domingo, 30 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16656: Tabanca Grande (497): José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nosso 731.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada, e novo amigo, José Peixoto (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74), com data de 28 de Setembro de 2016:

Caro veterano, Luís Graça.
Peço perdão por esta ousadia, mas é facto que necessito de uma informação.
O meu nome é José Peixoto, resido na área de V. N. de Famalicão,  ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74.
Há dias, numa consulta ao vosso/nosso blogue, fiquei um tanto quanto surpreendido relativamente a algumas situações de guerra que se desenvolveram nos anos acima referidos, e bem assim naquela região ali expressas pelo ex-Furriel Jorge Araújo da CART 3494, tais como o desconhecimento das circunstâncias da morte do então saudoso Furriel Pinto Soares[1] (que era seu amigo), o derrube do Fiat G91, entre outros.
Dado serem situações por mim vividas a poucos metros do local, e possuindo eu um "Arauto da Verdade", por mim escrito já há alguns anos com a finalidade de preservar ideias num futuro, e só familiar, perguntava? Todas as respostas à realidade dos acontecimentos se encerem em cerca de 12 ou 13 páginas, muito gostaria com a vossa anuência se for o caso, de as ver expressas no nosso blogue.
Caso as envie para este e-mail, poderei ficar com a convicção de as ver publicadas?

Aguardo na expectativa as vossas orientações.
O meu muito obrigado
jspeixoto

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CANQUELIFÁ ERA O SEU NOME


Os abutres chegaram depois, nome carismático que rasgou horizontes por toda a província da Guiné, e à medida que o tempo passava sem grandes sobressaltos, até finais do ano de1972, aqui já éramos considerados pela população africana, não de “periquitos”, mas sim de “velhice”.

Caros veteranos:
A todos aqueles que tendo cumprido um dever de cidadania, mesmo sendo este de causas desconhecidas, quero aqui deixar um forte abraço sem qualquer exceção.

Ainda não me apresentei, vou fazê-lo:
Meu nome: José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/1974.
Na atualidade: ex-Inspetor da CP (reformado desde 2013), casado, a residir na área de V. N. de Famalicão.

Canquelifá, março de 1973 - Com a companheira de guerra, de seu nome “Eufrásia”

Atualmente

Caríssimos:
Volvidos que foram 42 anos, só agora entendi não deixar passar esta oportunidade, contribuindo assim desta forma para o enriquecimento do nosso Blogue coletivo. Sempre fui pessoa de choro fácil, dificultando-me por vezes de exercitar a memória.

Senti-me um tanto ou quanto penhorado quando há dias visitei o nosso Blogue, e li toda a introdução deixada pelo seu autor Jorge Araújo, ex-Furriel Mil da Cart3494, a quem quero aqui deixar muito particularmente um forte abraço, pelo facto de se ter ocupado dos acontecimentos de Canquelifá, concretamente a respeito da morte do então saudoso Furriel Luís Filipe Soares. Com efeito, destaco a incerteza dos pormenores, conforme referido em “OS ACONTECIMENTOS DE JANEIRO DE 1974” (em CANQUELIFÁ) relativo às circunstâncias que envolveram a sua morte. 

O Luís Filipe Soares, que também era meu amigo, pois é facto que assentámos praça juntos no RI7-LEIRIA na recruta de então, para apuramento dos militares cujo seguimento seria o Curso de Sargentos Milicianos”. Dado na altura eu possuir o 4.º ano industrial, e tendo corrido menos bem as provas de seleção, fui considerado não apto, tendo ele seguido em frente na sua formação.
Reencontrámo-nos em Abrantes, e por ironia do destino estávamos mobilizados para a mesma Província e Companhia.



Para além das suas ausências de Canquelifá, conversávamos com alguma regularidade, pois tratava-se efetivamente de pessoa afável.

O dia 6 de janeiro de 1974 foi o dia fatídico para o Soares, que ficará para sempre na minha/nossa memória.

Após os ataques consecutivos que antecederam os dias 2; 3; 4 e 5 a Canquelifá, cuja hora de início das flagelações foi variável, no dia 06, iniciaram-se cerca das 17h30, com intervalos de bombardeamentos compreendidos entre 10 a 15 minutos. Sendo estimado na altura cerca de 40 a 50 foguetões disparados durante todo o período da flagelação à mistura com o morteiro 120.

Cerca das 22h30 encontrava-me no abrigo de transmissões, e bem assim o nosso não menos saudoso Capitão Peixinho Cristo, entre outro pessoal de Transmissões, quando surge ao cimo das escadas térreas do referido abrigo o nosso guia Africano Anso Sané exclamando:
- Nosso Capitão “muri-lá” nosso furriel Soares, abrigo 1.

Anso Sané, em traje domingueiro 

O Anso Sané, aos olhos de quantos privaram com ele, tratava-se de uma excelente pessoa em que com a intenção de nos proporcionar uma boa ajuda, durante o desenrolar dos ataques que sofremos, calcorreava “a pé descalço” toda a periferia do aquartelamento, por sistema, a fim de se inteirar das situações ao longo dos abrigos, trazendo as notícias à chefia.

O Soares encontrava-se na vala do lado norte do referido abrigo n.º 1, próximo a si refugiava-se também o “puto africano” ou seja, o impedido daquele abrigo, que tinha por missão levantar as refeições junto da cozinha que funcionava no centro, tal como arrumar o refeitório após a tomada das mesmas pelos militares daquele abrigo, tendo sido também ceifada a sua vida, com o mesmo míssil.
De referir também outros feridos daquele abrigo, pois já não recordo com exatidão.

Soares tinha chegado a Canquelifá cerca de 3 ou 4 dias antes da sua morte, após o gozo de férias na metrópole, tendo ficado retido em Bissau durante um ou mais meses por motivo de não haver transporte para Canquelifá, tendo chegado por fim, numa coluna de abastecimento.

Relativo à incidência que alude no trajeto da sua urna até Bissau, sinceramente, que me recorde?.. Também foi notícia para mim.

Caro Jorge Araújo, espero desta forma ter contribuído para algum desmistificar do acontecido: O nosso amigo Filipe Soares não tombou em confronto direto com as tropas do PAIGC, mas durante o ataque, tendo neste sido utilizado foguetões e morteiro 120, perpetrado ao aquartelamento de Canquelifá.

Retrocedendo nos acontecimentos, e bem assim no tempo recordando desta forma o dia 3 de janeiro de 1974, cerca das 16h00, o aquartelamento começou a ser flagelado com um tipo de arma, que para nós era nova, pois tratava-se na realidade dos misseis, cujo términos da ação já foi de noite.
As consequências foram terríveis, sem explicação.

Descrever os chamados “horrores da guerra“ que estavam a ter o seu ponto alto, não é tarefa fácil, pois durante o desenrolar da flagelação foram-se criando alguns focos de incêndio na zona da população/tabanca, tendo-se desenvolvido ao longo de todo o aldeamento, que mais se assemelhava ao fim do mundo ou a um filme de terror, provavelmente um holocausto.
 
Estamos a falar de uma área estimada em cerca de 1,1 km de cumprimento por 500 m de largura em que toda a tabanca era combustível para alimentar as chamas, tornando-se o ar irrespirável.

De lembrar que toda a colheita da mancarra (amendoim) daquela época se encontrava arrecadada em grandes quantidades no interior de círculos formado por esteiras seguras na vertical por estacas, ao lado da tabanca de cada proprietário, a aguardar a sua venda, para desta forma ser realizado algum capital, dando esta ainda maior consistência ao fogo deflagrado.

Para quem não possa imaginar, o amendoim é tão combustível como se de algum derivado petrolífero se tratasse, volvidas que foram cerca de duas semanas após os acontecimentos, ainda havia focos de chamas alimentadas pelos resíduos amontoados do amendoim.

Fotografia extraída do nosso blogue! Creio bem da autoria do então Alferes Henriques. Apenas com a intenção de documentar a situação.

Dia 4 e 5 de janeiro de 1974

Perante a situação anteriormente descrita, uma grande percentagem da população abandonou Canquelifá, tendo permanecido apenas 3 ou 4 “putos lava-pratos” de alguns abrigos, mais fiéis, entre eles o Ernesto Somaila Sané que era filho do Régulo da zona da Pachisse, tendo este sempre rodeado o pessoal de Transmissões.

No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545) aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres. No grupo estavam incluídos os artilheiros, apresentando-se no abrigo de Transmissões no qual se encontrava o nosso comandante Capitão Peixinho Cristo.
 
Perante tal situação, todo o pessoal que se encontrava na área das transmissões, ficou aturdido, sem saber o que se estava a passar, facto estar ali toda a companhia reunida! Após alguns minutos de conversa com o Capitão, logo se ficou a saber que cuja intenção era de abandonar Canquelifá.

A intenção não passou disso mesmo pelo facto de o Capitão ter pedido alguma calma, descendo ao posto de transmissões no qual estabeleceu contacto com Nova Lamego e desta creio a Bissau. Com quem falou não me apercebi, apesar de estar junto, a resposta que lhe foi dada também não sei, apenas sei que na posse do que lhe foi dito/prometido, subiu ao cimo do abrigo de transmissões onde aguardava toda a companhia e disse:
- Rapazes, é uma virtude confiar nos chefes. Vamos todos para os abrigos mais uns dias.

E assim foi, pois toda a companhia recolheu aos seus abrigos de armas e bagagens reconhecendo a Liderança e Motivação de um chefe. Honra lhe seja feita.

Caros veteranos, a todos quantos possam ler todo este meu sintetizar de uma guerra que não acabou!

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Ao longo de todo o blogue da guerra na Guiné, (belíssimo trabalho realizado), não posso deixar de referir relativamente aos acontecimentos de Canquelifá, 1972/74, em que há efetivamente uma descrição quase real das situações, mesmo tendo em conta que uma grande parte dessas afirmações são feitas por pessoas que ouviram falar ou estiveram perto, apenas algumas datas não são muito coincidentes.
No entanto outras sim marcaram na realidade a nossa mente. Tal como o dia 31 de janeiro de 1974, em que depois de um início de tarde de fortes bombardeamentos a Canquelifá, foi pedido o apoio aéreo a Bissau, tendo chegado cerca das 17h30 a denominada parelha dos Fiats G-91.

Após o contacto com os pilotos via rádio pelo nosso saudoso Capitão Peixinho Cristo, e lhes ter transmitido as coordenadas pretendidas, retiradas do mapa da área “Pachisse” (mapa que se encontrava sempre estendido em cima da mesa do abrigo de transmissões nas alturas de crise), a fim de ser feito o respetivo tiro.
Iniciada a picagem pela primeira aeronave, verificou-se que o objetivo tinha sido alcançado. Para além de se ouvir o rebentamento da granada, assistiu-se a olho nu ao retomar da altitude da referida aeronave e consequente progressão.
De salientar que esta manobra um tanto quanto acrobática, se me é permitido esta classificação, estava a ser levada a cabo a uma distância compreendida entre abrigo de transmissões e o local da operação, na ordem de 1,5 a 2,0 km, mais precisamente junto a Sinchã Jidé

Infogravura para melhor compreensão

Eu encontrava-me ao cimo do abrigo de transmissões, acompanhado de 3 ou 4 camaradas também pertencentes aquela arma, a testemunhar o desenrolar dos acontecimentos.
A segunda aeronave aproximou-se do local da coordenada pedida, um pouco mais a norte, (entenda-se mais para a direita, lado do Senegal em relação à primeira) iniciando a manobra de picagem, não mais sendo vista.
Quem teve a oportunidade de testemunhar no local, deve recordar com certeza, não só o barulho ensurdecedor da explosão, tal como as chamas vivas, à mistura com o fumo negro que pairou durante vário tempo nos céus entre Canquelifá e Sinchã Jidé, tendo como causa a explosão da aeronave (FIAT G91).

Com efeito, de imediato foi comunicado por mim, o que acabara de ser constatado, ao Capitão Peixinho Cristo, que se encontrava ao fundo no posto de transmissões a acompanhar as comunicações do momento, estando estas a serem difundidas em canal aberto com outras entidades. 
Este, na posse dos elementos do alfabeto fonético atribuído oficialmente aos intervenientes da operação aérea, chegados em mensagem, e já utilizados aquando da transmissão das coordenadas pretendidas, ou seja de onde provinham as flagelações do PAIGC, efetuou vários chamados via rádio. Em procedimento, não me recordo as letras atribuídas, como será evidente, no entanto a título de exemplo, como é óbvio o diálogo entre o Capitão e os pilotos:

Capitão:
- Aqui maior de SIERRA / GOLFE, chama maior de ALFA / BRAVO, escuto!
Piloto:
- Afirmativo, aqui maior de ALFA BRAVO, escuto!

Realizadas várias chamadas sem obter qualquer resposta? (…). Surge o contacto (informação) do piloto da primeira aeronave que já se encontrava a sobrevoar noutra área mais afastada com destino a Bissau!..

- Aqui maior de ????
- Info: maior de ???? foi atingido míssil; - conseguiu ejetar-se.

Nada mais transpareceu sobre este dramático acontecimento para além de volvidos que foram alguns minutos, foi recebido uma mensagem do Comando-Chefe de Bissau a corroborar esta afirmação - Que a aeronave Fiat G.91 tinha sido atingida por um míssil e que o piloto, Tenente Castro Gil, se tinha ejetado.

A referida mensagem chegou a Canquelifá classificada de “ZULO”, ou seja, grau de urgência máximo em despacho, classificação no exército ao tempo.


Dia 1 de Fevereiro de 1974 

Pelas 06h00 da manhã, aterram na pista de Canquelifá cerca de 8 ou 10 hélis de transporte, trazendo um número indeterminado de tropas, (creio paraquedistas e outros) assim como mais 2 helicanhões armados com canhão MG 20mm de bala explosiva.
A sua intrusão no interior da mata foi imediata no sentido Sinchã Jidé e Copá. A intenção era localizar o piloto então ejetado naquela aérea no dia anterior, (31 de janeiro) de quem nada se sabia.
A progressão no terreno era acompanhada pelos dois helicanhões que não tinham regressado a Nova Lamego, ficando para o efeito.

A transmissão entre a tropa no terreno e o referido apoio aéreo, era feito em canal aberto, quero dizer, era audível toda a comunicação entre os intervenientes, no nosso posto de rádio em Canquelifá. 

Cerca das 15h00, uma chamada para a tropa em progressão de um dos pilotos disse:
- Ao descer um pouco mais o héli junto à copa da árvore que se encontra no trajeto à vossa frente, pareceu-me ver algo de estranho!.. Tenham cuidado.

Com esta chamada de atenção do piloto, a tropa acabou por detetar um veículo abandonado, tratando-se de uma ambulância de origem Russa.

Alertado o Comando-Chefe, foi dada ordem a Nova Lamego para fazer seguir para o local pessoal helitransportado especializado em minas e armadilhas, com a intenção de analisarem se a mesma estaria armadilhada.
Dado que nada se confirmou sobre a suspeição, foi recebida ordem para seguir com a mesma para Copá.
O trajeto foi complicadíssimo, apesar do apoio simultâneo dos hélis na informação da picada a ser seguida, pois poderia haver eventual obstrução da mesma, mais à frente, relativo à densidade de árvores, evitando assim o retroceder do itinerário.
Tudo foi levado a cabo com o maior rigor, sabedoria e abnegação, chegando-se a Copá já altas horas da noite sem qualquer incidente ou acidente.

Mas, o mais importante de todo este desenrolar de cenário de guerra crua ainda não acabou.

Desviei-me um pouco do principal raciocínio que originou a referida operação, que era encontrar o piloto desaparecido no dia anterior, apenas com a intenção de seguir uma cronologia dos acontecimentos.
O facto, é que enquanto as tropas no terreno se ocupavam em levar a sua operação a bom porto, foi por mim rececionada, cerca das 16h00, quando me encontrava no meu turno de operador de serviço, uma chamada através do AVP-1, na posse da Milícia Africana, que fazia parte do destacamento de Dunane, a seguinte informação: 

Após o OK, foi transmitido: Está aqui pessoal branco.
Ainda tentei questionar, mas é facto que se encontrava junto o Capitão Cristo, pedindo-me para lhe passar o rádio, fazia questão ser ele a entender-se.

Com toda a sua perspicácia de líder de guerra, logo lançou a pergunta:
- O pessoal branco tem boné?..
- Sim.
- Ele que fale ai ao rádio.
- Ele não fala, já vai na bicicleta para Piche.

Terminada a transmissão, de imediato foi dado conhecimento ao Comando a Nova Lamego, tendo sido decidido que um dos helicanhões que se encontrava a dar apoio na outra frente às tropas envolvidas naquele momento com a retirada da ambulância, fosse a Dunane confirmar ou não a notícia difundida pelo Milícia.

Confirmado pelo piloto de que se tratava efetivamente do camarada, tentou recolhê-lo em plena picada, pois este já seguia em direção à sede de Batalhão (Piche), fazendo-se transportar numa bicicleta, acompanhado de um africano que se posicionava na sua frente, compreenda-se sentado no quadro da bicicleta pertença do mesmo.
De seguida, este piloto, contente por encontrar o seu camarada vivo, passou a informação ao piloto que operava junto às tropas em progressão, confirmando-lhe que era o piloto Castro Gil. Repartindo desta forma o contentamento, deram os dois início a uma canção que presumo ser algum hino de então, da Força Aérea: Oh santa miraculosa, tirai-nos desta merda!!!

Não tive a oportunidade de memorizar o restante da letra, pois ouviu-se logo uma voz poderosa mais parecida com voz de comando (que o era) dizendo:
- Aqui maior de ?? ?? - Não havendo mais continuidade do diálogo entre os pilotos. 

Posteriormente veio-se a saber, que o piloto Castro Gil, após se ter ejetado, passou toda a noite em cima de uma árvore, e ao nascer do dia, passava por ali um Africano de bicicleta, tendo- lhe pedido boleia, o que logo acedeu.
Uma saca de laranjas fazia parte da sua bagagem que também repartiu com o seu novo companheiro de viagem.
Quando da chegada à sede do Batalhão (Piche), depois de uma autêntica odisseia que já durava há vinte e quatro horas, pediu ao então Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel Dantas, a importância de 1000 pesos, entregando-os como recompensa do transporte e partilha das laranjas, ao Africano.

Do assunto nada mais ouvi falar. No entanto as flagelações a Canquelifá continuaram, sem ter havido qualquer apoio aéreo.
Estávamos no mês de fevereiro 1974, que foi marcado por ataques diários.
A intenção de todos os operacionais em abandonar o aquartelamento, cada dia que passava ganhava mais consistência.

Março 1974 - Continuação dos ataques a partir do dia 5 com alguns interregnos.

Dia 17 de março de 1974 - Início das flagelações às 14h00, com incidência de tiro sobretudo para o lado da “Mata Sagrada”.
Cerca das 15h30, destruído o abrigo 12, e morte do Furriel Rosa ao ser atingido pelos estilhaços de uma granada de morteiro 120mm que rebentou na copa de uma árvore junto ao referido abrigo, quando este se encontrava à porta do mesmo. Desconheço se foi esta mesma granada, ou outra, que provocou a destruição do abrigo.

O Furriel Rosa foi trazido do local para a Enfermaria, num Unimog, tendo-lhe sido ministrados os primeiros socorros, tendo permanecido em cima de uma maca até à chegada do meio aéreo que aterrou em espaço aberto, mesmo junto à Enfermaria, sendo então evacuado para Bissau. 


Dia 21 março 1974, grande operação denominada “NEVE GELADA”

Com base no cansaço, pois o desgaste físico de todos nós era evidente, o inimigo cada vez mais massacrava e incrementava as suas operações a Canquelifá e áreas limítrofes, eis que surge o tão esperado apoio de 3 companhias de comandos africanos com o fim de limpar as áreas afetadas.

Às 13h00 do referido dia 21, entrada pela porta principal, abrigo 1, em coluna apeada.
A primeira companhia dirigiu-se à porta situada no lado “Mata Sagrada”, sentido Chauará, local onde era suposto o IN ter instalado a sua base de lançamento dos mísseis, saindo por esta para o exterior.
A segunda companhia dirigiu-se à porta de acesso à pista junto ao abrigo 5, sentido Sinchã Jidé, local onde era suposto o IN ter instalado o seu poderio dos mosteiros 120mm, saindo para o exterior.
A terceira companhia ficou instalada junto ao abrigo de transmissões, de reserva, aproveitando a sombra de uma velha e grande laranjeira, cujo fruto não se podia comer, por ser muito amargo.

Volvidas que foram cerca de duas horas após a saída das duas companhias para o exterior de Canquelifá, 15h00, foi ouvido o rebentar de um tiroteio de armas ligeiras, à mistura com algumas morteiradas. Naquele preciso momento encontrava-me a circular sentado na caixa de um unimog, tendo por companhia o enfermeiro Paiva, de quem eu tinha recebido um convite, apenas com a intenção de curtir, tal como era usual dizer-se. A finalidade era ir a uma tabanca, para o lado do abrigo 2, buscar uma “bajudinha” que se encontrava com o paludismo para ser tratada na Enfermaria.
A nossa primeira reação foi a de sempre, saltar da viatura e procurar alguma proteção debaixo da mesma, durante o desencadear do tiroteio, estimado em cerca de 10 a 15 minutos.
A evacuação da “bajudinha” já não foi concretizada, logo retrocedemos no itinerário para o denominado centro do aquartelamento.
Nesta fase ainda se ouviam alguns tiros esporádicos.

Dirigi-me ao abrigo de transmissões no qual se encontrava entre outros o então Major Raul Folques, procurando junto do militar responsável pelas transmissões no terreno, inteirar-se efetivamente do que se estava a passar.
A primeira ordem que este Homem de Guerra transmitiu, honra lhe seja feita pelo trabalho coordenado, foi a saída imediata da companhia que se encontrava de reserva junto ao posto de rádio, pela porta de armas de acesso à pista sentido Sinchã Jidé.

À medida que o tempo passava, eram recebidas informações via rádio do resultado obtido pelas duas fações, que indicavam um número indeterminado de baixas ao IN, bem assim como material capturado.

Às 17h10, de uma tarde marcante, fazendo paralelo com as fiadas do arame farpado que dividiam o aquartelamento da vegetação, lado Mata Sagrada, começou-se a avistar a chegada de uma das companhias, trazendo consigo aquilo a que se poderia chamar troféus de guerra, exatamente 22 corpos transportados em cima de macas improvisadas de ramos de árvores.
O estado dos seus corpos era sobretudo confrangedor e arrepiante, membros dependurados, cabeças dilaceradas, uns quantos ainda com parte do uniforme, outros completamente nus.

Chegados às imediações, a população saiu pela porta de armas ao encontro dos militares, pontapeando os corpos. Esta talvez fosse a única forma de vingança pelas mortes causadas aos seus entes queridos, em ataques anteriores.

Quando já dentro do aquartelamento, foi dada ordem para que todos os corpos fossem encaminhados para a Mesquita de Canquelifá, local de culto no qual os homens grandes praticavam as suas orações, virados para Meca.
Para efetuar a segurança durante a noite, foi escalado um pelotão da nossa companhia.

Às 17h30, quando tudo estava aparentemente calmo, eis que surge novo ataque de curta duração com misseis, procurando assim destruir o pouco que ainda restava, como retaliação pelas suas baixas há duas ou três horas.

Às 18h00, e a pedido do então Alferes Henriques, foram reunidos uns quantos militares, de caráter voluntário, para fazer segurança a 3 viaturas (2 Unimogs e 1 Berliet) na ida ao local do confronto para recuperação do material capturado. Eu também fiz parte deste grupo de voluntários, à semelhança do nosso presado cantineiro José Esteves, a residir para os lados de Vila Real, que para os amigos reservava sempre no canto mais à direita da arca frigorífica, aquela “bazuca” fresquinha.

Ordem de partida foi dada. - Saída pela porta de armas lado pista de aterragem dos meios aéreos, abrigo 5.

Após progressão na ordem de 1,5 km foi desencadeado novo tiroteio. Toda a coluna parou para se poder proteger, de realçar o facto de já nos encontrarmos perto do local onde se tinha dado o conflito. Sem sabermos o que de facto estava a acontecer, procurei estabelecer contacto com o posto de rádio de Canquelifá, o que só foi possível volvido algum tempo, o suficiente para o alferes Henriques se zangar, e num gesto brusco, me retirar o auscultador da mão, aludindo que eu ainda não sabia trabalhar com o rádio, o bem conhecido Racal.
Estas situações são as chamadas incongruências de uma guerra.

A informação que proveio de Canquelifá, e recebida por este superior, foi exatamente, que o IN voltou ao local na tentativa de recuperar os mortos, que como atrás referi eram 22 corpos.
Na posse destes elementos, e tendo em consideração que as armas se tinham calado, fomos progredindo mais uns metros com toda a serenidade, pois estava na nossa frente posicionada uma companhia formada por elementos cuja maioria era africana, fazendo proteção ao material capturado, embora a informação da nossa aproximação já tivesse fluido antecipadamente.

Foi um tanto quanto arriscada esta operação de encontro, frente a frente de uma força com a outra, tendo culminado com total êxito, pois o local era de vegetação densa.
Feita a inversão das viaturas, procedeu-se ao carregamento do material capturado, constando de cerca de 360 granadas de morteiro 120mm, 2 morteiros do mesmo calibre completos, montados sobre rodas e outros tantos incompletos, 1 prato, mais 1 tripé.
Tratou-se na realidade de uma operação de muito risco para todos quantos voluntariamente acederam ao pedido do então saudoso Alferes Henriques.

A chegada a Canquelifá já foi tardia, por volta das 23h00, todo o regresso foi feito na escuridão da densa vegetação, apenas a viatura mais da frente acendia esporadicamente os seus mínimos, de salientar o facto de um dos veículos, creio que um Unimog, ter furado um pneu, também não me recordo se à ida, ou no regresso, é facto, assim circulou até à chegada a Canquelifá. Foi uma autêntica odisseia, sem paralelo.

Não posso deixar de realçar uma situação ocorrida já dentro de Canquelifá tendo por protagonistas a minha pessoa, o então carismático Furriel Mecânico Pais e um militar africano da companhia de Comandos.
Tendo este em seu poder uma pequena arma, que mais se assemelhava à nossa pistola Walter, que procurava vendê-la, alegando tê-la capturado horas antes, na operação, a um elemento feminino do PAIGC, que procurava atingi-lo, protegida por uma árvore, tendo este com a sua perspicácia evitado tal, apontando-lhe a sua G3 e dando-lhe ordem para baixar a arma.

Posteriormente tentou dialogar com ela em várias línguas, sem entendimento possível, tendo finalizado o seu diálogo apontando com a mão esquerda para o seu peito onde sustentava o seu crachá, dizendo-lhe:
- “Comando Africano não perdoa” - e utilizando a sua arma G3, fez uma rajada em cruz no peito da mulher, caindo esta junto à árvore.
O corpo dela foi resgatado pelo PAIGC durante o segundo confronto com a companhia dos comandos.
Relativamente à pistola, o negócio estava terminado, cujo valor para mim era de 100 pesos, tendo o Furriel Pais, valorizado para o dobro, não tenho a certeza da concretização da compra por este.

Dando continuidade ao episódio dos 22 corpos que se encontravam a repousar na grande Mesquita de Canquelifá, começaria por realçar o pedido de 2 voluntários pelo Capitão Cristo, cerca das 8h00 já do dia 22 março 1974, com a pretensão de retirarem os corpos para o exterior da mesma, onde previamente tinham sido colocados uma quantidade necessária de bidões vazios,vasilhame chegado, uns com vinho da Manutenção Militar, outros de combustível para a Mecânica, a fim de os corpos serem sentados no chão, encostados aos aludidos bidões. De seguida, procederam à lavagem dos seus rostos ensanguentados, recorrendo para o efeito de uma lata com água e uma vassourita de piaçaba.

A dupla de voluntários então surgida era composta pelos:
- O nosso Oliveira, mais conhecido pelo “Mata vacas”, pois tratava-se na realidade de um homem de coragem, se bem me recordo retalhava uma vaca, depois de morta, na sua totalidade em cerca de 20 minutos, trabalho que sempre realizou em prol da alimentação da Companhia, em toda a sua comissão, por ser esta a sua profissão na vida à paisana. 
- O 2.º voluntário, com alguma margem de incerteza, creio ter sido o carismático “Azambuja”, nome próprio, José Cruz, Cozinheiro oficial da CCAÇ 3545, mas que não exerceu.

Realizada operação definida pelo comandante Cristo, cerca das 9h00 chegaram, 1 helitransporte escoltado por 1 helicanhão, para garantir a segurança da sua aterragem. Na placa da pista a segurança era assegurada por um pelotão, como acontecia em situações semelhantes.
Apeados os ocupantes de várias patentes, pertencentes ao Comando Territorial da Guiné, dirigiram-se ao centro, no qual se encontravam os corpos, sendo a primeira missão fotografar individualmente os mesmos por um fotocine vindo de Bissau para o efeito.
De seguida foram transportados num unimog, também individualmente, sendo-lhes colocado junto ao corpo uma garrafa vazia de cerveja, que continha um ou mais documentos escritos no preciso momento, de conteúdo confidencial.

Reunidos os respetivos requisitos, seguiram destino pista da aviação, onde foram enterrados nos próprios buracos dos foguetões por estes lançados sobre Canquelifá nos dias últimos, não tendo atingido o objetivo por eles planeado.
De realçar o facto de ter sido escalado um pelotão naquele dia e no seguinte, para carga e transporte de terras em unimog para serem tapados os buracos, entenda-se sepultura dos corpos.
Assim ficou encerrado mais um capítulo de uma guerra subversiva, que muitas lágrimas provocaram aos intervenientes de ambas as partes.


Outro epilogo não menos importante na nossa passagem por terras do além, foi o dia 29 de agosto de 1973

Primeiro contacto com o IN na Bolanha de Macaco-Cão cerca das 16h00, emboscada perpetrada às nossas tropas com graves consequências, pois saldou-se por 2 mortos, o Gomes e o Nunes, e vários feridos, alguns com gravidade.

Encontrava-me de serviço no posto de rádio quando se fez ouvir o disparar de armas automáticas à mistura com morteiradas e RPG, (RPG2 era utilizada pelo IN, sendo que a RPG7 era pela nossa tropa), emboscada a cerca de 3 km de distância de Canquelifá.
Logo chegou o pedido via rádio, da evacuação dos mesmos, não me recordo quem era o operador, duvidas quanto ao Matos ou Coelho.
Escrita a mensagem pelo então Cripto Jacinto Teixeira, a mesma por mim foi difundida ao CAOP 2, Nova Lamego e Bissau.
A confirmar a veracidade do exposto, mantenho em meu poder o original da mensagem do pedido da evacuação, que exibo.

Original pedido meios aéreos para transporte de feridos

A referida emboscada ficou marcada por uma série de acontecimentos entre eles destaco!..

- Aquando da chegada dos hélis ao local, em número de 3, foi constatado viajarem militares cujo destino era a passagem para Bissau, e desta à metrópole a fim de passarem férias, dificultando deste modo a total evacuação dos feridos.

- O Capitão Cristo, que também vazia parte daquela operação, ao aperceber-se de tal, logo ordenou o desembarque dos referidos militares, dando-lhes como justificação não ser aquele momento e meio de transporte para fazerem turismo.

A talho de foice, como é usual dizer-se, no passado dia 4 junho 2016, no decorrer do Almoço Convívio em Amarante, foram estes momentos lembrados, mais uma vez, pelo Veterano José Carvalheira, a residir ali para os lados Barcelos, que fez parte deste lote de feridos. Segundo ele, com todo o seu bom humor de pessoa simples, não deixa de sublinhar o facto de naquele dia lhe ter saído o totoloto duas vezes.
No primeiro sorteio tocou-lhe uma boa meia dúzia de estilhaços na zona lombar, mas apesar de tudo está vivo sem sequelas.
No segundo sorteio, que foi em função do primeiro, o prémio está sendo dividido ao longo da sua vida, atribuído pelo Estado Português, e que muito jeitinho lhe faz no final de cada mês!..
E exclama o Veterano ironizando:
- Caríssimos Veteranos, todos quantos fizeram parte da CCAÇ 3545, o relato que aqui deixo gravado não se trata de uma ficção! Fazer um relato de guerra não é tarefa fácil mesmo tendo passado pelos acontecimentos.

Creiam, estas são memórias que se encontravam alojadas no meu subconsciente e que foram trazidas para o computador com algumas lágrimas à mistura, mesmo considerando o facto de poder dizer bem alto “correu bem, cheguei vivo”. Mas, mesmo assim, não se pode esquecer nunca, aqueles que tombaram a meu lado e por isso temos orgulho em todos que combateram na terra, no ar ou no mar!

Aproveitando a circunstância, quero aqui deixar a todas as Famílias a eterna saudade.

Ao lerem todos estes escritos que antecedem, vão com certeza recordar aqueles momentos que muito particularmente marcaram para sempre as nossas vidas, e bem assim as das nossas famílias.
Todo este “Arauto da Verdade” foi escrito há vários anos, todos os acontecimentos transcritos são de uma percentagem de erro muito reduzida, considero eu. Relativamente aos seus meandros relatados, no tocante às datas dos acontecimentos aceito alguma eventual discrepância. 

Por outro lado, também quero dedicar este capítulo que não deixou de ser menos histórico, à minha família, especialmente aos meus filhos, Rui e Vera, hoje pessoas adultas, com a sua formação académica nas áreas de engenharia mecânica e ciências farmacêuticas, respetivamente, para que se possam orgulhar de o seu pai ter cumprido um dever de cidadania, mesmo sendo este de causas desconhecidas.
O caminho é feito caminhando, como o nosso povo costuma dizer! Era tempo de iniciar outro capítulo de vida que também não se apresentava fácil.
O construir de uma família, a subsistência dela, tudo eram interrogações que se colocavam e que apenas tinha uma só saída, escolher e seguir uma carreira profissional.

Para concluir, gostaria de registar que durante a vida devemos aproveitar todos os momentos para dizer àqueles que amamos, o quanto são importantes. Amanhã pode ser tarde para dizermos que amamos e precisamos!
Às leis do divino chefe, se efetivamente ele existe, o meu obrigado, e um bem-haja por não me ter abandonado nos momentos difíceis.

Como todos bem sabem, haveria a mencionar muitos outros momentos não menos difíceis, muito gostaria que outro camarada pertencente à CCAÇ3545 lhe desse continuidade, se o caso o merecer.

Para dar por terminado estes meus simples capítulos, só pretendia abrir aqui um outro, na tentativa de encontrar dois bons amigos de então:
- Luís Henriques, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, mais conhecido por "Alcanena” e Manuel Claro, ex-Atirador, dos quais junto foto na bolanha.


Os não menos amigos:

- Alcino Teixeira, o nosso destacado cozinheiro
- Arnaldo Pinho, o responsável pela padaria, onde se assavam os cabritinhos.
- Teles Dias, o braço direito da messe dos oficias, creio ser de Ponte de Sor.
- Carlos Sarmento, e o Teixeira, dupla de Operadores Criptos da Companhia.
E bem assim tantos outros que não recordo nomes, mas gostaria de os encontrar.
Ergam o dedo, e digam que estão vivos, vamos a um almoço?

Se por ventura alguém tiver dificuldade em se deslocar, relativamente a transporte, não há inconveniente ser eu a fazê-lo, de qualquer parte do país. .

Para contacto, o meu correio eletrónico é jspeixotolord@hotmail.com

UM BEM-HAJA A TODOS

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2. Comentário do editor

Caro amigo e camarada Peixoto, estás apresentado, e de que maneira. Entraste com o pé direito, com este texto de memórias. Esperamos por mais.

Como este poste já vai longo, termino por aqui com um abraço em nome da tertúlia e dos editores.

A o teu dispor fica o teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (40): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Último poste da série de 22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16514: Tabanca Grande (496): José Luís da Silva Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73 (Olossato, 1974), 729.º Grã-Tabanqueiro

sábado, 29 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16655: Inquérito 'on line' (78): Até agora, num total de 26 respostas (provisórias), só temos 2 casos de desertores durante a comissão no CTIG. Vamos chegar às 100 respostas até 5ª feira, 3/11/2016, às 15h34 ?!


Guiné > Bissau > 29 de dezembro de 1971 > Chegada a Bissau do N/M Niassa. Foto do álbum de António Sá Fernandes, ex-alf mil, CART 3521 (Piche) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão) (1971/73). A  companhia independente CART 3521 viajou com o BART 3873, composto pelas CART 3492, Cart 3493 e CART 3494: a partida de Lisboa foi em 22/12/1971.



Guiné > 26 de dezembro de 1971 > CART 3521  (1971/73) > Viagem do pessoal em LDG,  a caminho de Bolama, para a IAO. Mais tarde, a CART 3521 é3 colocada em Piche.

Foto do álbum de António Sá Fernandes,  que vive em Valença, e foi alf mil, CART 3521 e Pel Caç Nat 52, tendo substituído, como comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro e nosso camarigo.


Comentário de Henrique Martins de Castro, em 17/7/2008: 

"Camasradas da Cart 3521,  em especial o autor desta foto, em que está o alferes Sá Fernandes, o alf Martins, o alf Coelho e salvo erro alf Novais e mais camaradas da Cart 3521 ,eu, o Castro condutor,  não serei aquele que está sentado no banco com o relógio no pulso direito? Agradeço resposta em comentário,ou para o mail henrique_50_@hotmail.com Um abraço para todos, Henrique Martins de Castro".

Fotos (e legendas):  ©: António Sá Fernandes (2012) [Edição  e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"NA MINHA UNIDADE (COMPANHIA OU EQUIVALENTE) NÃO HÁ CASOS DE DESERÇÃO"


1. Nenhum, na metrópole  > 16 (61%)

2. Nenhum, no TO da Guiné  > 21 (80%)

3. Um, na metrópole  > 4 (15%)

4. Dois, na metrópole  > 1 (3%)

5. Três ou mais, na metrópole  > 1 (3%)

6. Um, no TO da Guiné > 2 (7%)

7. Dois, no TO da Guiné  > 0 (0%)

8. Três ou mais, no TO da Guiné  > 0 (0%)


Total de respostas (provisórias), 
até às 18h00 de hoje, 29/10/2016, sábado > 26


Inquérito em curso até  3/11/2016, 5ª feira, às 15h34 (*)


2. O inquérito foi sugerido pelo nosso grã-tabanqueiro António José Pereira da Costa
 [, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74,] nestes termos:

(...) "Podemos lançar um inquérito 'à Luís Graça',  com a pergunta: quantos camaradas desertaram na minha unidade no TO daquela PU?  As cinco hipóteses:  nenhum, um, dois, três ou mais de três

Não se aceitam respostas do tipo 'não sei/não me lembro', uma vez que um caso de deserção numa companhia era um caso muito falado." (...) (**)


Esperemos que o número de respostas dos nossos camaradas, até 5ª feira,  chegue pelo menos à centena. 

Uma chamada de atenção: o nosso inquérito desta semana contempla as duas situações:


(i) a hipótese de deserção ter ocorrido na metrópole, 
no decurso da formação da companhia (ou equivalente) 
ou na véspera do embarque 
(caso, por ex., da CCAÇ 2402): 

(ii) ou ter ocorrido já no TO da Guiné, 
durante a comissão (incluindo o período de férias) 
(caso, por exemplo, da CCAÇ 3489)

Podem e devem ser dadas duas respostas: por exemplo, 

1. Nenhum [caso de deserção], na metrópole; e 2. Nenhum [caso de deserção], no TO da Guiné. 

Ou então: 3. Um [caso de deserção], na metrópole; e 2. Nenhum [caso de deserção ], no TO da Guiné.

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Nota do editor:



(**) 27 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16647: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (15): Desertor era o militar que (i) foi incorporado, (ii) estava nas fileiras e (iii) as abandonava ao fim de algum tempo... Desconfio um bocado do número de desertores que foi avançado pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins, se for aplicada a definição exacta dos regulamentos da época (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Guiné 63/74 - P16654: Parabéns a você (1153): Mário Vasconcelos, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16648: Parabéns a você (1152): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16653: In Memoriam (267): gen pilav ref Francisco Dias da Costa Gomes (BA12, Bissalanca, 1967/68, cmdt do Grupo Operacional 1201)... Foi o primeiro piloto de Fiat G-91 a ser abatido, em 28/7/1968, sob os céus de Gandembel (José Matos, investigador independente em história militar)


Ofício, de 30 de julho de 1968, da Força Aérea, Comando da Zona Aérea de Cabo Verde, Base Aérea 12, para o Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, comunicando a perda de um Fiat G.91 por reação AA [Antiaéreas]

 Cortesia de José Matos (2016)


1. Mensagem de José Matos, com data de 27/10/2016, 22:39

[ Foto à direita:  o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos;
formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central 

Lancashire, Preston, UK ); 
é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992;
faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro;
filho de um antigo combatente, nosso camarada da Guiné, já falecido;
é investigador independente em história militar ]



Olá,  Luís

Uma informação para o blogue:

No dia 7 de Outubro de 2016, faleceu o Francisco Dias da Costa Gomes, que esteve na Guiné em 1967/68, como Comandante do Grupo Operacional 1201.

Costa Gomes foi o primeiro piloto de Fiat G.91 (5411) abatido na Guiné por fogo antiaéreo no dia 28 de julho de 1968. O caça, pilotado pelo então Tenente-Coronel Costa Gomes, executava uma missão de RFOT na fronteira sul da Guiné para detectar posições AA, quando é atingido pelo fogo antiaéreo de armas 12,7 mm, obrigando o piloto a ejectar-se perto do aquartelamento de Gandembel, onde conseguiu chegar pelo seu próprio pé. (*)

Depois deste evento Costa Gomes receberia a Cruz de Guerra de 1.ª classe. Deixo aqui a informação do abate. (Vd. documento acima).(**)

José Matos
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16496: FAP (98): "Pedaços das nossas vidas" - "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejetou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - II Parte (Miguel Pessoa)

(**) Último poste da série > 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16627: In Memoriam (266): Manuel Ribeiro de Figueiredo (1942-2016), ex-sold cond auto, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Guiné 63/74 - P16652: Agenda cultural (510): Apresentação do livro “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, da autoria de Luís Barbosa Vicente, a levar a efeito no próximo sábado, dia 29 de Outubro, no Clube Fenianos Portuenses, no Porto

1. Por sugestão do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70), damos conhecimento da apresentação do livro “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, da autoria de Luís Barbosa Vicente, a levar a efeito no próximo sábado, dia 29 de Outubro, no Clube Fenianos Portuenses, no Porto.


C O N V I T E



Sinopse

“Guiné-Bissau, das (Con)tradições Políticas aos Desafios do Futuro” 
Não se trata de um trabalho científico ou de pesquisa empírica, posiciona-se no campo do conhecimento e da reflexão crítica e as perspetivas que o autor tem sobre determinadas matérias de desenvolvimento socioeconómico da Guiné-Bissau. Esta obra surge num momento muito oportuno, atendendo aos recentes acontecimentos políticos na Guiné-Bissau, apresentando reflexões pertinentes e recentes sobre aspetos relevantes da esfera política, social e económica. Ao longo de mais de 190 páginas, este livro reúne um conjunto de artigos de opinião publicados entre 2014 e 2016, divididos em três partes: Estado, Cidadania e Política; Reforma doEstado e Modernização da Administração Pública; Novo Paradigma de Desenvolvimento. A obra “Guiné-Bissau, das [con]tradições políticas aos desafios do futuro” não é uma obra fechada; pelo contrário, é uma obra aberta, que aguarda por um debate permanente para a construção de uma sociedade mais estável e próspera.

"Guiné-Bissau, Das Contradições Políticas aos DESAFIOS DO FUTURO"
de Luís Barbosa Vicente
ISBN: 9789895186723
Edição ou reimpressão: 10-2016
Editor: Chiado Editora
Idioma: Português
Dimensões: 150 x 230 x 25 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 174


Luís Barbosa Vicente - Breve biografia

É licenciado em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Línguas e Administração;
Pós graduado em Finanças Públicas e Gestão Orçamental – ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão de Lisboa e em Administração e Políticas Públicas – ISCTE IUL – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa;
Técnico Superior de Economia, Gestão e Finanças
Coordenador do Gabinete de Projetos Especiais.
Gestor dos projetos financiados União Europeia, QREN, FSE, FEDER, FP 7, PT 2020.
Auditor, Monitorização do Plano de Atividades e Orçamento.
Avaliação e Controlo de custos.
Consultor da Câmaras Municipais de Cartaxo, Azambuja e Alpiarça.
Consultor e formador da UE-PAANE (União Europeia – Programa de Apoio a Atores Não Estatais) na área de Capacitação da Administração Pública – Guiné-Bissau
Professor Universitário em Gestão e Economia.
Gestor de projetos de investimento e desenvolvimento, financiamento público e privado da União Europeia e Programas Nacionais.
Dirigente de várias associações de desenvolvimento local e regional, sector público e privado.
Formador e consultor de várias empresas portuguesas.
Analista e colaborador Jornal Português “Diário de Notícias” e da RDP África
Autor dos livros:
“Por uma reinvenção da governabilidade e do equilíbrio de Poder na Guiné-Bissau: diálogos e olhares cruzados a partir da Diáspora”, Nov. 2014.
“Guiné-Bissau, das contradições políticas aos desafios do futuro”, Set. 2016.
Tem artigos publicados em vários blogs, jornais e revistas. 

OBS: - Elementos recolhidos, com a devida vénia, do site do Clube Fenianos Portuenses
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16642: Agenda cultural (503): No dia14 de Outubro às 15 horas, acompanhado de muitos amigos, procedemos ao lançamento de "Sussurros Meus" (Fernando de Jesus Sousa)

Guiné 63/74 - P16651: Brunhoso há 50 anos (10): As casas (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 18 de Outubro de 2016, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), volta a falar-nos da sua terra natal, Brunhoso, há 50 anos.


Brunhoso há 50 anos

10 - As casas

As primeiras fotografias procuram retratar parte dos muros que formam um círculo, dentro dos quais havia uma casa antiga e grande e outros edifícios anexos, que ainda conheci em ruínas há já mais de cinquenta anos, na rua do Fundão. Hoje da casa e das dependências agrícolas nada resta e o terreno onde os edifícios estavam implantados está invadido por silvas e fenanco (feno alto).

O homem que está junto do prédio é o seu actual proprietário, o meu amigo Joaquim Cordeiro, mais conhecido por Joaquim Passarinho, que a comprou aos seus últimos herdeiros há cerca de trinta anos.



O Joaquim Passarinho é um monumento vivo da aldeia pela sua energia e pelo trabalho incansável que tem desenvolvido ao longo de mais de sete décadas, em todas as áreas da agricultura ao serviço das casa grandes e das mais modestas e como emigrante em Espanha e em França. Lá fora em trabalhos duros, como muitos dos seus conterrâneos, ganhou muito dinheiro que aplicou totalmente na compra de prédios urbanos e rústicos da aldeia, passando a trabalhar na casa agrícola que formou tendo melhorado muitos terrenos com plantações e outros benefícios. Herdou a altura, a energia e a alcunha do seu pai o Ti João Passarinho que trabalhou quase até à hora da morte, já depois dos 80 anos.


O meu amigo Joaquim, também conhecido por Jacob, sendo um efabulador com uma imaginação sempre activa ao comprar as ruínas desta casa grande, ele que viveu na infância e na juventude, quase paredes-meias com ela, numa casa pequena e pobre, terá talvez pensado construir nelas um grande castelo que assombrasse as gentes das redondezas, tal como Luís da Baviera, esse rei sonhador que construiu aquele enorme Castelo de Neuschwanstein, castelo de duendes e fadas, num penhasco dos Alpes Bávaros.
Há homens que têm sonhos tão loucos e grandiloquentes, que podem nunca os ver realizados, mas são felizes enquanto convivem com eles.

A minha imaginação tinha dificuldade em preencher aquele espaço de casario em ruínas enorme e murado. Tal como eu, as gentes da aldeia, que também não conheciam a sua história, nem os seus moradores que se adivinhavam ricos, teriam a mesma dificuldade em compreender aquelas paredes mortas e abandonadas ao vento, ao sol e à chuva, e talvez por isso deram-lhe o nome de “Casa das Feiticeiras”. Naqueles verdes anos, ainda a navegar entre o sonho e a realidade, embora descrente de fadas, feiticeiras e zângãos, sentia que havia uma magia fantasmagórica naquele espaço abandonado, formado por esses muros altos e por essas construções em ruínas, onde as almas dos seus mortos esquecidos pareciam querer falar connosco. Constava-se que as feiticeiras saíam algumas noites, a desoras e gostavam de fazer bailes nessa casa grande, decrépita e abandonada ao luar ou na escuridão da noite.

Sendo conhecida como "Casa das Feiticeiras", era uma denominação que as pessoas aceitavam, sem procurarem outra, já que pelo mistério que infundia, se coadunava bem com o seu aspecto.

Na “troça” de pedra que encima o portão da entrada, sustentada por “ombreiras” de grandes pedras de xisto, consta uma data que só se consegue ler se subirmos próximos da inscrição já que está muito enegrecida pela passagem dos anos. Na inscrição, bem nítida, para quem se aproxima, utilizando uma escada, está a data de 1698 (MDCXCVIII) em algarismos arábes. Com a maior parte do muro exterior ainda em pé, penso que é a edificação mais antiga da aldeia. Desconhece-se quem a terá construído ou quem habitou esse enorme casarão que mais parecia uma fortaleza com muralhas tão altas, sabe-se apenas que o seu último proprietário terá sido o Sr. João "Lagoa" Ribeiro, viúvo de uma senhora de apelido Neves Ferreira, que o teria herdado dos seus pais. É muito duvidoso que essa família o tenha construído pois é voz corrente na terra que era originária doutra aldeia que dista 20 quilómetros de Brunhoso. Dessa família ainda há descendentes na aldeia embora não haja ninguém que tenha herdado esse apelido porque o último dos seus antepassados varões morreu há mais de 60 anos, solteiro e sem filhos.

A casa grande retratada na foto que se segue, foi mandada construir na década de 40 do século passado pela Dona Adelaide das Neves Ferreira, a última descendente conhecida dessa família que conservava ainda esse apelido. Era irmã do último Neves Ferreira que ainda terá vivido com ela ocasionalmente alguns anos.


Recordo-me desta senhora como de uma castelã nos seus domínios pois ela, que era solteira, vivia sozinha com as criadas, nessa casa imensa um pouco semelhante às casas solarengas que os nossos “brasileiros” ricos mandaram construir no início do século vinte. A casa foi construída por um lendário pedreiro de Brunhoso, de apelido Moredo, depois de ter regressado ainda novo do Brasil, para onde voltaria novamente alguns anos após a sua construção para garantir o sustento e o futuro dos seus onze filhos. Com muito trabalho, génio, conhecimentos adquiridos e com a ajuda dos filhos, esse pedreiro, quase analfabeto, fundou em S. Paulo uma firma de construção e importadora e exportadora de pedras, sobretudo mármores e granitos, de projecção internacional.

A Dona Adelaide era uma mulher afável, elegante e tão alta que os conterrâneos se referiam a ela com a alcunha de “A Longa”. Alguns mais antigos ouviram aos seus pais que na juventude se terá perdido de amores por um moço de lavoura da casa e quando a família lhe proibiu esse devaneio amoroso, jurou que nunca casaria com outro homem.

Nesses tempos antigos, apesar de muitas leis, muitos tabus e proibições, a atracção entre os sexos, sempre levou alguns enamorados/as mais fogosos e aventureiros a não respeitar essas barreiras e a entregaram-se a esse sentimento, por vezes transformado numa paixão tão violenta que apelava à comunhão de corpos e almas. A literatura fala-nos de muitas dessas paixões impossíveis por vezes trágicas, sendo a mais emblemática a de Romeu e Julieta.

Essa sociedade antiga, quase medieval de terratenentes, tinha regras próprias, muito rígidas sobre o amor, as paixões e o casamento. O amor era um bem somente transacionável e permitido entre os membros da mesma classe, com o mesmo poder económico e social. Quando eram homens ricos ou filhos de ricos atraídos pelas “criadas” (empregadas domésticas) , ou outras mulheres “pobres”, solteiros ou já casados muitas vezes conseguiam estabelecer ligações com essas mulheres, à revelia dos bons costumes e da família, muitas vezes ilegais, outras vezes adúlteras, segundo as leis da igreja e segundo a lei civil, que o tempo e o sentido prático das gentes, se encarregaria de "legalizar".

Quando eram mulheres ricas atraídas por criados de lavoura ou de uma classe económica mais baixa, raramente originavam relações esporádicas ou duradouras, dado o estatuto de inferioridade de que a mulher gozava que lhe dava pouca liberdade e autonomia.

Não casou, teve uma vida longa a ministrar conhecimentos de costura, tear, bordados e outros conhecimentos práticos às raparigas da aldeia.
Tratava também do arranjo da igreja, das capelas e dos santos, nesse tempo ocupações próprias para sublimar as frustrações das mulheres solteiras da sua condição social, privadas das alegrias próprias de quem constitui família. Ainda garoto entrei algumas vezes nessa casa grande, que me despertava bastante curiosidade, na companhia de um sobrinho neto da proprietária que por ironia do destino, continua ainda solteiro, tal como a tia-avó e vive sozinho nela, já restaurada e com algumas alterações no seu interior.

Há outras casas na aldeia que merecem um passeio, uma reflexão sobre o seu passado, as transformações que sofreram, o seu estado de conservação e os seus moradores mais antigos ou actuais.
Percorro as suas ruas que são também ruas do meu passado, as pedras que piso e as que se erguem em altura, com tanta história para contar, estão cada vez mais caladas porque as vozes do povo são pouco audíveis, o chiar dos carros de bois são um som que se perde no tempo e na distância e o chilrear dos pássaros cada vez mais monótono parece uma sinfonia triste.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16297: Brunhoso há 50 anos (9): O Ciclo do Pão (2) (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 63/74 - P16650: Notas de leitura (896): “A Guerra da Guiné”, por António Trabulo com a colaboração de Leston Bandeira, Editorial Cristo Negro, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Temos aqui um trabalho surpreendente de um neurocirurgião que está reformado desde 2009 e não pára de escrever. Como ele esclarece, cumpriu o serviço militar obrigatório como médico da Reserva Naval, a bordo do navio hospital Gil Eanes, nos mares da Terra Nova.
O seu conhecimento da Guiné é puramente livresco. E este seu livro, primoroso para quem pretende iniciar-se nos principais factos desta guerra, cumpre satisfatoriamente as boas regras da divulgação imparcial.
Não hesito em sugerir a sua leitura por todos.

Um abraço do
Mário


A Guerra da Guiné, por António Trabulo

Beja Santos

Confesso ter sido uma grande e agradável surpresa a leitura de “A Guerra da Guiné”, por António Trabulo com a colaboração de Leston Bandeira, Editorial Cristo Negro, 2014. António Trabulo é neurocirurgião reformado e tem os seus trabalhos publicados na Europress, Parceria A. M. Pereira, Esfera do Caos, Editorial Cristo Negro e Fronteira do Caos. Trata-se de um livro organizado por eventos ou marcos cronológicos, tudo num considerável esforço de síntese pautado pelo rigor informativo e uma boa capacidade de divulgação. Tanto quanto sei, é depois do livro do Coronel Fernando Policarpo a grande angular sobre a guerra da Guiné.

Estando estruturado em pequenos e curtos capítulos, o autor não ilude que o seu conhecimento é livresco mas que recolheu testemunhos escritos na primeira pessoa e declara a sua independência: “Não me prendem à Guiné com os laços de amor que chegam a turvar a vista quando olho para Angola. Existem realidades que se apreciam melhor à distância". Vejamos com algum detalhe a organização de um livro cuja leitura se recomenda a todos.

Primeiro, o assassinato de Amílcar Cabral, os dados estão corretíssimos. A propósito da prisão, a mando de Sékou Touré dos conjurados que lhe vieram anunciar o assassinato, ele observa a entrada dos revoltosos na prisão: “Eram três dezenas de pessoas descalças e vestidas com camuflados, com a cabeça erguida, parecendo muito orgulhosos do que tinham feito”. E recorda a acusação do jornalista Fernando Baginha, anos mais tarde: “O golpe de 14 de Novembro de 1980 não é mais do que a continuação do golpe de 20 de Janeiro de 1973. Quer um quer outro destinava-se a levar ao poder um homem: Nino”.

Segundo, o autor descreve a utopia de Cabral à luz da formação das novas nacionalidades africanas, do pan-africanismo, das tentativas federalistas. Terceiro, dá-nos um pouco da história da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, enunciando a multiplicidade de lutas étnicas e de resistência à ocupação, destacando a figura mais singular da Guiné-Bissau antes de Amílcar Cabral, Honório Pereira Barreto. Terceiro, dá-nos a trajetória ideológica de Amílcar Cabral e a importância do período que passou na Guiné, entre finais de 1952 e inícios de 1954. Ficamos igualmente com um quadro sinótico dos movimentos nacionalistas, das etnias, do significado do massacre do Pidjiquiti. Já temos o cenário das opções da guerrilha em meio rural, começa-se a preparar a luta armada e desencadeia-se a guerrilha. O autor escolhe como acontecimentos dominantes nesses primeiros anos a “Operação Tridente” e o Congresso de Cassacá.

Quarto, a luta armada é um facto, espalha-se pelo território, desarticula-se a economia, nos anos subsequentes Arnaldo Schulz garante um enorme esforço militar, recorre a bombardeamentos e a operações por tropas helitransportadas. Há posições defensivas onde se vive no maior sofrimento. E cita Carlos Fabião: “Tite começou por ser uma desgraça. Depois ocupámos Jabadá, em frente a Tite, mas tivemos mais de 100 ataques fortes a Jabadá”. Entra em cena a guerra psicológica, os aldeamentos estratégicos, a africanização da guerra com a distribuição de armamento pelos civis das tabancas e a instrução de milícias, pelotões de caçadores nativos e a formação de companhias de caçadores africanos. Se Schulz não consegue parar a guerrilha, Spínola traz novas promessas: concentra meios, faz crescer o número das aldeias estratégicas, promove Congressos do Povo, faz escolas, estradas, inúmeras infraestruturas.

Quinto, nos seus textos sinóticos o autor refere lutas internas do PAIGC, o massacre de três majores e um alferes num período que se julgava de mudança radical da guerra no chão Manjaco, apresenta Marcelino da Mata, o aprisionamento do capitão cubano Peralta, descreve as operações “Gata Brava” e “Mar Verde”, deixa uma água-forte de Rafael Barbosa e da sua personalidade enigmática. É neste contexto que vem à baila informações sobre os prisioneiros portugueses, como se alimentavam as tropas portuguesas, quem eram os comandantes do PAIGC, os seus dirigentes políticos, do mesmo modo ficamos a saber quem eram os colaboradores diretos de Spínola. Ficamos igualmente a saber o que Amílcar Cabral pensava das mulheres bem como foram os seus dois casamentos.

Sexto, Amílcar Cabral não confinava a sua estratégia aos ataques a quartéis, a fazer emboscadas, a pôr minas e armadilhas nas picadas, foi um incansável diplomata, em 1972, o ano que precedeu a sua morte viajou 31 vezes, as Nações Unidas eram o seu objetivo maior, mas não descurava os fornecedores de armamento, alimentos e medicamentos, promovia todos os contactos necessários para arranjar bolsas de estudos para os futuros quadros. Do mesmo modo, o autor lhe dedica um texto de referência sobre o pensamento político. E assim chegamos à frustração de Spínola quando percebe que o Marcello Caetano lhe nega a abertura de negociações para uma solução política da guerra. Os textos aparecem no final da obra a um ritmo mais acelerado, fala-se dos acordos de Argel, da independência de facto, da execução de guineenses que tinham combatido do lado português, de uma nova república sempre entregue à violência, ao conflito e à instabilidade.

Na conclusão, o autor também não esconde o seu desalento: “A Guiné-Bissau não voltou a atingir o nível de cuidados primários de saúde e educação assegurados no tempo da guerra pelos militares portugueses. Os camponeses continuam a predominar no conjunto da população e a sustentar o país, mas pouco ou nenhuma influência tem na gestão da república, em que, apesar das realizações periódicas de eleições, mandam os antigos comandantes militares”. E o livro termina com a seguinte observação: “Uma das maiores vitórias de Amílcar Cabral acabou por se dar numa luta que ele sempre relegou para lugar secundário. As dificuldades impostas ao governo de Marcello Caetano pela guerrilha ajudaram a abrir os olhos de muitos oficiais portugueses para o futuro. O anquilosado regime a cair de podre. Incapaz de resolver, a tempo e com serenidade, a questão colonial, foi derrubado por uma revolta militar. Nascera de forma semelhante, a 28 de Maio de 1926”.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16639: Notas de leitura (895): "Guiné: crónicas de guerra e amor", de Paulo Salgado: texto da apresentação do livro, pelo poeta e jornalista Rogério Rodrigues

Guiné 63/74 - P16649: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (II)


Foto nº 1 > Bolama visat de São João



Foto nº 2 > Tarrafo




Foto nº 3 > Residencial Gá-Djau.


Foto nº 4 > Praia Ofir com vacas a apascentar (1)



Foto nº 4A > Praia Ofir com vacas a apascentar (2)


Foto nº 5 > A Adelaide na praia de Ofir


Foto nº 6 > Antigo palácio do Governador, em ruínas


Foto nº 7 > Antigos paços do concelho, em ruínas


Guiné-Bissau > Arquipélago de Bolama - Bijagós > Bolama  > Outubro de 2015


Fotos (e legendas): © Adelaide Barata Carrêlo (2016), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico 
e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*). 

Com sete anos, a Adelaide passou uma larga temporada (1970/71) em Nova Lamego, com o pai, a mãe e os irmãos, tendo regressado no N/M Uíge, em 2 de março de 1971. Em 15/11/1970 teve o seu "bartismo de fogo".

O pai era o ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71). Quarenta anos depois regressa à Guiné-Bissau...

É nossa grã-tabanqueira, nº 721 (membro da nossa Tabanca Grande desde 11/7/2016).



BOLAMA (II)

 Chegados a Bolama esperámos uma espécie de "tuk-tuk" que nos levou à Residencial Gá-Djau.
A primeira impressão... respira-se história por todas as esquinas, vidas que foram felizes aqui, memórias de ruas com nomes que nos pertencem (por exemplo,  "Rua de Cascais"). 

Soubemos que,  através de um protocolo com a cidade de Cascais,  foram oferecidas uma ambulância e uma viatura polivalente, bem como a doação de 55 mil livros para a biblioteca municipal da Guiné Bissau.

Casas de arquitectura puramente colonial ainda se mantém firmes como que um cartão de visita, embora desertas e desejosas para contar as suas infinitas histórias.

Almoçámos,,  no Bar "Sabor das Ilhas",  um peixe grelhado magnífico,  "ventana" (parecido com a nossa "dourada") e arroz, não faltando a magnífica banana como sobremesa.

Ainda visitámos o cemitério de Bolama onde se encontram sepulturas de alguns portugueses que lá viveram e lutaram.

Deambulámos pelas ruas da cidade, onde observámos o Palácio dos Paços do Concelho, a Igreja de S. José e os edifícios militares entregues ao passar dos anos. Espreitámos o interior do Cinema de Bolama pela bilheteira abandonada.

Nos campos de futebol adjacentes ao quartel, observámos adolescentes a treinar intensamente debaixo de um calor sufocante.

Encaminhámo-nos para o mercado municipal, e no caminho demos conta da existência de duas cabines telefónicas que hoje estão completamente mudas.

Ao regressar à Residencial esperava-nos um chá "wuarga" (espécie de chá preto muito forte com muito açúcar), servido em copos de vidro pequeninos.

Na primeira noite em Bolama, apanhámos uma trovoada depois de um anoitecer quente e pesado, debaixo de uma espécie de coreto pequeno na Residencial.

Dormir à noite... impensável, mas o cansaço era tanto que as melgas eram simples mosquinhas a bailar à volta dos nossos ouvidos.... E o calor...?

Ao nascer do dia não podíamos perder um mergulho na praia de "Ofir". Quando chegámos, a água estava mansa, como as vacas que comíam a erva junto á areia.

A água estava morna, o que nos permitiu nadar e mergulhar durante bastante tempo.

O que aconteceu depois...,  é que não esperávamos. Quando nos fomos secar nas toalhas e vestir as roupas que deixámos em cima de um muro junto à praia, fomos atacados por formigas grandes e rápidas que nos mordiam os pés e tudo o que podiam,  sem dó nem piedade. Por mais que sacudíssemos as roupas, mais elas surgiam, fugimos dali com uma sensação agridoce, mas valeu a pena!

Planeávamos ir a Cantanhez, mas,  com as chuvas e o estado das estradas, mudámos o rumo à nossa viagem.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 27 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16646: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (I)

Guiné 63/74 - P16648: Parabéns a você (1152): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de  20 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16619: Parabéns a você (1151): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16647: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (15): Desertor era o militar que (i) foi incorporado, (ii) estava nas fileiras e (iii) as abandonava ao fim de algum tempo... Desconfio um bocado do número de desertores que foi avançado pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins, se for aplicada a definição exacta dos regulamentos da época (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


1961 > Chegada a um porto ultramarino (talvez Luanda), de um contingente militar oriundo da metrópole. [ Foto, alegadamente do porto de Bissau,  adquirida na Papelaria Benfica, junto ao estádio Sarmento Rodrigues... Em 1961, o porto de Bissau não tinha grandes condições para a atracagem de naivos de maior calado do que, por exemplo, os da classe Manuel Alfredo,  Alfredo da Silva ou Ana Mafada. Também parece que não havia carris nem grandes guindastes.].

A foto é do nosso camarada açoriano, ex-fur mil  Durval Faria,  um dos primeiros de nós,  a partir para a Guiné, logo em 1962... Pertenceu à CCAÇ 274 / BCAÇ 356 (1962/64)... O Durval Faria chama-lhe Companhia de Caçadores Especiais nº 274, constituída por militares das lhas de São Miguel e Santa Maria]

Foto do Mural do Facebook, do nosso camarada Durval Faria (Lagoa, S. Miguel, Açores) (Aqui reproduzidas com a devida vénia...). O Durval Faria é membro da nossa Tabanca Grande



1. Comentário de António J. Pereira da Costa ao poste P16628 (**)

[António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]

Olá,  Camaradas

Desertor é o militar "que deserta". Isto é, o que foi incorporado, está nas fileiras e as abandona, ao fim de algum tempo.

Ponho à consideração do blog que "puxe pelas memórias" e tente lembrar-se de quantos militares desertaram nas unidades a que cada um pertenceu. Creio que o número de desertores "na frente de batalha", foi absolutamente residual, creio que por falta de confiança no "tratamento" que o inimigo lhes daria. 

Podemos lançar um inquérito "à Luís Graça" com a pergunta quantos camaradas desertaram na minha unidade no TO daquela PU? 

As cinco hipóteses: 

nenhum
um
dois
três
mais de três 

Não se aceitam respostas do tipo "não sei/não me lembro", uma vez que um caso de deserção numa companhia era um caso muito falado. 

Será de excluir a deserção dos naturais da PU? Ou deverão ter um tratamento estatístico à parte?

No fundo, estavam nas mesmas condições dos que desertavam nas unidades metropolitanas. Há também o caso dos que desertavam "para trabalhar". Tive vários casos de homens que desertavam - ausentavam-se por mais de 8 dias se eram prontos ou mais de 15 dias na recruta - para irem trabalhar nas colheitas e outros trabalhos agrícolas e depois, finda a tarefa, voltavam.

Este tipo de deserção levanta a questão do "patriotismo" do nosso povo. É um conceito escorregadio que se poderia medir pelo número de "voluntários". No fundo, "aquilo da tropa era uma chatice". Pagavam uma miséria, davam comida que até podia ser em quantidade mas, às vezes, não era assim tão boa e era muito diferente da de "lá de casa". (A questão da comida é/era importante.).

O ambiente do quartel (caserna e refeitório) tinha muito que se lhe dissesse...

Ensinavam(?) coisas que não interessavam para nada e até mandavam fazer ginástica que só servia para cansar e chatear. Ukék eutouakiafazer? Uké isso da pátria?

Este tipo de desertores era frequente e, quando punidos pelo crime, não entendiam o que tinha passado e alegavam que não tinham cometido crime nenhum e até diziam:
- Eu não fugi. Precisava de ir para sustentar a família.

A legislação sobre "amparos" era e tinha de ser muito restritiva. E tudo acabava no embarque para o TO de alguma PU.

Desertores "ideológicos", nas unidades territoriais,  era poucos. Poderemos lançar mais um inquérito, pois assistimos a casos de deserção sem regresso e, na minha opinião, são estes os verdadeiros desertores, os que se recusaram a fazer a guerra e preferiram deixar o país definitivamente e reiniciar a vida noutro país. Claro que a consulta às ordens de serviço das unidades não permite destrinças entre as diferentes situações.

Para ser sincero, desconfio um bocado do número de desertores, se for aplicada a definição exacta dos regulamentos.

Parece-me que estamos a referir como "desertor" qualquer homem que fugiu ao serviço militar, quer tenha fugido adolescente - antes de "dar o nome" [, faltoso] - quer o tenha dado e tenha fugido quando a incorporação se aproximava [refratário]. 

Estes números são muito consideráveis, mas creio que não sejam determináveis com grande exactidão. Julgo que os serviços não os controlavam, nem para efeito de estatística, o que poderia medir a impopularidade da guerra ou patriotismo do povo. Este resultado poderia ser decepcionante para os "guerristas".

Para se ser desertor - naquele tempo e hoje - é necessário ter-se sido incorporado. Era, nos termos da lei do tempo, um crime "essencialmente militar", ou seja, um crime que só os militares podiam cometer. Hoje a legislação mudou e não existe este tipo de crimes. 

Se se não era incorporado,  era-se civil e, quanto muito, deixava de se cumprir "um dever de cidadania", como se diz hoje.

Neste âmbito, considerando que os membros do blog são ex-militares, teremos de tomar como verdadeiros os elementos fornecidos pelos investigadores, relativos àquelas duas situações. Seria bom que eles indicassem o seu método de trabalho, técnica de interpretação de elementos disponíveis e fontes consultadas.

Aqui, era interessante consultarmos as histórias das unidades, onde as deserções em face do inimigo deverão vir assinaladas e, talvez, personificadas.

O tal inquérito sobre esta matéria seria interessante...

Para a maioria dos membros do blog, dada a curta permanência na "metrópole", será difícil fornecer números de desertores nas unidades do continente e ilhas. (***)

2. Comentário do editor:

Seguimos a sugestão do nosso amigo e camarada Tó Zé, abrindo um inquérito 'on line' no sítio do costume, o  canto superior da coluna da esquerda... 

Vamos considerar também as eventuais situações de deserção na metrópole, aquando da formação da companhia (ou equivalente). Pode haver um caso ou outro onde seja difícil obter elementos fiáveis: por exemplo, na minha CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, éramos cerca de 60 e tal graduados e especialistas que se juntaram no Campo Militar de Santa Margarida para "formar a companhia".  Não posso garantir que alguém não tenha comparecido (, sendo dado nesse caso como desertor). Mas penso que não. Era uma unidade "atípica" que se foi juntar aos seus praças, do recrutamento local, já recrutas (cerca de 1 centena).  Demos-lhes a instrução de especialidade e fizemos com eles a IAO. Não houve deserções  no tempo em que lá estive (maio de 1969/março de 1971). Fomos substituídos por outros graduados e especialistas, em rendição individual.

Já no caso da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), por exemplos, sabemos que houve, na véspera do embarque, a deserção de um oficial miliciano (ou aspirante a oficial miliciano).

O nosso inquérito desta semana contempla as duas situações: a hipótese de deserção ter ocorrido na metrópole e ou já no TO da Guiné. Podem e devem ser dadas duas respostas: por exemplo, 1. Nenhum [caso], na metrópole; e 2. Nenhum [caso], no TO da Guiné. Ou então: 3. Um [caso], na metrópole; e 2. Nenhum [caso], no TO da Guiné. 

INQUÉRITO 'ON LINE': "NA MINHA UNIDADE (COMPANHIA OU EQUIVALENTE) NÃO HÁ CASOS DE DESERÇÃO" 

1. Nenhum, na metrópole

2. Nenhum, no TO da Guiné

3. Um, na metrópole

4. Dois, na metrópole

5. Três ou mais, na metrópole

6. Um, no TO da Guiné

7. Dois, no TO da Guiné

8. Três ou mais, no TO da Guiné


A responder até 3/11/2016, 5ª feira, 15h34.
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(**) Vd. poste de 22 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16628: Recortes de imprensa (83): Guerra colonial: mais de 200 mil refratários, mais de 8 mil desertores... e faltosos, não se sabe..., segundo estudo em curso conduzido pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins (Lusa / DN - Diário de Notícias / Expresso, de ontem

(...) Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, vão apresentar os dados finais do estudo no colóquio "O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio", que se realiza na quinta-feira, no qual será também apresentada documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial.

De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial "pode pecar por defeito" porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.

O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.

Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários - jovens que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação - e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.

"Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspeção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país", indicou o historiador do CES.

Para Miguel Cardina, o "processo de afastamento e fuga" da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores - porque não existiam números conhecidos até ao momento - mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.

"Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores", explicou.

Segundo o historiador, o "fenómeno dos faltosos" cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a "fugir da guerra" mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, "a guerra podia ser" uma das motivações para o ato de emigrar. (...)


(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)

Guiné 63/74 - P16646: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (I)







Guiné-Bissau > Região de Quínara > Travessia do rio Grande de Buba (ou, melhor do "canal do porto"), de São João para Bolama, vindo de  Fulacunda > Outubro de 2015

Fotos (e legendas): © Adelaide Barata Carrêlo (2016), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > Detalhe: posição relativa de São João, Bolam, canal do porto e rio Grande de Buba.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)



1. Texto e fotos enviados em  12 do corrente. Continuação da publicação do álbum fotográfico e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*). 

Com sete anos, a Adelaide passou uma larga temporada (1970/71) em Nova Lamego, com o pai, a mãe e os irmãos, tendo regressado no N/M Uíge, em 2 de março de 1971.  Em 15/11/1970 teve o seu "bartismo de fogo".

 O pai era o ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71). Quarenta anos depois regressa à Guiné-Bissau...

É nossa grã-tabanqueira, nº 721 (membro da nossa Tabanca Grande desde  11/7/2016).


BOLAMA (I)

A ilha de Bolama localiza-se no arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau. É a ilha mais próxima do território continental da Guiné-Bissau, e é o nome da principal cidade, capital da região de Bolama.

A ilha é rodeada por manguezal, que é um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestre e marinho, zona húmida característica de regiões tropicais e subtropicais. Associado às margens de baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, onde haja encontro de águas de rios com a do mar, ou diretamente expostos à linha da costa, está sujeito ao regime das marés, sendo dominado por espécies vegetais típicas, às quais se relacionam outros componentes vegetais e animais.

Ao contrário do que acontece em praias arenosas e dunas, a cobertura vegetal do manguezal instala-se em substratos de vasa de formação recente, de pequena declividade, sob a ação diária das marés de água salgada ou, pelo menos, salobra.

Depois de passar por Fulacunda, seguimos a caminho de Bolama. À beira estrada surge-nos uns montes de argila vermelha compacta, que podem atingir os dez metros de altura e pesar toneladas, são erguidos pelas formigas térmitas ou salalé, que na Guiné se denominam por "Bagabaga".

Ao longo da estrada avistam-se braços do rio Geba onde corpos nus se banham dando conta da nossa passagem. Sempre a contornar as poças de água na estrada e em ziguezague chegámos ao fim da estrada, a S.João, onde iríamos atravessar as águas profundas para chegar a Bolama.

Alguns rapazes que se encontravam neste cais improvisado, prontificaram-se para chamar o dono da piroga para nos levar. Atravessámos as águas que se rasgavam no casco da piroga e vimos pequenos peixes saltavam brilhando ao sol.

Guné 63/74 - P16645: As nossas mulheres (14): Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; lapidador de diamantes, reformado)


Guiné > Bissau > 1968 > Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)

Foto: © Mário Gaspar (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, do 20 do corrente,  de 

Assunto - Se tive, familiares ?... Poucos foram aqueles que usufruíram de tal


Se tive porventura contactos com familiares meus ou de camaradas, no mato ou Bissau?

Enquanto camaradas morriam – e esses meus heróis caíam por toda a Guiné, e em Moçambique e Angola? E nós éramos calcados, amassados e esmiolados nos bocados e nas poças de sangue desses mesmos camaradas. Bissau era cidade. Mulheres, comida e local onde se vivia, existia VIDA.

Senti o corpo a arder, queimado e chamuscado de morte. Nunca tive receio dela. Fácil de compreender: vivia e estava casado com ela. Senti-o quando tive conhecimento ao regressar a Bissau, após gozar férias em Lisboa. Privilégio que poucos usufruíram… Pois regressava e dizem que os camaradas Pestana e Costa tinham falecido. Escrevi, nesse mesmo dia para aquela com quem me casei:
– Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra!

Fui para Gadamael Porto, de avioneta. Pouco tempo depois estava nessa Operação fantasma “Revistar”. Não se falava de outra coisa na esplanada do Hotel Portugal… Em toda a Bissau… Depois foi o que foi. E eu cheio de guerra, inundado. Escutei o meu grito

Vinte e quatro horas, com um horário de 8 horas e 100% de aumento de tempo para efeitos de reforma ou aposentação. No mato o dia ultrapassava matematicamente – no nosso interior essas 24 horas – e quantos como eu (nem o direito a esse período de tempo, para a reforma e/ou aposentação) tínhamos essas 24 horas, para existir justiça, seriam 400% de aumento de tempo, estávamos 24 horas de Serviço, sem descanso semanal.

Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade. Neste último caso, vivia o casal em Bissau ou no interior.

Curiosamente só muito posteriormente, vim a saber existirem militares que viviam com esposa, em determinadas zonas da Guiné.

Como muito boa gente – conheço e desconheço a razão – não diz qual a elite militar que possuía esse prazer, melhor ser no interior de Comandos, Fuzileiros e Paraquedistas. Também naqueles que estavam colocados em Bissau – aí era indiferente o Posto.

Pois em Bissau ouvi disparos. De quem? Tropas Especiais aos tiros após jogo de futebol. Não é deles a culpa, outros os denominaram como tal.  Estou à vontade para afirmá-lo, estive – fui obrigado (todos foram obrigados) a frequentar umas Provas para os Rangeres. Só tenho a dizer que bem me arrependi, bem pior era ser-se Atirador e especialista em minas e armadilhas.

Se tive familiares, também amigos, é bem verdade que sim… Por correspondência – carta ou aerograma – e com namoradas, com ejaculação. As palavras são mesmo escritas, em determinadas ocasiões tudo o que queremos e desejamos. Eram minhas as vaginas, suecas, brasileiras e portuguesas. Puxava-lhes pelos seios e íamos para a cama.

Mas a cama era dura. Depois aqueles mosquitos entravam por todos os buracos e mordiam. Os 4 paus que erguiam o mosquiteiro eram meus aios. Quando no “corredor da morte” – “corredor de Guilege” aguardávamos vindos da fronteira o PAIGC para abastecer a sua tropa, era de madrugada e dormia-se um sono com os pés dentro de um charco.

Os sonhos? Não sonhei mais. Cheiro de tiros, canhões e morteiros.

Tenho a impressão que teria passado razoavelmente de janeiro de 67 a outubro de 68 em Bissau. Apreciador de cerveja, camarão e ostras. Gostando de comer um pombo verde no Zé da Amura.

Até com piscina, tão apreciador de dar umas braçadas estilos livre, mariposa ou de bruços.

Talvez não tivesse ido a esse mundo do “Pilão”, perigoso demais para um habitante de Bissau. Mas estive lá e à noite… Decerto estava já mesmo “apanhado pelo clima”, não do de Bissau – doentio decerto – melhor que o mato.

Um abraço

Mário Vitorino Gaspar

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15293: As nossas mulheres (13): Só se pode falar do passado porque o futuro começa amanhã (Juvenal Amado)