terça-feira, 29 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15174: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (22): De 09 a 23 de Outubro de 1973

1. Em mensagem do dia 26 de Setembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 22.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

22 - De 09 a 23 de Outubro de 1973

Das minhas memórias:

O mês de Outubro de 1973 iniciou-se com a melhoria do tempo e a perspectiva de diversificação da nossa actividade operacional, devido à abertura da nova estrada Aldeia Formosa – Buba. Isso deu-nos, naquela altura, algum ânimo, mesmo sabendo que essa construção implicaria um redobrar de esforços para todos. Mas era o efeito “novidade” que nos animava por certo, esperando que esta estrada não desse as amarguras sentidas na de Mampatá – Cumbijã, que fora traçada para entrar pelos terrenos do inimigo adentro.

Outubro ficaria ainda marcado pelo incontável número de colunas de A. Formosa a Buba com os inevitáveis patrulhamentos e picagens, seguidos da instalação nas matas o dia todo: foram os reabastecimentos do costume, foram os equipamentos e o pessoal da Engenharia, foi a deslocação para Buba do pessoal do BCAÇ 4516 e foram as várias que se fizeram para transportar a população para a festa do Ramadão e para a eleição do sucessor do Cherno Rachid. Se atendermos a que a picada estava muito danificada, nalguns pontos quase intransitável, dá para perceber o esforço exigido a quem fazia a protecção e a quem, de viatura, aos balanços e aos saltos, “navegava” naquele pesadelo. Os troços aproveitáveis da picada, menos sujeitos às correntes diluvianas, ficaram agora devastados pela passagem das máquinas pesadas e de lagarta da Engenharia.

Acrescia ainda a actividade dos patrulhamentos cada vez para mais longe. Como nota positiva, o facto de não termos sido incomodados pelo inimigo, mais preocupado em continuar a flagelar Cumbijã. “A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo grande número de granadas utilizadas, como pela precisão do seu fogo”. (da “Situação Geral” da H. U. do BCAÇ 4513, 01 a 31 Out73)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

OUT73/09Pelas 1730 GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R e 5 granadas de MORT 82, sem consequências. As NT reagiram com fogo de ART e MORT. [Sublinhados meus a negrito]

- Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que se continua a ser dado em todos os pontos da fronteiriça da REP SENEGAL.~

- Chegaram a BUBA os Dest. ENG N.º 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

OUT73/10 – Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar p/ A. FORMOSA os elementos do DEST ENG N.º 1, assim como algumas máquinas e materiais do mesmo.


Foto 1: Nhala, 1973 – Coluna de viaturas e máquinas da Engenharia rumo a Buba, numa pausa em Nhala. Se estavam a caminho de Buba estavam de saída: calculo que sejam as máquinas que construíram a estrada Mampatá-Nhacobá. Revelo-as só pelo aparato semelhante e sempre “festivo” que originavam e porque não tenho imagens da coluna com a Eng.ª N.º1 que por aqui passou rumo a A. Formosa. 


Foto 2: Nhala, 1973 – Saudosa, esta imagem de Nhala com a mata ao fundo ainda integral. Não faltaria muito tempo para que fosse dilacerada para fazer o troço que ligaria, lá muito por trás dela, à estrada nova A. Formosa – Buba. 

OUT73/11 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513 durante a acção “OSÍRIS” executam patrulhamento na região do R. UUGUIUOL sem contacto. [relacionado com histórias marginais (3)].
- Forças da 3.ª CCAÇ/4516, accionaram na região de NHACOBÁ uma MAPESS (mina antipessoal) IN, sofrendo dois feridos graves.

[Em carta de 19-10-73 para a Metrópole refiro mais esta flagelação a Cumbijã (dia 9), e o caso do soldado do novo Batalhão (BCAÇ 4516) que ficou sem uma perna ao pisar uma mina entre Cumbijã e Nhacobá. Depois interrogo-me: seria este o soldado que veio a falecer por falta de evacuação atempada? Nunca soube. Mas era a informação que corria.

Outras notas dessa carta: Um pelotão de Buba teve (em 17-10-73) um contacto no mato sem baixas, mas parece que causaram mortos e feridos. Pela rádio pediram tiros de obus a Buba e durante toda a tarde ouviram-se aqui em Nhala tremendos rebentamentos das granadas a baterem a zona; Continuam a chegar as máquinas para a construção da nova estrada. Supõe-se que o PAIGC esteja ao corrente e comece a concentrar as suas forças na área. Pela nossa parte estamo-nos também a preparar].


Histórias marginais (3) – Inimigos poderosos: formigas e mosquitos... 


Foi mais um patrulhamento para a região do Rio Uuguiuol mas, desta vez, com o meu grupo a solo. Ia o grupo em passo lesto e com muito ânimo a atravessar uma zona de savana ensolarada, depois da longa e monótona mata. Pára o grupo e chego-me à frente para ver o que se passava, mas não foi preciso andar muito para ver os três ou quatro homens da frente aos saltos, cinturões e armas para o chão, calças para baixo, palavrões, de repente em cuecas e a esfregarem as pernas, esgares de dor, enfim, parecia uma macacada mas percebi logo que era sério: pisaram formigas. Tenho a ideia vaga de que eram as temíveis formigas vermelhas [1], mas também podiam ser as formigas pretas de grandes mandíbulas [2] que eu cheguei a ver, noutra ocasião, a irem agarradas aos pneus das viaturas que tinham pisado um largo carreiro delas na picada. A verdade é que a ignorância sobre a enorme diversidade animal, que se nos deparava no dia-a-dia, era quase total.

Depois de socorridos os homens, cheios de vermelhões e ainda a arrancar cabeças de formiga cravadas nas pernas, tentei no local avaliar a extensão da área coberta pelas formigas, em total desordem, e concluí que o resto do grupo não podia passar por ali. Tinha que encontrar uma zona em que as formigas ainda estivessem a passar de forma organizada, e tínhamos que sair dali rapidamente. A dez ou vinte metros do local do incidente elas continuavam a sua marcha ordeiramente, sempre no mesmo sentido e alheias ao que se passara lá à frente. Mas não era um carreiro de formigas, era uma torrente delas com, talvez, meio metro de largura. Um pequeno salto era o suficiente para ultrapassá-las. Se não as calcássemos. Para não correr riscos, cortámos duas estacas que eu cravei no solo, sinalizando as “margens” daquele caudal ameaçador e todos passámos sem problemas, com uma pequena corrida e um salto na primeira estaca, até os pés baterem para além da segunda estaca.

Pode parecer caricato um grupo de combate ser travado assim, por uma espécie que mal se vê nas ervas do chão, e caricato também tanto empenho na prevenção de novo incidente e, até, esta relevância que agora dou ao assunto. Mas quem passou por algo semelhante, não vai achar nada de brejeiro neste relato. Muito menos os meus soldados, que diziam que aquelas picadas eram piores que as das abelhas, e que saíram dali com marcas que não esqueceriam tão depressa, sem saberem, ainda, as consequências delas e, muito menos, o que os esperava ainda antes de acabar o dia.

Cumprida a missão do patrulhamento, no regresso já pelo fim da tarde, lá estavam as estacas mas nem sinal das formigas. Só que, como se não tivesse bastado, mais adiante e antes de penetrarmos na mata, durante uma pequena pausa para descanso, fomos atacados por mosquitos. Não daqueles mosquitos que em massa nos atacavam à noite na mata e nos deixavam ardor e comichão, mas cujo incómodo maior era o seu enervante zumbido. Estes eram mosquitos grandes [3] e com um aspecto que eu desconhecia ou de que nunca tinha dado conta: as suas longas pernas eram manchadas de preto e branco. Recordo que, o que primeiro me ocorreu foram as antigas bengalas dos cegos e nunca mais esqueci esta alusão. Tinham também uma fúria a atacar que me pareceu superior aos restantes mosquitos, indiferentes ao espanejar de camisas e quicos. 

Mas o pior era que a sua picada, logo aos primeiros instantes, deixava marcas nos mais sensíveis que inspirava apreensão e requeria cuidados imediatos. Recordo bem as costas de alguns com autênticos caroços tumefactos logo após a picada e, não muito mais tarde, viam-se erupções purulentas. Fiquei impressionado e preocupado mas não por mim, pois as picadelas que sofri, para além da dor e do incómodo, não provocaram efeito nenhum. Só muitos anos depois associei este mosquito à malária, lendo artigos sobre o assunto. A verdade é que recentemente, creio que em 2013 ou 2014, por duas vezes, identifiquei esse mosquito junto da minha casa.

Tudo isto se passou em curto espaço de tempo, pois urgia sair dali rapidamente para evitar consequências mais graves, e foi o que fizemos, em correria, alguns ainda em troco nu e a sacudirem-se mutuamente. Nos dias seguintes acompanhei os casos mais graves e verifiquei como era demorada a cicatrização daqueles autênticos furúnculos purulentos. Mas já estava habituado a que um ou outro não comparecesse à chamada por estar com paludismo. Por tudo isto e por muitas outras ocorrências, embora seja quase imune à picada dos mosquitos, ainda hoje, se descubro um único mosquito no quarto, só adormeço quando estou certo de o matei.

[1]Marabunta (Cheliomyrmex andicola): é uma formiga-correição que vive principalmente debaixo da terra nas selvas tropicais da América. (Outras fontes referem América e África), são de cor avermelhada, tamanho médio.

As suas mandíbulas são em forma de garra e armadas com grandes espinhos, semelhantes a dentes, que permitem que elas se prendam às suas presas durante o ataque. As suas picadas são extremamente dolorosas, irritantes e paralisantes. A dor que provocam assemelha-se com a da picada das "formigas de fogo".

São a única espécie que remove e consome carne de vertebrados, como lagartos, serpentes e pássaros, inclusive de animais de maior porte, bem como do homem. (Todos os dados parecem corresponder às formigas que referi. A recolha é da Wikipédia com a devida vénia).

[2]Formiga legionária: é uma formiga semelhante à marabunta mas capaz de matar até galinhas e outros animais maiores devido ao seu ferrão muito venenoso. Matam e comem qualquer coisa que encontrem pela frente. O que principalmente a distingue da marabunta, é que não constroem ninhos permanentes e estão quase sempre em movimento. (Julgava ser esta a formiga que refiro no texto, mas agora tenho dúvidas, pois não encontrei informação desta espécie com a cor negra. A recolha é do site “comotudofunciona” com a devida vénia). 
Nota: Em África, todos os que encontraram estas espécies pela frente, ainda assim, podem-se considerar sortudos, pois aí não existe a formiga-bala que, como o nome indica, a sua picada é semelhante ao impacto duma bala. E o pior vem depois: é frequente as suas vítimas, ao fim de um dia ou dois, apelarem para que lhes amputem o membro picado por já não suportarem mais a dor. Só existe na América do sul).

[3] - Anopheles, mosquito transmissor da malária: A doença é transmitida pela fêmea do mosquito do género Anopheles. No Brasil, o principal parasita que causa a malária é o Plasmodium vivax. Ele é menos perigoso do que o Plasmodium falciparum, por exemplo, o mais predominante na África. (Recolha do site “VEJA”).


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:


(...)

OUT73/11 – Forças da 3.ª CCAÇ/4516, accionaram na região de Nhacobá uma MAPESS (mina antipessoal) IN, sofrendo dois feridos graves. [Relacionado com a minha nota anterior, com data de 19-10-73].

(...)

OUT73/16 – O Cmdt do Batalhão deslocou-se a Nhala e Buba.
- Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de intervenção do Comando-Chefe. [Ficou apenas a 3.ª CCAÇ em Colibuia].

OUT73/17 – Pelas 1530 forças da 1.ª CCAÇ/4513 interceptaram em Xitole (2 E 7-17) grupo inimigo de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido S-N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturado 1 granada de RPG-7.

(...)

OUT73/23 – Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada uma mina A/P IN por forças da CART 6250.
- Seguiu para BUBA, com destino a BISSAU a 1.ª CCAÇ 4516.


Das minhas memórias:


23 de Outubro de 1973 – (terça-feira) – Carreiro de Uane.

Estive com o meu grupo, mais uma vez, na protecção à coluna para Buba – e retorno -, junto ao “carreiro” de Uane. Este “carreiro” era um corredor de passagem e reabastecimento da guerrilha que se cruzava com a nossa picada, mais ou menos a meio caminho entre Nhala e Mampatá. Daí que, para a protecção às colunas, saísse um grupo de Nhala e outro de Mampatá fazendo a picagem até ao “carreiro” onde nos encontrávamos e trocávamos informações sobre alguma anormalidade. Depois cada grupo se afastava umas centenas de metros na direcção dos respectivos aquartelamentos e instalava-se na mata junto à picada onde se passava o dia quase todo, até ao regresso da coluna a A. Formosa. Uma vez ou outra, instalávamos na zona de Samba Sabali. Se não tivesse ordens em contrário, eu preferia ficar com o grupo quase em cima do “carreiro”, onde emboscava para evitar surpresas vindas dali.

Neste dia (23), já no “carreiro” há algum tempo, estranhei a demora do alferes de Mampatá (CART 6250). Instalei logo ali o grupo na mata e fiquei na picada a aguardar. Por fim lá apareceu ele ao fundo na curva, sozinho por também já ter instalado o seu pessoal, (os grupos quase nunca se chegavam a ver), e com uma pequena caixa de madeira na mão. (Foi nesta ocasião que me avisou de que em Mampatá um milícia me tinha procurado para me matar... Seria só da bebedeira? Um dia talvez conte). Vinha então o alferes com uma caixa na mão. Era uma mina antipessoal artesanal que ele tinha levado tempo a levantar. Ainda nos rimos da mina quando a examinei e vi que estava quase podre. Parecia inofensiva, mas nunca fiando!...

Julgo ter sido neste dia que, enquanto esperava, penetrei no “carreiro” numa certa extensão a tentar descodificar sinais que me dessem uma ideia do número de elementos que ali passaram e em que direcção porque, à chegada, tínhamos visto o óbvio, mesmo no ponto onde o “carreiro” cruzava a picada: tinham ali passado muitas botas e muito recentemente. Não recordo a direcção. Passei essa informação ao camarada de Mampatá e, mais tarde, ao meu comandante em Nhala.

Era sobre este “carreiro” mas a muitos quilómetros dali na direcção do Rio Corubal, que tínhamos em permanência um pequeno campo de minas. Mesmo a partir de Nhala a corta-mato, para se interceptar o “carreiro” no sítio minado, caminhavam-se várias horas, já não recordo ao certo, e sempre com um guia à frente porque, sem a sua ajuda, ainda que chegasse perto, podia nunca localizar o campo de minas. Bastava que fosse lá, por exemplo, após a época das chuvas para as levantar, quando elas haviam sido implantadas em plena época seca. Foi o que me aconteceu num dia complicado e que mais tarde relatarei.

Seguem-se algumas imagens de um dos inúmeros patrulhamentos até ao “carreiro” de Uane, com o objectivo de fazer a picagem e depois montar segurança para a passagem de uma coluna auto de A. Formosa a Buba e regresso. Podem parecer monótonas estas imagens da picada Nhala-Mampatá, mas muitos reconhecerão com saudade alguns destes trechos. Até já davam saudades naqueles tempos, quando a deixámos de usar para passar a utilizar a estrada nova...


Imagens da picada Nhala - Mampatá 



Foto 3: À saída de Nhala rumo ao “carreiro” de Uane. A seguir ao denso nevoeiro, viria o braseiro do costume. De calções, vai o Abel cheio de micose, mas não pôde ser dispensado.



Foto 4: O homem da bazuca. Lá à frente vai uma parte do grupo e a equipa da picagem.


Foto 5: Não fora o motivo da caminhada, e quanto prazer nos daria passar aqui nesta paz, sem receio do que estivesse para além daquela curva...



Foto 6: O homem dos dilagramas.


Foto 7: Passagem na zona do palmeiral. Caminhamos em silêncio total. Estamos a passar num dos pontos mais bonitos do percurso, mas também dos que requeriam maior vigilância. Agora já está seca a picada mas, ali junto às palmeiras, na época das chuvas passava-se com água pelos joelhos.



Foto 8: Estou junto ao “carreiro” de Uane no ponto em que ele cruza a nossa picada. É evidente o vestígio de uma passagem recente. 


Fotografia (slide) tirada da borda da picada. Nas minhas costas o “carreiro” corre para Norte, para os lados do Corubal.


Foto 9: O Fur. Mil. José Maria Pastor e o Fur. Mil. Domingos Oliveira nas imediações do “carreiro”. O resto do grupo está instalado na mata do lado direito.



Foto 10: Estamos de regresso após as passagens da coluna. À direita o que resta do que foi a tabanca e destacamento das NT, Samba-Sabali.



Foto 11: Quase a chegar a casa. À direita fica o aquartelamento de Nhala.

Foto 12: Nhala à vista. A tabanca, mais à esquerda quase não é visível.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior de 22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15139: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (21): De 2 a 25 de Setembro de 1973

Guiné 63/74 - P15173: O nosso querido mês de férias (10): Eu fui um dos que nunca teve férias...Razão: por ser o "eterno comandante interino"... No máximo, passei oito dias em Bissau a tratar de assuntos oficiais... e a descansar não ficar de todo "apanhado do clima"! (Manuel Vaz, ex-alf mil, CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67)


1. Mensagem de 22 do corrente, do Manuel Vaz [ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67]:

Verifico pela "amostra" (*), que fui dos poucos que nunca tive férias, durante a Comissão, não por razões económicas, mas de oportunidade. Passo a explicar:

A minha Companhia, organizada em três Grupos de Combate, chegou à Guiné em abril de 1965 e a Gadamael um mês depois, para guarnecer este aquartelamento e o destacamento em Ganturé. 

Passados 3/4 meses o Capitão foi para o Quartel General, tendo passado eu a comandar interinamente a Companhia.

Os meus planos, quanto a férias, eram de uma vinda à metrópole, sensivelmente a meio da Comissão. Entretanto em janeiro de 1966, o Grupo de Combate do Alf Pinheiro, sofre uma emboscada, juntamente om o Pel Rec Fox na estrada de Gandembel.(Corredor de Guileje) 

A coluna sofreu 5 mortos e 14 feridos, sendo um destes o Alf Pinheiro que nunca mais regressou à Companhia. Na sequência desta baixa e das férias que outro camarada gozava, ficamos anenas dois Alf:eres, eu na sede, outro no destacamento.

Demorou algum tempo até que a situação da falta de quadros fosse reposta. Mas quando tudo parecia normalizado o Cap Mil que veio comandar a Companhia, desentendeu,se com o PCA numa operação no "Corredor de Guileje" e foi transferido, tendo eu passado a comandar interinamente a Companhia, situação que se arrastou, até faltarem três meses para virmos embora

Foi então em que apareceu um Capitão a que faltavam também cerca de três meses para ser promovido a Major. (**)

Nesta altura, não valia a pena vir à metrópole, pensei. Fiquei-me oito dias por Bissau, onde vim tratar de uns assuntos oficiais e para "não ficar apanhado do clima"!... (***)

Um abraço a todos,
Manuel Vaz

(...) Ainda com o Cap. Vieira dos Santos que passados 3 ou 4 meses foi colocado no QG, a Companhia começou a operar no “corredor de Guiledje”. Era claro que, para além do patrulhamento e segurança do setor, a Companhia teria que dar apoio logístico no reabastecimento de Sangonha e Guiledje e intervir no “corredor de Guiledje”. (...)

(...) No entanto, a Companhia estava condenada a não ter Capitão. Passado algum tempo, depois do Cap. Vieira dos Santos sair, foi nomeado Comandante, o Cap. Mil. Anacoreta Soares que não se manteve até ao fim, acabando por ser transferido para o Norte. Quando faltavam três meses para a Companhia regressar à metrópole foi atribuído o Comando da mesma ao Cap. Vilas Boas a quem faltava sensivelmente o mesmo tempo para ser promovido a Major. A situação diminuiu a capacidade operacional da Companhia que só actuava como tal, quando tinha Comandante efectivo. (...)

Guiné 63/74 - P15172: Parabéns a você (967): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15158: Parabéns a você (966): António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15171: O nosso querido mês de férias (9): Fui a Lisboa, a casa, com 6 meses, em outubro de 1969, conhecer a minha filha mais velha que tinha acabado de nascer em setembro (Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 2590/ CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)



Guiné > Bissau> Outubro de 1969> Café Avenida> "Uma mesa cheia de criptos"... Do lado direito, o ex-1º cabo cripto da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuiboel e Ba,badinca, 10659/71), o Gabriel Gonçalves, mais conhecido por GG; do lado esquerdo, o autor da foto, o grã-tabanqueiro Luís Camões, 1º cabo op cripto da CCAÇ 2589 (Mansoa, 1969/71).

Foto: © Luís Camões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Texto do nosso querido amigo e camarada Gabriel Gonçalves (*):

Caros amigos editores da nossa Tabanca Grande:

A propósito da sondagem sobre as férias na metrópole, aí vai uma foto tirada em Bissau, em outubro de 1969, no conhecido Café Avenida, com o título "Uma mesa cheia de criptos".

Esta foto foi-me enviada  pelo nosso camarada e tertuliano Luís Camões, que pertencia à CCAÇ 2589 sediada em Mansoa, onde se encontrava o BCAÇ 2885.

Nesta foto, pode reconher-se, da esquerda para a direita;  

o (i) Camões;

 (ii) o nosso camarada a seguir não nos lembramos do nome, mas pertencia ao batalhão dos velhinhos de Mansoa e era das transmissões; 

(iii) a seguir o Brazão que também era operador cripto da companhia do Camões; 

(iv) depois o Gabriel Leal , op cripto de rendição individual, QG, Bissau;

e, por fim,  (v) eu, em primeiro plano, do lado direito.

Podem  ver, por baixo do meu banco, um saco da TAP [, assinalado na foto, com um retângulo a vernelho].. No dia seguinte [, já não posso precisar o dia em que a foto foi tirada, mas foi em outubro de 1969, quando eu já tinha cerca de seis meses de Guiné,], ia eu apanhar o avião para Lisboa, para ir conhecer a minha filha mais velha que tinha nascido no mês anterior (**).

Um abraço
GG

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Notas do editor:

(*) Sobre o GG, vd. postes de;


Guiné 63/74 - P15170: Memória dos lugares (320): Academia Militar, Palácio da Bemposta, Lisboa, visita no âmbito do Festival Todos 2015 (Parte II)



Foto nº 1 > Marquês Sá da Bandeira (Santarém, 1795-Lisboa, 1876). Fundador e patrono da Academia Militar. Perdeu um braço no Alto da Bandeira, hoje Vila Nova de Gaia, durante o Cerco do Porto, a 8 de Setembro de 1832 quando as tropas os miguelistas procuraram, com um enérgico ataque, apoderar-se do reduto da Serra do Pilar. Quadro a óleo (pormenor)




Foto nº 2 > Lápide de homenagem ao patronbo da Academia Militar (, antiga Escola do Exército, fundada en 1837), o  general Bernardo de Sá Nogueira, Marquês de Sá da Bandeira.  A história da Academia Militar remonta, pelo menos, à Restauração, em 1641.




Foto nº 3 > Academia Militar > Galeria dos comandantes > Quadros a óleo > Um deles, que serviu na Guiné, foi o gen João Almeida Bruno, ajudante de campo do gen Spínola e comandante do Batalhão de Comandos Africanos, Foi comandante da Academia Militar, entre 1989-1993 (primeiro de cima, do lado esquerdo).



Foto nº 4 > Academia Militar > Condecorações >  Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, Ordem Militar de Avizm, Ordem do Infante D. Henrique e Ordem da Instrução Pública



 Foto nº 5 > Academia Militar > Biblioteca >   "A Biblioteca da Academia Militar, que atualmente alberga cerca de 36000 títulos, correspondendo a cerca de 150.000 volumes, é constituída por dois polos diferenciados. Um no Palácio da Bemposta, em Lisboa, onde se encontra a maior parte do acervo documental histórico e outro no aquartelamento da Amadora, onde são disponibilizadas as publicações mais recentes e de apoio aos alunos dos primeiros ciclos de estudos.

"A história da Biblioteca encontra-se em estreita ligação com a da própria Academia Militar. Constitui-se, inicialmente, de um fundo de obras que pertenciam à Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, fundada em 1790, no reinado de D. Maria I. Já com a designação de Escola do Exército, definida pelo Marquês Sá da Bandeira, é atribuída à Biblioteca, em 1839, um avultado nº de obras provenientes dos depósitos das livrarias dos conventos cujas ordens religiosas haviam sido extintas em 1834. Desta forma, o seu núcleo bibliográfico foi grandemente enriquecido, tanto em quantidade como no valor das obras do seu acervo. Até 1894 a Biblioteca esteve alojada em 4 pequenos compartimentos e um sótão. Nesta altura, sob a direção e planeamento do Coronel António Carlos Coelho de Vasconcellos Porto, procede-se a obras de restauro (...).

"Os fundos têm sido enriquecidos e atualizados, quer por compra quer por oferta, destacando-se algumas valiosas doações, como o acervo do Marquês Sá da bandeira, constituído pelas suas obras, mapas e escritos. Para além de diversos manuscritos, a Biblioteca guarda diversos tesouros bibliográficos, do século XVI ao XIX, como é o caso da obra de 1514 - Ars Arithmetica, de Juan Guijarro Siliceo, a História General de las Indias, de 1535 ou ainda a Arte militar dividida em três partes, de 1612. (..:)

Fonte: Academia Militar > Biblioteca (Reproduzido com a devida vénia...)



Foto nº 6 > Academia Militar > Núcleo museológico (1)


Foto nº 7 > Academia Militar > Núcleo museológico (2)


Foto nº 8 > Academia Militar > Núcleo museológico (3)



Foto nº 9 > Academia Militar > Núcleo museológico (4)


Foto nº 10 > Academia Militar > Núcleo museológico (5)


Foto nº 11 > Academia Militar > Núcleo museológico (6)




Foto nºm 12 > Capela do palácio da Bemposta (1): as armas reais


Foto nº 13 > Palácio da Bemposta (2) > Altar-mor

Lisboa > Academia Militar > Palácio da Bemposta ou Paço da Raínha, na Rua do Paço da Rainha > Festival Todos , 7ª edição, 2015 > 12 de setembro de 2015 > Visita guiada, pelo cor art Vitor Lourenço, professor da Academia Militar >


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.


1. Segunda e última parte da publicação das fotos da visita guiada à sede da Academia Militar, que incluiu o antigo  paço da rainha onde, entre outros, estão instalados diversos serviços como a biblioteca, o museu e a galeria dos comandantes...

Um sítio, seguramente, a merecer uma visita por parte dos amigos e camaradas da Guiné... Que tal fazermos um dia destes esse desafio à Tabanca Grande ?

Guiné 63/74 - P15169: (Ex)citações (295): A Suécia e a Guerra da Guiné: “Olhos azuis são ciúme / E nada valem para mim”… (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 23 de Setembro de 2015, com um texto onde fala da ajuda da Suécia ao PAIGC durante a guerra de libertação contra Portugal:

Olá, Amigo e camarada Carlos Vinhal,
Como boa gente, os antigos combatentes continuam a "sentir" a Guerra da Guiné e a sua descolonização mal arrumada.
Cá te envio mais um texto.

Abraço,
Manuel Luís Lomba


A Suécia e a Guerra da Guiné:

“Olhos azuis são ciúme / E nada valem para mim”… 

(Francisco José, cançonetista nosso contemporâneo)

A “Tabanca da Lapónia” e o seu “jarga” José Belo nunca deixaram de evidenciar um poucochinho de Portugal na Suécia. Essa premissa põe-nos à vontade para abordar o contexto e puxar pelas pontas do manto diáfano envolvente da “fita” sueca eventualmente encenada em Sangonhá, que o Miguel Pessoa veiculou e que o José Matos, José Nico e António Martins Matos e alguns comentaristas – todos notáveis e magníficos camarigos – aqui abordaram.

A Guerra da Guiné foi grande e a intrujice o seu profeta, desde logo pelos mitos envolventes da sua luta armada, mormente a relevância do papel desempenhado pela PIDE/DGS.
Quando Amílcar Cabral a desencadeou, os seus portugueses europeus, incluindo militares, polícias, professores e os funcionários públicos em comissão de serviço não chegavam a 2000, numa população de 600 000 almas! De facto, a Guiné representava o calcanhar de Aquiles da defesa do Ultramar português e não o estereótipo desse preconceito ideológico chamado descolonização. A orgânica do PAIGC e o aparelho do novel estado da Guiné-Bissau era enformado por cabo-verdianos, naturais de origem alemã, italiana, francesa e libanesa e os portugueses aderentes eram apenas seus acólitos.

No meu tempo (1964-66), havia evidências da solidariedade efectiva, não obstante confidencial, da sociedade civil sueca para com o PAIGC - uma sociedade reconhecidamente aberta, mas que obviamente fechava os interesses e suas intimidades na confidencialidade. O segredo sempre foi a arma do negócio. Na altura, o negócio de milhares de frigoríficos a petróleo da Electrolux e de equipamentos de logística de outras empresas suecas, destinados às nossas Forças Armadas empenhadas na guerra ultramarina, ainda falariam mais alto.

Seguramente que o José Belo já apanhou com a ajuda sistemática e com as consequências do substancial financiamento do governo de S. Majestade da Suécia à guerra do PAIGC, até porque a dotação de electrogeradores generalizara-se a todos os aboletamentos de militares nos três territórios africanos da guerra, aquele negócio fora aberto à concorrência dos equipamentos de ”linha branca” e a Suécia havia perdido ao negócio dos camiões Volvo para a francesa Berliet.
No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral menciona o "Afrika Group" como aglutinador da solidariedade da sociedade civil sueca ao PAIGC, talvez referência sintética ao “Grupo de África” de Upsala e ao “Grupo de África” de Lund, que se distinguiram na sua ajuda e a enviar os seus mentores e intelectuais de visita às “áreas libertadas” … na República da Guiné-Conacri. E aquele corifeu escreve, na pag. 335: “Os cineastas Goran Palm e Bertil Malmstron apresentaram na Suécia o primeiro documentário cinematográfico sobre a nossa luta, como resultado de uma visita ao interior da Guiné”.
Esse documentário terá a ver com a peripécia de Sangonhá?

Dado que os cineastas eram o maior bem a preservar nessa temeridade que teve Sagonhá como "palco", o experiente e felino Nino Viera (?) terá providenciado imediatamente a sua segurança. A primeira ameaça dos FIAT precedera mais de uma hora o lançamento das “bilhas” pela malta de Bissalanca.
Alguém já visionou esse documentário? Terá registado o aludido aparato bélico do PAIGC e os “destroços” da sua “conquista” de Sangonhá?

Já sou recorrente a avocar os paradoxos, cronologias e factos acontecimentais aos temas da Guerra da Guiné, geralmente omissos nas narrativas da “libertação”.
Amílcar Cabral conseguira metamorfosear a derrota militar no Como em grande vitória política do PAIGC, evidenciando a sua militância, talento táctico e destreza diplomática, a passar a sua mensagem nos media mundiais, pelas chancelarias dos países ocidentais, pela ONU e outras instituições internacionais, que a sua luta já tinha libertado dois terços da Guiné Portuguesa e a suplicar a ajuda da comunidade internacional e das suas boas almas, para prover o sustento, a saúde e a educação das suas 400 000 almas e para manter a sua dinâmica instaladora de escolas, hospitais, armazéns e lojas do povo, etc.

Em 1974, o MFA do 26 de Abril transformou-se no PAIGC de Portugal e os mesmos militares que falharam a libertação da Guiné do PAIGC baixaram a espada e apressaram-se a entregar-lha; e logo o PAIGC voltou a bater à porta dos mesmos media, das mesmas chancelarias ocidentais, da mesma ONU e das mesmas organizações internacionais, a evidenciar a carência de equipamentos sociais de país emergente, além dos deixados por Portugal, enquanto a jóia da coroa da sua política de “economia planificada” - os armazéns e lojas do povo – centrada na organização da Casa Gouveia, ficavam com as prateleiras vazias. Dez anos a apregoar a libertação de dois terços da Guiné e o PAIGC não apresentava qualquer equipamento social de sua iniciativa, apenas tabancas queimadas ou abandonadas, populações deslocadas e obras de arte das suas estradas destruídas…
Grande a patranha e ponderosas as suas razões.

Essa propaganda e outras de igual teor tinham por fim não só fidelizar a ajuda económica e financeira, procedente da bondade das almas suecas, mas também criar massa crítica para captar a ajuda do governo do seu reino, que tinha contraído o complexo mitológico da libertação da África portuguesa, no que também se notabilizou Onésimo Silveira, cabo-verdiano sediado na universidade de Upsala, como ponta de lança desse campeonato.
Quando a guerra atingira o 5.º ano, os soldados portugueses, metropolitanos e guineenses, ameaçavam encostar o PAIGC às cordas da derrota e Tarston Nilssom, ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia anunciou, no contexto da reunião do Comité de Libertação da ONU, em Conacri, a disponibilidade da Suécia para a ajuda económica e financeira ao PAIGC, em consonância com as moções que o Partido Comunista sueco vinha logrando a aprovação por maioria no parlamento, a partir de 1967. O ataque com mísseis GRAD P ao aeroporto de Bissalanca carreou tal crédito ao Partido para tão almejado sucesso, que Amílcar condecorou pessoalmente o seu comandante, André Pedro Gomes (que também se notabilizará na famigerada cilada aos três majores, na estrada de Jolmete).

Amílcar Cabral foi nesse mesmo ano assistir ao congresso da escolha de Olof Palm para líder do Partido Social Democrata, que lhe abonou avultada quantia logo que primeiro-ministro, eventualmente do saco azul, porque o ano fiscal sueco decorre de 1 de Julho a 30 de Junho do ano seguinte.
Assim nascia o grosso caudal de dinheiro da Suécia, para o PAIGC correr Portugal da Guiné a tiro. Entre 1968-1974, o PAIGC beneficiou de 96% das doações financeiras que a ASDI, agência governamental sueca da cooperação, disponibilizara para os movimentos da guerra anti-Portugal – 64,5 milhões de coroas, em 6 anos.
Como o PAIGC estava sediado em Conacri e não nos dois terços do território “libertado” na Guiné, as doações de armamento e o dinheiro sueco transitavam obrigatoriamente por essa capital e o presidente Sekou Touré não prescindira de meter a mão no prato, alegando ter recebido 50 mil refugiados da sua guerra (que grande bluff), obrigando o PAIGC a partilhá-las com o seu país. A escolha de tão má companhia para o caminho da luta contra Portugal acabará por custar a vida a Amílcar Cabral.

Enquanto doava fortunas de dinheiro, equipamentos de logística e quantidades massivas de conservas de peixe, de carne, leite em pó, etc. ao PAIGC, a garantir o passadio e rações dos combatentes que lançava a matar os soldados portugueses, a população civil nas tabancas e a destruir as infra-estruturas da Guiné, o governo sueco fazia constar que a “Suécia não segue uma via anti-portuguesa, mas um apoio humanitário e civil à libertação”. Esse mito da libertação terá também servido de capa para bondosas almas suecas se servirem dos outros em proveito próprio.

Se não raro somos chacoteados como inventores da roda (quadrada), do tamanco e do mulato, os suecos do nosso tempo demoraram mais de 30 anos a perceber que a sua ajuda tinha como destinatário menos o povo Bissau-guineense e mais o PAIGC, pelas sua dimensão de Partido-Estado-Exército, sem embargo o potencial de mudança de que fora portador para o seu povo e a existência de pessoas boas e sérias a enformá-lo.

Portugal deverá o seu despejo da Guiné mais às coroas suecas que aos poderosos canhões, morteiros e mísseis russos: contra o potencial de fogo, abrigar, abrigar! O dinheiro será o único armamento que nem os melhores conseguem vencer.

Triste a sina a do povo da Guiné-Bissau, pelo seu destino de colher o que os canhões, morteiros e misseis russos e as coroas suecas começaram a semear há 50 anos.

A terminar, parece que os olhos azuis dos suecos são originários da colonização de um único indivíduo, que terá vivido nas margens do Mar Negro, há cerca de 7000 anos…
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15128: (Ex)citações (294): A vida é uma cabra-cega (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P15168: O nosso querido mês de férias (8): Ganhei o "Prémio Governador da Guiné", embarquei em 31/10/1964 num Dakota Skymaster ("se cais, morres"), tive uma viagem atribulada... Do outro pessoal da CCAÇ 412 apenas um alferes veio de férias, no entanto, três alferes tiveram as esposas em Bafatá (Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412, 1963/65)

1. Texto do Alcídio Marinho [ex-fur mil inf, CCAÇ 412, (Bafatá, 1963/65); vive no Porto]:

A minha vinda de férias à metrópole teve uma estória curiosa.

Até meio do ano 1964, creio que ninguém era autorizado a vir de férias à Metropole, quem queria gozar férias e tinha direito, ia para Bissau.

Ora, como o 3.º pelotão da CCAÇ 412 fora  destacado para o Enxalé, de 28/Out/1963 a 25/1/1964, então comecei a montar armadilhas todos os dias,por carolice e necessidade, e como não tinha curso, fui agraciado com um louvor pelo Comandante da Companhia Capitão Braga (de alcunha o lambreta pois com os  lábios fazia um barulho que se assemelhava a uma lambreta) [de seu nome completo, Manuel Joaquim Gonçalves Braga, cap inf].

Quando já estava em Cantacunda (de junho/1964 a fevereiro/1965), perto de Fajonquito, durante o mês de outubro, tivemos conhecimento que o sr. Brigadeiro Schulz [, um ano depois promovido a genereal,] , havia constituído um prémio, o  "Prémio Governador da Guiné", para agraciar os combatentes que se notabilizasse na efectivação de baixas ao inimigo ou outros feitos em combate.

Qual foi o meu espanto, quando recebi a informação do sr. Capitão que me havia sido atribuído o referido prémio e que podia ir gozar um mês de férias onde desejasse.
Assim marquei a minha vinda a casa.
Como já não se passava na estrada, Bafatá - Banjara - Mansabá - Mansoa - Bissau, tive que ir para Bissau de barco. À época os barcos iam até ao Capé e Contuboel. Tomei o barco em Bafatá e rumei a Bissau, no dia 30/Out/1964. 


C54 Skymaster, da Força Aérea dos EUA.  Desenvolvido  pela Douglas Aircraft Company, teve o seu primeiro voo em 1938, Produziram-se cerca de 1200 unidades entre 1942 e 1947. Deixou de estar operacional em 1975.  [A nossa FAP recebeu 17 aviões, C-5r4 e EDC Skymaster entre 1947 e 1974, segundo informação de António Luís, um dos editores da página Pássaro de Ferro . Crónica da Aviação, onde também colaboração o nosso grã-tabanqueiro José Matos]

Foto: Cortesia de Wikipedia.


Embarquei em 31/10/1964, em Bissalanca, num avião da Força Aérea (Dakota-Skymaster ou "se cais morres"), rumo ao Sal-Cabo Verde, com passagem pelo aeroporto militar dos Gambos-Canáras mas quando chegámos a Lisboa, estava uma tempestade enormíssima, pois que todos os
aeroportos da Península Ibérica estavam encerrados. Quando estava a amanhecer, olhamos pelas janelas e só víamos mar e depois depois uma ilha, era a ilha do Sal, outra vez.

No avião vinha, no meio, um motor de um F-86 e um paraquedista de maca acompanhado de uma enfermeira e outros militares.

Desembarcámos e fomos comer às instalações da CCaç 413 que havia ido connosco para
a Guiné-Mansoa, tendo a meio da comissão sido deslocada para o Sal-Cabo Verde.

Aí comemos lagosta a todas as refeições, eles já enjoavam a lagosta. Éramos todos conhecidos pois como nós também pertenciam Ao BC 10-Chaves e os sargentos éramos todos do mesmo curso-1961.
O Aeroporto do Sal, era só uma pista e no final da mesma havia a torre de controle.

Na tarde desse dia, tornamos a embarcar e quando arrancámos para levantar, ouvimos um estrondo da rebentação de um pneu e só paramos a cerca de 5 ou 6 metros da torre.

Como não havia pneu suplente ficamos três dias no Sal até chegar um pneu, no avião da TAP. No dia 3 de Novembro, reembarcámos para Lisboa onde chegamos no dia 4.

Passei essas Férias em Amarante, Chaves, Verin-Espanha, (onde tinha uma namorada espanhola) e Porto. Passados os trinta dias apresentei-me nos Adidos-Lisboa, mas não havia alojamento, fui instalar-me numa Pensão na Rua Rodrigo da Fonseca, a aguardar passagem aérea para Bissau, o que veio a suceder só no dia 6 de dezembro. Chegado a Bissau apanhei um barco civil, para Bafatá, seguindo de novo até Cantacunda.

Nas Canárias comprei um relógio por 500 escudos e uma máquina fotográfica Konica também por 500 escudos.

Do outro pessoal da CCAÇ 412 apenas um alferes veio de férias, no entanto, três alferes tiveram as esposas em Bafatá

Alcidio Marinho
22 de setembro de 2015 às 13:18
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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 27 de setembro de 2015 >Guiné 63/74 - P15165: O nosso querido mês de férias (7): Entre 15 de Fevereiro e 21 de Março de 1971, a ilusão de estar longe da guerra (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P15167: Notas de leitura (761): “Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde”, de André Álvares d’Almada (1594) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
A nossa Guiné, na passado remoto, dava por vários nomes: Etiópia Menor, Terra dos Negros, Grande Senegâmbia, Guiné do Cabo Verde, entre outras designações.
Um euroafricano, o capitão André Álvares d’Almada percorre-a desde o rio Senegal até à Serra Leoa, fica este documento memorável, de rara beleza etnográfica que permite localizar onde estavam os povos que hoje ocupam a Guiné-Bissau e ver como há etnias, caso dos Beafadas e até dos Nalus que tinham muito mais importância do que na atualidade.
Esta versão foi editada pelo Ministério de Educação, merecia uma reedição e ampla divulgação na República da Guiné-Bissau, é um testemunho da aproximação dos povos, uma carta de amor sem rival.

Um abraço do
Mário


Uma importante edição de “Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde”, de André Álvares d’Almada (1594)

Beja Santos

É uma edição cuja leitura se recomenda a todos aqueles a quem custa desbravar narrativas em português antigo. A capa desta edição é linda, traz um pormenor do mapa da Guiné publicado em Nuremberga, em 1743, A Vida na África Ocidental, segundo J. C. Reinsperger. O texto é modernizado por alguém que sabe da poda, António Luís Ferronha, tudo no âmbito do Ministério da Educação a propósito das comemorações dos Descobrimentos portugueses, 1994.

Ferronha recorda-nos que este precioso documento etnográfico só foi publicado em 1841. Se o bilhete de identidade da chegada dos portugueses à Guiné passa pela crónica de Gomes de Eanes de Azurara, seguir-se-ão duas obras fundamentais, o Tratado de André Álvares d’Almada, capitão crioulo natural de Santiago, Cabo Verde, e a Descrição da Serra Leoa e dos Rios de Guiné e Cabo Verde por André Donella, transcrição e anotação de Avelino Teixeira da Mota, Lisboa, 1977. Alguns estudiosos criticaram a narrativa Almada por conter episódios de intensa ferocidade, mostrado constantemente a cultura africana e as leis que banalizavam a escravatura. Acontece que quando os portugueses chegaram a África há muitos séculos que se praticava aqui a escravatura e Ferronha diz corretamente que “o comércio de escravos português só foi possível porque, de facto, existia essa escravatura, senão não poderia ter a amplitude que teve”.

No prólogo, André d’Almada recorda-nos a proliferação de reinos e de idiomas: “em cada espaço em menos de 20 léguas há duas e três nações, todas misturadas, e os reinos uns pequenos e outros grandes, sujeitos uns aos outros, e com as suas ceitas e costumes e as leis do seu governo”. Relembra-se ao leitor que esta Guiné aqui retratada nos finais do século XVI vai do rio Senegal até à Serra Leoa, era a chamada Terra dos Negros ou Grande Senegâmbia, André d’Almada por ali andou metido nos rios, “informei-me bem de todas as dúvidas, assim de nossos homens práticos nas ditas partes, como dos próprios negros, colhendo deles notícias das coisas acontecidas nas mesmas (…) o que disser, ainda que incompleto será na verdade”.


Fala em primeiro lugar dos negros jalofos, ainda no princípio do século XX se escrevia com a maior das naturalidades que no território que é hoje o Senegal viviam os jalofos, lembre-se que o capitão Teixeira Pinto recorreu dos préstimos de um bravo guerreiro, o jalofo Abdul Indjai, que receberá como prémio os regulados do Oio e do Cuor, mais tarde será severamente punido devido às suas práticas despóticas. Almada descreve detalhadamente o reino do Gran-Jalofo, narra barbaridades, atos de selvajaria, é muito cuidado no pormenor: “Estes negros andam vestidos com umas roupetas a que eles chamam camisas, de panos de algodão, pretos e brancos, da maneira que querem. As roupetas são degoladas dos mantéus, e as mangas chegam até aos cotovelos, e as camisas compridas que ficam dando um palmo por cima dos joelhos; e uma maneira de calças muito atufadas, digo calções muito avelutados, estreitos e justo por baixo nas pernas, os quais ficam dando por debaixo dos joelhos como os nossos; trazem as pernas nuas e nos pés umas alpercatas de couro cru…”. Ficamos a saber que havia cavalos, criação de gado vacum e cabrum e que os jalofos mandavam nos Fulas tratados por Fulos, “homens robustos bem-dispostos, a cor amulatada, os cabelos corredios, e ainda que algum tanto crespos trazem as barbas crescidas”. É neste território dos jalofos que Almada considera que está a terra mais sadia de toda a Guiné: “Correm nela muito bons ares. Há muito bons mantimentos, vacas, cabras, lebres, coelhos, gazelas, uns animais grandes como veados”.

Fala em elefantes, leões e onças. Nesse tempo já as perdizes eram conhecidas chocas. Como é pormenorizado fala na tinta que que se tingiam as roupas, dizendo que era a mesma com que se fazia o verdadeiro anil na Índia Oriental e descreve minuciosamente todo esse processo de fabrico. Ficamos igualmente a saber que da ponta de Cabo Verde (território continental) para baixo andam por ali ingleses e franceses adquirindo coiros, marfim, cera, âmbar e ouro entregando ferro e outras mercadorias que trazem de Inglaterra e França. A presença portuguesa desde esta ponta de Cabo Verde até ao rio da Gâmbia já era praticamente nula. No comércio feito por portugueses, entregavam-se cavalos, vinhos, bretanhas (tecidos finos de linho ou de algodão), contaria da Índia, entre outras mercadorias. A seguir ao reino dos jalofos vinham os Barbacins, aqui se entregavam cavalos para resgatar escravos, o principal rio da região é o rio da Gâmbia, Almada descreve o reino de Borçalo, fala da organização familiar, dos escravos e dos judeus: “Não sei de onde procederam. É gente formosa, principalmente as mulheres. Os homens são abastados de narizes”. Salta depois para o reino da Gâmbia, já estamos em território Mandinga, aqui faz-se resgate de ouro entregando-se manilhas de cobre. Acrescenta dados preciosos sobre os Mandingas que estarão presentes no Rio Grande e em S. Domingos. Vieram depois os Fulas e sujeitaram os Mandingas, como rolo compressor, com um exército espantoso, destruíram e assolaram tudo, “passando pela terra dos Mandingas, Cassangas, Banhuns e Buramos (Brames), que eram mais de 150 léguas, atravessando tudo até chegar ao Rio Grande, a terra dos Beafares (Beafadas) onde foram os Fulas rotos e vencidos”.

Descreve os hipopótamos a quem chama cavalos-marinhos: “têm a feição do corpo como de boi, e o corpo maior de um cavalo; e as mãos curtas, e tão curtas, que os negros nos seus arrozes, para que os não comam, fazem uns tapumes de madeira muito baixa, e não podem passar por cima dela por causa das mãos. E têm as unhas fendidas, repartidas em duas partes como as dos bois e a cabeça curta os dedos grandes, de palmo e mais, e menos tortos”. Ao tempo, os Mandingas tinham uma inegável importância política e territorial, Almada contextualiza a situação: “Este Reino dos Mandingas é muito grande, porque corre por este rio acima mais de 200 léguas; e está povoado todo de gente de uma banda e da outra. Pela banda do Norte se tem muitas léguas pelo Sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E pela banda do Nordeste vai por cima dar na terra dos Beafares; e pela banda de Leste vai partir com os Cassangas e Banhuns”.

É a partir do capítulo sétimo do seu Tratado Breve que entramos propriamente na descrição do que é hoje a Guiné-Bissau: Felupes, reino do Casamansa, Brames, Bijagós, o Rio Grande (de Buba) terra de Beafares, os reinos dos Nalus, Bagas e Coquolins, e a partir do capítulo catorze já estamos no Cabo da Verga, no Reino dos Sapes, ou seja, entramos na Serra Leoa, na época ninguém tratava este território com qualquer associação ao que é hoje a Guiné Conacri.

Esta edição do Tratado Breve merecia uma reedição pela qualidade da modernização do texto e pelas notas elucidativas. É trabalho já feito pelas notas elucidativas pelo Ministério da Educação, é trabalho desbravado. Insista-se que é o bilhete de identidade da Guiné, um texto belíssimo, um esforço etnográfico meritório para quem não tinha ainda os ensinamentos teóricos operatórios de análise das sociedades. E quem escreveu este documento de importância irrefragável era um produto dos novos tempos, um euroafricano, alguém que vinha de Santiago e que se maravilhava com a espetacular Terra dos Negros.
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Notas do editor:

Vd. postes de:

30 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12523: Notas de leitura (548): "Tratado Breve dos Rios de Guiné", por Capitão André Álvares D'Almada (1) (Mário Beja Santos)
e
3 de janeiro de 2014 Guiné 63/74 - P12539: Notas de leitura (549): "Tratado Breve dos Rios de Guiné", por Capitão André Álvares D'Almada (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15154: Notas de leitura (760): "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013 (Mário Beja Santos)

domingo, 27 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15166: Libertando-me (Tony Borié) (36): ...tal e qual uma árvore centenária

Trigésimo sexto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 22 de Setembro de 2015.


Nós, os veteranos, devemos ter a atitude, às vezes silenciosa, qual árvore centenária!

Numa nova urbanização constroem-se novas casas, aerodinâmicas, bonitas aos nossos olhos, plantam pequenas e simples árvores em alguns locais e. passadas umas dezenas de anos, as casas estão na mesma, com aspecto mais velho, ou em alguns casos abandonadas, mas em compensação as árvores estão grandes, fortes, silenciosas e, quase que tomaram conta do ambiente, da natureza, são elas o principal elemento, muitas vezes contra às ideias dos vindouros, são elas que ditam as directrizes do novo aperfeiçoamento da urbanização, tudo se começa a fazer de novo em seu redor, as ruas terão, talvez, que tomar outro sentido de trânsito, porque estão a ser um entrave para o crescimento e vida dessas mesmas árvores.

Como em outras partes do nosso planeta, mas damos o exemplo daqui, porque é onde vivemos, a área do Parque Nacional de Matanzas, onde se encontra o Forte de Matanzas, que foi projectado como uma torre de observação fortificada, construído por volta do ano de 1750 por condenados, escravos e soldados trazidos da ilha de Cuba, que foram usados como mão de obra para erguer esta estrutura, que está situada na atual Rattlesnake Island, que quer dizer mais ou menos Ilha das Cobras e, numa posição de comando sobre a entrada do canal de água salgada, na praia de Matanzas, que adquiriu este nome após as execuções, ou “matanzas”, (massacre espanhol) na costa do Atlântico norte, a Jean Ribault e o seu grupo de colonos de “Huguenotes franceses”, que se tinham estabelecido em Forte Caroline, próximo do que é hoje a cidade de Jacksonville, aqui no estado da Flórida e, de que já aqui falámos, onde os colonos, homens, mulheres e crianças foram levados em pequenos grupos por trás das dunas de areia, onde cada colono foi atravessado com a espada e deixado para ali, até morrer. Os espanhóis consideravam os “huguenotes franceses” de ser infiéis, porque não eram católicos, mas politicamente, este massacre tinha a intenção de alertar os outros europeus que o Novo Mundo pertenciam à coroa Espanhola.

Quando andamos por aqui, percorrendo esta área, as árvores, com centenas de anos, começaram a “encostar-se”, aos muros do antigo forte, nasceram e cresceram por todo o lado, como querendo dizer, “chega-te para lá, não queremos mais guerra, eu sou a vida, a natureza pura no verdadeiro sentido”!. Elas, as árvores, têm uma força poderosa, as suas raízes crescem a todos os segundos, sem a presença do ser humano, que as quer controlar, elas tomaram conta do parque, são o início, são elas que nos anunciam a vida, que a conservam e, se por qualquer motivo elas começarem a morrer, pouco tempo de vida nos vai restar a nós, os humanos.


Lá vem a guerra outra vez, a “mangueira do Setúbal”, no aquartelamento de Mansoa, a tal árvore de que já aqui falámos por diversas vezes, já lá não deve de estar, foi morta, talvez não, mas o espaço deve de ser pequeno para ela, se ainda for viva, pois demarcava o limite de arame farpado, era mesmo na fronteira, o seu tronco era o nosso café da esquina, o nosso local de convívio, as gaiolas de macacos e periquitos, eram a nossa “Disneyland”, à noite, mais propriamente ao anoitecer, íamos para lá, falar, fumar cigarros feitos à mão, a cerveja, muitas vezes roubada no “bar dos sargentos”, entre as mãos, os macacos e periquitos já nos conheciam, compreendiam a voz do dono, as palavras “cala-te, cabrão”, “já te vou dar de comer, filho da pu..”, eram frequentes, tudo se falava, era quase como o lavadouro da nossa aldeia, também o “stress da guerra” que sempre estava presente, se ia desvanecendo e, se houvesse “vias de facto”, ou seja “turbolência doméstica”, era absorvido pela amizade de “irmãos de guerra”, que se encontravam em convívio, em pleno cenário de guerra.

Não imaginamos o nosso planeta sem árvores, seria como, talvez um jardim sem flores e, pensando por momentos, nós, os humanos, só por cá passamos, isto estava cá e cá vai continuar, vamos, nos anos que nos restam, fazer como as árvores centenárias, rosto levantado, olhar as outras pessoas nos olhos, transmitir-lhe a nossa mensagem silenciosa, esperar a água da chuva, o sol, tempestades ou até o fogo, tal como fizemos em pleno cenário de guerra, onde tentávamos sobreviver, às vezes em silêncio, mas um silêncio controlado, às vezes fugindo, ou fazendo não compreender, certas atitudes, dos agora vindouros, que quando chegarem à nossa bonita idade, oxalá lá cheguem, vão por certo compreender, porque sobrevivemos, muitos de nós sem escola superior, discriminados, sem protestos de discriminação, “sem eira nem beira”, sem protestos requerendo casa e subsídio de alimentação, nunca esperando ajudas estranhas, única e simplesmente vivendo do nosso esforço corporal.

Pelo menos nós vamos ter algum “poder de encaixe”, como nos dizia o senhor Manuel Manco, que tinha sido combatente, era um sobrevivente de guerra, pois fez parte do Corpo Expedicionário Português que esteve presente na Frente de Flandres, onde muitos militares portugueses foram mártires. Tinha sido casado, a esposa morreu com a doença do “tifo” e uma filha que foi “casada de encomenda” para o Brasil, o povo dizia “casada de encomenda” que era quando um português, “muito rico”, lá no Brasil, que andasse muito ocupado na “roça”, na “xácra”, no “açougue”, na “padaria”, no “botequim”, na “birosca” ou no “boteco”, mandava uma carta, normalmente ao senhor Regedor ou a Vossa Reverência o senhor Abade da freguesia, a pedir esposa que soubesse cozinhar, lavar e engomar, que fosse donzela, estivesse vacinada e que fosse boa parideira, essa filha, foi para o Brasil e nunca deu sinal de si, ele, o senhor Manuel Manco, morreu sem uma perna, mas orgulhoso, sozinho, numa pobreza profunda, num casebre nas matas da base da montanha do Caramulo, que levou para debaixo da terra umas tantas medalhas ao peito, num casaco que lhe colocaram, talvez só a parte da frente, numa simples caixa, feita de tábuas “casqueiras”, forrada a pano de flanela preta, (feita pelo Senhor Hugo, que também era carpinteiro, além de forneiro na Fábrica da Telha que existia junto à Estação dos Caminhos de Ferro, em Águeda e, fazia gratuitamente os “caixões dos pobres”), mas que ia sobrevivendo, vivendo cada minuto da sua vida, como se fosse o ser humano mais importante do mundo, sempre com o rosto erguido, olhando nos olhos, tanto a nós como à mãe Joana, quando lhe levávamos alguma roupa, ou íamos ver como se encontrava, os seus olhos diziam-nos quase o mesmo que a tais árvores centenárias, que neste momento se estão a “encostar” ao Forte de Matanzas, pois ele, o senhor Manuel Manco, era um veterano, tinha andado na guerra.

Tony Borie, Setembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15131: Libertando-me (Tony Borié) (35): ...voltaremos a encontrar-nos talvez no além!

Guiné 63/74 - P15165: O nosso querido mês de férias (7): Entre 15 de Fevereiro e 21 de Março de 1971, a ilusão de estar longe da guerra (Carlos Vinhal)

Como disse há dias num comentário, na minha Companhia só se começou a gozar férias a partir de Outubro de 1970, completados que foram seis meses de comissão.

Como eu era o furriel "mais novo" e como havia muitos interessados em vir à metrópole, fiquei com as sobras, ou seja os últimos 15 dias antes da data limite em que toda a gente tinha que estar presente na Companhia por causa da época natalícia. Claro que não vinha gastar dinheiro por metade do tempo normal de férias. Por outro lado, como julgo, só se podiam gozar 30 dias de licença uma vez em cada ano civil, e nós terminávamos a comissão oficialmente a 17 de Janeiro de 1972, optei por vir mais ou menos a meio da comissão, Fevereiro/Março de 1971.

De que me lembro?

Vir para Bissau uns dias antes do dia 15 de Fevereiro, acompanhado de dois ou três camaradas madeirenses, ficarmos hospedados no Chez-Toi, que na altura tinha virado casa séria.
De não nos apresentarmos nos Adidos.
De ter ido à Agência de Viagens Fernando Correia pagar a viagem e levantar o respectivo voucher.

 


Da noite de 14 para 15 de Fevereiro, que não dormi, tal era a ansiedade.

De ter chegado a Lisboa, onde estava frio, e eu mal agasalhado, trazia apenas uma camisa branca de meia-manga e um blusão de veludo canelado.

De depois ter apanhado um voo de ligação para o Porto, onde cheguei já ao fim da tarde e onde o frio ainda mais se fazia sentir, lembro-me perfeitamente de anunciarem a bordo que a temperatura local rondava os 9º centígrados. Ainda de manhã teria suportado temperatura bem mais elevada em Bissau.
Chegado a casa, jantei e, já devidamente agasalhado, fui ver a namorada que não via há um ano.

Cheguei muito abatido pois tinha perdido alguns quilos, a minha mãe quase não acreditava no que via. Nos dias que se seguiram recuperei peso para voltar como devia ser, porque a guerra esperava-me de novo, em boa forma se possível.

Logo na manhã seguinte fui ao Porto e apresentei-me no Quartel General da Região Militar Norte dizendo que estava cá de férias vindo da Guiné. Que tivesse boa estadia e boa viagem de regresso no dia previsto. Que não precisava de voltar lá.

Visitei amigos e soube de notícias muito trágicas.
 
Fui à empresa onde trabalhava e entre outros colegas, encontrei um cujo filho, também nosso colega, tinha embarcado em Maio de 70 para Moçambique. Com a maior naturalidade deste mundo perguntei-lhe:
- Senhor Luz, como está o Nuno?

O senhor Luz desatou num choro convulsivo e virando costas afastou-se. Alguém me disse que o nosso jovem colega tinha morrido em combate ao fim de dois meses de comissão e que o senhor Luz não se conformava com a perda do filho.

Outra missão que tinha, era visitar um amigo de infância, colega de escola primária, camarada de recruta nas Caldas e de especialidade em Vendas Novas, que, também em Moçambique, havia pisado uma mina AP, do que resultou a amputação de uma perna. Sem jeito e sem palavras de ânimo para lhe dizer, fui por ele confortado, "que afinal ele já estava safo da guerra e que eu ainda tinha que voltar". Mais me disse que a sua cama no Hospital da Estrela era ao lado da de outro nosso camarada de especialidade em Vendas Novas, que vítima de uma explosão na Guiné, tinha fica cego e sem mãos.

As férias passaram rapidamente, quando dei conta era domingo 21 de Março, dia de apanhar o avião para Lisboa, para na madrugada seguinte apanhar outro para Bissau.

Um dos meus futuros cunhados, que tinha carro, foi-me buscar a casa nesse domingo à tarde, e lá fomos para o Aeroporto de Pedras Rubras, hoje Sá Carneiro, eu, a minha namorada, a sua irmã e o meu futuro cunhado. Falou-se pouco durante a espera e a hora da despedida foi complicada. A primeira vez que tinha embarcado para a Guiné não sabia bem ao que ia, agora era diferente, tinha a consciência exacta dos perigos que me esperavam.

Eles subiram para o terraço, então existente, que permitia ver o percurso dos passageiros, que naquele tempo se fazia a pé, até ao avião, tentando registar com o olhar os derradeiros momentos antes da partida.

Gare do Aeroporto de Pedras Rubras
Com a devida vénia a Restos de Colecção

Em Lisboa tinha à minha espera um primo que cumpria o serviço militar na Trafaria, o sortudo safou-de ir para a guerra, que me propôs irmos ao cinema para "matar" o tempo. Não me lembro a que sala fomos, sei que o filme se chamava algo como Os Últimos Dias de Katmandu. Saímos a meio da sessão e vagueámos pelas ruas algo desertas. Entretanto o meu primo deixou-me porque tinha de entrar no quartel da Trafaria antes da 1 hora da madrugada e eu fui para o aeroporto ver se os meus camaradas madeirenses já por lá se encontravam.

A viagem de regresso foi péssima, com uma escala no Sal onde nem do avião nos deixaram sair. Chegámos a Bissau ao princípio da manhã, e o que eu ainda recordo, foi a sensação, ao sair do avião, de estar a entrar numa fornalha. Já não me lembrava daquele calor insuportável que contrastava com o ar condicionado da aeronave.

Julgo que ainda nesse dia segui para Mansabá. No sábado seguinte iria fazer 23 anos, já no mato, em plena guerra e de novo longe da família.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15164: O nosso querido mês de férias (6): Vim duas vezes a casa... Da primeira vez, regressei a 18/12/1968, para passar obrigatoriamente o Natal em Bambadinca... Apanhei uma boleia no DO 27 do meu amigo Honório (Ismael Augusto, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

Guiné 63/74 - P15164: O nosso querido mês de férias (6): Vim duas vezes a casa... Da primeira vez, regressei a 18/12/1968, para passar obrigatoriamente o Natal em Bambadinca... Apanhei uma boleia no DO 27 do meu amigo Honório (Ismael Augusto, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

1. Mensagem do Ismael Augusto, ex-alf mil, cmdt Pelotão de Manutenção, CCS/ BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70):

25 de setembro de 2015 17h54




Meus amigos Tabanqueiros

Vim duas vezes de férias á Metrópole.

A primeira em Dezembro de 68, mas com a condição de regressar até ao dia 18 desse mesmo mês. Haveria uma determinação, a meu ver justa, para que todo o contingente militar passasse o Natal e Fim do Ano na Guiné.

Digo justa, pois já bastava a discriminação, via capacidade financeira, para os muitos que não podiam disfrutar dessa possibilidade.

De qualquer forma e dadas outras ausências, as férias ficaram reduzidas a 20 dias.

A segunda vez foi entre Julho e Agosto de 69.

Recordo que quando regressei a 18 de Dezembro de 68 não havia transporte para Bambadinca.

Foi-me sugerido passar o Natal em Bissau. Para mim isso era inaceitável pois na verdade eu sentia que na Guiné a minha família estava em Bambadinca.

Eu conhecia muito bem o Honório,  aquele piloto fantástico, com o qual travei uma boa amizade. Fui a Biassalanca (Base Aérea),  falei com o Honório que “aproveitou” uma entrega de correio para me deixar em Bambadinca.

Foi uma chegada à Honório, fazendo um voo rasante à pista para deixar “cair” o avião logo a seguir (é de recordar que Bambadinca iniciava um pequeno planalto precisamente no final do topo da pista virado a Bafatá) e deliciar-se com uma subida do Geba a muito baixa altitude na direção de Bafatá, borboletando com o seu DO 27.

Era assim o Honório e alguém me contava que a sensação para quem estava na pista foi a da queda do avião.

Um abraço,

Ismael Augusto

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de setembro de 2015 >   Guiné 63/74 - P15163: O nosso querido mês de férias (5): vim uma vez a casa, a Vila Nogueira de Azeitão, em 18/9/1965, mas o Super Constellation da TAP, por avaria, só partiu a 22... A viagem custou-me 6160$70 (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)

Guiné 63/74 - P15163: O nosso querido mês de férias (5): vim uma vez a casa, a Vila Nogueira de Azeitão, em 18/9/1965, mas o Super Constellation da TAP, por avaria, só partiu a 22... A viagem custou-me 6160$70 (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)







Fotos: © António Bastos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Mensagem do António Bastos, ex-1º Cabo do Pelotão Caçadores 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66

Data: 24 de setembro de 2015 às 22:00

Assunto: Inquérito sobre as férias


Boa noite, camarada Luís, e a toda a Tabanca Grande.


Companheiro, também vim de férias à Metrópole.  Tive 30 dias de licença, nos termos do art. 109º do RDM.

Era para embarcar no dia 18-9-1965, mas, devido ao avião que vinha com avaria,  só embarquei no dia 22-9-1965.

Foi num Super Constellation e a passagem foi 6.160$70 e nessa altura não tinha direito aos cinco dias como os Sargentos e oficiais, e mais também fiquei prejudicado com a avaria do avião em quatro dias Junta-se documentação que ainda guardo.

Um abraço a toda a Tabanca Grande. 

 António Paulo S. Bastos.

Ex. 1º Cabo do Pelotão Caçadores 953.

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15160: O nosso querido mês de férias (4): Vim duas vezes à metrópole: na 2ª vez, beneficiei de mais 5 dias de licença, por ter tido um louvor em combate... (E, mais tarde, beneficiei da isenção do pagamento de propinas dos meus filhos quando entraram na universidade) [José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil da CART 566 (Cabo Verde, Ilha do Sal, 1963/64, e Guiné, Olossato, 1964/65)]