Arma Especial - Grad;

(ii) Era uma arma de artilharia, de bater zona e não de tiro de precisão;

(iii) O alcance máximo era de 11.700 m para 40º de elevação. Segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de Novembro de 1969, a 9.800 m.

(iv) Como se poderá ver nas imagens acima, o foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho ) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade afim de estabilizar a vôo. As alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo.

Enviei para o blogue, há algum tempo, a fotografia do Tubo que se encontra no Museu Mil Lisboa, que julgo ser o capturado em Cufar, em Janeiero de 1973.

Um abraço

Nuno Rubim

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Notas de L.G.:

(1) O Museu Militar fica no Largo do Museu da Artilharia, 1100 - 468 Lisboa, junta à Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia, em Lisboa. Telefone > 21 884 25 69.Fax > 21 884 25 69
E-mail> mmilitar@um.geira.pt

Funcionamento > Das 10h00 ÀS 17h00. Encerra 2ª e Feriados.

Autocarros > 9, 12, 25, 28, 35, 39, 46, 104, 105, 107.

Tutela > Ministério da Defesa Nacional.

Em 1926 a denominação do Museu [que era de Artilharia] é alterada para Museu Militar. O edifício do Museu encontra-se classificado como Imóvel de Interesse Público, desde 1963. O organismo responsável por este museu é o Ministério da Defesa Naciojnal.

A mostra das colecções museológicas desenvolve-se ao longo de 33 espaços expositivos. O visitante pode verificar que a natureza das colecções não passa unicamente pelas peças bélicas, mas também pelo património artístico patente na pintura, azulejaria e escultura, pela mão de grandes artistas dos séculos XVIII, XIX e XX.

Através do seu espólio o Museu Militar aborda as grandes temáticas da história de Portugal. A missão do Museu encontra-se patente na sua divisa (em latim): MAIORVM NATV ARMA PROPONIMVS (“Expomos as Armas dos Antepassados”). ~

O Museu contempla, desde 1998, de um espaço nas Caves para a realização de exposições temporárias e de outros eventos culturais. No percurso do itinerário interior o visitante poderá dispor no Pátio dos Canhões de uma Loja e de uma Cafetaria. Caracteriza-se por ser um museu que vive de uma exposição permanente. Há várias exposições temporárias anuais.

A primeira (e única) vez que lá fui, há uns meses atrás, estavam ainda (há quanto tempo ?) em remodelação as Salas sobre a Guerra Colonial 1961 – 1975 (sic).

Salas de maior visibilidade:

Sala Vasco da Gama

Sala das Guerras Peninsulares

Sala da Grande Guerra

Sala de Camões

Sala Mouzinho de Albuquerque (LG)

(2) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar

(3) Vd. post de 7 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1821: Armamento do PAIGG (2): Mísseis terra-terra Katyusha ou foguetões 122 mm (A. Santos)

Vd. posts anteriores desta série (ou relacionados com armamento do PAIGC):

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim)

27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)