segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16768: (De)Caras (53): O Amaro dos Santos [1944-2014] que eu conheci (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), "Os Unidos de Mampatá"  > Maio de 1974 > Um bigrupo do PAIGC, a caminho de um encontro (desta vez, pacífico) com o pessoal aquartelado em Mampatá.

Do outro lado do Rio Corubal, já na região de Bafatá, no setor L1 (Bambadinca), no subsetor do Xime, três anos e meio antes, em 26 de novembro de 1970, por volta das 8h50, no decorrer da Op Abencerragem Candente, a CART 2715 e a CCAÇ 12 sofreram uma violenta emboscada, de que resultaram 6 mortos e 9 feridos graves entre as NT.

Quinze dias depois, Spínola (e os seus "inspetores") visita o aquartelamento do Xime (CART 2715) e tece duras críticas ao comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Na altura o BART 2917 estava a ser alvo de uma inspeção, que se prolongou de 16 de novembro a 19 de dezembro de 1970.

Foto: © José Manuel Lopes (Josema) (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada (alcatroada) Bambadinca - Xime > Chegada ao Xime, em 9 de março de 1974, da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74), para embarque em LDG a caminho de Bissau. A esta companhia pertencia o nosso camarada Luís Dias. O Xime era a grande porta de entrada na zona leste...Até ao fim da guerra, o PAIGC manteve, com as NT, um braço de ferro neste subsetor, matendo pressão sobre o Xime e a navegação no Rio Geba Estreito (Xime-Bambadinca). A construção da nova estrada alcatroada Xime-Bambadinca reforçou a importância estratégica desta antiga sede de regulado e posto administrativo...

Foto: © Luís Dias (2008). Todos os direitos reservados. [[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de António José Pereira da Costa 



[António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]


Data: 27 de novembro de 2016 às 19:43
Assunto: Uma Foto do Amaro dos Santos


Fui camarada do Amaro dos Santos [, que foi o primeiro comandante da CART 2715, Xime, até à data da sua evacuação, para o HM 241, em 1/1/1971] (*)

Aqui vai a única foto [, de baixíssima resolução,] que me foi possível fazer dele. Foi no dia em que entrei na artilharia, estava ele no 3.º ano e eu no 2.º

Depois encontrei-o na BAC 1,  em Bissau,  em janeiro de 68, quando ele regressava à "Metrópole".

Perguntamos-lhe como era a guerra e a resposta dele foi marcante:
- Eh,  pá,  a guerra,  pá...

E parou à procura das palavras. E não foi capaz de, subalterno a subalterno, dar-nos uma ideia clara do que se passava. E tinha razão.

Depois estivemos juntos no Grupo de Artilharia da Brigada de Stª Margarida (em Leiria).

Nunca falámos dos seus traumas do Xime nem me apercebi que tivesse quaisquer problemas psíquicos.

Um Ab.
TZ

2. Comentário do editor:

Penso que nunca mais voltei a encontrar o Amaro dos Santos, no Xime ou em Bambadinca, depois daquele fatídico dia 26/11/1970. E nunca mais voltei a cruzar-me com ela na vida. Falámos apenas ao telefone, uma meia dúzia de vezes, entre fevereiro e junho de 2012, dois anos antes da sua morte, ocorrida em 28/2/2014.

Nunca o vi sequer à civil, tinha de  Bambadinca e do Xime uma vaga ideia da sua fisionomia. E não esquecerei mais o dia em que ele teve, em Bambadinca, uma discussão com o 2º cmdt do BART 2917,  que o perturbou imensamente e que afetou o moral  de  todos nós... Não ouvi nem assisti a essa discussão, mas chegaram-me ecos, através dos alferes que frequentavam a messe de oficiais. Julgo que essa discussão foi em público. Alegadamente o 2º cmdt tê-lo-à ameçado nos seguiintes termos:"O nosso capitão  Amaro dos Santos vai e torna a ir [à Ponta do Inglês] nem que seja amarrado a uma GMC!"...

Lembro-me, isso, sim,  de ver o Amaro dos Santos, completamente transtornado a entrar na messe de sargentos (que era contígua à nmesse de oficiais), com a malta pronta a sentar-se, e ele lançar um salto de felino sobre as garrafas de vinho que estavam alinhadas para a refeição (, deve ter sido à hora do almoço!)...

Há imagens que não se apagam... Imagine-se o efeito devastador que cenas como esta tinham sobre o moral do pessoal... E, sem o sabermos, tinha acabado de decorrer, em 22 de novembro de 1970, a Op Mar Verde, a invasão de Conacri, na qual participaram os nossos "vizinhos", formados em Fá Mandinga, a 1ª CCmds Africanos... Estávamos todos em "alerta máxima" sem saber a razão... E o subsetor do Xime era "pressuposto" estar desfalcado, em termos de efetivos do PAIGC...

O motivo das mensagens que ele me enviou (e dos telefonemas que eu  lhe fiz, por  minha iniciativa) foi a publicação, no nosso  blogue, de um despacho do Com-chefe,  de 7/1/1971, relativo à visita de inspeção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e às suas subunidades. O documento,  de 12 páginas, incluía uma parte relativa á visita de inspeção do Xime [pp. 5/7], realizada em 12/12/1970, mais de duas semanas depois da Op Abencerragem Candente. Essa inspeção estava a decorrer desde 16 de novembro de 1970...

O Amaro dos Santos pediu-me (e depois exigiu-me, na defesa do seu bom nome e honra) que eu retirasse o poste relativo ao Xime e ao seu comandante, e que omitisse o seu nome em todos os postes. Reagia, assim, "a quente", em 2012, dois anos depois da  publicação desse  despacho (em maio de 2010) (!!!)...

Acabei por retirar esse poste, a título excecional, por entender que estava a agravar o seu sofrimento psíquico. Mas este excerto tem, hoje,  interesse documental, historiográfico, para os amigos e camaradas da Guiné.  e para compreensão da situação operacional do setor L1, nessa época.  Acabámos por repor, em linha, esse poste,

Relendo-o,  sem paixão,  com serenidade, parece-nos  que não viola as nossas regras editoriais. De resto, o documento não fala em nomes mas sim em cargos: o comando do batalhão (BART 2917(, o comandante da companhia (CART 2714, CART 2715)...

Em suma, não posso, hoje, privar os nossos leitores de terem conhecimento do seu conteúdo (que nos chegou às mãos através do Benjamim Durães e do Jorge Cabral). E espero que ninguém mais se sinta eventualmente injustiçado pelas críticas feitas pelos inspetores de Spínola... Entretanto, passaram-se 46 anos, e estes factos pertencem à história e são do domínio público....

O poste P6335 [e não P9335, como era referido pelo Amaro dos Santos, nas mensagens que me enviou], esse, sempre esteve "on line" e é relativo à visita de inspeção a Mansambo [CART 2714] (**), bem, como aos destacamentos de Afiá e Candamá, visita essa realizada em 18/11/1970, portanto, uma semana antes da Op Abencerragem Candente.

 O poste da polémica era o P6368 [11 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)].

O poste P6368 foi o único desta série que foi retirado do blogue, em vida do cor art ref Vitor Manuel Amaro dos Santos... [Será reposto em 26/11/2019, por ocasião do 49º aniversário da Op Abencerragem Candente]..  Nesta data, 26/11/2016, reproduzimos o essencial do seu conteúdo, para ficarmos então com o conhecimento integral do documento do Com-Chefe...E convidamos os nossos leitores a fazer a sua apreciação crítica.

Como se percebe, o teor do despacho dá, compreensivelmente, um grande destaque aos erros de planeamento e de comando que levaramr  ao desastre de 26/11/1970.  Faz críticas duras ao comando do BART 2917 mas também não poupa elogios a oficiais subalternos, como o comandante do destacamanto do Enxalé (*).

A visita de inspeção ao Xime faz-se a 12/12/1970, quando o Amaro dos Santos ainda era, formalmente, o cmdt da CART 2715. Tinha acabado de fazer 26 anos, em 18/11/1970. Só será evacuado, por razões de saúde, em 1/1/1971 (primeiro para o HM 241, em Bissau, e depois para a Metrópole).  

Claro que o despacho sobre o Xime é cruel: ninguém (Spínola e os seus inspetores) se apercebe e dá importância ao sofrimento de um comandante operacional que, antes de ser militar, é um homem.

O Amaro dos Santos sentiu-se, mais do que visado, vexado, conforme se deduz das mensagens que me mandou por telemóvel, desenvolvendo a partir daí um complexo persecutório. Repare-se na data das suas mensagens e no seu teor:





Ele, coitado, já não está cá para se "defender" ou "justificar" ou"acrescentar" o que quer que seja... mas também, em 2012, me pareceu emocionalmente muito perturbado para podermos prosseguir um diálogo construtivo baseado nas nossas experiências e memórias...  Recordámos, mesmo assim,  esses tempos, reconstituímos pormenores da emboscada, falámos do blogue, que ele seguia, etc.

Em conclusão, fomos também duas vítimas daquela emboscada. O fatídico dia 26/11/1970 continua a perseguir-me ao fim destes anos todos, como perseguiu o resto da vida do Amaro dos Santos...

Do Amaro dos Santos, só posso dizer que  em combate teve um comportamento heróico. Em contrapartida, como  camarada que "da lei da morte já se libertou",   só posso desejar lhe que descanse finalmente em paz. Creio que ele era crente e encontrou na fé algum conforto em vida. Por fim, a sua memória é honrada, por todos nós, aos olhos de todos nós, incluindo a sua família, filhos e netos, e os seus antigos camaradas da CART 2715 e do BART 2917, com a sua integração, a título póstumo, na lista dos membros da Tabanca Grande




Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea (parcial) da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula...  Entre maio de 1970 e março de 1972, era a CART 2715 / BART 2917, comandada até ao fim do ano de 1970 pelo cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), suibstituído temporariamente pelo alf mil José Fernando de Andrade Rodrigues, açoriano (1947-2014), também nosso grã-tabanqueiro,  nº 671,  a título póstumo.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Excerto do despacho do Com-Chefe, de 7/1/1971, relativo à visita de inspeção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um documento de 12 páginas (**)

(...) 7. Visita a Xime em 12dez70 

 [pp. 5/8] [os parênteses retos são da responsabilidade do editor]

- A impressão colhida na inspecção à Companhia do Xime foi má.

- O Comandante da Companhia revelou uma muito precária preparação táctica par conduzir a sua subunidade no mato, nomeadamente no que toca a noções elementares de segurança.


Com base na descrição que me foi feita da acção realizada em 26 de Novembro na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] , conclui que o êxito da emboscada do IN se deve fundamentalmente a erros graves cometidos pelos Comandos de Batalhão e Companhia, do ponto de vista de segurança. Ao primeiro por ter marcado um itinerário a percorrer numa operação tirando iniciativa ao Comandante da Companhia, e ao segundo por não se ter deslocado em adequado dispositivo.


É evidente que uma força que se desloca no mato por uma picada [, a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês,] constitui um objectivo altamente vulnerável para uma emboscada.


Encontrei a Companhia com fraco moral em consequência das baixas sofridas (***), e não encontrei por parte dos Comandos a determinação de cumprir a missão cometida às forças emboscadas. Uma emboscada é um incidente e não pode nunca constituir motivo impeditivo do cumprimento de uma missão.


O Comando do Batalhão deveria ter imediatamente, com reforço ou não, providenciado no sentido de no mais curto prazo de tempo ter sido reconhecida a região de Ponta do Inglês (objectivo da operação).


- O Comando da Companhia desconhecia a quem competia a responsabilidade da área do Destacamento do Enxalé durante o espaço de tempo em que aquele Destacamento esteve temporariamente dependente do CC [Comando da Companhia ?]; assim como também não teve conhecimento da altura em que cessou aquela responsabilidade.


É incompreensível tal situação.


- O Comandante de Companhia queixou-se que passam barcos de noite no Xime sem que este tenha conhecimento, o que dificulta o cumprimento da sua missão. Este problema deveria já ter sido coordenado pelo Comandante de Batalhão, ou posto superiormente.


- Não tem sido respeitada a orgânica das subunidades.


A Companhia do Xime foi reforçada com 1 Grupo de Combate de Mansambo [,CART 2714,] que foi desmembrado ficando o seu Comandante no Xime a comandar uma secção, e tendo sido destacadas para o Enxalé duas Secções. Essa solução carece de lógica e afecta os laços orgânicos.



- Há que averiguar as condições em que está a ser pago, com carácter permanente, pessoal nativo destinado a “picagem”, pois não é permitida a utilização de pessoal nativo a título permanente (O Tenente-Coronel Robin esclarecerá este assunto).

- A tabanca de Xime não tem chefe. O Comandante do Batalhão já devia ter levantado este problema junto da Administração.


- Verificou-se que a Companhia não emprega minas e armadilhas, especialmente em zonas onde não há população, o que não tem justificação, face à carência de meios disponíveis.

- A população da tabanca [do Xime] encontra-se completamente entregue a si própria, desconhecendo o que terá de fazer em caso de ataque e apresentando as suas armas em estado manifestamente precário de limpeza, nem tão pouco as sabendo utilizar. Não há qualquer plano de defesa da tabanca.


- O Comandante da Companhia desconhecia o plano de tráfego de canoas no Rio Geba, o que é inadmissível. Como é possível controlar o tráfego quando se desconhecem os respectivos condicionamentos (zonas amarela, azul e vermelha) ?


- O plano de defesa do Xime necessita de ser elaborado em novas bases, em ordem a englobar a defesa da tabanca.


- Não está a ser tirado rendimento da mobilidade da Artilharia [, 20º Pel Art / GAC 7,] que se deve deslocar por entrada para apoiar operações nas zonas nevrálgicas.


-Os abrigos da defesa encontram-se concentradas em determinadas zonas em detrimento de defesa global do quartel e tabanca.


- Não está a ser tirado rendimento da metralhadora Breda que se encontra mal localizada.


- Na missão atribuída à Companhia refere-se que deve colaborar na defesa de Bambadinca. Como ? 

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de  2016 >  Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1946-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. poste de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

Vd. também os restantes postes:

23 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6455: O Spínola que eu conheci (22): Conclusão da visita de inspecção ao BART 2917 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luis Graça)
15 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6396: O Spínola que eu conheci (21): Fiquei com óptima impressão do subalterno Comandante do Destacamento do Enxalé (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

6 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6326: O Spínola que eu conheci (16): A visita de inspecção ao BART 2917 e suas subunidades, Sector L1, Bambadinca, de 16 de Novembro a 19 de Dezembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) Companhias de quadrícula do BART 2917 (maio de 1970/março de 1972) (comandado pelo ten cor art Domingos Magalhães Filipe e depois pelo ten cor inf João Polidoro Monteiro):.

(i) CART 2714, sita em Mansambo (cmdt: cap art José Manuel da Silva Agordela):

(i) CART 2715, sita no Xime (cmmdts: cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, alf mil art José Fernando de Andrade Rodrigues, cap art Gualberto Magno Passos Marques, cap inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, cap inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (cmdt: cap mil art Francisco Manuel Espinha de Almeida)


(***) Desta emboscada resultaram 6 mortos (uma secção inteira, massacrada) e 9 feridos graves... Os mortos foram o guia e picador da CCS / BART 2917, Seco Camará (, natural e residente no Xime, mandinga); e, da CART 2715, o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, 1º Cabo José Manuel Ribeiro, o Sold Fernando Soares, o Sold Manuel da Silva Monteiro e o Sold Rufino Correia de Oliveira.


(****) Último poste da série > 16 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16726: (De)Caras (61): Um bravo do meu pelotão, o 1.º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos: evocando aqui uma delicada escolta a uma coluna que, em 16 de maio de 1973, foi do Pelundo a Jolmete resgatar 6 cadáveres (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73)

domingo, 27 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16767: Álbum fotográfico de Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, 1969/71) - Parte V: Eu, em Mansambo, com o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira, cmdt do 1º Gr Comb



Guiné >Zona leste > Setor L1 > Mansambo >  c. 1970 > O Fernado Sousa, como o seu malão de primeiros socorros, à direita, com o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira, comandante do 1º Gr Comb,  ambos da CCAÇ 12 (1969/71). Hoje são vizinhos. "Tínhamos regressado de uma operação entre o Xime e Mansambo, Deve ser já para o fim da comissão".

O Francisco Moreira, que não integra a nossa Tabanca Grande (mas que teríamos todo o gosto em o acolher aqui!), vive em Santo Tirso. Já não nos vemos desde 1994. O Moreira era reconhecidamente o homem de confiança do comandante da companhia, o cap inf Carlos Alberto Machado Brito (, hoje cor inf ref). O Moreira passou por Lamego, pelo CIOE, tal como Humberto Reis, os dois "rangers" da CCAÇ 12.

Na altura em que eu, o Fernando Sousa, Francisco Moreira,  o Humberto Reis e outros estivemos na CCAÇ 12 (maio de 1969/março de 1971),  como unidade de intervenção no Sector L1,  conhecemos, como subnidades de quadrícula em Mansambo, as seguintes:

(i)  CART 2339 (1968/69), adida ao BCAÇ 2852 (1968/70):

(ii) CCAÇ 2404 (novembro de 1969/maio de 1970);

e (iii) a CART 2714, do BART 2917 (1970/72). (Esta companhia será rendida pela CART 3493, a que pertenceram o nosso grã-tabanqueiro António Duarte e  António Eduardo Ferreira; a CART 3493 vai em março de 1973 para Cobumba, na região de Tombali, sendo substituída pela CART 3494, do mesmo batalhão, o BART 3873, sedidado em Bambadinca, 1972/74).

A CCAÇ 12 ia frequentememte a Mansambo, em colunas logísticas ou em operações nos subsetores de Mansambo e Xitole.

Foto (e legenda): © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da publicação do álbum de Fernando Andrade Sousa que foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa (*). 

É inacreditável como é que a CCAÇ 12 só tinha dois enfermeiros operacionais para alinhar no mato, aliás, dois 1ºs cabos aux enf, o Fernando Sousa e o Carlos Alberto Rentes dos Santos (e este por pouco tempo, já que foi trabalhar como carpinteiro no reordenamento de Nhabijões!... O 1º cabo aux enf  José Maria S. Faleiro  foi cedo evacuado para a metrópole. +pr doença infetoconbtagiosa,  e e só muito mais tarde foi substituído pelo  1º cabo aux enf Fernando B. Gonçalves.)

Os médicos e os furrieis enfermeiros (como era o caso do nosso João Carreiro Martins) não alinhavam no mato (!), sendo cada vez mais absorvidos pelas tarefas de prestação de cuidados de saúde às populações civis!... 

Spínola parecia confiar apenas no HM 241, nos helicópteros da FAP  e nas enfermeiras paraquedistas que vinham fazer as evacuações Ypsilon!... Quantos camaradas nossos não terão morrido por falta de primeiros socorros no mato!... A vida ali contava-se ao segundo... 

Nunca vi ninguém protestar por esta insólita situação. A política da "Guiné Melhor" levou Spínola a "canibalizar" o seu próprio exército: alguns dos nossos melhores operacionais eram afetados a missões civis, como os reordenamentos, os postes militares escolares e os serviços de saúde!

Mais: a CCAÇ 12 é obrigada a participar directamente no "projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões",  ao tempo do BCAÇ 2852 (e depois do BART 2917), fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos operacionais  alf mil António Carlão (cmdt do 2º Gr Comb), o fur mil at inf Joaquim  M. A. Fernandes (cmdt da 1ª seção do 4º Gr Comb), o 1º cabo at inf Virgílio Encarnação (cmdt da 3ª seção do 4º Gr Comb) ,e o sold arv  at int Alfa Baldé,  que foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969, e ainda 2 carpinteiros, um 1º cabo at inf (cujo nome preciso de confirmar) e próprio 1º cabo aux enf Carlso Albertos Rentes dos Santos).

A CCÇ 12 tinham 24 operacionais (graduados e 1ºs cabos atiradores), metropolitanos,  e uma centena de praças do recrutamento local, distribuídos por 4 grupos de combate, sem contar com os especialistas, metropolitanos (condutores auto, transmissões, enfermagem, etc., ao todo uns 35). Os 4 elementos operacionais brancos que são retirados à companhia, representava um 1/6 do total!

Na prática, e durante muitos meses, o pobre  do 1º cabo aux enf Fernando Andrade Sousa era o único a !alinhar no mato", dos 4 elementos iniciais da equipa de saúde!... (A CCAÇ 12 não tinha, de resto,  soldados maqueiros).  

E o Fernando também tinha, além disso, de integrar as equipas de  "ação psicossocioal" (!), por exemplo, as visitas às tabancas (*)...  E mais: ia todos os dias para o poste de saúde quando estava em Bambadinca!... E ainda foi destacado, dois ou três meses, no princípio de 1970,  para o Xime da CART 2520, que estava sem enfermeiro!...

Em conclusão foram homens como o Fernando Anadrade Sousa, "marca c...",, como se diz no Norte, que seguraram as pontas desta p... de guerra!... (Julgo que levou,  no fim, um louvor, averbado na caderneta militar, como seria, de resto,  da mais elementar justiça!).

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Guiné 63/74 - P16766: Blogpoesia (482): "O cargueiro gigante"; "O render da Companhia..." e "Nevoeiro...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


O cargueiro gigante

Ferrou-se em ferro à doca,
com unhas e dentes,
tentando levá-la.

Insano! Em vão.

Por que ele puxe,
se afunda no rio
que manda na doca.

Ali jaz dromedário.
Alapado.
Lhe enchem o bojo.
Atestam.
Sem um simples gemido.

Na hora exacta,
Desprendem-lhe as cordas.
Aceleram-lhe as máquinas.
Ateiam-lhe a hélice
E ele range e rumina com raiva
Na profundeza das águas.

Lento e pesado se desliga da doca.
Faz-se ao rio
E, navio sem velas,
Segue para o mar,
Cumprindo a rota...

Berlim, 27 de Novembro de 2016
9h18m

************

O render da Companhia...

Hora feliz da rendição.
No Cachil em guerra.
Duzentos presos em liberdade.
Era o fim.
À frente a mata.
Tanta incerteza,
Com o inimigo à espreita
E sem fim à vista.

Tanta hora de medo,
Nervos em franja,
Arriscando a vida.
Não há quem resista.

Até que, um dia,
No segredo dos deuses,
Chega uma LDM,
Com gente fresca.
Para a rendição...

Ó alvoroço!
Foi uma festa.

Pegámos nas trouxas,
Para Catió,
Terra de gente.

Cafés e lojas,
Uma igrejinha branca,
Muitas cubatas,
Tantas famílias.
Vivendo a vida.
Parecia o céu...

Berlim, 27 de Novembro de 2016
10h35m

************

Nevoeiro...

Uma manta espessa de nevoeiro
esconde o céu à terra.

Fez-se o silêncio.
Se calaram todos os sonhos.

Pelas ruas desatinadas apenas as rotinas seguem cegas suas rotinas.

Já não há escaparates de oferendas,
frente aos passeios,
porque se toldaram negros todos os horizontes.

A esperança foi escorraçada a pontapé pelos temores.

Só o sol da fé ainda brilha por dentro dos olhos amordaçados.

Há-de chegar o dia em que seus raios
rasgarão esta cortina pesada e negra
e, de novo, se verá o azul do céu...

ouvindo 2.º Concerto de Rachmaninov por Hélène Grimaud

Berlim, 25 de Novembro de 2016
8h39m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16740: Blogpoesia (481): "Suaves momentos matinais..."; "Suavidade e elegância..." e "Apagou-se a noite...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102) : Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...

Choro para uma morte anunciada!

por Luís Graça


Em memória 
de todas as vítimas 
da Op Abencerragem Candente,
Xime, 26/11/1970,
ontem, hoje, amanhã; 

em memória do Cunha (1948-1970),
em memória do Amaro dos Santos (1944-2014),
em memória de todos nós, afinal...



Esquecer a Guiné, camarada!,
a salada de atum, cebola e tomate,
que vai ser a tua última ração de combate,
e o copo de vinho verde tinto
que tomas de um trago do teu cantil de fel
e o último cigarro
que partilhas connosco,
nharros de 1ª classe, 
tu,  camarada e amigo, ainda "pira",
que não sabes que vais morrer,
à hora marcada, 
às 8h50…

Um, dois,  três, quatro, cinco, seis homens
vão morrer daqui a três ou quatro horas,
às 8h50,
em vinte e seis de novembro
de mil novecentos e setenta,
no cacimbo da madrugada,
na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês.
Cinco brancos e um preto,
a lotaria da morte, em L,
numa emboscada que é cubana, 
numa roleta que é russa,
com os RPG, amarelos, "made in China"...
O génio da morte que é, afinal,
universal!

Qualquer um de nós, 
que está aqui à volta da mesa,
pode vir a morrer, camaradas,
na próxima hora!, 
galhofas tu,
com um sorriso amarelo,
para exorcizar os teus medos,
os nossos medos coletivos...

Ou nem isso,
um gajo que se preza,
não fala da morte na guerra, 
às 3 horas da madrugada,
no Xime de todas as batalhas,
a caminho do vespeiro da Ponta do Inglês,
indo exatamente pelo mesmo trilho da véspera,
porque não há outro,
e os olhos e os ouvidos e a boca dos irãs do Xime
não estão do teu lado,
pobre tuga,
que vais morrer a cinco mil quilómetros da tua terra,
lá no teu verde Minho, 
tu que nunca mais irás de Barcelos a Viana,
em noite de romaria!

Camaradas, 
qualquer um de nós pode lerpar
na próxima saída para o mato,
ou até com os cornos enfiados no abrigo,
porque há sempre uma hora
para morrer.
De um tiro no coração,
de um roquetada, 
de uma canhoada,
de uma mina antipessoal, 
do despiste de um Unimog,
de um ataque de abelhas assassinas,
da picadela mortal da cobra verde, 
da explosão de uma granada de morteiro
ou até de paludismo cerebral
ou de simples morte súbita,
fulminado por um raio dos irãs irados,
debaixo do poilão onde dormes com a tua bajuda... 

Esquecer a Guiné, camarada!,
o teu jovem capitão de artilharia, 
vinte e tal anos,
acabado de sair da Academia Militar,
que se recusa a sair com os seus homens
para a Ponta do Inglês…
E o safado do segundo comandante do batalhão
que lhe manda dizer, alto e som,
pelo altifalante da parada:
"O nosso capitão vai e torna a ir,
nem que seja a reboque de uma GMC!"...

Esquecer a Guiné, camarada,
nem que seja por uma noite,
por esta noite 
em que um de nós,  quatro,  
que estão aqui à volta desta mesa tosca, 
vai morrer!

O sabor a sangue e a merda
que a vida aqui tem,
aos vinte e poucos verdes anos,
a merda da Guiné,
a merda verde rubra do Xime,
a merda que te cobre o corpo e a alma,
é muito mais do que a merda toda,
das bolanhas, das lalas e do tarrafo

do Geba e do Corubal!
Podes lavar-te todos os dias,
mesmo que não morras amanhã, 
à hora aprazada,
às 8h50,
que essa merda nunca mais te sai,
nunca mais te sairá, 
nunca mais te sairá do corpo e da alma!
Podes até trocar de camuflado,
de bandeira,
arrancar a pele,
trocar a G3 pela Kalash,
venderes a alma ao diabo,
essa merda que te vai matar,
está te entranhada, 
no corpo e na alma, 
até ao tutano!

Quem disse que descansarás em paz, camarada,
e que a terra da tua pátria te será leve ?!

Meu pobre camarada, 
meus bravos camaradas,
meu Deus,
que pedaço de inferno foi este
que nos coube em vida,
nesta terra?!
_____________

sábado, 26 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16764: Efemérides (241): a Op Abencerragem Candente foi há 46 anos: lembrando os nossos mortos, incluindo o Joaquim Araújo Cunha, e evocando aqui a figura do valoroso guia e picador das NT, Seco Camará (Bambadinca), rival do Mancaman Biai (Xime)...



Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [, CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Joaquim Araújo Cunha (assinalado com um círculo a vermelho).... Era de Viana do Castelo. Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca)

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Zona Leste > Xime > CCAÇ 536 (Xime e Bambadinca, 1963/65) >  Manifestação de portuguesismo dos mandingas do Xime, ostentando a bandeira das quinas,,,  "O homem do chapéu colonial era nosso guia e morava junto ao quartel. O mais alto, acho que era o chefe da tabanca. Ia connosco para o mato e, devido à sua altura, salvou-me de morrer afogado numa bolanha perto do Xime, num dia para esquecer."

Segundo o "menino do Xime",  José Carlos Mussá Biai, o picador não era o Seco Camará, que irá mais tarde, em 1969, mudar-se para Bambadinca. O chefe da tabanca era o  tio do Zé Carlos, pai do Mancaman Biai, "rival" do Seco Camará.


Foto (e legenda): © Libério Candeias Lopes (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Carlos Mussá Biai , com data de ontem

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39
 Assunto: Seco Camará e Mancaman Biai


Olá, Luís, viva


Do meu tio Mancamam [Biai]  e sobre aquela época não sei nada, porque,  como sabes,  na altura eu era criança e não entendia nada..., só sei que havia guerra que estava a ceifar vidas, mais nada...

Quanto ao Seco Camará,  do que ouvi dizer, não sei se foi assim ou não, foi ele quem fez falsas denúncias de que havia colaboradores do PAIGC na população de Xime.

Esta foi provavelmente a razão porque os meus irmãos e primos se alistarem no exército, como prova de lealdade,  e que nada do que o Seco dizia era verdadeira.

Também ouvi dizer que ele acusou algumas pessoas de o querem envenenar.

Suponho que foram algumas destas questões que o fizeram mudar-se para Bambadinca, porque ninguém quererá viver numa terrinha como o Xime onde deixou de ter amigos.

Um abraço e bom fim de semana,

Zé Carlos


2. Comentário do editor LG:

Faz hoje 46 anos que o Seco Camará morreu, juntamente com uma secção quase inteira, 5 camaradas da  CART 2715, subunidade de quadrícula do Xime , com seis meses de Guiné, numa operação em que participei, no subsetor do Xime (Op Abencerragem Candente) (*)... 

Foram os 6 primeiros homens abatidos de uma enorme coluna apeada, composta por 2 destacamentos, cada um com 3 grupos de combate, ou seja, no total cerca de 180 homens... Ajudei a recolher os seus restos mortais... alguns tão reduzidos que cabiam embrulhados num dólmen (como foi o caso do Seco Camará)...

Fez connosco (CCAÇ 12) diversas operações ao longo da nossa comissão, fez operações com a CART 2339, do Torcato Mendonça, da CART 2520, do  José Nascimento,  e com outros camaradas que estão aqui na Tabanca Grande, e que passaram pelo Setor L1 em diferentes épocas...

Aquela operação foi-lhe fatal... a ele que tinha guiado milhares e milhares de homens pelas matas do Xime e do Corubal, desde os primeiros anos de guerra, e detectado e levantado dezenas e dezenas de minas... 

Morreu, à roquetada, no dia 26/11/1970...

O seu nome também não consta na lista dos "nossos" mortos (, pelo menos na lista da Liga dos Combatentes)... Um primeiro pensamento que me ocorre, é de espanto e de indignação, esperando que no entanto que isto não tenha passado de um lapso ou de falha da máquina burocrática do exército...

Afinal, o Seco Camará nem sequer era milícia.  Os milícias, por sua vez,  não eram militares, mas foram combatentes... E que combatentes, muitos deles!... O Seco Camará não era nem podia ser um simples civil: era considerado o melhor (ou mais leal) dos nossos guias, e um exímio e corajoso picador. Usava  a farda camuflada do exército português e tinha uma G3 distribuída. 

No  Xime não havia milícias, os outros guias e picadores  não gostavam dele. Daí talvez a sua transferência para Bambandinca, ao tempo ainda da CART 1746 e do BCAÇ 2852.

2. Excertos sobre a figura do picador e guia das nossas tropas, Seco Camará, morto faz hoje 46 anos, no decurso da Op Abencerragem Candente (**), subsetor do Xime, Setor L1 (Bambadinca), em 26/11/1970, 4 dias depois da invasão de Conacri (Op Mar Verde)... Começamos hoje com um apontamento do Torcato Mendonça, alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69):


(i) Torcato Mendonça:

(...) A mim contaram-me que esta emboscada pode ter sido um erro de alguém. O furriel Xico Carvalho, da CART 2715, meu amigo do peito, em conversa (ou foi por escrito?),falou-me da morte do Seco Camará, mandinga e um velho amigo de muitas operações por aqueles lados.

Parece ter havido um erro de um graduado... Não sei, e, para o caso, é agora irrelevante. A emboscada, com essas características, tinha o comando de um ou mais internacionalista cubanos. Um deles, precisamente numa nossa destruição, com a CART 1746 ao Poindon fugiu, perdeu o boné com fotos, mas muito,mas muito lamentávelemte levou a cabeça. O Seco, se lhe fosse entregue metade do valor de cada mina detectada e paga justamente pelas NT, era um mandinga rico. (...)

Eu não participei desta operação [, já tinha regressado há à metrópole quase uma no antes]. mas passei muitas vezes por lá [, pelo subsetor do  Xime] e o Seco era meu amigo. Em operações trocávamos a ração de combate... "Rabo de rato, rabo de rato",  dizia ele ao ver a lata de conserva de polvo ou lulas. Eu dizia: "Toma lá sardinhas"... Porco, não,...coisas entre ele e o Alá. (...)


(ii) Excerto do desenrolar da acção (Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970)


(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B [CCÇ 12], Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro [Agr C].

Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as helievacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:

(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (**)
_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de novembro de 2016  >  Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1946-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. postes de:

26 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Camdente (Xime)...(Luís Graça)

11 de maço de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador, Seco Camará

Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 20º Pel Art / BAC 1 > O obus 10.5... Na imagem, o fur mil at inf Arlindo Roda, da CCAÇ 12.



 Guiné > Zona leste > Sector L1 > Xime > Madina Colhido > CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Op Boga Destemida > 9 de fevereiro de 1970 >  A helievacuação de feridos em Madina Colhido, no regresso ao Xime ... 

É uma imagem que se repetia ao longo dos meses, sempre ou quase sempre que havia operações à península da Ponta do Inglês, nomeadamente na época seca.  Como acontecerá em 26/11/1970 (*), já no tempo da CART 2715 / BART 2917, a subunidade de quadrícula do Xime que foi render, em maio de 1970, a CART 2520. Era comandada pelo cap art QP Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos (acabados de fazer em 22 de novembro)... 

Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714, CART 2715 e CCÇ 12), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. Os mortos foram penosamente transportados até ao Xime, em macas improvisadas, os feridos foram encaminhados para Madina Colhido e dali helievacuados para o HM 241, em Bissau... Não temos fotos desse dia de inferno (**)...

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem  enviado por telemóvel ao editor do blogue pelo cor art ref Vitor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 22/11/1944- Coimbra, 28/2/2014), DFA, ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/72) (***)... 


É um documento humano extraordinária, escrito dois anos antes  da morte do nosso camarada, que ficou marcado para sempre por este trágico evento. Tive com ele algumas conversas, ao telefone, nem sempre agradáveis, nos primeiros meses de 2012... Ele acompanhava e adorava o nosso blogue mas, no início desse ano,   começou a reagir, negativamente,  a algumas referências à Op Abencerragem Candente e ao facto do seu nome estar associado a esta tragédia.

Temos diversas referências a esta operação, a mais antiga das quais é a do poste P7, de 25 de abril de 2005 (****).

A situação ter-se-á agravado com a publicação, dois anos antes (!),  de um relatório do QG de avaliação do desempenho (segurança, limpeza, disciplina, comando, etc.) do BART 2917 e suas sbunidades de quadrícula e adidas, de que nos fora disponibilizada uma cópia, em suporte digital, pelo Benjamim Durães e pelo Jorge Cabral, se não erro. Como cmdt do Pel Caç Nat 63, o Jorge Cabral também era um dos visados pelos homens do Com-Chefe.

O Amaro dos Santos começou a dar  claros indícios de um patológico complexo de perseguição e vitimização. Acabámos por retirar esse documento, por entendermos que ele violava (ou podia violar) as nossas regras editoriais, ao pôr em causa o comportamento de camaradas nossos que tinham assumido funções de comandantes operacionais, como era o caso do jovem cap art Amaro dos Santos.

Quisemos, além disso, e sobretudo, poupá-lo a mais sofrimento e evitar uma escalada de acusações e até de ameaças, pela parte dele,  e que poderiam configura um caso de "cyberbullying", como diríamos hoje.

Guardei pelo menos 7 mensagens que ele me mandou, por telemóvel, entre 15/2/2012 e 13/6/2012. E entre elas uma, que me tocou muito, por que reveladora da sua sensilidade humama, por ocasião da morte do meu pai, Luís Henriques (1920-2012).

Nunca mais estive com ele depois dessa trágica manhã de 26/11/1970. Em 1/1/1971, ele  deixa o comando da CART 2715, por razões de saúde, sendo evacuado para  o HM 241, em Bissau, e depois para a metrópole. Infelizmente não temos nenhuma foto dele nem temos mais ninguém,  vivo, da sua antiga companhia,  na nossa Tabanca Grande. 

Reconstituimos, várias vezes, ao telefone, esta maldita operação, cuja memória trágica nos perseguia a ambos. Eu recordo hoje, mais uyma vez,  os bravos camaradas que tombaram na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês, na manhã de 26/11/1970, o Cunha, o Ribeiro, o Soares, o Monteiro, o Oliveira e o Camará.

Recordo também aqueles que, como o Amaro dos Santos, viveram (ou têm vivido), toda a vida, "o inferno do Xime". (Há ainda mais dois camaradas da CART 2715 que morreram na zona da Ponta do Inglês em data posterior, .já em 1971, . incluindo um alferes)

Por minha decisão, e como homenagem a título póstumo, o Vitor Manuel Amaro dos Santos entrou,  em 28/2/2014,  para a nossa Tabanca Grande, passando a figurar na lista dos 50 camaradas e amigos da Guiné que. até à data,  "da lei da morte se foram libertando". (LG)



Ando a viver o inferno do Xime [em caixa alta]. 
Minuto a minuto. 
Ambos sofremos isso. 
[Você] sabe tudo [o] que fiz para evitar a tal op[eração]…
Sem a CCAÇ 12 talvez tivesse “acampado” [sic
em Gundague Beafada. 
Não existia estrada [Xime-Ponta do Inglês]…. 
Era tudo mata densa… 
Qual dispositivo [?!].
Aceito que o estado maior do CACO [sic
tenha feito relatório 
[, incriminando-me,
porque não denunciei [a] discussão c[om] Anjos [sic
[, 2º cmdt do BART 2917].

Aliás [a] História[da] Unidade diz 
embos[cada] [na] estrada.
[O] relatório [da] op[eração] 
[foi] feito [por] Anjos e cap[itão] Brito 
[, cmdt da CCAÇ 12]. 

Evacuado [, em 1 janeiro de 1971], fui bode expiatório.
Essa op[eração] alterou para sempre 
[o] meu (des)equilíbrio [sic] psico[lógico].  
Amo a paz e os meus rapazes… 
Choro os mortos. 
Os vivos dão-me amizade  q[ue] muito prezo. 
Também tenho filhos e netos… 
Têm orgulho de mim… 
Os seus de si…


Queria ser seu camarigo [sic]… 
mas de pleno direito! 
Se nada me move 
contra quem viveu comigo tal inferno [sic]… 
Se acha que tenho culpa, 
prossiga firme mas s[em] convicções. 

Até sempre camarigo. 
Um abraço sincero. 
Amaro dos Santos, 
2/3/2012, 
10h50

[Revisão / fixação de texto: LG]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) (1/50000) (pormenor) > As principiais referências toponómicas da subregião do Xime: um triângulo definido pela (i) margem esquerda do Rio Geba (a norte), (ii) a Foz do Rio Corubal (a oeste) e (iii)  a estrada Xime-Bambadinca (a leste): Xime, Ponta Varela, Poindom, Ponta Colhido, Gundagé Beafada, Baio, Buruntoni... e estrada (abandonada) Xime-Ponta do Inglês (destacamanento do Xime, retirado em finais de 1968)...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011)

___________




(****) Vd. poste de 25 de abril de 2005 >  Guiné 63/74 - P7: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

Guiné 63/74 - P16761: Parabéns a você (1167): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16755: Parabéns a você (1166): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16760: Notas de leitura (905): "Adeus África - A Hiistória do Soldado Esquecido", romance de João Céu e Silva, Guerra e Paz, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
O jornalista e escritor João Céu e Silva acometeu-se a uma enorme tarefa: uma história de amor e guerra que atravessa os vários cenários do conflito colonial. Um atirador de elite que se refugia numa mina abandonada em Angola, no desencadear do conflito civil, em 1975 e regressa a Portugal depois de repatriado em 1986.
Não falta informação, o grande problema é que o excesso vai provocar confusão ao leitor, temos para ali cenários mal iluminados, figuras que se vão baralhar na leitura, o que é lastimável quando a proposta de carpintaria tem muitos aliciantes e a trama podia ter a sua vida facilitada com os testemunhos de cinco amigos do atirador Afonso, cujas tiradas, tantas vezes monocórdicas, retiram o elã à leitura, e nada pior que uma certa indiferença entre o leitor e o narrador.
Continua por preencher o espaço de um romance de primeiríssima água que atravesse a guerra colonial. E não é por pôr o atirador Afonso a conversar com Che Guevara, a ir para a cama com a jornalista Christine Garnier e a ouvir as histórias de Ryszard Kapuscinski, um dos maiores repórteres de todos os tempos, que se solucionam as falhas do romance histórico que, ao que parece, nenhum dos antigos combatentes da guerra colonial parece capaz de escrever.

Um abraço do
Mário


Adeus África, por João Céu e Silva

Beja Santos

Tome-se o ponto de partida e reconheça-se a originalidade que se propõe para a trama do romance: onze anos já passaram desde a partida das tropas portuguesas de Angola (10 de Novembro de 1975) quando é descoberto numa mina de ouro o atirador especial Afonso que ali se escondeu. É capturado, repatriado e passa a ter acompanhamento psiquiátrico. Este atirador especial combateu nos três teatros de operações e irá relatar ao psiquiatra as diferentes vicissitudes que passou durante a guerra colonial, como a percebeu. Quando o romance “Adeus África” caminha para o final, Afonso confessa-se:
“Para que acredite em mim, tenho que lhe falar da minha adolescência, que foi em parte passada em Portugal. Eu era filho de uma família com boas posses e eles acharam que eu devia tornar-me o mais português possível. Então, mandaram-me estudar em Lisboa e fui parar ao lugar menos indicado que existia nessa altura na capital para formar a consciência de um angolano favorável á ocupação portuguesa. Tratava-se da Casa dos Estudantes do Império. A Casa era exatamente o contrário daquilo que os meus pais desejavam para mim”.

Temos aqui o soldado esquecido a quem cabe a descrição horizontal da vida colonial, da guerra, da descolonização. Ideia que está a fazer caminho, no momento em que escrevo já vi nas livrarias o título de “O último retornado” e Barata Feyo acaba de escrever um romance sobre o último combatente português. A trama do romance de Céu e Silva propõe os ingredientes clássicos de que o narrador é o portador das confissões e se irão juntar outros convocados que conheceram o soldado esquecido. Trama mais aliciante não se podia esperar.

O desapontamento vai para a carpintaria que se apresenta pantagruélica em dados essenciais e não essenciais: há excesso de Foz Côa onde presumivelmente Afonso se enforcou, temos aqui um pretexto para a exibição de conhecimentos sobre pintura rupestre; intermitentemente, ouvimos a Rádio Futuro, são textos metafóricos sobre a complexidade das coisas da guerra, nem sempre é conseguido, provoca distração e quebra narrativa; o atirador Afonso parece falar como um autómato, ao longo dos meses, quer no consultório psiquiátrico quer nos passeios que dão na Praia da Caparica, o atirador tem a mesma toada discursiva, a mesmíssima carga emocional; a criação da figura dos gémeos, Martim e Afonso, que podia ter o condão de introduzir a dúvida de quem é que o psiquiatra verdadeiramente era fiel depositário de um testemunho ímpar sobre a guerra colonial, gera uma certa perplexidade, até porque os gémeos tinham estabelecido entre si uma relação truculenta… Céu e Silva não conseguiu controlar o caudal informativo que dispõe sobre a guerra colonial, que é impressionante, e afoga o leitor com figuras importantes e outras meramente residuais. O que podia ter sido um romance fabuloso, o primeiro, a pôr em grande ecrã um testemunho sobre as três frentes da guerra colonial, gera deceção. Tanto mais que o escritor deixa claro que “Sendo ficção, foi muito influenciado pela recolha feita de Norte a Sul de vários depoimentos de ex-combatentes que estiveram nos três cenários de guerra em várias funções. Testemunhos cotejados numa ampla consulta de investigações, teses, artigos, verbetes e textos digitais de vários autores nacionais, africanos e académicos estrangeiros; comprados com a leitura de textos da época para confirmar situações e recriar o ambiente vivido no Ultramar de forma mais fiel possível”. Não chega, um romance tem que ter sopro anímico. O uso de hipérboles como o incêndio do Chiado é curioso mas um romance é mais que uma tirada operática.

A despeito desta enorme reserva, é reconfortante ver que subjaz a este romance uma preparação invulgar, onde o autor presta homenagem a colegas seus do jornalismo como Ryszard Kapuscinski, considerado um dos dez maiores repórteres do século XX:
“Naqueles dias antes da independência de Angola eu convivi muito com um jornalista polaco que vivia no Hotel Tivoli. Chamava-se Kapu. Ele escrevia sobre o conflito entre os três movimentos pelo domínio da colónia portuguesa mas nos intervalos dava-lhe para filosofar sobre a realidade do que ocorria no território. Numa dessas vezes perguntou-me se eu tinha reparado que, desde que o Exército português partira, a grande maioria dos cães estavam mais magros e a desaparecer. Mas a história do Kapu que nunca esqueci era uma mais poética. Ele dizia que nascia uma outra cidade dentro de Luanda, e que era feita de caixotes com os pertences que os portugueses que abandonavam Angola queriam levar consigo. Até que houve um dia, como se navios de piratas tivessem saqueado Luanda, em que essas caixas foram embarcadas, levando dentro delas a cidade que os portugueses construíram durante séculos, como se deslizassem sobre o oceano à procura dos seus donos”.

Um romance que não se pode ignorar e que deixa a esperança para um grande romance sobre aquela guerra colonial que, parece, não sairá o punho de quem nela combateu.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16742: Notas de leitura (904): "Textos de Amílcar Cabral - Declarações Sobre o Assassinato" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16759: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (107): meninos do Xime: a Sene Sancó era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta (José Carlos Mussá Biai, engenheiro florestal, Lisboa)



1. Mensagem do José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, hoje engenheiro florestal radicado em Lisboa, membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora:

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39

Assunto: fotos de José Nascimento e Domingos Fonseca

Olá, Luís, viva
Foto nº 1

O pai da minha prima Sene Soncó, chamava-se Ansu Soncó, nunca foi picador, era mais ou menos da idade do meu pai.

O meu pai tinha um irmão (do mesmo pai e mãe),  de nome Mancaman,  e um primo-irmão (os pais é que são dois irmãos) com o mesmo nome. Foi este último que era picador, o Mancaman Biai.

A Sene era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta.

O meu irmão que casou com ela era o Fodé Biai,  o primeiro a contar da direita para esquerda nesta foto do Domingos Fonseca [foti nº 1].

Um abraço e bom fim de semana,
Zé Carlos

Foto nº 2 

2. Pergunta anterior do editor:

Zé Carlos:
O pai da tua prima Sené Sancó era o picador e guia que aparece na foto [nº 2]? Se sim, era o teu tio Mancaman Biai ? Ou a Sene era tua prima pelo lado materno, da tua mãe? Donde lhe vinha o apelido Sancó? E qual dos teus irmãos casou com ela ? [oto nº 1]...