1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2016:
Queridos amigos,
Tudo começou por um bate-papo com um desses fotógrafos de revistas, falou-se no Convento de Jesus em Setúbal e ele discreteou sobre luz, hora e estação do ano, para interessados em captar a verdadeira cor da brecha da Arrábida, fora da norma as cores desbotam-se, são fingimento.
Consultou-se a meteorologia e o viajante pôs-se ao caminho na mira do sucesso. Viajou por outras paragens mas a sua grande consolação foi encontrar-se com aquele gótico-manuelino como não há outro em Portugal, até porque foi o primeiro.
Em podendo, confirmem o que vem nestas imagens.
Um abraço do
Mário
O gótico-manuelino da Igreja do Convento de Jesus
Beja Santos
O viajante consulta a meteorologia, para captar a verdadeira cor da brecha da Arrábida precisa de determinada luz no interior e um céu pouco brilhante, foi o que um fotógrafo especializado em monumentos lhe propusera. À cautela, para fazer horas, visitou em primeiro lugar a Galeria Municipal de Setúbal para ver o famoso retábulo da capela-mor, e agradou-lhe o belíssimo restauro e a forma como está exposto. Deu uma saltada para visitar a coleção de arte e muito lhe agradou confrontar-se com obras de Álvaro Perdigão e Celestino Alves, dois setubalenses.
Nunca entendi a injustiça à volta do relativo silêncio sobre a obra de Álvaro Perdigão, engenhoso no tratamento das formas, contido nas cores, inclassificável na modernidade. Celestino Alves nunca abjurou o modernismo, há quem lhe atribua semelhanças com a pintura de Cézanne, tal a delicadeza entre volumes e a delicadeza na ocupação da tela. Visita que se recomenda, o tempo mudou, ala que se faz tarde, o viajante ruma para o Convento de Jesus, nem vem à procura do local onde se ratificou o Tratado de Tordesilhas, para o caso não interessa.
O Convento de Jesus é uma das marcas do património europeu, há sobejas razões para assim o classificar. Veja-se a elegâncias das colunas, o tom afogueado da pedra, a forma como Diogo Boitaca estudou a correspondência entre o tempo, o espaço do coro, o altar e as capelas. Há também a ter em conta o aformoseamento dado pela arte azulejar, num dia assim respira-se claridade, nem é necessário a música de fundo para a concentração espiritual, acresce o dado determinante de que tudo saiu da oficina de Boitaca antes do século XV expirar, os Jerónimos muito depois. Não faço analogias, seriam absurdas, o que para o caso interessa é que é percetível o ponto de partida neste templo de arquitetura ascendente.
Estou a lutar contra o tempo porque o tempo está a mudar, o céu embaciou-se, sem aquela luminosidade perco o prodígio da cor da brecha da Arrábida. O coro baixo é elegantíssimo, percebe-se bem como a humidade é o grande inimigo oculto, aliás o Convento, mesmo ao lado anda num restauro que custa uns bons milhões, barrar o caminho a esta humidade tem muito que se diga. Veja-se um pormenor da beleza azulejar, é uma cercadura de volta inteira e que qualidade a da oficina que por aqui andou. O viajante deteve-se diante do púlpito, cirandou e voltou a cirandar, não que o púlpito tenha uma pedra trabalhada que corte o fôlego, é a intensidade da brecha, a sua explosão mineral e a singularidade da cor, inacreditável, é preciso mesmo ver.
Estamos agora na zona portuária, há um belo passeio pedestre à beira mar, o sol voltou a brilhar e é no cruzamento de olhares com Tróia ao fundo, as embarcações de um lado para o outro, os namorados nos bancos, que o viajante foi confrontado com uma árvore rastejante, desconhece-lhe o nome, bem perguntou a quem passava, recebeu indiferença, até o olharam como um tolo ou como pedinte a fazer aproximação. Entusiasmou-o o restauro de um edifício que talvez tenha servido para sala de espera, tudo leva a querer que podia ser uma estação, o que verdadeiramente gostou foi do atrevimento de Arte Deco, ressalvem-se as distâncias e até parece que andou por aqui o Siza Vieira ou um seu ancestral.
Quem vem a Setúbal e não contempla pormenores da Arrábida é como ir a Roma e não ver o Papa. Chegou-se a uma praia, a neblina desce suavemente, podia estar um pintor naturalista que agarraria a oportunidade para tentar pincelar este céu de bruma, uma rocha à vista, seca e árida, e a outra ao fundo, até parece que vai navegar sobre o oceano, segue atrás de um porta-contentores. Aqui finda a viagem, melhor dito, esta nunca acaba o viajante é que percebeu que é impossível continuar a fotografar. Mais haverá que venha entusiasmo para regressar em breve.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16373: Os nossos seres, saberes e lazeres (167): Rapazes (e raparigas), bebam vinho português, comam pêra rocha portugesa e cantem o fado português, porque no céu... não há disto!
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16376: Memória dos lugares (342): Galomaro e as suas lavadeiras (António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912)
Quartel de Galomaro em construção, em Maio de 1970
1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 3 de Agosto de 2016:
A BELA E O SENÃO
Camarigos,
A minha lavadeira de nome Mariana era alta, esbelta, de cor negra clara e de etnia Fula.
Tratava razoavelmente da roupa a troco de 80 pesos (escrevia-se: 80$00) mensais.
Os preços do serviço de lavagem eram diferentes para cada uma das classes de militares.
A Mariana era casada com um Djila que viajava muito à Gâmbia para contrabandear vários artigos vendáveis nos dois países. Diziam que recebia na sua morança tropas quando o seu homem estava ausente. Não sei se era verdade ou não. Comigo tratou somente da roupa. Com pouco mais de 21 anos com certeza vontade não me faltasse de outros serviços.
A minha primeira lavadeira que tive era anciã e andava sempre a mascar coca que trazia numa bolsa pendurada à cintura da vestimenta. Parece-me que estou a vê-la a mascar e depois a cuspir a coca. Era mais cuidadosa com o tratamento dado à roupa. A idade aparente já pesava bastante na sua frágil estrutura física, especialmente na pele enrugada da cara.
Ao fim da tarde era uma romaria de lavadeiras junto ao arame farpado para entregar ou receber a roupa. O chamamento de cada um dos militares por vezes transformava-se num coro desafinado mas engraçado. Quando chamavam pelo nome “TAVARÁS” muito se riam. Nunca descobri qual o motivo de tanto riso.
Os Oficiais tinham o privilégio de receberem as lavadeiras dentro do quartel de Galomaro.
Por razões óbvias não publico fotografias das duas mulheres que trataram da minha roupa durante os 23 meses que permaneci nas matas do Leste do CTIGuiné. História que fez parte da vida de um jovem deslocado numa terra tão longínqua e diferente em usos e costumes da sua terra Natal.
Recordar é Viver!
Tabuleta de recepção aos “piriquitos” do BCaç 3872 colocada (em 1972) na estrada principal de Galomaro. O 1.º Edifício à direita tinha sido uma caserna da CCaç 2405. Em 1970 era a casa do Chefe de Posto. A habitação e o Café - Restaurante do comerciante Francisco Regalla ficava uns metros aquém desta habitação.
Mulheres Fula a lavar roupa numa bolanha de Galomaro, em 15 de Julho de 1970. Nesse dia o BCaç 2912 já conhecia o chão guinéu há 76 dias.
Fotografia de Lavadeiras no seu trabalho quotidiano, em Galomaro.
Visita a uma Morança da Tabanca de Galomaro, em Outubro de 1970.
Abraço,
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 03 de Agosto de 2016
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16360: Memória dos lugares (341): UDIB, Bissau, II Jogos Florais, Programa, 28 de junho de 1974 (Augusto Mota)
Guiné 63/74 - P16375: Parabéns a você (1117): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex- 1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16372: Parabéns a você (1116): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCÇ 2315 (Guiné, 1968)
terça-feira, 9 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16374: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): Relatório de Operações do último almoço-convívio da CART 1689
1. O nosso
camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART
1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá,
1967/69), enviou-nos o Relatório de Operações do último almoço-convívio da sua Unidade para integrar as suas "Outras Memórias da Minha Guerra".
Outras memórias da minha guerra
24 - “O nosso fim está próximo”
(… assim, a modos de “Relatório de Operações” do último almoço-convívio da CART 1689)
Por incrível que pareça, os militares da nossa CART 1689 assinalam, em convívio almoçarado, não a data do seu regresso da guerra, mas o da partida. Mas ninguém sabe porquê ou de quem foi a ideia.
Lá, todos os dias 26 eram motivo de satisfação, de alegria e de bebedeira. Isto justificava-se porque a contagem era implacável e só a sua soma, mês a mês, nos daria o descanso, o regresso e a libertação. Cada mês que passava parecia mais uma senha de uma lotaria que nos ajudaria a obter o prémio final. Era por isso que a importância festiva se acentuava mais e mais à medida que os meses passavam.
Saturados de guerra, deixámos passar uns onze anos sem nos termos reencontrado. Excepcionalmente, os que eram vizinhos, iam-se encontrando mas sem qualquer tipo de manifestação festiva ou com carácter de regularidade. Porém, chegou-se à conclusão que havia muitas saudades daquelas amizades de excepção que se havia criado. Foi o falecido Mariz que juntou, o “núcleo duro” dos graduados, no Restaurante D. Sancho, perto da Curia. A partir dali, procuraram-se contactos, através do “passa a palavra” e de anúncios em jornais (JN e Bola). Então, reunimos em Crestuma 2 ou 3 vezes, mas o número de presenças não evoluía. A malta havia seguido a sua vida, após a chegada da guerra e dispersou-se, inclusive pelo estrangeiro.
Alguns camaradas, chegados da África do Sul, da Alemanha e da França, procuraram os amigos que nunca mais viram. Nessa altura, destacámos o entusiasmo do Sá, do Peixoto e do Netinho que, apoiados pelo Miranda, conseguiram aumentar significativamente o número de participantes nesses encontros anuais. Depois entrou em cena o “Póvoa” (José Ribeiro) que, graças à sua dedicação e capacidade organizativa, atingiu-se um grau de excelência, nesses eventos.
Como a malta da CART 1689 é, quase na sua totalidade, oriunda do norte, não admira que os encontros se tenham feito cá para cima. Todavia, devemos realçar o grupo de “Lisboetas” que tem sido verdadeiramente exemplar. E foi por isso que organizámos um encontro na Cova da Piedade, para onde fomos de autocarro. Por influência do Borges das Transmissões (aquele “técnico” que se propôs recuperar o barco ”Tolan”, virado no Tejo), fomos à sua terra, lá nos arredores de Seia. Também já fomos à Guarda por “exigência” do Saraiva, grande entusiasta destes encontros. Cabe aqui realçar os nomes de Seixas, Mendes, Ferreira, Vilela e Azevedo que têm assegurado a continuidade destes convívios. Estou a lembrar-me de encontros em Amarante, Esmoriz, Maia, Famalicão, Ermesinde, Gaia, Póvoa de Varzim, Felgueiras, Braga,
Assim, pelo menos uma vez por ano, por altura do 26 de Abril, voltamos a ver-nos e… voltamos a afastar-nos. Sim, a afastar-nos. É que o número de participantes vai diminuído, seja por incapacidade física, menos interesse ou por ausência forçada devida a… mobilização definitiva para as bandas do Além.
Na concentração deste ano de 2016, beneficiámos de uma óptima organização do Ferreira de Braga. Fomos à missa à Igreja da Falperra, passámos pelo Sameiro e pelo Bom Jesus. Fomos participar num verdadeiro banquete lá para os lados de Póvoa de Lanhoso. O convívio decorreu maravilhosamente(!). Deu para falar com toda a gente, fossem camaradas ou seus familiares. E deu para recordar/estender/repetir/adulterar (involuntariamente, devido à degradação dos neurónios – ou pelo decurso do tempo ou pelo álcool ingerido) as histórias do costume. Tirando uma ou outra discussão provocatória de (pretensos) divisionistas da Pátria (entre Norte e Sul) ou alimentadores da eterna rivalidade futeboleira, tudo funcionou em ambiente cada vez mais tolerante e mais amistoso.
Durante esses relatos, notei que muitos já andam muito longe da verdade dos factos guerreiros ocorridos, deturpam-nos (involuntariamente), inventam histórias e outros… não se lembram de nada. É a vida!
Entre outras conversas, ouvi quem afirmasse que num ataque a Cabedu, se disparam umas cento e tal granadas de morteiro 81. (Será que havia assim tantas granadas no quartel?) Outro disse que vira um Furriel a tentar fazer fogo com um outro morteiro, apoiando-o nas costas de outro Furriel. E, como lamento da morte de um Alferes (que morreu devido a ferimentos nesse ataque, atingido dentro do abrigo mais seguro – o das transmissões), lembrou a sua bravura por ter vindo para a parada expondo-se ao fogo IN, apoiando a resposta ao ataque.
Também assisti às dúvidas de um Furriel, afirmando que a viagem do Norte para Lisboa não podia ter sido feita numa só noite, porque o comboio, naquele tempo, andava muito devagar. Portanto, segundo ele, a saída de Viana do Castelo fora no dia 25 de Abril e não na madrugada do próprio dia 26, dia do embarque no Uíge.
Desta vez, nem o Capitão Maia, nem o Alfero Branquinho apareceram. Foi a vez de alguns Furriéis botarem palavra.
Cheguei a ouvir um Furriel afirmar que o seu Alferes não estivera na OP da implantação do novo quartel de Gandembel, quando, afinal, esteve todo o tempo. E que, ele mesmo, em dado momento, chegara a comandar o Batalhão.
Enfim, um exemplo de afirmações que nunca ouvira antes. Não sei se a malta já está afectada por problemas de saúde ou é consequência de… medicação. A verdade é que se nota, cada vez mais, que alguns já acusam muito esquecimento, muita deturpação e muito cansaço cerebral.
De repente, como se estivesse ao espelho, sinto um calafrio e pensei:
- Será que eu também já estou afectado? Não, não pode ser.
A certa altura, abeirei-me do Valente, que eu havia ido buscar a Oliveira de Azeméis e que já não pode conduzir viaturas em virtude de um acidente sofrido numa pescaria na Barragem de Castelo de Bode, e perguntei-lhe:
- Está tudo bem? Porque estás tão calado?
- Olha, Silva, desta vez estou para aqui a observar a malta e verifico que o nosso fim está próximo. Lembras-te de quantos homens tinha a nossa Companhia? 153! - Sabes quantos estão aqui? 19! A maioria são familiares e a gente nem repara. Cada vez vêm mais familiares a acompanhar-nos, e sabes porquê? Porque nos vêm trazer e amparar. Andam a dar-nos as últimas alegrias.
Logo o tentei animar:
- Deixa-te de merdas, a malta está contente, vê se pensas em coisas boas e se tratas do “isco especial”, para voltarmos a pescar.
O Grande Valente, numa “bolanha do vale do Mondego” prepara-se para dar mais uma aula de bem pescar ao colega/amigo/vizinho Silva, companheiros de grandes lutas pela honra e dignidade dos militares da Cart 1689.
Durante a sobremesa, o (político) experimentado Cepa, como sempre, manifestou a sua preocupação quanto ao “sacrificado” para a organização do próximo encontro. Para isso, fala-se com o “Póvoa”, para dar o seu habitual apoio e a sua prestimosa opinião. Seguem-se algumas trocas de palavras e “democraticamente” chega-se à conclusão de que o Seixas nos quer de novo em Felgueiras. Ninguém o contraria, nem as razões históricas do meio século da nossa saída de Viana do Castelo, alteraram a decisão. O Cepa acrescentou algumas palavras de afecto aos resultados do escrutínio. Felicitou os camaradas da guerra e, mais uma vez, desejou o melhor para todos os presentes.
De seguida falou o Miranda. Logo um sinal de que já estava “tocado”. (Pudera, sem sua Mulher Maria José a travá-lo e com a Filha Dália a fazer de condutora privativa, estava em roda livre). Quis exteriorizar toda a sua amizade ao grupo mas, sempre polémico e, em tom de brincadeira, claro, acabou lançando as mesmas farpas que tanto ocupavam os velhos tempos de caserna. E já gritava:
- “Abaixo os benfiquistas”, “morte aos mouros”, “o culpado foi Afonso que não tinha nada que ir conquistar Lisboa”…
Para que a coisa não aquecesse mais, tentei que ele mudasse o discurso de impropérios divisionistas e logo me acusou:
- Tu, cala-te que também és meio mouro, porque Crestuma fica do lado de lá do Rio Douro.
O que valeu foi que os incomodados da Cova da Piedade, de Massamá e de Loures atiraram-se a ele e levaram-no para junto do Bar.
Tive então a oportunidade de dizer alguma coisa. As palavras do Valente encaixaram na minha mente e parecia que não fugiam. É que também me vieram à cabeça as dificuldades que passei este inverno, com a deficiência respiratória que me tem atacado e com o AIT que sofri.
Pedi a intervenção e logo me emocionei. Assaltou-me essa ideia pavorosa de que me poderia estar a despedir. E, por outro lado, olhava para todos e pensava: Quem dentre eles poderá não estar cá no próximo ano?
Dominada a comoção, cuja razão não poderia exprimir, corri com os olhos todos os presentes naquele salão.
“Caros camaradas,
É com grande prazer que reunimos hoje mais uma vez. Já o fazemos há uns anitos. Convivemos abertamente, sentindo-nos regressados àqueles tempos da nossa juventude. Até parece que voltamos a ter os tais vinte e tal anos.
Tempos em que fomos espremidos e postos à prova extrema de todas as nossas capacidades.
Tempos em que cimentámos a nossa solidariedade e a nossa amizade.
Reparo que continuamos a olhar lá para longe, onde irmanados, vivemos os anos mais importantes das nossas vidas. São essas as sensações que ainda nos unem e que nos levarão até à morte.
Reparo também que já somos poucos, e que, possivelmente, não nos iremos encontrar muitas mais vezes.
Por isso, caros amigos, se me permitem um conselho de um dos mais velhos, vamos olhar mais para quem vive ao nosso lado. Olhar mais para quem sempre olhou por nós. Quem sempre nos acompanhou, nos tolerou e nos amou.
Julgo que ainda poderemos retribuir o amor e a atenção a esses entes mais queridos.
Eles bem o merecem!”
Brindámos, comemos o último pedaço de bolo e abraçámo-nos, mais que nunca. Notei que havia lágrimas naqueles sorrisos de alegria. Alguns abeiraram-se de mim e incentivaram:
- Força Silva, para o ano cá estaremos!
Mas houve quem me segredasse:
- Ó Silva, sei bem onde você queria chegar. O nosso fim está próximo.
Pensei, falando comigo mesmo: "Pode ser. Mas, depois, depois, tudo continua… nas cenas dos próximos capítulos".
Silva da Cart 1689
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Nota do editor
Último poste da série de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16125: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Memórias de guerra ou guerra de memórias?
Outras memórias da minha guerra
24 - “O nosso fim está próximo”
(… assim, a modos de “Relatório de Operações” do último almoço-convívio da CART 1689)
Por incrível que pareça, os militares da nossa CART 1689 assinalam, em convívio almoçarado, não a data do seu regresso da guerra, mas o da partida. Mas ninguém sabe porquê ou de quem foi a ideia.
Lá, todos os dias 26 eram motivo de satisfação, de alegria e de bebedeira. Isto justificava-se porque a contagem era implacável e só a sua soma, mês a mês, nos daria o descanso, o regresso e a libertação. Cada mês que passava parecia mais uma senha de uma lotaria que nos ajudaria a obter o prémio final. Era por isso que a importância festiva se acentuava mais e mais à medida que os meses passavam.
Saturados de guerra, deixámos passar uns onze anos sem nos termos reencontrado. Excepcionalmente, os que eram vizinhos, iam-se encontrando mas sem qualquer tipo de manifestação festiva ou com carácter de regularidade. Porém, chegou-se à conclusão que havia muitas saudades daquelas amizades de excepção que se havia criado. Foi o falecido Mariz que juntou, o “núcleo duro” dos graduados, no Restaurante D. Sancho, perto da Curia. A partir dali, procuraram-se contactos, através do “passa a palavra” e de anúncios em jornais (JN e Bola). Então, reunimos em Crestuma 2 ou 3 vezes, mas o número de presenças não evoluía. A malta havia seguido a sua vida, após a chegada da guerra e dispersou-se, inclusive pelo estrangeiro.
Alguns camaradas, chegados da África do Sul, da Alemanha e da França, procuraram os amigos que nunca mais viram. Nessa altura, destacámos o entusiasmo do Sá, do Peixoto e do Netinho que, apoiados pelo Miranda, conseguiram aumentar significativamente o número de participantes nesses encontros anuais. Depois entrou em cena o “Póvoa” (José Ribeiro) que, graças à sua dedicação e capacidade organizativa, atingiu-se um grau de excelência, nesses eventos.
Como a malta da CART 1689 é, quase na sua totalidade, oriunda do norte, não admira que os encontros se tenham feito cá para cima. Todavia, devemos realçar o grupo de “Lisboetas” que tem sido verdadeiramente exemplar. E foi por isso que organizámos um encontro na Cova da Piedade, para onde fomos de autocarro. Por influência do Borges das Transmissões (aquele “técnico” que se propôs recuperar o barco ”Tolan”, virado no Tejo), fomos à sua terra, lá nos arredores de Seia. Também já fomos à Guarda por “exigência” do Saraiva, grande entusiasta destes encontros. Cabe aqui realçar os nomes de Seixas, Mendes, Ferreira, Vilela e Azevedo que têm assegurado a continuidade destes convívios. Estou a lembrar-me de encontros em Amarante, Esmoriz, Maia, Famalicão, Ermesinde, Gaia, Póvoa de Varzim, Felgueiras, Braga,
Assim, pelo menos uma vez por ano, por altura do 26 de Abril, voltamos a ver-nos e… voltamos a afastar-nos. Sim, a afastar-nos. É que o número de participantes vai diminuído, seja por incapacidade física, menos interesse ou por ausência forçada devida a… mobilização definitiva para as bandas do Além.
Na igreja da Falperra. Valente e Miranda em primeiro plano - Foto de Dália Carneiro
Na concentração deste ano de 2016, beneficiámos de uma óptima organização do Ferreira de Braga. Fomos à missa à Igreja da Falperra, passámos pelo Sameiro e pelo Bom Jesus. Fomos participar num verdadeiro banquete lá para os lados de Póvoa de Lanhoso. O convívio decorreu maravilhosamente(!). Deu para falar com toda a gente, fossem camaradas ou seus familiares. E deu para recordar/estender/repetir/adulterar (involuntariamente, devido à degradação dos neurónios – ou pelo decurso do tempo ou pelo álcool ingerido) as histórias do costume. Tirando uma ou outra discussão provocatória de (pretensos) divisionistas da Pátria (entre Norte e Sul) ou alimentadores da eterna rivalidade futeboleira, tudo funcionou em ambiente cada vez mais tolerante e mais amistoso.
Silva e Miranda juntos da bandeira d”Os Ciganos” - Foto de Dália Carneiro
Durante esses relatos, notei que muitos já andam muito longe da verdade dos factos guerreiros ocorridos, deturpam-nos (involuntariamente), inventam histórias e outros… não se lembram de nada. É a vida!
Entre outras conversas, ouvi quem afirmasse que num ataque a Cabedu, se disparam umas cento e tal granadas de morteiro 81. (Será que havia assim tantas granadas no quartel?) Outro disse que vira um Furriel a tentar fazer fogo com um outro morteiro, apoiando-o nas costas de outro Furriel. E, como lamento da morte de um Alferes (que morreu devido a ferimentos nesse ataque, atingido dentro do abrigo mais seguro – o das transmissões), lembrou a sua bravura por ter vindo para a parada expondo-se ao fogo IN, apoiando a resposta ao ataque.
Também assisti às dúvidas de um Furriel, afirmando que a viagem do Norte para Lisboa não podia ter sido feita numa só noite, porque o comboio, naquele tempo, andava muito devagar. Portanto, segundo ele, a saída de Viana do Castelo fora no dia 25 de Abril e não na madrugada do próprio dia 26, dia do embarque no Uíge.
Desta vez, nem o Capitão Maia, nem o Alfero Branquinho apareceram. Foi a vez de alguns Furriéis botarem palavra.
Cheguei a ouvir um Furriel afirmar que o seu Alferes não estivera na OP da implantação do novo quartel de Gandembel, quando, afinal, esteve todo o tempo. E que, ele mesmo, em dado momento, chegara a comandar o Batalhão.
Enfim, um exemplo de afirmações que nunca ouvira antes. Não sei se a malta já está afectada por problemas de saúde ou é consequência de… medicação. A verdade é que se nota, cada vez mais, que alguns já acusam muito esquecimento, muita deturpação e muito cansaço cerebral.
De repente, como se estivesse ao espelho, sinto um calafrio e pensei:
- Será que eu também já estou afectado? Não, não pode ser.
A certa altura, abeirei-me do Valente, que eu havia ido buscar a Oliveira de Azeméis e que já não pode conduzir viaturas em virtude de um acidente sofrido numa pescaria na Barragem de Castelo de Bode, e perguntei-lhe:
- Está tudo bem? Porque estás tão calado?
- Olha, Silva, desta vez estou para aqui a observar a malta e verifico que o nosso fim está próximo. Lembras-te de quantos homens tinha a nossa Companhia? 153! - Sabes quantos estão aqui? 19! A maioria são familiares e a gente nem repara. Cada vez vêm mais familiares a acompanhar-nos, e sabes porquê? Porque nos vêm trazer e amparar. Andam a dar-nos as últimas alegrias.
Logo o tentei animar:
- Deixa-te de merdas, a malta está contente, vê se pensas em coisas boas e se tratas do “isco especial”, para voltarmos a pescar.
O Grande Valente, numa “bolanha do vale do Mondego” prepara-se para dar mais uma aula de bem pescar ao colega/amigo/vizinho Silva, companheiros de grandes lutas pela honra e dignidade dos militares da Cart 1689.
Com o Valente nas pescarias do Douro - Porto Antigo
Durante a sobremesa, o (político) experimentado Cepa, como sempre, manifestou a sua preocupação quanto ao “sacrificado” para a organização do próximo encontro. Para isso, fala-se com o “Póvoa”, para dar o seu habitual apoio e a sua prestimosa opinião. Seguem-se algumas trocas de palavras e “democraticamente” chega-se à conclusão de que o Seixas nos quer de novo em Felgueiras. Ninguém o contraria, nem as razões históricas do meio século da nossa saída de Viana do Castelo, alteraram a decisão. O Cepa acrescentou algumas palavras de afecto aos resultados do escrutínio. Felicitou os camaradas da guerra e, mais uma vez, desejou o melhor para todos os presentes.
De seguida falou o Miranda. Logo um sinal de que já estava “tocado”. (Pudera, sem sua Mulher Maria José a travá-lo e com a Filha Dália a fazer de condutora privativa, estava em roda livre). Quis exteriorizar toda a sua amizade ao grupo mas, sempre polémico e, em tom de brincadeira, claro, acabou lançando as mesmas farpas que tanto ocupavam os velhos tempos de caserna. E já gritava:
- “Abaixo os benfiquistas”, “morte aos mouros”, “o culpado foi Afonso que não tinha nada que ir conquistar Lisboa”…
Para que a coisa não aquecesse mais, tentei que ele mudasse o discurso de impropérios divisionistas e logo me acusou:
- Tu, cala-te que também és meio mouro, porque Crestuma fica do lado de lá do Rio Douro.
O que valeu foi que os incomodados da Cova da Piedade, de Massamá e de Loures atiraram-se a ele e levaram-no para junto do Bar.
Tive então a oportunidade de dizer alguma coisa. As palavras do Valente encaixaram na minha mente e parecia que não fugiam. É que também me vieram à cabeça as dificuldades que passei este inverno, com a deficiência respiratória que me tem atacado e com o AIT que sofri.
Pedi a intervenção e logo me emocionei. Assaltou-me essa ideia pavorosa de que me poderia estar a despedir. E, por outro lado, olhava para todos e pensava: Quem dentre eles poderá não estar cá no próximo ano?
Dominada a comoção, cuja razão não poderia exprimir, corri com os olhos todos os presentes naquele salão.
“Caros camaradas,
É com grande prazer que reunimos hoje mais uma vez. Já o fazemos há uns anitos. Convivemos abertamente, sentindo-nos regressados àqueles tempos da nossa juventude. Até parece que voltamos a ter os tais vinte e tal anos.
Tempos em que fomos espremidos e postos à prova extrema de todas as nossas capacidades.
Tempos em que cimentámos a nossa solidariedade e a nossa amizade.
Reparo que continuamos a olhar lá para longe, onde irmanados, vivemos os anos mais importantes das nossas vidas. São essas as sensações que ainda nos unem e que nos levarão até à morte.
Reparo também que já somos poucos, e que, possivelmente, não nos iremos encontrar muitas mais vezes.
Por isso, caros amigos, se me permitem um conselho de um dos mais velhos, vamos olhar mais para quem vive ao nosso lado. Olhar mais para quem sempre olhou por nós. Quem sempre nos acompanhou, nos tolerou e nos amou.
Julgo que ainda poderemos retribuir o amor e a atenção a esses entes mais queridos.
Eles bem o merecem!”
Brindámos, comemos o último pedaço de bolo e abraçámo-nos, mais que nunca. Notei que havia lágrimas naqueles sorrisos de alegria. Alguns abeiraram-se de mim e incentivaram:
- Força Silva, para o ano cá estaremos!
Mas houve quem me segredasse:
- Ó Silva, sei bem onde você queria chegar. O nosso fim está próximo.
Pensei, falando comigo mesmo: "Pode ser. Mas, depois, depois, tudo continua… nas cenas dos próximos capítulos".
Silva da Cart 1689
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Nota do editor
Último poste da série de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16125: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Memórias de guerra ou guerra de memórias?
Guiné 63/74 - P16373: Os nossos seres, saberes e lazeres (167): Rapazes (e raparigas), bebam vinho português, comam pêra rocha portugesa e cantem o fado português, porque no céu... não há disto!
33º Festival do Vinho Português e 23º Feira Nacional da Pêra Rocha > Bombarral, 2 a 7 de agosto de 2016 > 4º de agosto > 22h00 > Espetáculo com a fadista Carminho, um grande presença, corpo, alma e voz em palco... E boa continuação das férias para os felizardos que podem dar-se ao luxo de ter férias... (As imagens dos "outdoors" foram tiradas no recinto do festival e da feira, na magnífica mata municipal do Bombarral).
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados . [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:
Último poste da série > 3 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16358: Os nossos seres, saberes e lazeres (166): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (3) (Mário Beja Santos)
Último poste da série > 3 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16358: Os nossos seres, saberes e lazeres (166): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P16372: Parabéns a você (1116): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCÇ 2315 (Guiné, 1968)
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Nota do editor
Último poste da série de > 8 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16368: Parabéns a você (1115): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de > 8 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16368: Parabéns a você (1115): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Guiné 63/74 - P16371: (In)citações (97): Ainda a história (verdadeira) da Cadi... Tive um grande orgulho quando a população de Bigene, em peso, se veio despedir de mim à pista, com lenços no ar e lágrimas nos olhos (Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
(i) Comentário de Adão Pinho da Cruz, médico cardiologista, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) (*):
Caro Cherno Baldé, muito prazer em falar contigo. Tratemo-nos por tu, pois assim é que deve ser, e é muito mais democrático.
Obrigado por fazeres fé na minha observação, como sempre digo aos meus amigos do Blogue, eu fui um simples faxina no quartel, melhor dizendo, "um rafeiro de quartel", como haviam muitos, mas que durou por mais de 4 anos e que me deu a possibilidade de observar e de questionar muitas coisas que se passavam ao meu redor.
Sensibilizou-me bastante a descrição que acabas de fazer sobre os prisioneiros (***), facto verídico que eu posso confirmar pela minha própria experiência no quartel onde passei a minha infância.
Um abraço amigo,
Cherno Baldé
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 8 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16369: Em, bom português nos entendemos (14): a história da Cadi do dr. Adão Cruz e a expressão em crioulo "ka-misti" ou "n'ka-misti"(não quero) (Cherno Baldé, Bissaau)
(**) Último poste da série > 15 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16306: (In)citações (96): Nova Lamego, 15 de novembro de 1970, uma das noites mais longas das nossas vidas... Nós, miúdos, achamos que os nossos pais não choram, mas eu sei que também se chora em silêncio e sem lágrimas.... (Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE Barata, CCS/BCAÇ 2893, 1969/71)
(***) Vd.poste de 6 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16363: Os nossos médicos (88): Os prisioneiros (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)
Caro Cherno Baldé, muito prazer em falar contigo. Tratemo-nos por tu, pois assim é que deve ser, e é muito mais democrático.
Muito obrigado pelos oportunos esclarecimentos, que registarei, pois estamos sempre a aprender. Sim, meu caro Cherno Baldé, a história da Cadi, rigorosamente verdadeira, é enternecedora e constitui um marco indelével, de relação humana, na minha vida de homem e de médico.
Como tu dizes, não seria fácil acontecer noutras terras, mas ali em Bigene, e um pouco pela minha acção, passe a presunção e a vaidade, a tropa e a população eram quase uma família. Como médico fiz tudo o que pude, como militar, nada de relevante. Até era tido como subversivo. A minha "bíblia" era o livro "Os Condenados da Terra" (Les Damnés de la Terre) de Frantz Fanon.
O comandante de batalhão gostava muito de mim, mas dizia que eu parecia um médico de asilados, ao que eu respondia: meu comandante, eu fui feito médico civil e não militar.
Mais uma vez perdoa-me a vaidade, mas tive um grande orgulho quando a população de Bigene, em peso, se veio despedir de mim à pista, com lenços no ar e lágrimas nos olhos. O próprio piloto da avioneta confessou-me que nunca tinha visto tal coisa e deu meia dúzia de voltas no ar antes de subir. Talvez o Cherno tenha razão, só num ambiente destes a história da Cadi poderia ter acontecido. (**)
Um grande abraço do Adão
8 de agosto de 2016 às 11:24
Um grande abraço do Adão
8 de agosto de 2016 às 11:24
Obrigado por fazeres fé na minha observação, como sempre digo aos meus amigos do Blogue, eu fui um simples faxina no quartel, melhor dizendo, "um rafeiro de quartel", como haviam muitos, mas que durou por mais de 4 anos e que me deu a possibilidade de observar e de questionar muitas coisas que se passavam ao meu redor.
Sensibilizou-me bastante a descrição que acabas de fazer sobre os prisioneiros (***), facto verídico que eu posso confirmar pela minha própria experiência no quartel onde passei a minha infância.
Um abraço amigo,
Cherno Baldé
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(*) Vd. poste de 8 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16369: Em, bom português nos entendemos (14): a história da Cadi do dr. Adão Cruz e a expressão em crioulo "ka-misti" ou "n'ka-misti"(não quero) (Cherno Baldé, Bissaau)
(**) Último poste da série > 15 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16306: (In)citações (96): Nova Lamego, 15 de novembro de 1970, uma das noites mais longas das nossas vidas... Nós, miúdos, achamos que os nossos pais não choram, mas eu sei que também se chora em silêncio e sem lágrimas.... (Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE Barata, CCS/BCAÇ 2893, 1969/71)
(***) Vd.poste de 6 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16363: Os nossos médicos (88): Os prisioneiros (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)
Guiné 63/74 - P16370: Notas de leitura (867): O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2015:
Queridos amigos,
Questiono se no sistema educativo e nas regiões em que estas crianças portuguesas descendentes de guineenses se contempla a realidade de um processo cultural que ele experimentam em casa ou sabem que existe, nas terras dos seus ascendentes.
Esta terá sido uma experiência, parece-me ter sido uma boa escolha incluir Abdulai Sila e Fausto Duarte, o primeiro é indiscutivelmente o nome sonante das letras guineenses e o segundo foi alguém que prestou serviços admiráveis ao que eu hoje chamo cultura luso-guineense, foi grande publicista, deixou obra que merecia ser cuidadosamente apreciada, é um caso raro de zelo nos estudos guineenses.
Um abraço
do Mário
O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas
Beja Santos
No século passado, aí por 1996 ou 1997, o Grupo de Trabalho dos Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses organizou material de suporte sobre literaturas africanas de língua portuguesa, para os três ciclos. Eram coordenadores científicos do projeto Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas. O objetivo parece-nos óbvio: contribuir para o conhecimento de autores africanos de língua portuguesa, sugerir interpretações, apresentar leituras possíveis. No caso dos textos escolhidos para o terceiro ciclo de autores da Guiné-Bissau, os organizadores propuseram Abdulai Sila e Fausto Duarte, o primeiro com o excerto do seu livro “Eterna Paixão” e o segundo com o texto “Vamos à feira?” extraído do romance Auá, de Fausto Duarte.
O texto de Abdulai Sila foi uma escolha acertada, trata-se de uma narrativa de pendor urbano onde se apresentam conflitos entre dominador e dominado, mesmo num país que acedeu à independência. Tudo se inicia numa viagem de automóvel, alguém que regressa a casa, é um ponto de partida cinético, vigoroso: “Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar. Segurou firmemente o volante enquanto os pneus gemiam ruidosamente e amaldiçoou, mais uma vez naquele dia, os que haviam decidido alterar o trajeto daquela estrada, desviando-a do circuito a que estava habituado”.
E depois o autor incute ao personagem sensações, aproxima-nos: “Durante alguns instantes sentiu-se impelido a abraçar e a puxar para mais perto de si o volante. Progressivamente, este sentimento foi-se tornando mais intenso e, subitamente, sem se dar conta disso, atingiu o seu auge, provocando uma vontade irresistível de fechar os olhos”.
Ele é cooperante, chama-se Daniel, vive numa moradia soberba, a empregada chama-se Mbubi, já entrada nos anos, fora muito bela, a sua filha mais velha era uma menina mulata, de patrão branco. Apercebemo-nos que Daniel está a viver um mau bocado, o seu entristecimento é explícito, Mbubi procura interpretá-lo. O Daniel está no seu escritório, aqui é confrontado com o processo multicultural que corresponde ao seu caráter: “Como um visitante de museu, foi apreciando as diversas obras de arte africana que apaixonadamente expusera na sala de visitas. Cada uma daquelas peças tinha um valor particular para ele: os primeiros tempos da sua estadia naquele país. Às vezes recordava com certa nostalgia aqueles tempos, que pareciam já tão remotos, que marcavam a abertura de um capítulo novo da sua vida. Recordava-se da avidez que tinha em descobrir e manifestar a sua africanidade, de explorar e valorizar tudo o que a seus olhos se apresentava como genuinamente africano. E foi precisamente nesses momentos que foi juntando os quadros, as estatuetas de madeira e outros objetos de arte que hoje enchiam as paredes e davam um aspeto museico, como dissera um dos amigos da época, à sua sala”.
Daniel e Mbubi conversam até que chega a Senhora, ressalta imediatamente a tensão existente no casal. A Senhora chama-se Ruth que asperamente recusa uma dispensa a Mbubi, esta sente-se humilhada.
Começam aqui as leituras possíveis deste trecho do romance “Eterna Paixão”: um cooperante, obviamente bem instalado naquela sociedade africana, atravessa um período de sofrimento, a empregada negra tem por ele uma grande afeição, mostra solicitude, a patroa é sobrecarregada na descrição pela autoridade intolerante, o egoísmo e o espírito de dominação. A sensibilidade de Mbubi é mais forte que a tensão no casal, ela sabe que aquela casa não voltará a ser a mesma.
Passemos agora para o trecho de Fausto Duarte, um escritor e publicista injustamente esquecido, intitulado “Vamos à feira?”. Este autor cabo-verdiano procura ir direto aos tons que são devidos a um ambiente africano: “Gigantescos poilões, árvores de grande porte, salientam-se no mato que abraça a cidade.
Ali em baixo, num martelar incessante, artífices consertam barcos, de quilhas voltadas, impelidos para a praia lamacenta. São estaleiros improvisados em barracões imundos. No porto, apesar da chuva, entrava embarcações tripuladas por Manjacos, marinheiros habituados às inclemências do tempo, tendo por bússola o instinto.
Lá no alto, um grande núcleo confuso de palhotas: Chão dos Papéis.
Na Morcunda, bairro Fula de Bissau, havia sossego nas ruas sinuosas, enlameadas pela chuva que corria abundante. Os homens, acocorados sob os alpendres de capim, conversavam distraídos a olhar a garotada nua que se banhava ao ar livre.
No céu sombrio, cor de chumbo, abriam-se paulatinamente claridades hesitantes, manchas vagas coloridas de azul translúcido. A chuva terminara, finalmente. - Auá, vamos à feira? – convidou Farió à Fula que tinha chegado na véspera.
As duas mulheres levando algumas cabaças na mão, desceram à cidade.
Bissau era um novo espetáculo para os olhos dessa rapariga habituada ainda à paisagem uniforme do mato e à vida de Sare-Sincham. Contemplava admirada os grandes armazéns, escassamente iluminados, sempre no mesmo estilo de igrejas provisórias, onde trabalham dezenas de indígenas, limpando mancarra, ensacando coconote para carregarem potentes camiões. Automóveis fugiam velozes, e Auá receosa de tanto bulício, agarrava-se a Farió, que lhe indicava a melhor forma de caminhar pela rua, que se tornara quase intransitável”. E chegam ao mercado, descrito primorosamente por Fausto Duarte, uma autêntica água-forte de pessoas, produtos, atmosferas.
Certamente que os autores pretenderam mostrar a Auá, vinda do interior, confrontada com o bulício de Bissau e o seu mercado, a babel étnica, os gritos e as lutas verbais, no fundo ambientes que o aluno conhece e reconhece.
Será que estas experiências de mostrar literatura africana a quem tem avós, pais e outros familiares guineenses, contribuem para ganhos de identidade e orgulho numa vivência pluricultural e de solidariedade com os ancestrais, com todos aqueles que ficaram e que sofrem a tragédia do subdesenvolvimento? Era bom que soubéssemos por onde param estas experiências e quais os seus resultados.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16361: Notas de leitura (864): “A minha jornada em África”, por António Reis, Palavras e Rimas, Lda, 2015 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Questiono se no sistema educativo e nas regiões em que estas crianças portuguesas descendentes de guineenses se contempla a realidade de um processo cultural que ele experimentam em casa ou sabem que existe, nas terras dos seus ascendentes.
Esta terá sido uma experiência, parece-me ter sido uma boa escolha incluir Abdulai Sila e Fausto Duarte, o primeiro é indiscutivelmente o nome sonante das letras guineenses e o segundo foi alguém que prestou serviços admiráveis ao que eu hoje chamo cultura luso-guineense, foi grande publicista, deixou obra que merecia ser cuidadosamente apreciada, é um caso raro de zelo nos estudos guineenses.
Um abraço
do Mário
O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas
Beja Santos
No século passado, aí por 1996 ou 1997, o Grupo de Trabalho dos Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses organizou material de suporte sobre literaturas africanas de língua portuguesa, para os três ciclos. Eram coordenadores científicos do projeto Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas. O objetivo parece-nos óbvio: contribuir para o conhecimento de autores africanos de língua portuguesa, sugerir interpretações, apresentar leituras possíveis. No caso dos textos escolhidos para o terceiro ciclo de autores da Guiné-Bissau, os organizadores propuseram Abdulai Sila e Fausto Duarte, o primeiro com o excerto do seu livro “Eterna Paixão” e o segundo com o texto “Vamos à feira?” extraído do romance Auá, de Fausto Duarte.
O texto de Abdulai Sila foi uma escolha acertada, trata-se de uma narrativa de pendor urbano onde se apresentam conflitos entre dominador e dominado, mesmo num país que acedeu à independência. Tudo se inicia numa viagem de automóvel, alguém que regressa a casa, é um ponto de partida cinético, vigoroso: “Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar. Segurou firmemente o volante enquanto os pneus gemiam ruidosamente e amaldiçoou, mais uma vez naquele dia, os que haviam decidido alterar o trajeto daquela estrada, desviando-a do circuito a que estava habituado”.
E depois o autor incute ao personagem sensações, aproxima-nos: “Durante alguns instantes sentiu-se impelido a abraçar e a puxar para mais perto de si o volante. Progressivamente, este sentimento foi-se tornando mais intenso e, subitamente, sem se dar conta disso, atingiu o seu auge, provocando uma vontade irresistível de fechar os olhos”.
Ele é cooperante, chama-se Daniel, vive numa moradia soberba, a empregada chama-se Mbubi, já entrada nos anos, fora muito bela, a sua filha mais velha era uma menina mulata, de patrão branco. Apercebemo-nos que Daniel está a viver um mau bocado, o seu entristecimento é explícito, Mbubi procura interpretá-lo. O Daniel está no seu escritório, aqui é confrontado com o processo multicultural que corresponde ao seu caráter: “Como um visitante de museu, foi apreciando as diversas obras de arte africana que apaixonadamente expusera na sala de visitas. Cada uma daquelas peças tinha um valor particular para ele: os primeiros tempos da sua estadia naquele país. Às vezes recordava com certa nostalgia aqueles tempos, que pareciam já tão remotos, que marcavam a abertura de um capítulo novo da sua vida. Recordava-se da avidez que tinha em descobrir e manifestar a sua africanidade, de explorar e valorizar tudo o que a seus olhos se apresentava como genuinamente africano. E foi precisamente nesses momentos que foi juntando os quadros, as estatuetas de madeira e outros objetos de arte que hoje enchiam as paredes e davam um aspeto museico, como dissera um dos amigos da época, à sua sala”.
Daniel e Mbubi conversam até que chega a Senhora, ressalta imediatamente a tensão existente no casal. A Senhora chama-se Ruth que asperamente recusa uma dispensa a Mbubi, esta sente-se humilhada.
Começam aqui as leituras possíveis deste trecho do romance “Eterna Paixão”: um cooperante, obviamente bem instalado naquela sociedade africana, atravessa um período de sofrimento, a empregada negra tem por ele uma grande afeição, mostra solicitude, a patroa é sobrecarregada na descrição pela autoridade intolerante, o egoísmo e o espírito de dominação. A sensibilidade de Mbubi é mais forte que a tensão no casal, ela sabe que aquela casa não voltará a ser a mesma.
Passemos agora para o trecho de Fausto Duarte, um escritor e publicista injustamente esquecido, intitulado “Vamos à feira?”. Este autor cabo-verdiano procura ir direto aos tons que são devidos a um ambiente africano: “Gigantescos poilões, árvores de grande porte, salientam-se no mato que abraça a cidade.
Ali em baixo, num martelar incessante, artífices consertam barcos, de quilhas voltadas, impelidos para a praia lamacenta. São estaleiros improvisados em barracões imundos. No porto, apesar da chuva, entrava embarcações tripuladas por Manjacos, marinheiros habituados às inclemências do tempo, tendo por bússola o instinto.
Lá no alto, um grande núcleo confuso de palhotas: Chão dos Papéis.
Na Morcunda, bairro Fula de Bissau, havia sossego nas ruas sinuosas, enlameadas pela chuva que corria abundante. Os homens, acocorados sob os alpendres de capim, conversavam distraídos a olhar a garotada nua que se banhava ao ar livre.
No céu sombrio, cor de chumbo, abriam-se paulatinamente claridades hesitantes, manchas vagas coloridas de azul translúcido. A chuva terminara, finalmente. - Auá, vamos à feira? – convidou Farió à Fula que tinha chegado na véspera.
As duas mulheres levando algumas cabaças na mão, desceram à cidade.
Bissau era um novo espetáculo para os olhos dessa rapariga habituada ainda à paisagem uniforme do mato e à vida de Sare-Sincham. Contemplava admirada os grandes armazéns, escassamente iluminados, sempre no mesmo estilo de igrejas provisórias, onde trabalham dezenas de indígenas, limpando mancarra, ensacando coconote para carregarem potentes camiões. Automóveis fugiam velozes, e Auá receosa de tanto bulício, agarrava-se a Farió, que lhe indicava a melhor forma de caminhar pela rua, que se tornara quase intransitável”. E chegam ao mercado, descrito primorosamente por Fausto Duarte, uma autêntica água-forte de pessoas, produtos, atmosferas.
Certamente que os autores pretenderam mostrar a Auá, vinda do interior, confrontada com o bulício de Bissau e o seu mercado, a babel étnica, os gritos e as lutas verbais, no fundo ambientes que o aluno conhece e reconhece.
Será que estas experiências de mostrar literatura africana a quem tem avós, pais e outros familiares guineenses, contribuem para ganhos de identidade e orgulho numa vivência pluricultural e de solidariedade com os ancestrais, com todos aqueles que ficaram e que sofrem a tragédia do subdesenvolvimento? Era bom que soubéssemos por onde param estas experiências e quais os seus resultados.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16361: Notas de leitura (864): “A minha jornada em África”, por António Reis, Palavras e Rimas, Lda, 2015 (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P16369: Em, bom português nos entendemos (14): a história da Cadi do dr. Adão Cruz e a expressão em crioulo "ka-misti" ou "n'ka-misti"(não quero) (Cherno Baldé, Bissaau)
Comentário do Cherno Baldé ao poste P16356 (*)
[Foto à esquerda, Cherno Baldé, o nosso "agente" em Bissau (na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu, quadro superior com formação universitária na ex-URSS e em Portugal, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses, antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns)]....
Caros amigos,
Com algum atraso, mas esperando chegar a tempo de corresponder ao desejo de alguns amigos que pedem a minha opinião, aqui vai:
1. A tradução da Tabanca Grande (Editores) esta correcta. o "ka" ou "ca" é um prefixo que dá a forma negativa da palavra em crioulo da Guiné, mas que pode tomar certas variações, por ex: "ka-misti"="n'ka-misti" (não quero); "n'kana-bai" (não vou).
2. Quanto à história [do dr. Adão Cruz], devo dizer que, se se tratar de uma ficção, estou de acordo com a apreciação da malta em geral, mas se se tratar da descrição de um acontecimento factual, então eu teria algumas reservas, sobretudo no referente a descrição do contexto, pois o nome Cadi (de origem árabe, Cadijah) é pouco provável que fosse utilizado, naquela altura, pelo grupo Balanta (ver Balanta animista) e, mesmo que fosse, seria do grupo chamado Balanta-Mané, que por força de uma "colonização" ou assimilação Mandinga dos séculos anteriores à chegada dos europeus a África, é o mais próximo dos Muçulmanos, mesmo se muitos continuam nas práticas culturais dos seus antepassados animistas. Os Balanta-Mané habitam maioritariamente a região de Cacheu, áreas de Bigene, Barro, Binta e Guidage e a região de Óio (Bissorã e Farim).
O contexto utilizado como fundo da narrativa é um contexto plausível, na altura, para a zona leste ou algumas partes da zona sul (Aldeia Formosa, Guilege, Gadamael, etc.), onde a interação com a população decorria em condições mais amigáveis, mesmo se predominava a desconfiança, própria de uma guerra subversiva.
Com um abraço amigo,
Cherno Balde (**)
4 de agosto de 2016 às 11:25
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 2 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16356: Os nossos médicos (87): Cadi suma outra mulher (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)
(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15726: Em bom português nos entendemos (13): "Nhanhero" e não "nanheiro": é o nome para o instrumento fula, cordófono, do qual o Valdemar Queiroz "Embaló" contou aqui uma edificante história (Cherno Baldé, Bissau)
[Foto à esquerda, Cherno Baldé, o nosso "agente" em Bissau (na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu, quadro superior com formação universitária na ex-URSS e em Portugal, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses, antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns)]....
Caros amigos,
Com algum atraso, mas esperando chegar a tempo de corresponder ao desejo de alguns amigos que pedem a minha opinião, aqui vai:
1. A tradução da Tabanca Grande (Editores) esta correcta. o "ka" ou "ca" é um prefixo que dá a forma negativa da palavra em crioulo da Guiné, mas que pode tomar certas variações, por ex: "ka-misti"="n'ka-misti" (não quero); "n'kana-bai" (não vou).
2. Quanto à história [do dr. Adão Cruz], devo dizer que, se se tratar de uma ficção, estou de acordo com a apreciação da malta em geral, mas se se tratar da descrição de um acontecimento factual, então eu teria algumas reservas, sobretudo no referente a descrição do contexto, pois o nome Cadi (de origem árabe, Cadijah) é pouco provável que fosse utilizado, naquela altura, pelo grupo Balanta (ver Balanta animista) e, mesmo que fosse, seria do grupo chamado Balanta-Mané, que por força de uma "colonização" ou assimilação Mandinga dos séculos anteriores à chegada dos europeus a África, é o mais próximo dos Muçulmanos, mesmo se muitos continuam nas práticas culturais dos seus antepassados animistas. Os Balanta-Mané habitam maioritariamente a região de Cacheu, áreas de Bigene, Barro, Binta e Guidage e a região de Óio (Bissorã e Farim).
O contexto utilizado como fundo da narrativa é um contexto plausível, na altura, para a zona leste ou algumas partes da zona sul (Aldeia Formosa, Guilege, Gadamael, etc.), onde a interação com a população decorria em condições mais amigáveis, mesmo se predominava a desconfiança, própria de uma guerra subversiva.
Com um abraço amigo,
Cherno Balde (**)
4 de agosto de 2016 às 11:25
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 2 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16356: Os nossos médicos (87): Cadi suma outra mulher (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)
(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15726: Em bom português nos entendemos (13): "Nhanhero" e não "nanheiro": é o nome para o instrumento fula, cordófono, do qual o Valdemar Queiroz "Embaló" contou aqui uma edificante história (Cherno Baldé, Bissau)
Guiné 63/74 - P16368: Parabéns a você (1115): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16359: Parabéns a você (1114): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec. Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Alf Mil da CCAÇ 1420 (Guiné, 1965/67) e Cap Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Guiné, 1970/72)
domingo, 7 de agosto de 2016
Guine 63/74 - P16367: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte III: Buba, uma das terras mais bonitas que conheci
Fotos: © Adelaide Carrêlo (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Adelaide Carrelo | 26/07/2016
Assunto - A viagem pela minha Guiné
Olá Luís,
Esta viagem podia ser intitulada de "Branco umbelélé", esta era a saudação por quem passávamos ao longo das aldeias, pelas crianças principalmente.
À medida que nos afastávamos de Bissau, a paisagem abraçavamo-nos como irmãos que retornam. Os sorrisos das crianças eram mais sonoros e as mãos dos adultos mais demoradas nas nossas.
No dia 23 de Outubro conheci uma das terras mais bonitas da Guiné - Buba.
PS- Gostaria de te contar uma conversa que tive com um colega do meu filho de Bambadinca - ele diz que os poucos turistas que vão à Guiné, gostam de tirar fotos ao que há de mais desagradável, explorando a imagem do lixo, da pobreza, etc. Pelo respeito que tenho a esta GENTE, pelo amor que tenho a esta terra, pelo sonho de lá voltar, não esperem de mim tais imagens. Eu sou assim!!!
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Nota do editor:
Último poste da série > 26 de julho de 2016 >Guine 63/74 - P16333: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte II: Bissau Velho
Guiné 63/74 - P16366: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (14): O padre de Guidaje (imã)
1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 1 de Agosto de 2016:
Com votos de saúde, e de boa férias, tomo a liberdade de remeter mais um pequeno texto, que poderá ser inserido no Blogue.
Aproveito também a oportunidade para mandar ao Dr. Adão Cruz, médico do Batalhão 1887, a que pertenci, UM GRANDE ABRAÇO.
Domingos Gonçalves
MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546
O padre de Guidaje (imã)
O sacerdote da religião muçulmana é, talvez, a pessoa mais importante e mais influente de Guidage. É um homem virtuoso e bom. Para além da actividade religiosa propriamente dita, a que se dedica com muita devoção, ele é também o professor de árabe, que todos os dias vai ensinando à criançada os segredos da língua em que foi escrito o Sagrado Alcorão.
Como seria bom que existisse aqui, também, uma escola e um professor, onde estas crianças pudessem aprender, em simultâneo com o árabe, a língua portuguesa! Mas a nossa administração, infelizmente, nunca se preocupou com isso.
Mas o padre, dá gosto vê-lo, junto da sua casa humilde, rodeado de crianças que seguram nas mãos pequenas tabuinhas, onde vão escrevendo, com uma tinta preta, o alfabeto árabe, ou outros exercícios que, pacientemente, lhes vai ensinando.
Sob a capa de um homem simples, que de facto é, esconde-se uma personagem culta, conhecedora da história do seu povo. Às vezes falo com ele, sempre com muita seriedade, por forma a que das diferenças entre aquilo em que os dois acreditamos, nada surja que o possa magoar.
Recentemente ofereceu-se para me ensinar a língua árabe. Estive tentado a iniciar as lições. Todavia, porque não irei ficar por aqui o tempo suficiente para assimilar seja o que for, preferi não dar início ao estudo. Mas fica-me uma certa pena.
Em conversa recente dizia-me:
- Hoje são os portugueses que estão na Guiné e mandam nesta terra e neste povo. Mas não foi sempre assim. Tempos houve, já muito longínquos, em que foi o meu povo que mandou em Lisboa(1). Foi destas terras que partiu um conquistador poderoso que dominou pela força das armas todas as terras africanas a norte da Guiné, e chegou mesmo a mandar em Lisboa. Foi uma dominação quase que efémera, mas que aconteceu.
Ainda há pouco tempo fui convidado para ser o “padrinho” de uma menina recém nascida. E ele lá estava na cerimónia.
A dado momento, enquanto o sangue de uma galinha decepada jorrava para o chão, perguntaram-me o nome que dava à criança. E eu respondi:
- Quero que se chame Fátima. É um nome muito bonito.
E ele, o padre, respondeu-me:
- Sim! É um nome muito bonito! “Alfero” sabe. É o nome da filha do profeta. Trata-se do nome de uma grande mulher que todos veneramos e por quem temos muito respeito.
E acrescentou:
- O “Alfero”, ao escolher o nome já sabia que o povo ia gostar muito. E a menina, quando crescer, vai sentir-se orgulhosa do nome que o “alfero” lhe deu.
Em conversa recente lamentava-se:
- Quando a guerra começou a tropa dizia-nos que ao fim de três ou quatro anos tudo estaria terminado. Mas isso ainda não aconteceu. Os anos foram-se passando, e a guerra, em vez e terminar, tem continuado cada vez mais implacável e dura. E a paz não se vislumbra ainda no horizonte.
Com uma certa tristeza perguntava-me:
- “Alfero”... Esta guerra quanto tempo mais irá ainda durar? Este povo, quando voltará a ter paz? Todo este sofrimento a que o povo está sujeito, por quanto tempo ainda se prolongará?
Com alguma dificuldade respondi-lhe que esta guerra ainda vai durar muitos anos e que ninguém poderá vaticinar-lhe o fim.
Ele entende que nós, os que estamos aqui, não temos nas mãos o poder que permita decidir seja o que for nesta matéria, assim como ele, e o resto do povo, que também não têm voz activa em nada que respeite à definição do futuro desta terra e desta gente.
Ele entende, e bem, que o futuro de muitos é decidido pelo capricho de uns poucos, que indevidamente assumem e exercem um poder que ninguém lhes confiou. Quer nós, quer os turras, dizemos que é em nome do povo, e para bem do povo, que esta guerra se faz. Mas, ninguém perguntou ao povo o que de facto pretende, que futuro deseja ter. Todos pretendem falar em nome do povo. Todos pretendem actuar e fazer a guerra em nome desse mesmo povo. Todos mobilizam os filhos do povo para a guerra, colocando guinéus contra guinéus.
E o povo, esse, termina por não ter nada daquilo que precisa, destruindo-se mesmo ao lutar de um e do outro lados.
Nota:
(1) - Referia-se, penso eu, às invasões muçulmanas, dos almorávidas, provenientes do Norte de África
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15648: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil) (13): Dias 13 e 14 de Dezembro de 1967
Com votos de saúde, e de boa férias, tomo a liberdade de remeter mais um pequeno texto, que poderá ser inserido no Blogue.
Aproveito também a oportunidade para mandar ao Dr. Adão Cruz, médico do Batalhão 1887, a que pertenci, UM GRANDE ABRAÇO.
Domingos Gonçalves
MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546
O padre de Guidaje (imã)
O sacerdote da religião muçulmana é, talvez, a pessoa mais importante e mais influente de Guidage. É um homem virtuoso e bom. Para além da actividade religiosa propriamente dita, a que se dedica com muita devoção, ele é também o professor de árabe, que todos os dias vai ensinando à criançada os segredos da língua em que foi escrito o Sagrado Alcorão.
Como seria bom que existisse aqui, também, uma escola e um professor, onde estas crianças pudessem aprender, em simultâneo com o árabe, a língua portuguesa! Mas a nossa administração, infelizmente, nunca se preocupou com isso.
Mas o padre, dá gosto vê-lo, junto da sua casa humilde, rodeado de crianças que seguram nas mãos pequenas tabuinhas, onde vão escrevendo, com uma tinta preta, o alfabeto árabe, ou outros exercícios que, pacientemente, lhes vai ensinando.
Sob a capa de um homem simples, que de facto é, esconde-se uma personagem culta, conhecedora da história do seu povo. Às vezes falo com ele, sempre com muita seriedade, por forma a que das diferenças entre aquilo em que os dois acreditamos, nada surja que o possa magoar.
Recentemente ofereceu-se para me ensinar a língua árabe. Estive tentado a iniciar as lições. Todavia, porque não irei ficar por aqui o tempo suficiente para assimilar seja o que for, preferi não dar início ao estudo. Mas fica-me uma certa pena.
Em conversa recente dizia-me:
- Hoje são os portugueses que estão na Guiné e mandam nesta terra e neste povo. Mas não foi sempre assim. Tempos houve, já muito longínquos, em que foi o meu povo que mandou em Lisboa(1). Foi destas terras que partiu um conquistador poderoso que dominou pela força das armas todas as terras africanas a norte da Guiné, e chegou mesmo a mandar em Lisboa. Foi uma dominação quase que efémera, mas que aconteceu.
Ainda há pouco tempo fui convidado para ser o “padrinho” de uma menina recém nascida. E ele lá estava na cerimónia.
A dado momento, enquanto o sangue de uma galinha decepada jorrava para o chão, perguntaram-me o nome que dava à criança. E eu respondi:
- Quero que se chame Fátima. É um nome muito bonito.
E ele, o padre, respondeu-me:
- Sim! É um nome muito bonito! “Alfero” sabe. É o nome da filha do profeta. Trata-se do nome de uma grande mulher que todos veneramos e por quem temos muito respeito.
E acrescentou:
- O “Alfero”, ao escolher o nome já sabia que o povo ia gostar muito. E a menina, quando crescer, vai sentir-se orgulhosa do nome que o “alfero” lhe deu.
Em conversa recente lamentava-se:
- Quando a guerra começou a tropa dizia-nos que ao fim de três ou quatro anos tudo estaria terminado. Mas isso ainda não aconteceu. Os anos foram-se passando, e a guerra, em vez e terminar, tem continuado cada vez mais implacável e dura. E a paz não se vislumbra ainda no horizonte.
Com uma certa tristeza perguntava-me:
- “Alfero”... Esta guerra quanto tempo mais irá ainda durar? Este povo, quando voltará a ter paz? Todo este sofrimento a que o povo está sujeito, por quanto tempo ainda se prolongará?
Com alguma dificuldade respondi-lhe que esta guerra ainda vai durar muitos anos e que ninguém poderá vaticinar-lhe o fim.
Ele entende que nós, os que estamos aqui, não temos nas mãos o poder que permita decidir seja o que for nesta matéria, assim como ele, e o resto do povo, que também não têm voz activa em nada que respeite à definição do futuro desta terra e desta gente.
Ele entende, e bem, que o futuro de muitos é decidido pelo capricho de uns poucos, que indevidamente assumem e exercem um poder que ninguém lhes confiou. Quer nós, quer os turras, dizemos que é em nome do povo, e para bem do povo, que esta guerra se faz. Mas, ninguém perguntou ao povo o que de facto pretende, que futuro deseja ter. Todos pretendem falar em nome do povo. Todos pretendem actuar e fazer a guerra em nome desse mesmo povo. Todos mobilizam os filhos do povo para a guerra, colocando guinéus contra guinéus.
E o povo, esse, termina por não ter nada daquilo que precisa, destruindo-se mesmo ao lutar de um e do outro lados.
Nota:
(1) - Referia-se, penso eu, às invasões muçulmanas, dos almorávidas, provenientes do Norte de África
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15648: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil) (13): Dias 13 e 14 de Dezembro de 1967
Guiné 63/74 - P16365: Blogpoesia (464): "De andarilho" e "O mês de Agosto...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Mais dois belíssimos poemas do nosso camarada Joaquim Luís
Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), dos que nos vai enviando ao longo da semana, e que nós recebemos e publicamos com prazer:
De andarilho...
- Perna boa à frente.
A má atrás.
E o contrário, para trás!
Me ensinou veementemente,
a jovem terapeuta negra,
esta manhã.
Assim começou a minha primeira aula de andarilho.
Nunca pensei precisar, um dia, de um andarilho.
Sem pressas...
Numa corda bamba,
O abismo ao fundo,
À velocidade de 5 metros por minuto.
Recomecei nova etapa da minha vida.
Dá para tudo a lentidão.
Até para pensar que ninguém vale nada,
dum momento para o outro.
Carlos Lopes ou Rosa Mota...
Se uma artrose nos tolher os passos
e nos martirizar a vida.
É preciso extirpar os ossos reles
e recorrer a uns de massa ou ferro,
à força de muita martelada,
para tudo ficar no sítio.
O que vale é que o corpo
não faz cerimónias
e aceita tudo.
O que lhe dão,
a bem ou a mal,
para bem do dono.
Depois, devota-se a um trabalho oculto
de assimilação.
Vai grudá-los,
como se fossem de osso
e, ao cabo duns meses,
é tudo já uma família que se dá bem.
E vai fora o andarilho!
Pelo menos, assim o creio e espero...
Parque das Nações, Clínica da Cuf,
6 de Agosto de 2016
enquanto ali à frente, os teleféricos se divertem num vai e vém constante, mirando o Tejo
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
O mês de Agosto…
Ai, os sabores que me traz
O primeiro de Agosto!...
O mês do calor sem ferir
E do sol a brilhar.
Da praia a valer
Nas póvoas do mar.
Das uvas com cor
E passaredo a cantar.
Os foguetes subindo
As bandas tocando.
O mundo em festa
E o Minho também.
Senhora da Guia!
Rainha dos mares.
Senhora da Penha,
Ali à beirinha,
Nasceu Portugal.
Tocam as noras,
Searas verdinhas.
Andorinhas pelo chão,
Espalhando alegria.
São longos os dias
Para podermos brincar.
As noites estreladas,
Banhadas de lua.
Que geometria mais bela,
Espalhada no céu,
Luzindo a prata.
Que histórias tão lindas,
Nos contava o avô,
Na soleira das portas!...
Tapada de Mafra, 1 de Agosto de 2016
7h27m
Amanhecer cinzento
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
____________
Nota do editor
Último poste da série de 31 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16350: Blogpoesia (463): "Tapada real" e "Claudio Abado...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
De andarilho...
- Perna boa à frente.
A má atrás.
E o contrário, para trás!
Me ensinou veementemente,
a jovem terapeuta negra,
esta manhã.
Assim começou a minha primeira aula de andarilho.
Nunca pensei precisar, um dia, de um andarilho.
Sem pressas...
Numa corda bamba,
O abismo ao fundo,
À velocidade de 5 metros por minuto.
Recomecei nova etapa da minha vida.
Dá para tudo a lentidão.
Até para pensar que ninguém vale nada,
dum momento para o outro.
Carlos Lopes ou Rosa Mota...
Se uma artrose nos tolher os passos
e nos martirizar a vida.
É preciso extirpar os ossos reles
e recorrer a uns de massa ou ferro,
à força de muita martelada,
para tudo ficar no sítio.
O que vale é que o corpo
não faz cerimónias
e aceita tudo.
O que lhe dão,
a bem ou a mal,
para bem do dono.
Depois, devota-se a um trabalho oculto
de assimilação.
Vai grudá-los,
como se fossem de osso
e, ao cabo duns meses,
é tudo já uma família que se dá bem.
E vai fora o andarilho!
Pelo menos, assim o creio e espero...
Parque das Nações, Clínica da Cuf,
6 de Agosto de 2016
enquanto ali à frente, os teleféricos se divertem num vai e vém constante, mirando o Tejo
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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O mês de Agosto…
Ai, os sabores que me traz
O primeiro de Agosto!...
O mês do calor sem ferir
E do sol a brilhar.
Da praia a valer
Nas póvoas do mar.
Das uvas com cor
E passaredo a cantar.
Os foguetes subindo
As bandas tocando.
O mundo em festa
E o Minho também.
Senhora da Guia!
Rainha dos mares.
Senhora da Penha,
Ali à beirinha,
Nasceu Portugal.
Tocam as noras,
Searas verdinhas.
Andorinhas pelo chão,
Espalhando alegria.
São longos os dias
Para podermos brincar.
As noites estreladas,
Banhadas de lua.
Que geometria mais bela,
Espalhada no céu,
Luzindo a prata.
Que histórias tão lindas,
Nos contava o avô,
Na soleira das portas!...
Tapada de Mafra, 1 de Agosto de 2016
7h27m
Amanhecer cinzento
Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor
Último poste da série de 31 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16350: Blogpoesia (463): "Tapada real" e "Claudio Abado...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
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