1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2015:
Queridos amigos,
Temos primeiro uma demorada viagem à vida de um seminarista, um itinerário que nos permite fazer comparações com o romance "Manhã submersa", de Vergílio Ferreira.
Assistimos à formação de uma companhia de atiradores e com a rara felicidade o escritor disseca a comunicação entre quatro aspirantes, estão ali o inconformismo, a contestação, a resignação, a indiferença e ficamos com um perfil de um comandante de companhia valdevinos, um adicto dos cabarés da época.
Agora, o narrador desloca-nos para um teatro de operações difuso, algures nas matas centrais da Guiné, as relações humanas borbulham, há um impiedoso comandante de agrupamento em Bafatá que quer resultados a qualquer preço e começam os grandes sinistros. O protagonista é evacuado, ficou com os tímpanos profundamente lesados. E vai regressar e ser colocado perto da fronteira senegalesa, ali perto do marco 133.
Um relato que toma conta de nós, podemos recordar as conversas daqueles anos de 1960 e acompanhar a evolução de um jovem que descobre o horror da guerra, que procura afetos e a estabilidade emocional.
E que tem a vida em suspenso.
Um abraço do
Mário
Cabra-cega, por João Gaspar Carrasqueira (2)
Beja Santos
“Cabra-Cega, Do seminário para a guerra colonial”, por João Gaspar Carrasqueira, Chiadora Editora, 2015, é uma incursão singular na literatura na guerra da Guiné, pelas seguintes razões: assistimos à formação da mentalidade de um seminarista, trata-se de um jovem manifestamente sem educação, que cumpre a vontade dos pais, gente humilde que anseia ver um filho em cargos dignos e sem precisões materiais; aos 20 anos, o jovem declara firmemente que não quer participar nesse embuste, abandona o seminário, trabalha e faz o 7.º ano; vem o chamamento para o curso de oficiais milicianos, integra-se numa companhia de atiradores e parte para a Guiné, onde será ferido em combate, não sem antes ter vivido riscos e peripécias como andar sozinho à procura do caminho do regresso, depois da debandada dos seus homens. Dá para perceber que João Gaspar Carrasqueira é o pseudónimo de alguém que se quer camuflar, a carpintaria literária não ilude que estamos perante uma narrativa confessional e não de um Carrasqueira que recebeu a incumbência de António Aiveca, o forjado protagonista de toda esta trama. E a singularidade extravasa para os ingredientes da narrativa: as conversas entre aqueles quatro alferes da companhia de atiradores espelham a sério mentalidades e atitudes daqueles jovens, a linguagem é crua, aquele calão era o traço de unidade, a forma de comunicação na caserna e na parada. Em suma, um livro convincente, íntimo, um jovem transformado em joguete do destino, com os seus momentos de desencanto, de amargor, a arrancar das vistas a vontade de sobrevivência.
Numa patrulha de reconhecimento, depois de um tiroteio, vê-se só, os seus retiraram, fazendo das fraquezas forças, serena e põe-se ao caminho, a ouvir as vozes dos guerrilheiros, no seu encalço. Acachapa-se durante a noite, procura orientar-se, ouve outras vozes, julga tratar-se de uma tabanca próxima, o corpo falece:
“A pele das mãos estava toda encarquilhada pelo contacto com a água. O mesmo devia suceder-se com os pés, devia ter todo mirrado e encolhido. Sentia nas mãos, nos braços e pelo corpo toda uma imensa comichão. Estava cheia de bolhas e ampolas, só as via nos braços e nas mãos mas devia estar por todo o corpo. Muito tempo esteve a sentir-se um nojo completo, sobretudo uma merda da cintura para baixo, uma presa para os mosquitos e as moscas”.
E então surge uma luminosidade por detrás das palmeiras, uma neblina leitosa a empastar a bolanha. Procurou um caminho para o rio, atravessou-o, e depois de muito caminhar chegou a uma tabanca amiga. Para sua surpresa, desconfiarão do que andou a fazer. O coronel de Bafatá queria todas as informações, António Aiveca tinha sido um instrumento da Operação Cabra-cega para confirmar a existência de uma base terrorista.
A vida operacional prossegue, algo mudou nas relações entre o comandante de companhia e António Aiveca. Nunca saberemos em concreto onde se situam estes teatros de operações, a única referência dada é de que estamos no centro da Guiné. Os comandos, em Bafatá, exigem uma mentalidade ofensiva, e o inimigo dá réplica. Numa dessas operações, entram numa base e António Aiveca dá consigo a entrar numa escola onde a professora lhe faz frente com uma arma, o alferes liquida-a. O nome da professora, Abess, nunca mais lhe sairá do pensamento. Já leva quatro meses de Guiné, sempre em bolandas até que a morte do capitão Mendonça e o seu ferimento irão mudar brutalmente o curso dos acontecimento. Os picadores tinham detetado uma mina anticarro, Mendonça queria apanhá-la, estava excitado, queria ser ele próprio a levantá-la, e a tragédia irrompeu em cena:
“O trovão e a faísca rápidos que o lançaram no vazio, sem passado nem presente, nem nada pela frente. Não sentiu dor ou sofrimento, não teve qualquer pensamento. Era a forma rápida de sair da vida para o nada.
Não soube nem deixou de saber o que se passara, não soube se morrera ou se ficara ferido, não soube se foi para o inferno ou para o céu, não viu o velho das barbas nem o cornudo de rabo comprido. Houve momentos em que não existiu.
Levantou-se e veio ao pé o capitão também deitado. Não se mexia, a farda tinha desaparecido quase toda, a perna direita estava pegado ao joelho por uma tira de pele, os testículos estavam desfeitos”.
E ele deitava sangue dos ouvidos, é evacuado para Bissau e daqui para Lisboa. Vão ser meses de dormência, está em tratamento, é como se vivesse em estado intermédio, a guerra não acabou, retoma a vida noturna, os ouvidos lembram-lhe que a sua vida mudou:
“Passou todas as segundas, quartas e sextas de manhã no Hospital Militar. Foi tira penso e mete penso nas feridas que tinha dos estilhaços. Mas o pior era o esgravatar doloroso em que se empenhavam nos ouvidos, despejando depois para dentro deles uma porcaria que não via, mas que pareciam torrentes de água, umas vezes quente outra fria, a penetrar por toda a cabeça e pescoço. Saía sempre atordoado e, quando na rua, o ruído dos carros que passavam, e até os seus próprios passos, ribombavam-lhe na cabeça como trovões”.
Passa as tardes no cinema, as noites na ramboia. Começa-se a encontrar com Norberto, um camarada que se descobriu que é hemofílico e também revolucionário e que procura atraí-lo para a subversão. Ao fim de oito meses comparece numa junta médica, é dado como apto para todo o serviço, vai regressar à Guiné, fica colocado no Depósito Geral de Adidos. Informado que um dos seus soldados, de nome Gabriel, está no anexo do Hospital Militar, em Campolide, vai visitá-lo. A descrição é devastadora:
“À medida que ia andando, espreitava para os quartos e camaratas. O que via deixava-o estarrecido e sem fala, não havia palavras perante tal panorama. Viu homens sem pernas, outros sem braços, uns cegos e, destes, alguns sem mãos ou sem braços também”.
Enquanto ouve o que Gabriel tem para lhe contar vai olhando à volta e conversa com gente esfacelada, estropiada, ouve relatos pungentes. Recebe uma guia de marcha para embarcar no Uíge. Desembarcado em Bissau, apresenta-se na Repartição de Pessoal do Quartel General. Um capitão informa-o:
“Você vai ser colocado numa companhia do recrutamento da Província que está lá em cima, ao pé do Senegal”.
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 1 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14552: Notas de leitura (708): "Cabra Cega - Do seminário para a guerra colonial", por João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 4 de maio de 2015
Guiné 63/74 - P14563: Parabéns a você (899): José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf da CART 2716 (Guiné, 1970/72)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14557: Parabéns a você (898): António Estácio, amigo Grã-Tabanqueiro, natural da Guiné e Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAV 3366 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de 3 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14557: Parabéns a você (898): António Estácio, amigo Grã-Tabanqueiro, natural da Guiné e Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAV 3366 (Guiné, 1971/73)
domingo, 3 de maio de 2015
Guiné 63/74 - P14562: Convívios (672): Almoço Convívio do CART 2479, no Vimeiro, Lourinhã, no dia 30 de Maio (Valdemar Queirós)
1. O nosso Camarada Valdemar Silva (mais conhecido por Valdemar Queiroz), ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70), solicitou-nos a publicação do seguinte convite para a festa do convívio anual da sua Unidade:
Ora viva, caro Luís Graça.
No próximo dia 30, deste mês, vai haver mais um 'CONVÍVIO 2015', do pessoal da CART 2479 / CART 11 (Guiné, 1969-70-71), no Vimeiro (Lourinhã).
Parece que vai ser mais fácil ir ter, ao Vimeiro, venham do norte, do sul, do leste ou oeste, do que chegar a Canquelifá ou a Guiro Iero Bocari. (...quem nos dera ter agora vinte e poucos anos!).
Faz este ano 45 anos, para alguns, que vieram da Guiné: eu, o Macias, o Abílio Duarte e o Pais de Sousa viemos, em 18 de Dezembro de 1970, de avião, pagando a diferença do custo da viagem dos restantes que vieram de barco, em Janeiro de 1971.
Vamos lá, todos os 'Lacraus', ao Vimeiro (Lourinhã) .
Um grande abraço para todos do nosso blogue
Valdemar Queiroz
CONVÍVIO 2015
COMP. ARTILHARIA 2479
GUINÉ 1969 A 1971
VIMEIRO, LOURINHÃ, 30 de Maio de 2015
Camaradas/ Amigos:
Aproxima-se o dia 30 de Maio pelo que se convidam todos os camaradas da Companhia 2479 para mais um “Combate”!
A concentração das nossas Forças será no Vimeiro, concelho da Lourinhã, pelas 11,00 horas, junto ao Padrão Comemorativo da Batalha do Vimeiro, onde o exército Anglo-Luso, comandado pelo General Wellesley, venceu as tropas napoleónicas dirigidas pelo general Junot em 21 de Agosto de 1808 durante a 1ª Invasão Francesa.
Relembrando aí a história e enriquecendo, por alguns momentos a nossa cultura com visita guiada ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, desceremos de seguida ao Restaurante Residencial Braga onde será servido o almoço.
As inscrições deverão ser feitas para Joaquim Martins contato 967063199 / 214102638) ou para o Leonel telem. 912848724 até dia 20 de Maio.
No verso seguem as instruções para acesso ao Vimeiro.
Com um forte abraço
M. Martins
Algés,10 de Abril de 2015
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P14561: Libertando-me (Tony Borié) (15): Atravessando a Ponte Golden Gate, a pé, em S. Francisco
Décimo quinto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.
Quando jovens, havia pelo menos na nossa aldeia uma expressão, muito frequente, na boca das pessoas mais idosas, que quando fazíamos algo que não estava de acordo com o seu parecer, nos falavam com uma expressão geralmente arrogante, lá de cima, pois nós éramos crianças, víamos o seu rosto cá de baixo, dizendo-nos: “se voltas a fazer isto, vais corrido a PONTAPÉ!”.
A “PONTAPÉ”, é disso que vamos falar, não daquela expressão, intimidativa, arrogante, que nos embaraçava, nos metia medo, mas de algo que nos faça passar um bom tempo, nos faça ser jovens outra vez, aventureiros, deixando por alguns instantes a guerra, as emboscadas, os camuflados rotos e sujos de sangue, a terra vermelha, os abrigos do Olossato, todos aqueles pormenores, alguns horrorosos, outros assim-assim, outros onde, entre outras coisas, o cigarro e o álcool que nos faziam andar por ali, a G-3 era a nossa namorada, adorável companheira, às vezes acordávamos pela madrugada, parecendo até que éramos pessoas, humanos e, sabíamos ler, escrever, que o norte era para aquele lado, mas a Europa era para o lado da cidade de Bissau.
Lá em Mansoa havia a ponte que tinha um arco de cada lado, onde se faziam apostas, cujo prémio, às vezes era um maço de cigarros, em quem era capaz de atravessar esse arco, caminhando e batendo palmas, ao mesmo tempo. Havia alguns que com certa coragem, começavam, quando chegavam ao meio e a superfície era a descer, voltavam as costas e às vezes vinham de joelhos. Havia só um militar, que era o “Marafado”, que atravessava todo o arco, fazendo o pino, ou seja, caminhando com as mãos, mas a troco de uma cerveja ou de um maço de cigarros “Três Vintes”, ele dizia que tinha trabalhado num circo.
Havia a ponte velha, ao lado, que era a nossa preferida, assim como de outros militares que queriam alguma paz, onde se passavam horas, sentados, fumando, pensando na aldeia, atrás da montanha em Portugal, apreciando a área alagadiça, quando da maré cheia, com alguns pelicanos descendo o rio, mergulhando o pescoço na procura de algum peixe.
Muitos de nós conheciam essa ponte, pelo menos os combatentes estacionados na zona do Oio e, pelo menos nós, sempre considerámos a verdadeira “porta de entrada na zona de guerra”, mas agora vamos viajar, vamos atravessar a “Golden Gate Bridge”, que é aquela ponte que aparece muitas vezes nos filmes e na televisão, na cidade de São Francisco, na Califórnia.
Era ao fim da tarde, o carro era um “utilitário”, alugado na cidade de Los Angeles, numa agência, onde os funcionários vivem nos “Barrios” e, como já explicámos anteriormente, não gostam dos “Gringos”, fazem sempre um preço mais em conta às pessoas que falam ou tentam falar o seu idioma, não havia GPS, íamos guiados pelo mapa, onde parece tudo muito fácil, mas no terreno é pior que aqueles carreiros para Porto Gole, Bissorã, Bafatá ou Olossato, só que aqui, não é terra e floresta selvagem, é um tráfico intenso, com algumas distâncias sem qualquer placa de sinalização, seguíamos pela estrada número 1, a quem também chamam, entre outros nomes “Cabrillo Highway”, em homenagem ao navegador e explorador Português, João Rodrigues Cabrilho, nascido em Montalegre, no ano de 1499. Por seguir sempre encostada ao oceano Pacífico, mas próximo da cidade de São Francisco, esta estrada junta-se a uma rápida, que dá pelo nome de Highway 101. Parámos numa estação de serviço, perguntámos qual a maneira mais rápida e funcional de atravessar a ponte e a funcionária, sorrindo, disse-nos que era para aquele lado, mas nunca lá tinha ido, uma simpática senhora ao lado, logo nos disse que era fácil, quando entrasse na cidade, bastava seguir os sinais com desenhos da ponte que aparecem em quase todas as ruas ou cruzamentos do percurso, até à referida ponte, mas, vivia em São Francisco há mais de 20 anos e só a tinha atravessado duas vezes, quando foi visitar uma tia que vivia no norte, dizia-me ela, fazendo uns gestos esquisitos com ambos os braços, pois às vezes “balança e treme, que horror”.
Foi o que fizemos, demorou algum tempo, mas conseguimos, fomos ao outro lado e regressámos, era uma vista agradável, mesmo muito agradável e, na nossa ideia logo ficou a determinação que iríamos fazer de novo, mas agora a pé, ou seja, atravessar a “PONTAPÉ”.
Procurámos um daqueles motéis onde se dorme e que pela manhã servem um café com um biscoito, que normalmente chamam de “B and B”, (bed and breakfast), que quer dizer mais ou menos, cama e pequeno almoço, que na cidade de São Francisco, pelo menos na zona da parte sul da ponte, próximo da área de “Fisherman Wharf”, existem muitos.
Ali, recolhemos informação dos principais lugares com interesse na cidade de São Francisco, que é uma cidade onde os espanhóis, por altura do ano de 1776, se estabeleceram numa pequena fortaleza no “Golden Gate”, numa missão chamada “Francisco de Assis”. A corrida ao ouro na Califórnia, em 1848, impulsionou a cidade com um período rápido de crescimento, pois a sua população no espaço de um ano cresceu de 1000 para 25.000 habitantes, tornando-se naquela época a maior cidade da costa oeste dos USA. Em 1906, três quartos da cidade foi destruída por um terramoto seguido de incêndio, mas foi reconstruída rapidamente com avenidas e ruas já com configuração moderna, dizem também, que durante a “Segunda Guerra Mundial”, a cidade de São Francisco foi o porto de embarque para a “Guerra do Pacífico”, tal como a cidade de Lisboa foi o porto de embarque para a “Guerra do Ultramar”, e com o fim da guerra, o retorno dos militares, a emigração em massa, atitudes de liberalização e outros factores que levaram ao “Verão do Amor” e ao movimento pelos direitos dos homossexuais, fazendo da cidade de São Francisco um centro de activismo liberal dos USA.
Depois de nos informarmos sobre os lugares de interesse, que eram tantos, a escolha foi difícil, mas sempre sobressaía a “Golden Gate Bridge”, o “Fisherman’s Wharf” e o “Chinatown”. Um dos principais motivos que nos levou à cidade de São Francisco era atravessar a “Golden Gate Bridge” que quer dizer mais ou menos “Ponte do Portão do Ouro”, a pé, caminhando, que liga São Francisco à cidade de Sausalito, que fica situada do lado de lá, ao norte, mas dentro da área da baía de São Francisco, onde a ponte termina, sobre o estreito de “Golden Gate” que é uma das mais conhecidas construções dos USA, considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, cujo comprimento, depende do que nós quisermos medir, mas dizem que o vão principal da suspensão entre as torres é de 1280 metros, o que fez da Ponte Golden Gate a maior ponte suspensa do mundo, até que a Ponte Verrazano Narrows foi construído em Nova York, em 1964, com um projeto que foi deliberadamente feito 60 metros mais longo para definir o recorde mundial. A extensão total da Golden Gate é de 2737 metros, um pouco menos do que a metade do comprimento da ponte é entre as duas torres. Também dizem que ela é um dos destinos mais populares do mundo para viajantes, onde muitas pessoas vêm para as áreas de observação especiais, no norte ou do sul, estacionam os seus veículos, tiram fotos e vão embora, mas isso não lhe dá a mesma sensação para admirar esta bela estrutura, do que realmente é, caminhando pela ponte, que como dizíamos, tem quase três mil metros de comprimento.
Ao outro dia pela manhã, deixando o veículo estacionado na área do “Fisherman Wharf”, tomando lugar naqueles autocarros que mostram a cidade, saímos na parte sul da ponte, preparando-nos para a aventura da sua travessia a pé, já não era surpresa a intensidade do ruído do tráfego na ponte, pois o Highway 101, assim como a tal estrada número 1, são lugares barulhentos, mas a estrutura moderna de aço sob o leito da estrada da ponte, amplifica pouco o ruído do tráfego, mas claro, sempre se ouve aquela lamuria do “clack-clack” com os carros e camiões passando sobre as juntas de dilatação, que como sabem, essas articulações permitem à estrada expandir ou contrair, fazendo face às altas ou baixas temperaturas, que às vezes são extremas, que mantém a ponte sem deformação ou fissuras, mas para nós e muitos visitantes, estes sons da ponte, no seu trabalho, são parte da diversão de a visitar.
Iniciámos a nosso aventura sabendo que as forças da natureza colidem na área da Ponte Golden Gate todos os dias, pois estamos quase a 70 metros acima da superfície do Oceano Pacífico e da Baía de São Francisco, bem no meio de uma abertura estreita na escala de uma costa montanhosa, onde o Golden Gate, é a única abertura ao nível do mar que leva a milhares de quilómetros quadrados de vales ou montanhas, com o continente e o oceano, onde o calor se refresca durante o dia, que pode mudar a pressão do ar de expansão para contracção, que por sua vez pode causar ventos fortes, onde a atmosfera se ajusta às diferentes pressões de ar da terra e do oceano. Também existem marés fortes para dentro e fora da Golden Gate área, misturando água fresca dos grandes rios que desaguam na baía, com a água salgada e turbulenta do Oceano Pacífico, que podem ter diferentes temperaturas. O ar acima da água pode ser também de diferentes temperaturas, que causam variações na direcção dos ventos diários, que causam o tradicional nevoeiro, que pode existir por horas ou por alguns minutos, tanto seja pela manhã como pela tarde.
Levávamos equipamento para enfrentar todas estas anomalias, sentindo a brisa na cara, surgindo pela frente, céu azul, nevoeiro, alguns chuviscos, vento e, de novo céu azul, parando aqui e ali, tirando fotos, vendo a cidade ao longe, de diversas posições, pois do lado leste da ponte, enfrentamos a cidade de São Francisco e a Baía, a parte oeste nos dias de semana é geralmente reservado para as equipas de manutenção. Também existem duas passagens abaixo do tabuleiro da ponte, uma é um amplo túnel na extremidade sul e a outra é uma passagem estreita no extremo norte, para os caminhantes terem a oportunidade de atravessar entre as duas passagens, dando aos visitantes acesso a grandes oportunidades para fotos dramáticas de ambos os lados da ponte, que como dizíamos antes, com uma vista fabulosa, com vistas para a cidade de São Francisco, para a ilha de Alcatraz e outras áreas da parte leste da Baía, assim como alguns barcos passando, com os golfinhos fugindo na frente.
Já no regresso, ao meio da ponte, pudemos admirar os cabos gigantescos que descem ao nível do convés, o que nos permite ver o quão grosso são. Quando passamos ao lado das torres, existe uma pequena curva, produzindo uma "sacada", para mais pontos de vista e fotos. O círculo branco ao redor da base da torre da ponte é uma barreira de concreto que desvia as poderosas correntes de maré, e a protege contra os navios que podem, por qualquer razão, ficar fora do seu curso.
Na torre sul, do lado de São Francisco, tem uma placa comemorativa dos engenheiros e políticos empenhados na construção da ponte. No extremo sul abaixo da ponte sobre um promontório é o velho Fort Point, que é um local histórico nacional, assim como no extremo norte, abaixo da Ponte é o cais do antigo Fort Baker, podendo ver tudo isto e, mais algumas paisagens que nos ficam no pensamento para toda a vida.
Atravessámos a ponte nas duas direcções, parando por umas horas do lado de lá, onde existe um ponto privilegiado de observação, para repouso e admirar a paisagem.
Só mais um pormenor, a cor da Ponte Golden Gate é chamada de "laranja internacional", que não se vende nas lojas, pois é única.
Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14528: Libertando-me (Tony Borié) (14): O aeroporto era já ali
Quando jovens, havia pelo menos na nossa aldeia uma expressão, muito frequente, na boca das pessoas mais idosas, que quando fazíamos algo que não estava de acordo com o seu parecer, nos falavam com uma expressão geralmente arrogante, lá de cima, pois nós éramos crianças, víamos o seu rosto cá de baixo, dizendo-nos: “se voltas a fazer isto, vais corrido a PONTAPÉ!”.
A “PONTAPÉ”, é disso que vamos falar, não daquela expressão, intimidativa, arrogante, que nos embaraçava, nos metia medo, mas de algo que nos faça passar um bom tempo, nos faça ser jovens outra vez, aventureiros, deixando por alguns instantes a guerra, as emboscadas, os camuflados rotos e sujos de sangue, a terra vermelha, os abrigos do Olossato, todos aqueles pormenores, alguns horrorosos, outros assim-assim, outros onde, entre outras coisas, o cigarro e o álcool que nos faziam andar por ali, a G-3 era a nossa namorada, adorável companheira, às vezes acordávamos pela madrugada, parecendo até que éramos pessoas, humanos e, sabíamos ler, escrever, que o norte era para aquele lado, mas a Europa era para o lado da cidade de Bissau.
Lá em Mansoa havia a ponte que tinha um arco de cada lado, onde se faziam apostas, cujo prémio, às vezes era um maço de cigarros, em quem era capaz de atravessar esse arco, caminhando e batendo palmas, ao mesmo tempo. Havia alguns que com certa coragem, começavam, quando chegavam ao meio e a superfície era a descer, voltavam as costas e às vezes vinham de joelhos. Havia só um militar, que era o “Marafado”, que atravessava todo o arco, fazendo o pino, ou seja, caminhando com as mãos, mas a troco de uma cerveja ou de um maço de cigarros “Três Vintes”, ele dizia que tinha trabalhado num circo.
Havia a ponte velha, ao lado, que era a nossa preferida, assim como de outros militares que queriam alguma paz, onde se passavam horas, sentados, fumando, pensando na aldeia, atrás da montanha em Portugal, apreciando a área alagadiça, quando da maré cheia, com alguns pelicanos descendo o rio, mergulhando o pescoço na procura de algum peixe.
Muitos de nós conheciam essa ponte, pelo menos os combatentes estacionados na zona do Oio e, pelo menos nós, sempre considerámos a verdadeira “porta de entrada na zona de guerra”, mas agora vamos viajar, vamos atravessar a “Golden Gate Bridge”, que é aquela ponte que aparece muitas vezes nos filmes e na televisão, na cidade de São Francisco, na Califórnia.
Era ao fim da tarde, o carro era um “utilitário”, alugado na cidade de Los Angeles, numa agência, onde os funcionários vivem nos “Barrios” e, como já explicámos anteriormente, não gostam dos “Gringos”, fazem sempre um preço mais em conta às pessoas que falam ou tentam falar o seu idioma, não havia GPS, íamos guiados pelo mapa, onde parece tudo muito fácil, mas no terreno é pior que aqueles carreiros para Porto Gole, Bissorã, Bafatá ou Olossato, só que aqui, não é terra e floresta selvagem, é um tráfico intenso, com algumas distâncias sem qualquer placa de sinalização, seguíamos pela estrada número 1, a quem também chamam, entre outros nomes “Cabrillo Highway”, em homenagem ao navegador e explorador Português, João Rodrigues Cabrilho, nascido em Montalegre, no ano de 1499. Por seguir sempre encostada ao oceano Pacífico, mas próximo da cidade de São Francisco, esta estrada junta-se a uma rápida, que dá pelo nome de Highway 101. Parámos numa estação de serviço, perguntámos qual a maneira mais rápida e funcional de atravessar a ponte e a funcionária, sorrindo, disse-nos que era para aquele lado, mas nunca lá tinha ido, uma simpática senhora ao lado, logo nos disse que era fácil, quando entrasse na cidade, bastava seguir os sinais com desenhos da ponte que aparecem em quase todas as ruas ou cruzamentos do percurso, até à referida ponte, mas, vivia em São Francisco há mais de 20 anos e só a tinha atravessado duas vezes, quando foi visitar uma tia que vivia no norte, dizia-me ela, fazendo uns gestos esquisitos com ambos os braços, pois às vezes “balança e treme, que horror”.
Foi o que fizemos, demorou algum tempo, mas conseguimos, fomos ao outro lado e regressámos, era uma vista agradável, mesmo muito agradável e, na nossa ideia logo ficou a determinação que iríamos fazer de novo, mas agora a pé, ou seja, atravessar a “PONTAPÉ”.
Procurámos um daqueles motéis onde se dorme e que pela manhã servem um café com um biscoito, que normalmente chamam de “B and B”, (bed and breakfast), que quer dizer mais ou menos, cama e pequeno almoço, que na cidade de São Francisco, pelo menos na zona da parte sul da ponte, próximo da área de “Fisherman Wharf”, existem muitos.
Ali, recolhemos informação dos principais lugares com interesse na cidade de São Francisco, que é uma cidade onde os espanhóis, por altura do ano de 1776, se estabeleceram numa pequena fortaleza no “Golden Gate”, numa missão chamada “Francisco de Assis”. A corrida ao ouro na Califórnia, em 1848, impulsionou a cidade com um período rápido de crescimento, pois a sua população no espaço de um ano cresceu de 1000 para 25.000 habitantes, tornando-se naquela época a maior cidade da costa oeste dos USA. Em 1906, três quartos da cidade foi destruída por um terramoto seguido de incêndio, mas foi reconstruída rapidamente com avenidas e ruas já com configuração moderna, dizem também, que durante a “Segunda Guerra Mundial”, a cidade de São Francisco foi o porto de embarque para a “Guerra do Pacífico”, tal como a cidade de Lisboa foi o porto de embarque para a “Guerra do Ultramar”, e com o fim da guerra, o retorno dos militares, a emigração em massa, atitudes de liberalização e outros factores que levaram ao “Verão do Amor” e ao movimento pelos direitos dos homossexuais, fazendo da cidade de São Francisco um centro de activismo liberal dos USA.
Depois de nos informarmos sobre os lugares de interesse, que eram tantos, a escolha foi difícil, mas sempre sobressaía a “Golden Gate Bridge”, o “Fisherman’s Wharf” e o “Chinatown”. Um dos principais motivos que nos levou à cidade de São Francisco era atravessar a “Golden Gate Bridge” que quer dizer mais ou menos “Ponte do Portão do Ouro”, a pé, caminhando, que liga São Francisco à cidade de Sausalito, que fica situada do lado de lá, ao norte, mas dentro da área da baía de São Francisco, onde a ponte termina, sobre o estreito de “Golden Gate” que é uma das mais conhecidas construções dos USA, considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, cujo comprimento, depende do que nós quisermos medir, mas dizem que o vão principal da suspensão entre as torres é de 1280 metros, o que fez da Ponte Golden Gate a maior ponte suspensa do mundo, até que a Ponte Verrazano Narrows foi construído em Nova York, em 1964, com um projeto que foi deliberadamente feito 60 metros mais longo para definir o recorde mundial. A extensão total da Golden Gate é de 2737 metros, um pouco menos do que a metade do comprimento da ponte é entre as duas torres. Também dizem que ela é um dos destinos mais populares do mundo para viajantes, onde muitas pessoas vêm para as áreas de observação especiais, no norte ou do sul, estacionam os seus veículos, tiram fotos e vão embora, mas isso não lhe dá a mesma sensação para admirar esta bela estrutura, do que realmente é, caminhando pela ponte, que como dizíamos, tem quase três mil metros de comprimento.
Ao outro dia pela manhã, deixando o veículo estacionado na área do “Fisherman Wharf”, tomando lugar naqueles autocarros que mostram a cidade, saímos na parte sul da ponte, preparando-nos para a aventura da sua travessia a pé, já não era surpresa a intensidade do ruído do tráfego na ponte, pois o Highway 101, assim como a tal estrada número 1, são lugares barulhentos, mas a estrutura moderna de aço sob o leito da estrada da ponte, amplifica pouco o ruído do tráfego, mas claro, sempre se ouve aquela lamuria do “clack-clack” com os carros e camiões passando sobre as juntas de dilatação, que como sabem, essas articulações permitem à estrada expandir ou contrair, fazendo face às altas ou baixas temperaturas, que às vezes são extremas, que mantém a ponte sem deformação ou fissuras, mas para nós e muitos visitantes, estes sons da ponte, no seu trabalho, são parte da diversão de a visitar.
Iniciámos a nosso aventura sabendo que as forças da natureza colidem na área da Ponte Golden Gate todos os dias, pois estamos quase a 70 metros acima da superfície do Oceano Pacífico e da Baía de São Francisco, bem no meio de uma abertura estreita na escala de uma costa montanhosa, onde o Golden Gate, é a única abertura ao nível do mar que leva a milhares de quilómetros quadrados de vales ou montanhas, com o continente e o oceano, onde o calor se refresca durante o dia, que pode mudar a pressão do ar de expansão para contracção, que por sua vez pode causar ventos fortes, onde a atmosfera se ajusta às diferentes pressões de ar da terra e do oceano. Também existem marés fortes para dentro e fora da Golden Gate área, misturando água fresca dos grandes rios que desaguam na baía, com a água salgada e turbulenta do Oceano Pacífico, que podem ter diferentes temperaturas. O ar acima da água pode ser também de diferentes temperaturas, que causam variações na direcção dos ventos diários, que causam o tradicional nevoeiro, que pode existir por horas ou por alguns minutos, tanto seja pela manhã como pela tarde.
Levávamos equipamento para enfrentar todas estas anomalias, sentindo a brisa na cara, surgindo pela frente, céu azul, nevoeiro, alguns chuviscos, vento e, de novo céu azul, parando aqui e ali, tirando fotos, vendo a cidade ao longe, de diversas posições, pois do lado leste da ponte, enfrentamos a cidade de São Francisco e a Baía, a parte oeste nos dias de semana é geralmente reservado para as equipas de manutenção. Também existem duas passagens abaixo do tabuleiro da ponte, uma é um amplo túnel na extremidade sul e a outra é uma passagem estreita no extremo norte, para os caminhantes terem a oportunidade de atravessar entre as duas passagens, dando aos visitantes acesso a grandes oportunidades para fotos dramáticas de ambos os lados da ponte, que como dizíamos antes, com uma vista fabulosa, com vistas para a cidade de São Francisco, para a ilha de Alcatraz e outras áreas da parte leste da Baía, assim como alguns barcos passando, com os golfinhos fugindo na frente.
Já no regresso, ao meio da ponte, pudemos admirar os cabos gigantescos que descem ao nível do convés, o que nos permite ver o quão grosso são. Quando passamos ao lado das torres, existe uma pequena curva, produzindo uma "sacada", para mais pontos de vista e fotos. O círculo branco ao redor da base da torre da ponte é uma barreira de concreto que desvia as poderosas correntes de maré, e a protege contra os navios que podem, por qualquer razão, ficar fora do seu curso.
Na torre sul, do lado de São Francisco, tem uma placa comemorativa dos engenheiros e políticos empenhados na construção da ponte. No extremo sul abaixo da ponte sobre um promontório é o velho Fort Point, que é um local histórico nacional, assim como no extremo norte, abaixo da Ponte é o cais do antigo Fort Baker, podendo ver tudo isto e, mais algumas paisagens que nos ficam no pensamento para toda a vida.
Atravessámos a ponte nas duas direcções, parando por umas horas do lado de lá, onde existe um ponto privilegiado de observação, para repouso e admirar a paisagem.
Só mais um pormenor, a cor da Ponte Golden Gate é chamada de "laranja internacional", que não se vende nas lojas, pois é única.
Tony Borie, Maio de 2015.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 26 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14528: Libertando-me (Tony Borié) (14): O aeroporto era já ali
Guiné 63/74 - P14560: Blogpoesia (414): do alto Minho... a Berlim, de regresso a casa (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)
Lisboa > Livraria Bar Les Enfants Terribles > Cinema King > 2 de novembro de 2013 > 19h00 > Sessão de lançamento do livro de poesia do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, "Baladas de Berlim" (Lisboa, Chiado Editora, 2013) > Da esquerda para a direita: Luís Graça, que apresentou o livro: o autor e o seu filho mais velho, Paulo Teia, padre jesuíta, que apresentou o pai e o poeta; e ainda a representante da Chiado Editora...
Foto: © Virgínio Briote (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
Berlim > 2012 > Joaqum Luis Mendes Gomes, com dois dos seus netos
Foto: © J. L. Mendes Gomes (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados
alto minho...
subi às terras altas do alto minho,
cada vez mais verdes,
cheias de rochas e de castelos,
igrejas brancas
e campanários.
onde o vinho cresce enforcado por estas gentes pacatas
e derrama a sua bênção
lá por volta do mês de agosto.
e uma manta alta de pinheiros bravios
se estende abundante
por essas encostas serranas.
e há rios caudalosos,
minho, lima, cávado e ave,
descendo em correrias,
lá das montanhas,
serpenteando campos
e vinhedos,
em busca do mar.
onde havia mulheres tão atentas e corajosas,
como a maria da fonte,
fazendo frente
e pondo na ordem
os desacatos loucos
desses políticos.
onde vive um povo alegre
e trabalhador,
que enxameia de festas e romarias,
a temporada fértil
do estio e do outono...
onde portugal se enlaça a espanha,
pelo norte e pelo leste.
póvoa de lanhoso,
na casa do meu irmão,
desabafo
cheguei de novo a berlim,
aqui há ordem,
Nota do editor:
Último poste da série > 3 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14559: Blogpoesia (413): No dia em que se lembram todas as Mães, um poema do nosso camarada Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)
subi às terras altas do alto minho,
cada vez mais verdes,
cheias de rochas e de castelos,
igrejas brancas
e campanários.
onde o vinho cresce enforcado por estas gentes pacatas
e derrama a sua bênção
lá por volta do mês de agosto.
e uma manta alta de pinheiros bravios
se estende abundante
por essas encostas serranas.
e há rios caudalosos,
minho, lima, cávado e ave,
descendo em correrias,
lá das montanhas,
serpenteando campos
e vinhedos,
em busca do mar.
onde havia mulheres tão atentas e corajosas,
como a maria da fonte,
fazendo frente
e pondo na ordem
os desacatos loucos
desses políticos.
onde vive um povo alegre
e trabalhador,
que enxameia de festas e romarias,
a temporada fértil
do estio e do outono...
onde portugal se enlaça a espanha,
pelo norte e pelo leste.
póvoa de lanhoso,
na casa do meu irmão,
desabafo
cheguei de novo a berlim,
deixei-a despida, gelada e triste,
encontrei-a verde,
recheada de arvoredo,
denso e gigantesco,
entrelaçando as casas.
um céu azul e luminoso,
um fervilhar de gente alegre e descontraída a passear na rua,
nada de stresses,
vivendo a vida em festa.
desigualdades, aqui não há.
toda a gente igual
e trabalha,
cada um faz bem o que sabe e que é capaz.
toda a gente dorme descansada...
como gostaria eu que o meu portugal,
como gostaria eu que o meu portugal,
que é tão lindo e rico,
vivesse igual.
mas não,
há uma casta de privilegiados,
há uma casta de privilegiados,
parasitas e oportunistas,
uma dúzia só...
que os explora.
desenfreadamente.
como uns selvagens...
apoderaram-se do poder.
e, pasme-se!, pela via democrática!...
que terrível paradoxo.
que ninguém desata...
aqui há ordem,
respeito das regras.
tudo funciona perfeito,
desde as escolas, tribunais e aos hospitais.
cada um tem sua vez.
e não espera muito.
o estado se preocupa, se antecipa
na solução dos problemas dos seus cidadãos.
uma verdadeira sinfonia,
uma verdadeira sinfonia,
com bons maestros. ...
e não estou a exagerar nem a fantasiar.
e não estou a exagerar nem a fantasiar.
berlim, 3 de maio, 11h45
[ex-Alf Mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 3 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14559: Blogpoesia (413): No dia em que se lembram todas as Mães, um poema do nosso camarada Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)
Guiné 63/74 - P14559: Blogpoesia (413): No dia em que se lembram todas as Mães, um poema do nosso camarada Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)
1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 1 de Abril de 2015:
Prezado Dr. Graça:
Tomo a liberdade de remeter um pequeno poema, que poderá ser publicado o Blogue, caso o entenda conveniente.
Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves
Mãe
Não há outra tão breve, e sacrossanta.
É a primeira que a nossa voz murmura,
A que mais nossa pobre alma encanta.
Ao dizê-la, sentimos-lhe a doçura.
E não há palavra onde exista tanta.
E quem diz mãe, diz anjo. Diz ternura.
E diz amor, com piedade santa.
Mãe! A palavra é quase divinal.
É feita só de encanto, só de luz.
Para tudo quanto a vida tem de mal,
Ou de peso enorme, a lembrar a cruz,
Ela tem remédio. Ela traz bonança.
E tem sempre um gesto a brotar esperança.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14452: Blogpoesia (412): 3 poemas recentes: (i) Mergulhei na Polónia; (ii) O barco na praia; e (iii) Rua dos impossíveis... (J. L. Mendes Gomes)
Prezado Dr. Graça:
Tomo a liberdade de remeter um pequeno poema, que poderá ser publicado o Blogue, caso o entenda conveniente.
Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves
************
Mãe
Não há outra tão breve, e sacrossanta.
É a primeira que a nossa voz murmura,
A que mais nossa pobre alma encanta.
Ao dizê-la, sentimos-lhe a doçura.
E não há palavra onde exista tanta.
E quem diz mãe, diz anjo. Diz ternura.
E diz amor, com piedade santa.
Mãe! A palavra é quase divinal.
É feita só de encanto, só de luz.
Para tudo quanto a vida tem de mal,
Ou de peso enorme, a lembrar a cruz,
Ela tem remédio. Ela traz bonança.
E tem sempre um gesto a brotar esperança.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14452: Blogpoesia (412): 3 poemas recentes: (i) Mergulhei na Polónia; (ii) O barco na praia; e (iii) Rua dos impossíveis... (J. L. Mendes Gomes)
Guiné 63/74 - P14558: 11º aniversário do nosso blogue (2): o nosso primeiro poste, de 23/4/2004... Homenagem antes de mais à Mulher-Mãe (Mário Gaspar)
Mário Gaspar em Gadamael, já no final da comissão, em 1968 |
(...) Trinta e cinco anos depois.
No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.
Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.
Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.
Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.
Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.
Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.
Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.
E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra.
A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão de soldados terá escrito mais de 500 milhões de cartas e aerogramas. E recebido outros tantos. Como este que aqui se reproduz. (...)
______________
Eu, Mário Vitorino Gaspar, estou inteiramente de acordo com o texto (**).
No que diz respeito ao parágrafos que fala de Fátima, digo que discordo totalmente com a Igreja quando autoriza aquele rastejar. Enquanto em Fátima os pobres rastejam, não os critico, os ricos colocam nos mealheiros montes de dinheiro, possivelmente dinheiro sujo, e gozam os prazeres de uma estadia num Hotel de Fátima. Os pobres rastejam, brota sangue no alcatrão. Desde 1953 que assisti ao que acabo de dizer. A Igreja devia proibir que o povo se sacrifique daquela maneira. Costumo dizer "proibido proibir", neste caso proibia mesmo. É indigno, como outras questões em Fátima.
Decerto que estou de acordo com esse texto, mas acrescentaria talvez mais uns pós, isto em relação ao tema "Homenagem às Mulheres Portuguesas". Acrescentaria: ... Na Guerra Colonial, ficaria "Homenagem às Mulheres Portuguesas na Guerra Colonial"
Mulher-Mãe, minha primeira mulher;
Decerto que estou de acordo com esse texto, mas acrescentaria talvez mais uns pós, isto em relação ao tema "Homenagem às Mulheres Portuguesas". Acrescentaria: ... Na Guerra Colonial, ficaria "Homenagem às Mulheres Portuguesas na Guerra Colonial"
Mulher-Mãe, minha primeira mulher;
Mulher-Esposa;
Mulher-Noiva;
Mulher-Namorada;
Mulher-Família... outras,
e uma que considero ter muitos adeptos:
Mulher-Prima.
Muitos dos nossos camaradas namoravam primas e casaram-se.
A Guerra Colonial Portuguesa tem muito de comum com a Guerra do Vietname. Difere no que diz respeito às idades, os americanos eram mobilizados mais novos e não namoravam em comparação com os portugueses.
A Guerra Colonial Portuguesa tem muito de comum com a Guerra do Vietname. Difere no que diz respeito às idades, os americanos eram mobilizados mais novos e não namoravam em comparação com os portugueses.
Penso, penso eu... que no Vietname abundava a droga, e na Guiné vi a droga. As Praças "U" e os Caçadores Nativos, quando a encontravam. ficavam doidos. Um dia vi-me atrapalhado para os segurar. Mas na zona onde estava, tenho a certeza absoluta: DROGA... NÃO!
Que droga maior que a Guerra? Anestesiados... anestesiados é o termo. O nosso interior é um enigma. Só na Guiné me apercebi das minhas capacidades e respostas para inúmeras questões. Podemos morrer, num cair e já está. Pode-se ser furado por montes de projecteis e não morrermos. Uma nativa em Ganturé, estava toda furada, intestinos nas mãos, pediu-me ajuda, e sem saber o que fazer, o Enfermeiro estava bem ocupado, dei-lhe LM. Nunca cheguei a conclusões, mas o Furriel Enfermeiro, o meu Amigo Durães, disse-me que tinha feito bem.
Sucedeu-me, isto cá, aparecer um ex Comando junto de mim, pistola em punho, a dizer-me: "VOU MATAR-ME!"... Respondi-lhe, logo sem pensar: "Então, mata-te". Não se matou, mas fiquei preocupado. Não o conhecia, tornei-me amigo do tipo.
QUERIA QUE OS NOSSOS CAMARADAS PARTICIPASSEM MAIS. SERIA VANTAJOSO QUE LESSEM, ACHO QUE GRANDE PARTE NADA LÊ.
Um abraço
Mário Vitorino Gaspar
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14507: A Revista Karas de Monte Real fala do X Encontro Nacional da Tertúlia e do nosso aniversário
(*) Vd. poste de 23 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14507: A Revista Karas de Monte Real fala do X Encontro Nacional da Tertúlia e do nosso aniversário
Guiné 63/74 - P14557: Parabéns a você (898): António Estácio, amigo Grã-Tabanqueiro, natural da Guiné e Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAV 3366 (Guiné, 1971/73)
____________
Nota do editor
Último poste da série > 1 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14550: Parabéns a você (897): José Carlos Neves, ex-Soldado TRMS do STM (Guiné, 1974) e Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 (Guiné, 1964/66)
sábado, 2 de maio de 2015
Guiné 63/74 - P14556: Blogoterapia (268): Vitórias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2015:
A família junta o passado e o presente e perspectiva o futuro.
Nesta foto estão os meus pais, irmãos, a minha mulher, a minha filha e sobrinhos, para além do Caramba.
Três combateram na Guiné, um em Moçambique e o meu sobrinho prestou serviço durante o processo do referendo em Timor e mais tarde fez duas comissões no Iraque.
É a minha família mais chegada e quando estávamos todos era uma alegria.
Um abraço a todos os camaradas
Juvenal Amado
VITÓRIAS
Sentado na enorme sala de espera das consultas externas do Hospital de Leiria, olho rostos, tento adivinhar o que se passa por detrás dos semblantes mais ao menos fechados...
Na sua maioria são gente para a minha idade e como o meu avô diria, eram rapazes do meu tempo.
Mas voltando aos “fregueses” da sala de espera, ponho-me a pensar que muitos dos homens foram combatentes, jovens, fortes, e hoje estão doentes, cansados das agruras da vida, saudosos daquele tempo em que afrontavam a vida como se nada lhes pudesse provocar beliscadura. Quantos estiveram na Guiné, Angola, Moçambique? Quantas esposas quanta madrinhas de guerra? Os progenitores são na esmagadora maioria uma recordação e uma saudade.
A saúde já não é a mesma e essa é que é a verdade indiscutível.
Há pouco tempo recebi a notícia de que o Silva dos Carvalhos estava a fazer hemodiálise e quando comentava o facto com outro camarada, fiquei a saber que o “Ermesinde” também está à espera de um transplante renal, o Narciso foi operado a tumor no cérebro, o Alfredo “estufa” teve um AVC e não sai da cama nem fala, também o “sacristão” esteve muito mal e isto para não falar nos que já nos deixaram.
Através dos semblantes dos utentes na sala de espera tento adivinhar o calvário que cada um está a passar por detrás do olhar absorto.
Quantos filhos e quantos netos terão? Quantas brigas, quantas derrotas e quantas vitórias, constarão na bagagem de cada um?
Os filhos e netos serão a sua vitória da vida sobre a morte?
Há dias assisti a um diálogo num filme que encerrava uma grande lição de vida.
Uma idosa judia, sobrevivente de um campo de morte nazi que ostentava a tatuagem de um número no braço e que estava muito doente, tinha ao redor da cama sete filhos, mais de uma dezena de netos e alguns bisnetos.
O médico disse – então tem aqui a sua família?
Ela respondeu, que sim e que aquela família, era a sua vingança sobre quem tentara aniquilá-la e através dela, toda a sua descendência. A prole tão numerosa era a sua vitória sobre os sofrimentos que lhe tinham infligido.
Fiquei a remoer nas suas palavras pois elas eram um grito de vitória, não em forma de batalha ou guerra ganha, mas sim em forma de sobrevivência e de prolongamento do seu nome, quando tudo tinham feito para lho apagar.
Em Monte Real também soube que alguns camaradas não estavam na sua melhor forma, mas mesmo assim ali estavam também a celebrar outros tempos, novas e velhas amizades. Alguns levaram esposas filhos e netos. Estarmos ali, foi celebrarmos uma vitória onde só a vida e a paz podem e devem ser vencedoras.
Juvenal Amado
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14555: Blogoterapia (267): Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga (Mário Vitorino Gaspar)
A família junta o passado e o presente e perspectiva o futuro.
Nesta foto estão os meus pais, irmãos, a minha mulher, a minha filha e sobrinhos, para além do Caramba.
Três combateram na Guiné, um em Moçambique e o meu sobrinho prestou serviço durante o processo do referendo em Timor e mais tarde fez duas comissões no Iraque.
É a minha família mais chegada e quando estávamos todos era uma alegria.
Um abraço a todos os camaradas
Juvenal Amado
VITÓRIAS
Sentado na enorme sala de espera das consultas externas do Hospital de Leiria, olho rostos, tento adivinhar o que se passa por detrás dos semblantes mais ao menos fechados...
Na sua maioria são gente para a minha idade e como o meu avô diria, eram rapazes do meu tempo.
Mas voltando aos “fregueses” da sala de espera, ponho-me a pensar que muitos dos homens foram combatentes, jovens, fortes, e hoje estão doentes, cansados das agruras da vida, saudosos daquele tempo em que afrontavam a vida como se nada lhes pudesse provocar beliscadura. Quantos estiveram na Guiné, Angola, Moçambique? Quantas esposas quanta madrinhas de guerra? Os progenitores são na esmagadora maioria uma recordação e uma saudade.
A saúde já não é a mesma e essa é que é a verdade indiscutível.
Há pouco tempo recebi a notícia de que o Silva dos Carvalhos estava a fazer hemodiálise e quando comentava o facto com outro camarada, fiquei a saber que o “Ermesinde” também está à espera de um transplante renal, o Narciso foi operado a tumor no cérebro, o Alfredo “estufa” teve um AVC e não sai da cama nem fala, também o “sacristão” esteve muito mal e isto para não falar nos que já nos deixaram.
Através dos semblantes dos utentes na sala de espera tento adivinhar o calvário que cada um está a passar por detrás do olhar absorto.
Quantos filhos e quantos netos terão? Quantas brigas, quantas derrotas e quantas vitórias, constarão na bagagem de cada um?
Os filhos e netos serão a sua vitória da vida sobre a morte?
Há dias assisti a um diálogo num filme que encerrava uma grande lição de vida.
Uma idosa judia, sobrevivente de um campo de morte nazi que ostentava a tatuagem de um número no braço e que estava muito doente, tinha ao redor da cama sete filhos, mais de uma dezena de netos e alguns bisnetos.
O médico disse – então tem aqui a sua família?
Ela respondeu, que sim e que aquela família, era a sua vingança sobre quem tentara aniquilá-la e através dela, toda a sua descendência. A prole tão numerosa era a sua vitória sobre os sofrimentos que lhe tinham infligido.
Fiquei a remoer nas suas palavras pois elas eram um grito de vitória, não em forma de batalha ou guerra ganha, mas sim em forma de sobrevivência e de prolongamento do seu nome, quando tudo tinham feito para lho apagar.
Em Monte Real também soube que alguns camaradas não estavam na sua melhor forma, mas mesmo assim ali estavam também a celebrar outros tempos, novas e velhas amizades. Alguns levaram esposas filhos e netos. Estarmos ali, foi celebrarmos uma vitória onde só a vida e a paz podem e devem ser vencedoras.
Juvenal Amado
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14555: Blogoterapia (267): Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga (Mário Vitorino Gaspar)
Guiné 63/74 - P14555: Blogoterapia (267): Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga (Mário Vitorino Gaspar)
1. Em mensagem do dia 26 de Abril de 2015, o nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé,
1967/68), enviou-nos um texto de sua autoria como o título Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga.
“Eu me retiro com a consciência tranquila,
sentindo que cumpri meu dever,
de alguma forma,
com meu povo e meu país”.
Nelson Mandela
Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga
Mário Vitorino Gaspar
Comando… uma patrulha; segurança ou emboscada, os sentidos multiplicam-se.
Atento ao mínimo pormenor. A distância diminui. Pequena anã.
Os olhos ampliam as imagens. A pica beija o chão, meigamente bate. Se somos agressivos, rebenta. O coração cadenciado, melhor relógio do mundo. Depressa, não! A pica presa, como a vara do pastor.
Surge o inimigo, arde-me o fogo. O coração é mero sino manejado por um sacristão aprendiz. Num ápice, fico anestesiado? Mente… A mente desperta, som de trompete. Cerebral. Controlo!
Na mão enterro o medo. Invade a nudez do suco que morde o meu ser. Tem calma! Vislumbro, e logo de seguida… Oco o tempo sábio, trémulo de hora! Branco, tom pintado de nitidez. Carrego o corpo ser e saber. Crispa fogo… Coração, relógio solto de ponteiros das horas. Dentada no coração que chora.
Olho gigante cresce, visão global:
Mortos? Feridos? Evacuações, o radiotelegrafista tem de informar:
– Nenhum morto! Sete a evacuar!
– Disparo certeiro… E verdade verde pintada esperança.
Mas qual a memória, que matemática e fotografia? Os olhos munidos de lentes. Maquinetas fotográficas, certa memória…. Pausa… A liberdade só, regressa voando e mora dentro de mim.
Transformo-me em ave que voa na pauta.
Música nascida na pureza de musicais notas libertas:
Num Ápice, a anestesia morta, a mente sorri.
Evacuar. A morte espreita, numa nesga de entre o matagal.
– Não vejo! – Vomita o meu Soldado.
O helicóptero cai na terra perdida. A enfermeira florido sorriso:
– Espreite o céu que ri, rios de água nascente. Vê?
Olho sangue vermelho. Ferida espetada. De aço…Responde o herói Soldado:
– Tão linda que é! Flor… E branca neve algodão.
– Sete a evacuar…
O helicóptero esconde-se nas nuvens. Esvoaça… Esperança.
Mário Vitorino Gaspar
____________
Nota do editor
Último poste da série de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14351: Blogoterapia (266): O Senhor M. Proust escreveu milhares de páginas "À la recherche du temps perdu"... Será que nós estamos escrevendo milhares de postes, à procura da juventude "perdida" na guerra? (Vasco Pires, ex-alf mil art. cmdt do 23º Pel Art. Gadamael, 1970/72)
“Eu me retiro com a consciência tranquila,
sentindo que cumpri meu dever,
de alguma forma,
com meu povo e meu país”.
Nelson Mandela
Foto: © Alexandre Miguel Marques Gaspar - Filho do Mário Gaspar
Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga
Mário Vitorino Gaspar
Comando… uma patrulha; segurança ou emboscada, os sentidos multiplicam-se.
Atento ao mínimo pormenor. A distância diminui. Pequena anã.
Os olhos ampliam as imagens. A pica beija o chão, meigamente bate. Se somos agressivos, rebenta. O coração cadenciado, melhor relógio do mundo. Depressa, não! A pica presa, como a vara do pastor.
Surge o inimigo, arde-me o fogo. O coração é mero sino manejado por um sacristão aprendiz. Num ápice, fico anestesiado? Mente… A mente desperta, som de trompete. Cerebral. Controlo!
Na mão enterro o medo. Invade a nudez do suco que morde o meu ser. Tem calma! Vislumbro, e logo de seguida… Oco o tempo sábio, trémulo de hora! Branco, tom pintado de nitidez. Carrego o corpo ser e saber. Crispa fogo… Coração, relógio solto de ponteiros das horas. Dentada no coração que chora.
Olho gigante cresce, visão global:
Mortos? Feridos? Evacuações, o radiotelegrafista tem de informar:
– Nenhum morto! Sete a evacuar!
– Disparo certeiro… E verdade verde pintada esperança.
Mas qual a memória, que matemática e fotografia? Os olhos munidos de lentes. Maquinetas fotográficas, certa memória…. Pausa… A liberdade só, regressa voando e mora dentro de mim.
Transformo-me em ave que voa na pauta.
Música nascida na pureza de musicais notas libertas:
Num Ápice, a anestesia morta, a mente sorri.
Evacuar. A morte espreita, numa nesga de entre o matagal.
– Não vejo! – Vomita o meu Soldado.
O helicóptero cai na terra perdida. A enfermeira florido sorriso:
– Espreite o céu que ri, rios de água nascente. Vê?
Olho sangue vermelho. Ferida espetada. De aço…Responde o herói Soldado:
– Tão linda que é! Flor… E branca neve algodão.
– Sete a evacuar…
O helicóptero esconde-se nas nuvens. Esvoaça… Esperança.
Mário Vitorino Gaspar
____________
Nota do editor
Último poste da série de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14351: Blogoterapia (266): O Senhor M. Proust escreveu milhares de páginas "À la recherche du temps perdu"... Será que nós estamos escrevendo milhares de postes, à procura da juventude "perdida" na guerra? (Vasco Pires, ex-alf mil art. cmdt do 23º Pel Art. Gadamael, 1970/72)
Guiné 63/74 - P14554: Tabanca Grande (460): Nuno Nazareth Fernandes, que foi alf mil do BENG 447 e radialista em Bissau, 1972/74... Senta-se à sombra do nosso poilão, cabendo-lhe o lugar nº 684
Capa do livro "A engenharia militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia" - Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. - Lisboa : Direcção de InfraEstruturas do Exército, 2014. - 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6. Cortesia de Nuno Nazareth Fernandes. Ìndice da obra: ver aqui.
1. Mensagem do compositor (e nosso camarada da Guiné) Nuno Nazareth Fernandes, com data de ontem:
Escreveu ontem, em comentário, o Belarmimo Sardinha, que é membro da nossa Tabanca Grande e amigo pessoal do Nuno Nazareth Fernandes:
Olá Luis,1. Mensagem do compositor (e nosso camarada da Guiné) Nuno Nazareth Fernandes, com data de ontem:
Meu Caro Luis Graça
Pode ser solicitado á Direcção da Arma de Engenharia no Campo de Santa Clara em Lisboa.
Parabéns pelo blogue que me parece de muita importância.
Um abraço amigo para todos
2. Comentário do editor:
Obrigado pela publicação (*). Agradeço me mantenha ao corrente desses encontros [da malta do blogue] pois farei circular a informação pelo pessoal do Beng 447. Aliás também nós nos reunimos uma vez por ano e os ex-oficiais em Lisboa ou no Porto ou a meio caminho e com mais frequência.
Já agora envio a foto da capa do que a Arma de Engenharia publicou o ano passado sobre a Obra que o Beng deixou para trás, por iniciativa do seu último Comandante, o então Ten Cor Alberto Maia e Costa.
Já agora envio a foto da capa do que a Arma de Engenharia publicou o ano passado sobre a Obra que o Beng deixou para trás, por iniciativa do seu último Comandante, o então Ten Cor Alberto Maia e Costa.
Pode ser solicitado á Direcção da Arma de Engenharia no Campo de Santa Clara em Lisboa.
Também agradeço, caso insistam em pôr a minha foto (...) que a substituam pela que mando e que é mais actual.
Parabéns pelo blogue que me parece de muita importância.
Lembro que talvez a malta se lembre de um programa que fazia na rádio, no Emissor Regional da Guiné, quando eventualmente não estava fora de Bissau e que se chamava "Integral". Era do agrado especialmente do pessoal que estava no mato, quer pela música quer pelas mensagens "subversivas" que deixava...
Um dia destes, com tempo vou ver se localizo algumas gravações e mando. Lembro-me uma vez em que fui chamado à DGS e me "pediram muito delicadamente" (...) para ter mais cuidado pois eram obrigados a enviar as gravações para a António Maria Cardoso!
Nessa mesma tarde estava eu a fazer fogo com umas
armas apreendidas ao IN com o Chefe deles, o
Fragoso Allas, o que era normal sempre que havia armamento "novo" no "mercado" e ele disse-me : - Ó engenheiro, então hoje foi lá ao "escritório"?! Não ligue, eles fazem só o que lhes mandam...
É claro que dizer aos microfones "Em Santiago reina a paz dos cemitérios" .. (estávamos em 1973 e Pinochet tinha iniciado a repressão no Chile).
Um dia destes, com tempo vou ver se localizo algumas gravações e mando. Lembro-me uma vez em que fui chamado à DGS e me "pediram muito delicadamente" (...) para ter mais cuidado pois eram obrigados a enviar as gravações para a António Maria Cardoso!
Nessa mesma tarde estava eu a fazer fogo com umas
armas apreendidas ao IN com o Chefe deles, o
Fragoso Allas, o que era normal sempre que havia armamento "novo" no "mercado" e ele disse-me : - Ó engenheiro, então hoje foi lá ao "escritório"?! Não ligue, eles fazem só o que lhes mandam...
É claro que dizer aos microfones "Em Santiago reina a paz dos cemitérios" .. (estávamos em 1973 e Pinochet tinha iniciado a repressão no Chile).
Coisas que hoje são interessantes de recordar e que nos fazem reflectir sobre o "conhecimento" e relações DGS/Exército no Ultramar mas isso são horas de conversa.
Um abraço amigo para todos
NNF
Escreveu ontem, em comentário, o Belarmimo Sardinha, que é membro da nossa Tabanca Grande e amigo pessoal do Nuno Nazareth Fernandes:
(...) Várias vezes abordei já com o Nuno a sua entrada na Tabanca Grande, depende apenas dele, mas experimenta tu a convidá-lo, é sempre diferente. Ele é uma pessoa com muito espírito e piada na forma de contar as suas histórias e certamente terá algumas sobre a Guiné e até sobre a rádio da Guiné, onde esteve também. (...)
Um abraço, BS.
Pois, meu caro Nuno, e meu caro BS: não precisamos de mais convites. O Nuno percebeu logo que estava entre camaradas da Guiné, de gente de boa fé, deu os patabéns pelo blogue, mandou-nos uma foto atual, mostrou-se interessado em saber dos nossos encontros e até nos contou uma história da sua passagem pelo PFA, o programa de rádio das Forças Armadas, e da sua ida, um dia, ao "escritório" da DGS... Para mim, é a aceitação do convite que lhe fiz para integrar a nossa comunidade virtual de amigos e camaradas da Guiné.
O Nuno já está, pois, sentado, e bem sentado á sombra do poilão da Tabanca Grande, cabendo-lhe o lugar nº 684. (depois da entrada do José Sousa e das nossas amigas Graciela Santos e Lígia Guimarães, esposas de camaradas nossoas, totalistas dos dez encontros nacionais que já realizámos desde 2006). (**)
De resto, a malta do BENG 447 [de que temos vários camaradas formalmente registados na nossa Tabanca Grande, com destaque para o ex-cap mil Fernando Valente (Magro), de 1970/72] só pode ser recebida aqui de braços abertos. Já também aqui demos notícia do próximo 32º Encontro Nacional da malta do BENG 447, nas Caldas da Raínha, no dia 9 do corrente.
Obrigado, Nuno, pela foto da capa da obra "A engenharia militar na Guiné", da qual vamos querer saber mais coisas... E o Nuno já sabe que na Tabanca Grande todos os camaradas se tratam por tu, do engenheiro ao corneteiro, do médico ao auxiliar de enfermagem, do comandanet operacional ao simples soldado atirador...
Obrigado, Nuno, pela foto da capa da obra "A engenharia militar na Guiné", da qual vamos querer saber mais coisas... E o Nuno já sabe que na Tabanca Grande todos os camaradas se tratam por tu, do engenheiro ao corneteiro, do médico ao auxiliar de enfermagem, do comandanet operacional ao simples soldado atirador...
Como vai adiantada a hora, e estou fora de Lisboa, quero tão só dar as boas vindas ao Nuno e agradecer também ao Belarmino por ter levado a "carta a Garcia", neste caso ter dado a conhecer ao Nuno o nosso blogue. Ficaremos à espera de poder partilhar, uns com os outros, de mais histórias do BENG 447 e dos programas de rádio que se faziam em 1973 e qiue chegavam tanto aos ouvidos da malta no mato como aos agentes da DGS... Temos também vários camaradas que foram locutores do programa de rádio das forças armadas, a começar pelo Silvério Dias!... O Nuno, por certo, que se deve lembrar do Silvério Dias e vice-versa
___________________
Notas do editor:
Guiné 63/74 - P14553: Agenda cultural (394): Apresentação do livro "Guerra na Bolanha - De Estudante, a Militar e Diplomata", de Francisco Henriques da Silva, dia 5 de Maio de 2015, pelas 18h00, no Palácio da Independência, Largo de São Domingos, Lisboa (Francisco Henriques da Silva)
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 28 de Abril de 2015:
Meus caros,
A fim de ser eventualmente divulgado na vossa agenda cultural, junto remeto um convite para a apresentação da obra da minha autoria “Guerra na Bolanha”, na próxima terça-feira, dia 5 de Maio, pelas 18 horas, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em Lisboa.
Com abraço,
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14538: Agenda cultural (393): Lançamento do livro "CARTAS DE MATO" - CORRESPONDÊNCIA PACÍFICA DE GUERRA", de Daniel Gouveia que terá lugar no próximo dia 5 de Maio de 2015, pelas 15 horas, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras
Meus caros,
A fim de ser eventualmente divulgado na vossa agenda cultural, junto remeto um convite para a apresentação da obra da minha autoria “Guerra na Bolanha”, na próxima terça-feira, dia 5 de Maio, pelas 18 horas, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em Lisboa.
Com abraço,
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14538: Agenda cultural (393): Lançamento do livro "CARTAS DE MATO" - CORRESPONDÊNCIA PACÍFICA DE GUERRA", de Daniel Gouveia que terá lugar no próximo dia 5 de Maio de 2015, pelas 15 horas, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras
sexta-feira, 1 de maio de 2015
Guiné 63/74 - P14552: Notas de leitura (708): "Cabra Cega - Do seminário para a guerra colonial", por João Gaspar Carrasqueira, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2015:
Queridos amigos,
Por intermédio do nosso confrade Marques Lopes, recebi esta "Cabra-Cega" que, segundo apurei, terá o seu lançamento em Junho.
A vários títulos, estamos perante uma obra invulgar, seguimos o itinerário de uma criança pobre educado no seminário até aos 20 anos, faz o 7.º ano enquanto estuda como ajudante de fiel armazém. Segue-se Mafra, e na Amadora vai formar batalhão.
Em impressiva água-forte, regressamos aos anos 1960, quatro aspirantes que foram convergidos à pressa para uma companhia dialogam entre a inocência e um certo fundamentalismo. O capitão Mendonça é uma figura antológica, verão. E depois a Guiné, algures, depois de um rio largo que depois se estreita. E um dia, aquele alferes descobre que está sozinho, a sua tropa debandou depois de um fogo intenso.
E há muito mais para vos dizer.
Um abraço do
Mário
Cabra-cega, por João Gaspar Carrasqueira (1)
Beja Santos
É um livro íntimo, com vários biombos, com a simulação de artifícios para dificultar a perceção da realidade. Será que João Gaspar Carrasqueira existe? E, a existir, foi conterrâneo de António Aiveca que deixou estes papéis para publicar e já está na terra da verdade?
Faltava-nos esta peça na literatura da guerra da Guiné, uma autobiografia camuflada, da infância até ao termo da comissão. Um menino nascido em Lisboa e logo transferido para Penedo Gordo, não muito longe de Beja. E regressado depois a Lisboa, vivia numa pobreza extrema, fez a instrução primária num colégio de padres e daqui seguiu para o seminário. Aos vinte anos, entra em discordância, é tempo de acabar com a comédia da vocação, e sai do seminário. Regressa a Lisboa, para sobreviver, trabalha como ajudante de fiel de armazém e estuda. É assim que recebe uma convocatória para se apresentar em Mafra, temo-lo como atirador de infantaria. Segue para a Guiné, é logo lançado no mato, o relato não indica nem o tempo nem o lugar como se buscasse a universalidade de todas as guerras. O capitão, comandante de companhia, é gizado como um valdevinos, um frequentador de cabarés lisboetas; e o retrato que o autor nos dá dos quatro alferes da companhia é singular, atrevo-me a dizer único, aquelas quatro pessoas poderão ter existido na inocência, no fanatismo, na pesporrência, na indiferença acompanhada de ignorância, quanto ao modo de participar na guerra. O alegado António Aiveca ao fim de quatro meses é ferido em combate, evacuado para o Hospital Militar Principal, transforma-se numa reencarnação no comandante companhia, morto na improvidência de um levantamento de mina. São tempos de estúrdia, somos envolvidos naquele terrível compasso de espera de alguém que tem os tímpanos feridos e que escancara as portas ao inferno dos estropiados que jazem num dos anexos do hospital. E dá-se o regresso à Guiné, vai passar mais uns meses numa companhia de recrutamento local, sai-lhe um portão de Balantas na rifa. E depois o regresso, numa atmosfera de espessamento e de desencantos. Todos mudaram, ele não ficou para trás, viveu a morte em vários espelhos coloridos e jogou à cabra-cega. Foi demasiado, se o seminário o desencantou, as idas e vindas com a Guiné ao fundo deixaram-no agrilhoado ao somatório das perdas.
Vale a pena abrir a mão de todo este longo itinerário que se atribui a António Aiveca, segundo o presumível imaginário de João Gaspar Carrasqueira.
Primeiro, o Alentejo, as raízes da família, mãe ceifeira e o pai tratorista nos campos dos latifundiários, rasgando-os com aivecas, daí o nome que ficou para a família. Passou a infância numa parte de casa em Campo de Ourique. E depois temos um colégio de padres, um caseirão enorme, estamos então no seminário, reza ao terço todos os dias antes do jantar, acompanha o diretor na visita às famílias ricas da terra. Passados cinco anos, é transferido para um seminário maior, noviciado em Filosofia, temos aqui descrições primorosas, há frases que ficaram gravadas ao ex-seminarista para todo o sempre: “Quem não fizer penitência morrerá” ou “Na missa, quando no altar se imola Jesus, não nos devemos julgar na terra, mas no céu entre os espíritos celestes”. Pobreza e castidade, e obediência. O controlo é absoluto, mal se põe a conversar mais longamente com alguém é logo advertido que não é bom fazer amizades, há inconveniência nos afetos duradouros. Pede para sair, entregam-lhe o papel da dispensa dos votos, vai viver com os pais em Lisboa, na Calçada da Patriarcal, trabalha, estuda, descobre o cinema. Tem o 12.º ano, é hora de partir para Mafra. O autor dá-nos algumas águas-fortes para preparação militar, dado transversal da obra são os diálogos das pessoas, conversas sincopadas, ali à volta, nas fendas e interstícios é-nos permitido conhecer os estados de alma, mas tudo com comedimento. Já é aspirante, é colocado numa unidade e redige jornais de parede. Ainda foi a Lamego, a sua prestação não agradou, é recambiado para o RI 1, Amadora, é aqui que vai integrar uma companhia, em breve todos saberão que o seu destino é a Guiné. Temos aqui um dos momentos culminantes do livro, as conversas entre os aspirantes Aprígio, Castro, Zé Pedro e Aiveca, é um bom registo de mentalidades. E somos inseridos na vida noturna de Lisboa graças ao capitão Mendonça que tem garrafas com o seu nome em diferentes bares.
Deliberadamente, não sabemos a data de partida no Ana Mafalda para a Guiné, presume-se que estamos em 1967. Uma LDM leva-os através de um rio para perto do destino. Sabemos que é um rio largo, que depois vai estreitar, condensa floresta nas margens, com curvas e contracurvas, havia muita tensão, mas nada aconteceu. E depois vão em coluna, após uma noite horrível, não se sabe bem por onde nem para onde, e chegam ao destacamento, sabe-se que têm a sede do batalhão a 30 quilómetros, há vários quartéis isolados. Correm rumores de que os rebeldes se aproximam da região, fazem-se patrulhamentos, Aiveca aprende os horrores daquele sol abrasador, vê horrorizado os soldados a mijar nos cantis. Mendonça, que dava a imagem da pândega na vida noturna de Lisboa, revela-se um traste, em positivo, trabalha para a folha de serviços. Sabemos que há áreas onde se deslocam sem perigo, as Panhard seguem à frente. Nomadizações, patrulhamentos, emboscadas. E a imagem de tabancas abandonadas, o testemunho daquele momento da guerrilha em que se separaram as águas, uns partiram para o mato profundo, outros aproximaram-se da tropa, ficaram em quartéis ou em autodefesa. As relações entre Aiveca e Mendonça degradam-se. E chegou a hora das grandes operações, entram em acampamentos, deitam fogo às habitações. E a guerrilha apresenta-se, há fogo intenso, é preciso apoio aéreo. Mendonça determina que vai referenciar um objetivo. É um dos momentos da obra dignos de referência. Aiveca vai ficar sozinho depois de uns tiroteios, o seu grupo debanda, vai descobrir que está sozinho. Tudo começa assim:
“Foi rastejando e, a certa altura, ouviu um silvo agudo no ar, levantou a cabeça e numa fração de segundos viu uma granada de morteiro em direção a si. Nem pensou, deu três voltas para o lado a rebolar. Ela enfiou-se na terra mole no sítio onde tinha estado, viu de esguelha o seu rebentamento, sentiu a terra que levantara cair-lhe no camuflado e ouviu o zumbido dos estilhaços. Cabeça entre os braços, ficou agarrado ao chão. Nunca imaginara que isso fosse possível, mesmo quando vira nos filmes não acreditara”.
E os guerrilheiros vão-se aproximando.
(Continua)
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Nota do eitor
Último poste da série de 27 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14532: Notas de leitura (707): Abdulai Silá, o grande prosador guineense (3): "Mistida" (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Por intermédio do nosso confrade Marques Lopes, recebi esta "Cabra-Cega" que, segundo apurei, terá o seu lançamento em Junho.
A vários títulos, estamos perante uma obra invulgar, seguimos o itinerário de uma criança pobre educado no seminário até aos 20 anos, faz o 7.º ano enquanto estuda como ajudante de fiel armazém. Segue-se Mafra, e na Amadora vai formar batalhão.
Em impressiva água-forte, regressamos aos anos 1960, quatro aspirantes que foram convergidos à pressa para uma companhia dialogam entre a inocência e um certo fundamentalismo. O capitão Mendonça é uma figura antológica, verão. E depois a Guiné, algures, depois de um rio largo que depois se estreita. E um dia, aquele alferes descobre que está sozinho, a sua tropa debandou depois de um fogo intenso.
E há muito mais para vos dizer.
Um abraço do
Mário
Cabra-cega, por João Gaspar Carrasqueira (1)
Beja Santos
É um livro íntimo, com vários biombos, com a simulação de artifícios para dificultar a perceção da realidade. Será que João Gaspar Carrasqueira existe? E, a existir, foi conterrâneo de António Aiveca que deixou estes papéis para publicar e já está na terra da verdade?
Faltava-nos esta peça na literatura da guerra da Guiné, uma autobiografia camuflada, da infância até ao termo da comissão. Um menino nascido em Lisboa e logo transferido para Penedo Gordo, não muito longe de Beja. E regressado depois a Lisboa, vivia numa pobreza extrema, fez a instrução primária num colégio de padres e daqui seguiu para o seminário. Aos vinte anos, entra em discordância, é tempo de acabar com a comédia da vocação, e sai do seminário. Regressa a Lisboa, para sobreviver, trabalha como ajudante de fiel de armazém e estuda. É assim que recebe uma convocatória para se apresentar em Mafra, temo-lo como atirador de infantaria. Segue para a Guiné, é logo lançado no mato, o relato não indica nem o tempo nem o lugar como se buscasse a universalidade de todas as guerras. O capitão, comandante de companhia, é gizado como um valdevinos, um frequentador de cabarés lisboetas; e o retrato que o autor nos dá dos quatro alferes da companhia é singular, atrevo-me a dizer único, aquelas quatro pessoas poderão ter existido na inocência, no fanatismo, na pesporrência, na indiferença acompanhada de ignorância, quanto ao modo de participar na guerra. O alegado António Aiveca ao fim de quatro meses é ferido em combate, evacuado para o Hospital Militar Principal, transforma-se numa reencarnação no comandante companhia, morto na improvidência de um levantamento de mina. São tempos de estúrdia, somos envolvidos naquele terrível compasso de espera de alguém que tem os tímpanos feridos e que escancara as portas ao inferno dos estropiados que jazem num dos anexos do hospital. E dá-se o regresso à Guiné, vai passar mais uns meses numa companhia de recrutamento local, sai-lhe um portão de Balantas na rifa. E depois o regresso, numa atmosfera de espessamento e de desencantos. Todos mudaram, ele não ficou para trás, viveu a morte em vários espelhos coloridos e jogou à cabra-cega. Foi demasiado, se o seminário o desencantou, as idas e vindas com a Guiné ao fundo deixaram-no agrilhoado ao somatório das perdas.
Vale a pena abrir a mão de todo este longo itinerário que se atribui a António Aiveca, segundo o presumível imaginário de João Gaspar Carrasqueira.
Primeiro, o Alentejo, as raízes da família, mãe ceifeira e o pai tratorista nos campos dos latifundiários, rasgando-os com aivecas, daí o nome que ficou para a família. Passou a infância numa parte de casa em Campo de Ourique. E depois temos um colégio de padres, um caseirão enorme, estamos então no seminário, reza ao terço todos os dias antes do jantar, acompanha o diretor na visita às famílias ricas da terra. Passados cinco anos, é transferido para um seminário maior, noviciado em Filosofia, temos aqui descrições primorosas, há frases que ficaram gravadas ao ex-seminarista para todo o sempre: “Quem não fizer penitência morrerá” ou “Na missa, quando no altar se imola Jesus, não nos devemos julgar na terra, mas no céu entre os espíritos celestes”. Pobreza e castidade, e obediência. O controlo é absoluto, mal se põe a conversar mais longamente com alguém é logo advertido que não é bom fazer amizades, há inconveniência nos afetos duradouros. Pede para sair, entregam-lhe o papel da dispensa dos votos, vai viver com os pais em Lisboa, na Calçada da Patriarcal, trabalha, estuda, descobre o cinema. Tem o 12.º ano, é hora de partir para Mafra. O autor dá-nos algumas águas-fortes para preparação militar, dado transversal da obra são os diálogos das pessoas, conversas sincopadas, ali à volta, nas fendas e interstícios é-nos permitido conhecer os estados de alma, mas tudo com comedimento. Já é aspirante, é colocado numa unidade e redige jornais de parede. Ainda foi a Lamego, a sua prestação não agradou, é recambiado para o RI 1, Amadora, é aqui que vai integrar uma companhia, em breve todos saberão que o seu destino é a Guiné. Temos aqui um dos momentos culminantes do livro, as conversas entre os aspirantes Aprígio, Castro, Zé Pedro e Aiveca, é um bom registo de mentalidades. E somos inseridos na vida noturna de Lisboa graças ao capitão Mendonça que tem garrafas com o seu nome em diferentes bares.
Deliberadamente, não sabemos a data de partida no Ana Mafalda para a Guiné, presume-se que estamos em 1967. Uma LDM leva-os através de um rio para perto do destino. Sabemos que é um rio largo, que depois vai estreitar, condensa floresta nas margens, com curvas e contracurvas, havia muita tensão, mas nada aconteceu. E depois vão em coluna, após uma noite horrível, não se sabe bem por onde nem para onde, e chegam ao destacamento, sabe-se que têm a sede do batalhão a 30 quilómetros, há vários quartéis isolados. Correm rumores de que os rebeldes se aproximam da região, fazem-se patrulhamentos, Aiveca aprende os horrores daquele sol abrasador, vê horrorizado os soldados a mijar nos cantis. Mendonça, que dava a imagem da pândega na vida noturna de Lisboa, revela-se um traste, em positivo, trabalha para a folha de serviços. Sabemos que há áreas onde se deslocam sem perigo, as Panhard seguem à frente. Nomadizações, patrulhamentos, emboscadas. E a imagem de tabancas abandonadas, o testemunho daquele momento da guerrilha em que se separaram as águas, uns partiram para o mato profundo, outros aproximaram-se da tropa, ficaram em quartéis ou em autodefesa. As relações entre Aiveca e Mendonça degradam-se. E chegou a hora das grandes operações, entram em acampamentos, deitam fogo às habitações. E a guerrilha apresenta-se, há fogo intenso, é preciso apoio aéreo. Mendonça determina que vai referenciar um objetivo. É um dos momentos da obra dignos de referência. Aiveca vai ficar sozinho depois de uns tiroteios, o seu grupo debanda, vai descobrir que está sozinho. Tudo começa assim:
“Foi rastejando e, a certa altura, ouviu um silvo agudo no ar, levantou a cabeça e numa fração de segundos viu uma granada de morteiro em direção a si. Nem pensou, deu três voltas para o lado a rebolar. Ela enfiou-se na terra mole no sítio onde tinha estado, viu de esguelha o seu rebentamento, sentiu a terra que levantara cair-lhe no camuflado e ouviu o zumbido dos estilhaços. Cabeça entre os braços, ficou agarrado ao chão. Nunca imaginara que isso fosse possível, mesmo quando vira nos filmes não acreditara”.
E os guerrilheiros vão-se aproximando.
(Continua)
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Nota do eitor
Último poste da série de 27 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14532: Notas de leitura (707): Abdulai Silá, o grande prosador guineense (3): "Mistida" (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P14551: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (30): «Projecto - Marcas de Guerra - Livro de Textos e Fotografias sobre as Tatuagens" (Pedro Nunes)
1. Mensagem do nosso leitor Pedro Nunes [m, foto atual, à esquerda, cortesia de PPL Crowdfunding Portugal
Data: 29 de abril de 2015 às 11:36
Assunto: «Projecto - "Marcas de Guerra" - Livro de Textos e Fotografias sobre as Tatuagens
«Projecto - "Marcas de Guerra" - Livro de Textos e Fotografias sobre as Tatuagens
Notas do editor
(*) Vd poste de 22 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13429: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (20): Imagens de braços tatuados, do tempo da guerra colonial, precisam-se para trabalho jornalístico sobre a história da tatuagem em Portugal...
(**) Último poste da série > 17 de março 2015 > Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)
Data: 29 de abril de 2015 às 11:36
Assunto: «Projecto - "Marcas de Guerra" - Livro de Textos e Fotografias sobre as Tatuagens
Boa tarde,
O meu nome é Pedro Nunes, e juntamente com mais dois escritores estamos a desenvolver um projeto para o qual pedimos a vossa ajuda/colaboração. Agradeço o vosso tempo assim como qualquer informação que nos possam enviar.
Detalhes:
«Projecto - "Marcas de Guerra" - Livro de Textos e Fotografias sobre as Tatuagens
feitas no período da Guerra do Ultramar.
Pretendemos com este projecto fotografar pessoas que tenham tatuagens feitas durante o período da Guerra do Ultramar. Gostaríamos ainda de elaborar textos a contextualizar o simbolismo e os motivos associados a cada tatuagem.
Contamos para isso com a colaboração de ex-combatentes que se disponibilizem para uma conversa informal e posterior registo fotográfico.
Valorizaremos o tratamento de toda a informação de forma ética e profissional, sempre sob o consentimento de todos os envolvidos.
Acreditamos que este trabalho pode trazer um olhar diferente sobre todos aqueles que viveram um dos períodos mais marcantes da nossa História e que deve ser sempre lembrado.
Autores - Pedro Nunes, Helena Nogueira, José Noras - Escritores com obras publicadas, incluindo o livro de contos sobre o 25 de Abril, "Abril Depois de Abril".»
Cumprimentos,
Pedro Nunes
2. Comentário do editores:
Caro amigo, obrigado pelo contacto. Vamos colaborar dentro das nossas limitadas possibilidades. A tatuagem não era o nosso forte. O tema já foi aqui abordado (*). com fraca resposta, Mas fica o seu repto e o seu convite. Os combatentes da guerra colonial / guerra do ultramar são portugueses generosos. E, mais concretamente, os membros da nossa Tabanca Grande gostam de colaborar com quem procura o nosso blogue como valiosa fonte de informação e conhecimento. (**)
2. Comentário do editores:
Caro amigo, obrigado pelo contacto. Vamos colaborar dentro das nossas limitadas possibilidades. A tatuagem não era o nosso forte. O tema já foi aqui abordado (*). com fraca resposta, Mas fica o seu repto e o seu convite. Os combatentes da guerra colonial / guerra do ultramar são portugueses generosos. E, mais concretamente, os membros da nossa Tabanca Grande gostam de colaborar com quem procura o nosso blogue como valiosa fonte de informação e conhecimento. (**)
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Notas do editor
(*) Vd poste de 22 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13429: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (20): Imagens de braços tatuados, do tempo da guerra colonial, precisam-se para trabalho jornalístico sobre a história da tatuagem em Portugal...
(**) Último poste da série > 17 de março 2015 > Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)
Guiné 63/74 - P14550: Parabéns a você (897): José Carlos Neves, ex-Soldado TRMS do STM (Guiné, 1974) e Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 (Guiné, 1964/66)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14539: Parabéns a você (896): Giselda Pessoa, ex-Sargento Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1972/74)
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Guiné 63/74 - P14549: (Ex)citações (273): A propósito de "O Vento Mudou".... No Festival RTP da Canção de 1967, o Eduardo Nascimento ganhou com o todo o mérito, porque era a melhor canção, e rompia com o chamado "nacional cançonetismo"... É falso que o Salazar tenha imposto o seu nome para ir ao festival da Eurovisão (Nuno Nazareth Fernandes, autor da música, e ex-alf mil, BENG 447, Bissau, 1972/74)
Nuno Nazareth Fernandes (n. 1944) Cortesia de www.snipview.com |
Assunto: O Vento Mudou
Boa tarde ,
Fui alertado, por um ex-combatente e amigo, para uma referência no vosso blogue em que se afirma, a propósito de "O Vento Mudou" ter sido o Eduardo Nascimento o escolhido para representar Portugal na Eurovisão em 1967 por imposição de Salazar! (*)...
Ora isto é rigorosamente falso!
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O Eduardo foi escolhido pelos autores da canção, eu, na música, e o João Magalhães Pereira, na letra, únicos responsáveis por isso. E ganhou... porque era a melhor canção, que rompia com o chamado "nacional cançonetismo" e com um cantor moderno e cheio de ritmo! Nem o Doutor Salazar nem as suas botas tiveram algo a ver com o assunto, antes pelo contrário!
Mas, já agora, posso contar algo que já narrei públicamanet na Televisão e que mostra como o "diz-se diz-se" deste país em nada mudou... Acontece que essa estória me foi afirmada, pessoalmente, quinze dias depois de termos ganho o Festival:
Eu comecei a usar barba quando concorremos, eu e o João estavamos então no IST [Instituto Superior Técnico.] , e eu sempre gostei de manter um certo "low profile". Finda a euforia festivaleira, cortei a barba e duas semanas depois fui a um barbeiro...
Mas, já agora, posso contar algo que já narrei públicamanet na Televisão e que mostra como o "diz-se diz-se" deste país em nada mudou... Acontece que essa estória me foi afirmada, pessoalmente, quinze dias depois de termos ganho o Festival:
Eu comecei a usar barba quando concorremos, eu e o João estavamos então no IST [Instituto Superior Técnico.] , e eu sempre gostei de manter um certo "low profile". Finda a euforia festivaleira, cortei a barba e duas semanas depois fui a um barbeiro...
Barbeiros e taxistas eram na época a "vox populi" oficiais. Hoje também, embora os barbeiros tenham sido substituidos pelos "cabeleireiros" e pelos jornais "cõr de rosa" ficando assim tudo muito mais alegre ou seja "mais gay"... Acontece que o barbeiro em questão logo me informou, e eu incógnito, que tinha sido o Salazar que tinha orquestrado tudo e que os dois "energúmenos autores", sabia-o de" fonte segura", eram da...Mocidade Portuguesa!...
Mas, como sou curioso e na altura tinha muito cabelo, fui a outro "Figaro" alfacinha e puxei a conversa:
- Pois fique sabendo, meu caro senhor, que aqueles dois rapazes são comunistas e que foi o PCP que lhes deu ordem para escolher um negro só para provocar um incidente internacional quando o Regime o recusasse!
Fiquei pois perfeitamente esclarecido sobre a nossa escolha!
Fiquei pois perfeitamente esclarecido sobre a nossa escolha!
Na dúvida, e como prémio, o dito Regime ofereceu-me 24 meses de Guiné (72/74) como alferes de Engenharia, o que achei perfeitamente normal ...e pelo caminho vinguei-me e conspirei forte e feio e lá chegou o 25 de Abril. Depois deve ter sido o PCP que não gostou e tive que "acontecer" outra vez e foi o 25 de Novembro! Enfim sou a chamada "vítima colateral " ... do Vento Mudou!
Qualquer dia acho que vou compôr uma coisa chamada "Furacão, procura-se", que é mais adequado aos dias de hoje, e peço ao Eduardo [Nascimento] para a lançar, pois continua a ter as qualidades que, na altura, justificaram a sua escolha: Cantar e muito bem!
Talvez alguma coisa mude...
E que se lixem as "Botas do Salazar" e as " teias de aranha do Lenine"!
Adeus e... até ao meu regresso, camaradas!
Nuno Nazareth Fernandes
2. Diz a Wikipédia sobre o Nuno Nazareth Fernandes (Excerto reproduzido com a devida vénia):
(...) Nuno Nazareth Fernandes (Lisboa, 24 de Junho de 1942) é um compositor, letrista, cartoonista, fotógrafo, poeta e guionista português.
Nasceu em Lisboa, filho de Alice da Nazareth Fernandes e Luis Cerqueira Teixeira, e neto de Agostinho Fernandes, industrial de conservas e mecenas do século XX.
Compositor, letrista, cartoonista, fotógrafo, poeta e guionista, é sobretudo conhecido pelas suas participações nos Festivais RTP da Canção (que venceu por três vezes, com as canções O Vento Mudou, Desfolhada Portuguesa e Menina), pelos sketches dos programas televisisvos Eu Show Nico e EuroNico e como autor de texto e música de inúmeras Revistas, num percurso de mais de quatro décadas entre os mundos do Disco, da Rádio, da Televisão e do Teatro.
Em todos esses campos trabalhou com os mais variados autores e poetas, com destaque para José Carlos Ary dos Santos com o qual escreveu, entre muitas, aquela que é considerada uma das mais belas canções da música portuguesa: Canção de Madrugar.
Qualquer dia acho que vou compôr uma coisa chamada "Furacão, procura-se", que é mais adequado aos dias de hoje, e peço ao Eduardo [Nascimento] para a lançar, pois continua a ter as qualidades que, na altura, justificaram a sua escolha: Cantar e muito bem!
Talvez alguma coisa mude...
E que se lixem as "Botas do Salazar" e as " teias de aranha do Lenine"!
Adeus e... até ao meu regresso, camaradas!
Nuno Nazareth Fernandes
2. Diz a Wikipédia sobre o Nuno Nazareth Fernandes (Excerto reproduzido com a devida vénia):
(...) Nuno Nazareth Fernandes (Lisboa, 24 de Junho de 1942) é um compositor, letrista, cartoonista, fotógrafo, poeta e guionista português.
Nasceu em Lisboa, filho de Alice da Nazareth Fernandes e Luis Cerqueira Teixeira, e neto de Agostinho Fernandes, industrial de conservas e mecenas do século XX.
Compositor, letrista, cartoonista, fotógrafo, poeta e guionista, é sobretudo conhecido pelas suas participações nos Festivais RTP da Canção (que venceu por três vezes, com as canções O Vento Mudou, Desfolhada Portuguesa e Menina), pelos sketches dos programas televisisvos Eu Show Nico e EuroNico e como autor de texto e música de inúmeras Revistas, num percurso de mais de quatro décadas entre os mundos do Disco, da Rádio, da Televisão e do Teatro.
Em todos esses campos trabalhou com os mais variados autores e poetas, com destaque para José Carlos Ary dos Santos com o qual escreveu, entre muitas, aquela que é considerada uma das mais belas canções da música portuguesa: Canção de Madrugar.
Cumpriu serviço militar, como oficial do Serviço de Material, primeiro na Fábrica Militar de Braço de Prata, e, depois, no Comando Territorial [Independente] da Guiné, hoje República da Guiné-Bissau, no Batalhão de Engenharia (BENG-447), que se localizava em Bissau, entre os Comandos e os Adidos. Nessa ocasião existia no Batalhão de Engenharia um agrupamento musical designado por BENG-447 que actuou em diversos palcos, tanto militares como civis.
Fez parte da Direcção e Administração da Sociedade Portuguesa de Autores ao longo de sete anos. Considera-se um "estudioso compulsivo" de História, principalmente no que diz respeito à de Portugal e da Ordem do Templo. Enviuvou por duas vezes, tem três filhos e um neto. Vive em Lisboa.
"Chamam ao Telefone o Senhor Doutor Afonso Henriques" (ed. Zéfiro, 2008), não sendo o seu primeiro livro, é, contudo, o seu primeiro romance.
Fez parte da Direcção e Administração da Sociedade Portuguesa de Autores ao longo de sete anos. Considera-se um "estudioso compulsivo" de História, principalmente no que diz respeito à de Portugal e da Ordem do Templo. Enviuvou por duas vezes, tem três filhos e um neto. Vive em Lisboa.
"Chamam ao Telefone o Senhor Doutor Afonso Henriques" (ed. Zéfiro, 2008), não sendo o seu primeiro livro, é, contudo, o seu primeiro romance.
(...) É licenciado em Engenharia Mecânica (Aeronáutica) pelo Instituto Superior Técnico. É adepto do Sporting Clube de Portugal.
Ligações Externas (...)
Ligações Externas (...)
3. Comentário do editor L.G.:
Nuno, obrigado pelo esclarecimento que nos mandou sobre a canção "O vendo mudou"...
Vamos publicar, obviamente... Por respeito à verdade e à boa imagem a que os camaradas da Guiné da Guiné têm direito... Como de resto qualquer outro português...
Nuno, obrigado pelo esclarecimento que nos mandou sobre a canção "O vendo mudou"...
Vamos publicar, obviamente... Por respeito à verdade e à boa imagem a que os camaradas da Guiné da Guiné têm direito... Como de resto qualquer outro português...
Em boa verdade, nem tudo o que luz é ouro, e nem tudo o que se lê na Net (e na Wikipédia, em particular) é verdade... De resto, tivemos o cuidado de manter essa ressalva... O que vem na entrada da Wikipédia, sobre o Eduardo Nascimento, é no mínimo uma insinuação torpe... No entanto, caímos na ratoeira de a reproduzir, embora com algumas cautelas;
(...) "Já o Eduardo Nascimento, um pouco mais velho (, nascido em Angola, em 1944) era um pacato rapaz lusitano, tal como o Eusébio... Tem hoje direito a entrada na Wikipédia, onde se diz que terá ido ao Festival Europeia da Canção por vontade expressa de Salazar, quando um "pretinho" dava jeito à máquina de propaganda do Estado Novo." (...) (*)
Fica, pois, definitivamente esclarecido, em primeira mão, que a canção "O Vento Mudou" ganhou o concurso do Festival RTP da Canção, em 1967, pelo triplo mérito da letra, da música e da interpretação...
Fica, pois, definitivamente esclarecido, em primeira mão, que a canção "O Vento Mudou" ganhou o concurso do Festival RTP da Canção, em 1967, pelo triplo mérito da letra, da música e da interpretação...
Camarada, este blogue também é seu... Costumamos dizer que o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande... Nesta "caserna" tratamo-nos por tu, como bons camaradas que fomos e somos... Falamos da Guiné e da guerra, claro, falamos da nossa geração, também das canções que nos marcaram, dos nossos (des)amores, dos nossos sonhos e dos nossos pesadelos...
Somos sportinguistas, portistas, benfiquistas, crentes e ateus, de esquerda e de direita... Falamos de quase tudo, menos de religião, política e futebol... Camarada, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas... Isto é um convite para o camarada do BENG 447 entrar, se lhe der na real gana...
Somos sportinguistas, portistas, benfiquistas, crentes e ateus, de esquerda e de direita... Falamos de quase tudo, menos de religião, política e futebol... Camarada, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas... Isto é um convite para o camarada do BENG 447 entrar, se lhe der na real gana...
Somos quase 700 (, os formalmente registados, incluindo os 40 que da leia da morte já se libertaram,.,,). E blogamos há 11 anos. E encontramo-nos, fisicamente, todos os anos... Nos últimos anos em Monte Real, mas temos tabancas por todo o lado, fora e dentro do país (de Cascais a Monte real, de Matosinhos a Gondomar, e até à Lapónia sueca)... Infantes, artilheiros, engenheiros, médicos, comandos, rangers, paraquedistas, enfermeiras paraquedistas, pilotos, soldados, marinheiros, pretos e brancos... Só não temos refractários nem desertores, por uma razão simples: somos um blogue de combatentes... E o nosso único propósito é partilhar memórias (e afetos), contar histórias, as nossas histórias... O resto é para os senhores doutores historiadores que escrevem a História de Portugal... Só não queremos é que sejam os outros a contar a nossa história por nós, como o Nuno também não gosta... Até breve! (**)
Um alfabravo (ABraço), camarada.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 27 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14534: Memória dos lugares (288): Gentes do Geba, parte II (A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968)
(*) Vd. poste de 27 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14534: Memória dos lugares (288): Gentes do Geba, parte II (A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968)
(**) Último poste da série > 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14519: (Ex)citações (272): Os bailaricos de Jolmete com instrumentos oferecidos pelo MNF (Manuel Carvalho)
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