quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19220: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (62): Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa, de 23/09/1968, do Com-Chefe do CTIG


Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder politico em Lisboa. Na foto, vê-se  o gen Spínola, ao centro, tendo o o Gen Costa Gomes à sua direita, falando com milícias guineenses.

Foto do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca), gentilmente enviada pelo nosso camarada Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Heli, BA12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. Em complemento da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações",  da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (Rep ACAP), que publicámos anteriormente (*),  reproduz-se  a aqui a Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa,  de 30 de setembro de 1968 (**). 

Mais uma vez, aqui fica o nosso agradecimento a nosso camarada e colaborador permanente José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70). Este texto faz de um conjunto de três postes às Directivas de 1968 do COM-CHEFE do CTIG, Brigadeiro António de Spínola.


Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa

1. O reordenamento das populações e a sequente organização das tabancas em autodefesa é um problema complexo e que requer técnica especializada.

2. Com efeito, o problema do reordenamento das populações não pode ser encarado com a superficialidade com que o tem sido, antes requer meditação e estudo profundo em íntima ligação com os serviços do Governo da Província, no sentido de se definirem as áreas economicamente ricas que, num reordenamento bem planeado, se deverão transformar em pólos de desenvolvimento económico-social.

Para além do aspecto episódico da defesa da população, problema de reordenamento das populações surge-nos como um imperativo de progresso dos povos, e como deverá ser encarado, por forma a que as áreas reordenadas se transformem simultaneamente em «pólos de atracção das populações e de irradiação de progresso».

Ao equacionar-se o problema do reordenamento, não se pode deixar de atender à compartimentação étnica da Província, a qual não só deverá ser respeitada como até fomentada.

3. O problema da defesa das áreas reordenadas (conjuntos de tabancas em autodefesa) também requer aprofundado estudo, com vista a estabelecerem-se «esquemas de dispositivo» suficientemente flexíveis para permitirem a escolha e adaptação daquele que, para cada caso, melhor se ajuste às condições locais.

Independentemente do trabalho de planeamento, haverá ainda que dar assistência técnica nas diferentes fases de execução, até que o conceito de «autodefesa» se transforme numa realidade efectiva e não num conceito simbólico sem qualquer significado prático.

Não se deve perder de vista que a organização de uma tabanca em autodefesa envolve responsabilidade da nossa parte perante a respectiva população, a qual perderá totalmente a confiança em nós se a defesa não se revelar eficaz em relação às reacções do IN.


4. Porque os problemas enumerados em 2 e 3 se revestem de alta importância, e têm necessariamente que ser equacionados à escala provincial, o seu estudo foi centralizado num dos departamentos do gabinete militar do Comando-Chefe, a que competirá:

  • estabelecer ligação com os serviços da Província com interferência directa ou indirecta na resolução do problema;
  • centralizar o estudo, controlo e fiscalização de todos os problemas de reordenamento e autodefesa da Província;
  • elaborar «normas gerais para o reordenamento das populações e organização em autodefesa»; 
  • colaborar o CTIG (Comando de Agrupamento e Batalhões Independentes) com as autoridades administrativas locais no reordenamento das populações; 
  • e dar a necessária assistência técnica no desenvolvimento do planeamento traçado.

5. A execução dos planos de reordenamento e de autodefesa é da responsabilidade dos respectivos comandantes, em colaboração com as autoridades administrativas locais.

6. Deve ser dado conhecimento desta directiva até ao escalão companhia, ficando interdito aos comandos e autoridades administrativas tomar decisões em matéria de reordenamento e autodefesa sem prévia consulta ao gabinete militar do Comando-Chefe.

Bissau, 30 de Setembro de 1968.

O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro
.


[Revisão e fixação de texto: JM / LG]


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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19215: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (61): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - III (e última) Parte

(**) Vd. poste de 1 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13555: Directivas emanadas pelo COM-CHEFE, Brigadeiro António de Spínola em 1968 (3) (José Martins)

Vd. postes anteriores:

Guiné 61/74 - P19219: Os nossos regressos (35): Dia 5 de Novembro de 1968, chegada a Lisboa (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68, com data de 5 de Novembro de 2018:

Caro Luís e Carlos
Dia 5 de Novembro de 1968
Faz hoje 50 anos que a minha Companhia de Artilharia 1659 - CART 1659 regressou pelas 17 horas no Paquete Uíge - pasme-se, depois de ir encostar ao cais de Alcântara, Lisboa, recebeu ordens para parar e pouco depois afastou-se para o largo - e foi-nos informado que não desembarcaríamos. É difícil explicar como ficou o pessoal. Pensei logo lançar-me ao Tejo e ir a nado. Aquela noite não se esquece.

Cumprimentos à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar


Regresso da Guiné

Mário Vitorino Gaspar

Finalmente no dia 31 de outubro de 1968, embarcámos para Lisboa. Tal como sucedeu, no embarque numa lancha para Bissau, não me recordo de tal, o mesmo sucedeu na entrada no Uíge, nem mesmo de como uma mala de cânfora, fora parar ao porão, com alguma bagagem dentro. Fomos colocados no Forte da Amura. Como sucedera quando vim de férias, fomos colocados de serviço. Não ficámos isentos de Serviços. De qualquer modo houve tempo para tudo – principalmente compras – tinha pensado adquirir uma mala de cânfora, fiz a escolha. A comida em Bissau era diferente, eu e alguns camaradas optámos por fazer as refeições, sempre com a alternativa de uma ou outra fora da Messe.

Bissau era um jornal diário aberto da guerra no território. Inclusive, a pequena informação chegava às esplanadas. Tratando-se da Operação em que Portugal se empenhara – considerada de “Confidencial” – alguma em que nem a Nossa Tropa tinha conhecimento, discutia-se à frente de uma cerveja. O pessoal da Nossa Companhia que envergava camuflados novos, recém-chegados do Casão, e entregues uns dias antes da nossa saída do mato, exibindo no braço o dístico da Companhia de Artilharia 1659 (“ZORBA”). Em qualquer local alguém gritava:
– Salta que é periquito!

Habitualmente o pequeno-almoço era no famoso – lá no burgo – “Zé da Amura”, pombos verdes fritos, sempre acompanhados com cerveja. Bebida nunca esgotada nestas terras. Visitas ao Mercado para ver as novidades do dia. Iam aparecendo peças de pau-preto, principalmente máscaras; punhais e catanas forradas a pele de animais.

Tivemos oportunidade de conhecer melhor Bissau. Grande parte dos Nossos Jovens Heróis nem a cidade conheciam. As noites eram diferentes, nem um não ao convite para conhecer o “Bairro do Pilão”.

Os Militares preparados para tirarem a Carta de Condução lá estavam no dia marcado. Toda a Companhia festejava essa grande vitória, tratava-se de uma boa porta aberta para um emprego.

Por vezes parava no tempo e fazia um balanço desta experiência que nunca iria esquecer. Um primeiro período, após a chegada ao largo de Bissau, recordado sempre a mesquinhez de que ordenava, de fazer o favor de dar viagem de luxo a Oficiais e Sargentos e empurrarem para o porão os soldados, garrafões e garrafas de aguardente. Iria esquecer a dádiva de um quarto de pão, um ovo cozido, uma laranja, uma maçã golden… Um destino incerto. Recordo que no primeiro balanço que fiz após uma semana na Guiné, explica-se com a frase:
– Mais parece ter sido anestesiado!
Agora posso dizer:
– Deixei de estar anestesiado há uma semana, dia em que pensei: – pode ser que saia vivo!

Não sou capaz de me lembrar como entrei na LDM em Gadamael Porto, nem como em Bissau subi para o Paquete Uíge. Resumindo: – continuo na Guiné! Será para sempre.

A viagem de regresso a Portugal foi muito idêntica à da ida para a Guiné. O mar estava mais calmo. Eu só pensava na chegada a Lisboa. Era um milagre este regresso. Ia bebendo mais cervejas que o habitual. Escrevera para casa e pedira que levassem para o cais de Alcântara a bandeira do Alhandra Sporting Club. A maior que existisse, para que eu pudesse vê‑­la do paquete. Continuavam os jogos. Jogava‑­se a dinheiro. Tal como da ida para a guerra, não esquecendo o Bingo.

Os constantes enjoos continuavam. Perto da Ilha do Sal o mar agitou‑­se um pouco, mas existia quem não suportasse os balanços do Uíge. Bebia‑­se, e não só cerveja. E fumar? Cada vez fumava mais.

Fomos assistir a uma sessão de cinema:
– “Festival de Twist N.º 1” e “Negócio à Italiana” (este com Alberto Sordi e Gianna Maria Canale). Foi um momento bem passado, que fez esquecer alguns traumas mal geridos.

Lembrei a morte do Furriel Vítor Correia Pestana e dos Soldados António Lopes Costa e do Manuel Ferreira Silva.
Membros da população civil maior percentagem de mulheres e crianças que tombaram a 4 de julho de 1967? Feridos. Todos os feridos que tivemos. Nunca acreditei que fosse obra do PAIGC.
Ainda estou a ouvir o tiroteio nas emboscadas e ataques aos aquarte­lamentos de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá (quando lá fomos montar segurança), Cameconde, nas mesmas circunstâncias, Guileje e Mejo. No “corredor da morte”? Aqueles locais sinistros cheiravam a guerra. Tudo parecia um cemitério.
Mas tudo muito difícil de explicar: as crateras das granadas que reben­tavam no chão, as árvores esburacadas pelas balas, estilhaços, ofereciam‑­nos simultaneamente um ar belo. A vegetação era exuberante, eram belos aqueles locais.

A sede, fome, falta de notícias da família, da namorada e dos amigos. A importância das madrinhas de guerra.

Curiosidade: transcrevo a Ementa do Almoço, a bordo do Paquete Uíge, no dia 2 de novembro de 1968 dos Sargentos:
Sopa: Juliana – Peixe – Iroses de Caldeirada; Ovos – Tortilha à Espanhola; Entrada – Favas à Transmontana; Fruta; Chá – Café.





Segundo se dizia, estávamos prestes a chegar a Lisboa. Falava‑­se que seria no dia 5 de novembro de 1968. Eu continuava a fumar cada vez mais.

O Paquete chegou. Segundo informação não íamos desembarcar por já ser tarde. Espreitávamos para a marginal de Cascais e víamos as luzes das viaturas que percorriam a marginal. Gritava‑­se:
– Olhem para os carros!

Fomos deitar‑­nos, a ver se o tempo passava mais depressa. Protes­tava‑­se:
– Ainda é dia! Por que não nos deixam desembarcar?

Deviam ter informado pela televisão e rádio que a tropa, oriunda da Guiné, não desembarcaria no dia 5. Embora estivéssemos bastante afastados do cais de Alcântara, poucas pessoas víamos.
Passámos a noite nesta angústia, até que eu me lembrei de ir tomar um duche, num intervalo de uma ida ao bar ou de fumar um cigarro. Os maços de tabaco que comprara para levar para casa, estavam quase no fim.
Quando vou para tomar banho, eis que verifico que a água estava gelada. Não havia água quente. Tinham‑­na desligado. Lá tive que tomar um banho de água fria, que teve o condão de aquecer a mente.
Depois do banho verifiquei que quase todos se encontravam cá em cima, do mesmo lado do Uíge. O barco estava inclinado, até parecia que se ia virar.

O Comandante da CART 1659 chamou‑­me:
– Mário, você fica responsável pela bagagem de porão. Fica em Lis­boa, a Companhia paga‑­lhe o alojamento e a alimentação e depois segue para casa, – disse.
– Nem pensar, já basta o que já fiz, quero é ir para casa. Capitão, escolha outro!
– Então fica responsável pelo guião da Companhia. Vai haver uma formatura e o Mário forma com a CART, com o guião, depois vai discursar um Oficial.
– Nunca fiz isso, mas está bem. Onde ficar o guião no princípio, con­tinua no mesmo sítio até que termine a parada! – Disse eu.

Fui descendo. Encontrei alguns soldados da minha Companhia que se encontravam mal dispostos. Estive um pouco com eles, e sem dar por isso estava a fumar mais um cigarro. Fui ao camarote onde dormia. Alguns Furriéis estavam deitados.
– Levantem‑­se, estamos quase a desembarcar!

Depois de subir, e espreitar para o cais, vi entre uma multidão a ban­deira do Alhandra Sporting Club. Ali estava a minha família.
No cais estava a Polícia Militar, e no barco os militares gritavam em uníssono:
– Malandros, vão para o mato!...

Bandeira do Alhandra Sporting Club

Até que chegou a hora de desembarque.
Fui ter com os meus, levando a bagagem comigo. Estavam a minha namorada, que viria a ser a minha mulher, o meu irmão José e a minha cunhada Fernanda.
A formatura não se chegou a efetuar e fomos automaticamente trans­portados para um quartel nas imediações de Oeiras, que estava desativado.
Arrumei a minha bagagem. Quando estava indeciso com o guião na mão, coloquei-o sobre a bagagem do Capitão. Fomos almoçar, e engraçado, o prato que naquele momento mais desejava: – carne assada no forno com batatas. Fomos no carro do meu irmão e depois do almoço regressámos ao quartel.

– Então é sempre a mesma porcaria. Colocou o guião por cima da minha bagagem e foi‑­se embora, Mário? – Disse o Capitão.
– Houve azar Capitão? – Respondi‑­lhe.
– Tivemos que entregar o guião, ao responsável do Regimento de Artilharia de Costa, deveria haver uma cerimónia, e nada disso sucedeu! – Retorquiu o Capitão.
– Então ficou entregue! – Disse, sorrindo.
Não se tratava de falta de respeito. Tinha muita consideração pelo nosso Capitão. A verdade é que o Capitão Mansilha estava mesmo zangado.

Depois de trocas de opiniões, e de terem começado a pagar os mon­tantes que o Exército Português nos devia, gritou para o Capitão o Alferes Miliciano Luís Alberto Alves de Gouveia:
– Paguem já ao Mário, não o façam esperar, ele tem a família à espera!
Recebi o dinheiro, despedi‑­me do pessoal, e fui para junto dos meus que se encontravam no exterior, junto ao carro. Fomos até Alhandra.

Chegados a Alhandra, desloquei‑­me a casa para tirar a farda e vestir­‑me com a roupa que a minha mãe tinha deixado em cima da cama e saí.
Em lugar de me dirigir para um jantar que o meu pai organizara, fui na direção do cais “14”, ver o meu Tejo.
Lá estavam as Fragatas, os barcos desportivos que treinavam e os avieiros nas suas bateiras. Fiquei ali, esquecendo completamente, os meus pais, meus familiares e amigos que esperavam por mim.
Foi quando entrei em mim e dirigi‑­me para a Padaria do meu pai, onde era, de facto, a festa em minha homenagem.

Tamanha alegria! Ria‑­se. Chorava‑­se. Meu pai fez rebentar uns dois morteiros, e uns tantos foguetes.
Todos queriam saber de mim. A família grande e os amigos também. Chegou o Cabo da GNR, e quando me viu cumprimentou‑­me militarmente. Olhei para ele e parece que ri ao lembrar aqueles tempos em que ele nos perseguia, e até escondia a roupa deixada em cima da areia. Convidei-o para comer e beber qualquer coisa.

Segundo consta no meu Processo Individual do Exército, depois de ter passado à Primeira Classe de Comportamento em 3 de maio de 1968, em 28 de novembro de 1968 terminei a minha obrigação de Serviço, depois de ter gozado 21 dias de licença. Passei às tropas licenciadas em dezembro de 1978 por ter completado 35 anos de idade.

Reiniciei a minha vida naquele dia. Teria de recuperar o tempo perdido. Esquecer, retirar as folhas dos calendários correspondentes a todos os dias? Pouco provável esquecer, conhecia-me bem e jamais vou esquecer uma guerra.
Os amigos? Como era possível esquecê-los?
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (35): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (34): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois (Carlos Pinheiro)

1. Em mensagem de hoje, 21 de Novembro de 2018, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), lembra a sua viagem de regresso e chegada a Lisboa neste dia, há 48 anos.


21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois

A esta hora, às primeiras horas do dia 21 de Novembro de 1970, estava, aliás estávamos todos perfeitamente acordados a bordo do “CARVALHO ARAÚJO”, mais ou menos ao largo de Cascais, a prepararmo-nos para o assalto às casas de banho dos camarotes para, finalmente, tomarmos um banho após nove dias de mar alto desde Bissau até Cascais. Imagine-se a necessidade de nos apresentarmos de manhã em Lisboa, de cara lavada perante as nossas famílias e os nossos amigos, e as voltas que tivemos que dar para que isso fosse possível. Um banho, como se fosse a melhor coisa do mundo, e naquela noite foi mesmo a melhor coisa só suplantada com a chegada de manhã ao pé dos nossos familiares.

Carvalho Araújo, N/M da Empresa Insulana de Navegação. Tinha lotação para 354 passageiros. Foi abatido em 1973.
Imagem extraída de navios porugueses. Com a vénia devida.

O “CARVALHO ARAÚJO”, apesar de já estar no seu fim de vida naquela altura - esta foi uma das suas últimas viagens - foi um grande navio, o melhor de todos, que nos trouxe de África depois de 25 meses de comissão naquele pedaço de terra e água, mas mais água do que terra, encravado entre o Senegal e a Guiné Conakri.

Falar desse tempo não vem agora aqui ao caso. Há tantos livros publicados que, infelizmente pouca gente lê e por isso se sabe tão pouco daquele período de treze enormes anos que a juventude foi obrigada a cumprir lá longe, em África, e muitos nas piores condições, diria até em condições inimagináveis, para além daquela dezena de milhar cujos restos mortais por lá ficaram para sempre.

Tínhamos embarcado no dia 13 e logo alguns tripulantes nos avisavam que dado o mar picado do Golfo da Guiné, quando chegássemos ao mar da Madeira seria bem pior. Mas nós estávamos por tudo. Só queríamos que aqueles dias passassem depressa. No entanto quando chegámos ao mar da Madeira, tivemos um mar chão contra todas as previsões. Nem tudo podia ser mau.

Foram dias para esquecer. Não havia água disponível, o porão era talvez o sítio menos mau na medida em que o navio tinha andado muitos anos a transportar gado bovino dos Açores para o Continente e tinham-lhe adaptado um sistema de ar forçado nos porões para o gado não enjoar. Também foi bom para nós que nos contentávamos com pouco. Tinham-nos dado um prato à subida das escadas, para que tivéssemos direito à refeição que era comida onde era possível. Depois só tínhamos que lavar o dito prato, com água do mar, para a próxima refeição. A comida era do pior que se pode imaginar. Mas após ter feito o primeiro reconhecimento ao único sitio onde se vendia alguma coisa, tinha constatado que só havia cerveja e Coca-Cola com fartura e também bolachas baunilha. Mais nada. Portanto tudo o que foi aparecendo era comido, por vezes até com os olhos fechados, mas não havia alternativa. Houve porém uma excepção. No dia 19 o navio aportou ao Funchal, ao pôr-do-sol - um espectáculo inolvidável -, para meter água e nafta que na Guiné não havia e nesse dia ao jantar apresentaram-nos um peixe assado no forno com muito bom aspecto. Porém, fartos de comer mal, marcando também a nossa insatisfação pela comida que até aí nos tinha sido apresentada, nesse dia resolvemos ir jantar fora ao Funchal, com o resto do dinheiro que nos tinha sobrado da comissão.

Foi uma noite de festa porque já cheirava a Portugal e o degredo estava a acabar. Lembro-me perfeitamente, o “CARVALHO ARAÚJO” atracado ao Cais do Funchal ao lado dum paquete de luxo, o CHUSAN, penso que inglês, parecia uma casca de noz ao lado dum “cidade iluminada”. Mas não nos enganámos e à hora combinada lá estávamos de novo a bordo a caminho de casa.

A chegada a Lisboa foi de facto alegre mas ao mesmo tempo arrepiante quando nos pudemos aproximar dos nossos familiares que não víamos há mais de dois anos. São momentos indescritíveis onde as palavras nos faltam.

Depois foi embarcar numa camioneta para os Adidos, na Calçada da Ajuda e o espólio foi feito rapidamente.

Passado algum tempo já estava em casa da minha tia Cândida na Avenida 24 de Julho, mesmo em frente à Estação do Cais do Sodré, a voltar a admirar o Tejo de que também tinha muitas saudades.

A minha mãe estava a acabar o almoço - um cozido à portuguesa como deve ser, e o apetite era bastante, só suplantado pelas saudades que se iam matando aos poucos.

Primeiro a sopa do cozido como mandam as regras, depois o cozido propriamente dito. E lá vinha o respectivo arroz a acompanhar. Mas aí, quanto ao arroz, farto de tanta “vianda” da Guiné, disse que dispensava bem o arroz. Mas a minha mãe, com as palavras que só as mães saber dirigir aos filhos, lá me convenceu a provar o arroz e, de facto, estava tão bom que fiquei de novo freguês de arroz que eu pensava nunca mais comer dada a mistela que muitas vezes éramos obrigados a comer em Bissau.

Ainda fiquei uns dois dias em Lisboa a matar saudades e só depois é que viajei até à minha terra, Alcanena, para rever os amigos e outros familiares.

Nesse longínquo dia 21 de Novembro de 1970, o Almirante Américo Tomás foi a Alcanena, mais concretamente a Minde, inaugurar o Museu Roque Gameiro, acompanhado das mais altas entidades do país, da região e do concelho e, claro, de sua esposa a D. Gertrudes.

Mas nesse dia também aconteceu a invasão de Conakry pelas Forças Armadas Portuguesas comandadas pelo Comandante Alpoim Calvão a fim de libertar alguns militares portugueses presos naquele país. Foi uma operação secreta e de surpresa que não terá obtido o êxito planeado mas mesmo assim conseguiram um dos objectivos que foi a libertação dos presos.

Foi de facto um dia muito grande o dia 21 de Novembro de 1970.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14201: Os nossos regressos (33): Ficámos na Amura, a aguardar embarque no Uíge... Partimos para Lisboa em 30 de outubro de 1968 (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Guiné 61/74 - P19217: Historiografia da presença portuguesa em África (138): Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Para se aquilatar do bom ao mau uso que estes relatórios produzidos anualmente pelos administradores de circunscrição tinham junto dos governadores, impõe-se fazer a leitura dos respetivos relatórios destes últimos para os ministros das Colónias. É o que se irá procurar fazer, depois de passar a pente fino todos os que constam da secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. Manuel Luiz da Silva já nos dera o relatório de 1932, desta vez envereda pela dimensão antropológica social, tece comentários curiosos que vale a pena registar.

Um abraço do
Mário


Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935

Beja Santos

Dando continuidade à publicitação de documentação constante na secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, mostra-se alguns dos elementos essenciais do relatório assinado pelo Administrador da Circunscrição dos Bijagós, Manuel Luiz da Silva, em 1935. Recorde-se já aqui se dera à estampa alguns dos elementos mais significativos do relatório de 1932, também referente aos Bijagós[1].

Passando à margem das informações que constam em todos os relatórios, vamos entrar diretamente para elementos pertinentes do presente relatório. Começa por nos dizer que a única raça que habita o arquipélago é a bijagó, seriam 44 mil, de acordo com o recenseamento de 1924. Na atualidade a população tinha diminuído devido a muitos terem emigrado para o continente por não quererem trabalhar para o pagamento dos seus impostos, levando fora do arquipélago, na maioria dos casos, vida de nómadas. Mas quando melhora o quadro de crise, voltam às suas ilhas, pelo amor que lhes dedicam:
“Aqueles que a doença os prostra ou vêem aproximar-se o fim da vida, mesmo aqueles que os seus classificam de feiticeiros ou se vêem ou se julgam perseguidos por qualquer motivo, regressam, os primeiros para morrerem de morte natural e serem enterrados na sua terra ou na sua palhota, e os segundos para se suicidar, o que é frequente, por crerem na transmigração das almas”.

E procura dar um quadro de antropologia social do bijagó:
“Raça forte, inteligente, indolente e pacífica, já não são os bijagó os piratas que noutros tempos foram. Com excepção dos de Caravela e Caraxe, que talvez por motivos de uma superstição, nunca foram marinheiros. A inteligência serve-lhe mais as vezes para o mal do que para o bem, pois são mentirosos por índole, e, ainda mais, avessos à civilização, acatando, contudo, a colonização.
São hospitaleiros a ponto de se deixarem extorquir pelos seus hóspedes, sem que procurem livrar-se desses inoportunos, porque os seus usos e costumes e a lei da hospitalidade lhos impedem.
Se tiverem queixas e tenham de exercer vingança pessoal que mereça agressão a um estranho à sua raça, esperam encontrar-se fora da sua terra para a exercerem.
As terras são da comunidade. Nas ilhas de Caravela, Caraxe, Naga, Chedian e nalgumas povoações da Formosa vigora o regime patriarcal, nas restantes ilhas é mais acentuado o regime de matriarcado; mas em todas as ilhas quem namora, quem fala e trata do casamento é a mulher, é a mulher que põe o marido fora de casa, nas ilhas onde ela predomina. No entanto, o predomínio da mulher sobre a família, nas ilhas onde existe o matriarcado, tende a extinguir-se, pouco a pouco.
Não usam a circuncisão como em outras raças, mas fazem o simulacro, nessa ocasião são os rapazes de 20 a 30 anos submetidos à prova de resistência, que consta de flagelação com chicotes, podendo durar as cerimónias 2 ou 3 meses.
As mulheres, entre elas, também passam pelas mesmas provas mas muito mais suaves e menos demoradas. Nessa ocasião procedem à tatuagem. A cerimónia da desfloração é feita em segredo, como todas as cerimónias, usando-se de uma vagem própria para o acto. Cerimónia a fazer mas desnecessária, pois a desfloração já de há muito foi feita conforme manda a natureza, na idade de 12 anos em diante.
Toda a vida do bijagó anda à volta do fanado (acto de simulação da circuncisão) e das suas vacas, de que tudo imitam, inclusive o coito, imitam a vida de alguns peixes, como o tubarão e o espadarte, dos anfíbios, especialmente a do hipopótamo, executando todos os actos brutais dos animais”.

E o relatório do Administrador Manuel Luiz da Silva adianta mais informações:
“A Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, dentro das suas concessões nas ilhas de Bubaque, Soga e Rubane, possui cerca de 120 quilómetros. Um naturalista, aqui, tem matéria vasta de estudo. O que é certo é que é bem conhecida a existência de répteis, que já Camões, nos Lusíadas, os cita no Canto V, Estância XI. Foi dessa Estância que se baptizou um grémio existente em Bubaque, o Grémio Dórcada.
Bubaque possui uma praia, ao sul, onde é frequente os banhistas dela se servirem sem perigo dos tubarões, toda de areia consistente, com extensão de 4 quilómetros, servindo, como já tem servido, para corridas de automóveis”.

Procede depois a uma descrição dos Serviços Públicos e termina o seu documento dizendo que a ilha de Canhambaque se encontra temporariamente submetida ao regime militar, o Comandante da Força era o Tenente José de Passos Simas e o Segundo Sargento chamava-se Aníbal Augusto.



Tipos étnicos guineenses. 
Imagens retiradas da publicação “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 31 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19152: Historiografia da presença portuguesa em África (134): Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 14 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19192: Historiografia da presença portuguesa em África (136): Crenças e costumes dos indígenas da ilha de Bissau no século XVIII - Revista "Portugal em África" (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19216: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LII: Fez ontem 50 anos que o meu cmtd de batalhão, ten cor Armando Vasco de Campos Saraiva, foi gravemente ferido em combate, sendo evacuado para a metrópole... A minha homenagem à sua memória,


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviado pelo Virgílio Teixeira:


Assunto - Tema 204 - Homenagem dos 50 anos sobre a perda do nosso comandante de batalhão

Data - sábado, 17/11, 16:02


Luís, o tema já percebeste, já o tinha enviado, mas dei agora uns retoques, apaga o outro que enviei em Setembro, e fica este.

No dia 20/11/2018, Terça Feira, faz 50 anos sobre o trágico acontecimento da perda do meu comandante de batalhão. Gostaria nesse dia lhe prestar a minha homenagem, no nosso Blogue, pois ele foi um dos nossos grandes guerreiros, e por isso foi gravemente ferido e acabou a sua carreira, ainda tão novo.

Não que eu tenha um grande sentimento por ele, pelos menos não tinha nessa época, eu achava que andava a ser sempre perseguido por ele, não tivemos relação fácil, como aliás não tinha com quase ninguém.

Soube há uns 5 anos atrás, que ele tinha confidenciado, ainda antes de ser ferido em combate, que tencionava dar-me um louvor, pois achava que eu merecia, comparado com tantos outros que nada fizeram e depois foram louvados por nada. Mas não teve tempo, infelizmente para ele.
Obrigado pela tua compreensão, mas sou assim, um eterno revoltado/ sentimentalista.

Abraço, Virgilio Teixeira


Virgílio Teixeira, natural do Porto,
a viver em Vila do Conde
2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 

T204 – A EVACUAÇÃO DO COMANDANTE
DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1933

HOMENAGEM, APÓS 50 ANOS DO FUNESTO ACONTECIMENTO



I - Anotações e Introdução ao tema:


Este tema refere-se ao acontecimento de uma acção de combate, entre as NT e o IN, a pouco mais de 1000 metros do fim da pista.

Um Gr Comb, composto por elementos da CCS do BC1933, da CART1744, e do Pelotão de Nativos, o qual estava a ser comandado pelo próprio Comandante de Batalhão, Tenente Coronel Armando Vasco de Campos Saraiva, e outros oficiais, sargentos e praças, teria como missão interceptar um grupo do IN, que se deslocava ali nas imediações do Quartel.

A pouco mais de 1000 metros do fundo da pista, isto é,  a 2000 metros do Posto do Comando, acontece o imprevisto, rebentamento de minas A/P,  seguido de uma emboscada e forte tiroteio de um lado e de outro.

Acontece o imprevisível, o Comandante ele próprio pisa uma mina que lhe rebenta debaixo dele, depois outras minas explodem e gera-se a confusão total.

Não sei se outro oficial desta patente teve um fim trágico como este, mas não tenho conhecimento de mais nenhum.  O Comandante ficou com ambas as pernas ao dependuro, presas apenas pela pele e pouco mais, e foi gravemente fulminado nas zonas genitais com estilhaços de minas, cujos efeitos nunca vim a saber, apesar de ele ter sobrevivido ainda mais de 25 anos.

No combate, são ainda feridos com alguma gravidade o Capitão Serrão, da CART1744, o Alferes Miliciano Machado, da CCS /BCAÇ1933, do Pelotão de Minas e Armadilhas, e outros militares, alguns Furriéis e praças, a maioria voltou ao seu posto de trabalho, depois de tratados no HMR 241.

Na sequência deste acontecimento, o comando do sector ficou sem o seu comandante, passando a ser substituído pelo 2º comandante, até inícios de Janeiro de 1969. [Terá falecido por volta de 2006, segundo informação do camarada José Espadana, que pertencia o BCAÇ 1933 e estava em São Domingos nessa altura.]

II – As Legendas das fotos:

Estas fotos já fazem parte de outros Temas mais alargados com mais de 100 fotos, sobre a aviação, e não só.

Gostaria que fossem Postadas estas imagens e comentário deste acontecimento, para que se faça um pouco o debate desta tragédia para o meu batalhão, que para mim próprio, foram as mais marcantes em toda a minha estadia naquele TO do CTIG.

Fica ao critério do editor, achar ou não relevantes, não farei nenhum juízo de valor.


F01 - O Heli, Alouette III, no momento em que carregou o Comandante do Batalhão, ferido em combate, com destino ao HM241 em Bissau, depois evacuado para o Hospital Militar Principal em Lisboa.

Dia fatídico, o corpo estava deitado numa maca, nu (em cuecas, furadas com estilhaços) os pés ao dependuro, e naquele momento tive ganas de tirar a foto, mas por razões de ética militar, respeito, vergonha ou por qualquer outra razão que não me ocorre, não o fiz, não sei se foi bom ou mau. Mas hoje gostaria de as ter.

Preferi sair do local e tirar a foto com ‘o ambiente’ envolvente de consternação total entre todos os presentes, militares, civis, população indígena, administrador de posto.  Vê-se muita população local com especial predominância os Felupes, que estavam sempre do nosso lado, e eram sempre bem tratadas pelo nosso comandante.  As Nossas Tropas estão no outro lado do Heli, a fazer a segurança.

Foto captada na pista de São Domingos no dia 20 de Novembro de 1968.

F02 – Novo Heli Alouette III, numa das viagens a SD, descarregando material, correio e outras coisas não especificadas.

Não é na mesma data, talvez não seja o mesmo Heli, mas o local é o mesmo a quando da evacuação do comandante. A ideia é mostrar não só o aparelho, que só por si vale a pena, mas também mostrar a pista de aterragem, já limpa de mato, em finais de 1968, após o tempo das chuvas, por isso muito arranjada.

Foto captada em São Domingos, em finais do ano de 1968.

F03 – No Posto de Vigia da pista de São Domingos, num dia em que estava de Oficial de Dia, passando a ‘ronda’ aos locais marcados.

O olhar pensativo, meditando, por que razão estava eu ali, a proteger-me do calor que nos sufocava, naquela pequena localidade na fronteira com o Senegal.

Esta foto tem por objectivo mostrar o local onde o Heli parou para transportar o comandante, ao fundo acaba a pista de São Domingos, e a menos de 1000 metros dá-se o ataque, as minas os feridos e evacuados. Ali tão perto. Fazia tantas vezes este percurso pela pista, nas GMC com os meus amigos e fiéis condutores para me ensinarem a conduzir, nos picos do calor, entre as 12 e 16, quando estava o resto do pessoal a fazer a sesta de descanso. Nunca imaginei que o perigo estava ali tão perto.

Foto captada em São Domingos, nos inícios de Janeiro de 1969


NOTA FINAL DO AUTOR:

#As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


Em, 2018-09-27

Virgílio Teixeira

Legendas actualizadas hoje,

Em, 2018-11-17,

Virgílio Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19201: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LI: Sentado à sombra do grande poilão...

Guiné 61/74 - P19215: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (61): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - III (e última) Parte


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 ( Bambadinca) > Xime > Cais fluvial do Xime >1970 > 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) >  Ao centro, em segundo plano, de óculos escuros e boné azul (da FAP),  o fur mil op esp Humberto Reis, cujo grupo de combate estava encarregue de escoltar o transporte de milhares de rachas de cibe, desembarcadas no cais do Xime, e destinadas ao reordenamento de Nhabijões, um dos maiores da época (iniciado com o BCAÇ 2852, 1968/70, e continuado com o BART 2917, 1970/72)... 

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]


Já não nos lembramos quantas rachas de cibe levava uma casa... Só a estrutura do telhado, com cobertura de folha de zinco, deveria levar pelo menos umas 20... Mais outro lado, para suportar o telhado ao longo do varandim a toda a volta.. O total de casas em construção era de 350, fora os equipamentos coletivos ou sociais...  Na altura falava-se que cada racha de cibe ficava ao exército em 7$50 (sete pesos e meio)... Um total de 15 mil rachas de cibe,  é nossa estimativa do material transportado do Xime para Nhabijões, com um custo direto de mais 100 contos.  (A preços de hoje, seria qualquer coisa como 30 mil euros)... Fora as chapas de zinco, as portas e janelas, as ferragens, o cimento... O resto, a mão de obra (civil e militar), os transportes, a segurança, etc.  era de borla. Tudo em nome de uma "Guiné Melhor"... Ao que consta, o sucessor de Spínola não terá tido a mesma abundância de dinheiro para continuar a fazer a "psico"... 

O PAIGC não gostou da brincadeira: em 13 de janeiro de 1971, as NT acciona duas potentes minas A/C à saída do reordenamento, de que resultaram 1 morto e bastantes feridos graves... Em outubro de 1973,  ela primeira vez na história da guerra, o grande reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta, foi flagelado, ao mesmo tempo que o destacamento do Mato Cão;

Nhabijões, no subsetor de Bambadinca, era então um importante aglomerado habitado por gente com parentes no "mato", e que era tradicionalmente considerado, antes do reordenamento,. como um conjunto de núcleos habitacionais ribeirinhos "sob duplo controlo".  Só a CCAÇ12 (, baseada em soldados do recrutamento), deu 1 alferes, 1 furriel e 1 cabo (metropolitanos) e 1 soldado (guineense) para integrar a equipa técnica do reordenamento de Nhabijões... E destacava periodicamente militares para a sua defesa... E os Nhabijões foram "regados com o nosso sangue"...

Estima-se que, entre 1969 e 1974, as Forças Armadas no CTIG tenham construidos 8 mil casas, no total das tabancas reordenadas... Admitindo que cada casa, com chapa de zinco, levasse pelo menos 50 rachas de cibe, temos um total de 400 mil rachas de cibe, com um custo de 3 mil contos (a preços de 1972  representariam hoje mais de 700 mil euros...).  Os ministros da Defesa, do Ultramar e das Finanças tramaram a política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"...

Quer se goste ou não, há uma Guiné antes e depois de Spínola... Quando ele chega em meados de 1968, o território tinha 60 quilómetros de estrada alcatroada... Cinco anos depois, são 550 km. No ano escolar de 1970/71, a tropa administra 127 das 298 escolas primárias do território, ou seja cerca de 43%., O resto eram as escolas oficiais , como a de Bambadinca (30%)  e as escolas das Missões Católicas (27%)... 

Spínola deixa o território com uma criança em cada três, em idade escolar, a frequentar a escola... O despotismo iluminado de Spínola foi uma ameaça série ao PAIGC... Mas homens como Spínola ou Sarmento Rodrigues foram exceções na história da administração do império colonial português...





Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto ( reordenamento, com o quartel à direita, em primeiro plano) nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz (*)

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Matofarroba > Tabanca > 1973 > O alf mil inf Luís Mourato Oliveira, da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973) (à direita do condutor)  e o alf mil médico (, o condutor do jipe,  e cuja identidade desconhecemos) em visita ao reordenamento feito pelas NT e pela população.  Matofarroba ficava nas proximidades de Cufar, a cerca de 2/3 km.

Foto: © Luís Mourato Oliveira  (2016) Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [, Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sequência do poste P19196 (**), decidimos reproduzir o documento supracitado, que nos chegou, em tempos, pela mão dos nossos camaradas António Pimentel e A. Marques Lopes, e que já foi publicado, no nosso blogue em 2007 (***) , com revisão e fixação de texto do nosso coeditor Virgínio Briote.  

Esta é a III (e última) Parte (****). Esperamos que o A. Marques Lopes que nos confirme: 

(i) o número de páginas da brochura (em princípio, 9 páginas); 

e (ii) se o texto foi publicado na íntegra na altura. 

Uma ou outra palavra está ilegível. A resolução da imagem dos mapas (nºs 1 e 2) precisa de ser melhorada.

Por outro lado, estamos a  pedir aos nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné, que nos disponibilizem textos, fotografias e outros documentos sobre os reordenamentos populacionais. Tanto quanto sabemos, não há trabalhos académicos publicados sobre este tópico. Muitos de nós estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos reordenamentos populacionais no TO da Guiné, nomeadamente no tempo do Com-Chefe e Governador Geral António Spínola (1968-1973).

Gostávamos de poder fazer um levantamento de todos os reordenamentos populacionais realizados ma Guiné, durante toda a guerra. E idenficar os nossos camaradas que integraram as equipas técnicas dos reordenamentos (graduados e praças) (, caso. por exemplo, do Luís R. Moreira) e que no BENG 447 planearam, coordenaram, apoiaram e/ou supervisionaram a construação de reordenamentos (caso,. pro exemplo, do Fernando Valente Magro).


Reprodução do documento [Revisão e fixação de texto: VB / LG].
   
IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS

 (pag. 6/9) (Continuação)


5. Não devendo em princípio existir um carácter de obrigatoriedade quanto à deslocação das populações das suas tabancas para um aldeamento, a não ser que o interesse comunitário superiormente o determine, há que empregar meios persuasivos quando se encontre alguma resistência. Para se criar ...[ilegível]

Esquematicamente vemos, assim:

Antes da construção:

  • auscultação das populações (indirecta, directa); 
  • auscultação e elucidação do Chefe da Tabanca; 
  • auscultação e elucidação do Guarda de Irã;
  • auscultação e elucidação das autoridades religiosas islâmicas.

Durante a construção:

  • garantir a autoridade constituída; 
  • garantir, tanto quanto possível, os interesses da localização dos aglomerados correspondentes às antigas tabancas, dentro do plano urbanístico; 
  • respeitar os usos e costumes das populações;
  • colaborar no transporte de todos os haveres das populações deslocadas;
  • interessar as populações na construção das casas, escolas, postos sanitários, etc., permitindo e desenvolvendo o sentimento de posse. 

6. A forma mais prática de se assegurar o deslocamento das populações para os reordenamentos é criar nelas a necessidade desse reordenamento. Para isso é necessário elucidá-las dos benefícios que vão auferir e garantir os seus desejos quanto a aspectos respeitantes aos seus usos e costumes. Será de toda a conveniência o conhecimento das suas motivações religiosas e étnicas. 

Nos quadros anteriores já foi feito um esquema suficientemente desenvolvido. Em novo quadro, indicar-se-ão as principais motivações a explorar para um útil e efectivo trabalho de consciencialização das populações.

1.BENEFíCIOS SOCIAIS

  • melhores casas;
  • escolas;
  • postos de socorros; 
  • assistência médica; 
  • água.

2. BENEFíCIOS ECONÓMICOS

  • melhores lavras;
  • celeiros colectivos;
  • mercado para escoamento da produção; 
  • lojas.

ISLAMIZADOS

Fulas

  • construção de mesquitas;
  • difundir a religião; 
  • os régulos governarão melhor com toda a população junta; 
  • os fulas têm de voltar a ser senhores dos seu "chão" que o IN quer roubar;
  • os antepassados foram valentes. 

Mandingas

  • construção de mesquitas;
  • difundir a religião; 
  • os chefes poderão dirigir melhor; 
  • as novas tabancas poderão ter lojas e fazerem comércio para terem riqueza; 
  • os antigos foram valentes e têm de os saber imitar.

ANIMISTAS

Balantas

  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • o Balanta terá a liberdade na tabanca e no mato, que o IN impede; 
  • o Balanta vai deixar de ser escravo do IN; 
  • os Balantas juntos têm força para exterminar o IN;
  • haverá sempre muita fartura. 

Manjacos

  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • juntos terão muita força;
  • impedirão o roubo de mulheres quando estiverem juntos; 
  • poderão fazer comércio;
  • cada família poderá ter os seu Irã. 

Brames
  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • o régulo governará melhor; 
  • vão ter mais vacas para estrumar as terras e para o choro; 
  • os Brames não terão necessidade de emigrar porque nada lhes faltará; 
  • o IN quer escravizá-los e não o poderá fazer estando todos juntos.

[Fim do documento, de 9 páginas]
_________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9936: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (9): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VII Parte - Evolução da situação militar - Anexo IV

(**) Vd. poste de 5 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19196: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (58): os reordenamentos populacionais (Francesca Vita, doutoranda em arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto)

(***) Vd. postes de:
12 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

16 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2108: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(****) Últimos dois postes da série:

20 de novembro de 2018 > Guiiné 61/74 - P19213: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (59): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológioco [ACAP], do QG / CCFAG - Parte I

21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológioco [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II

Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > Reordenamento > Fases de construção (fotos nº 1, 3 e 2) 

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [, Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sequência do poste P19196 (*), decidimos reproduzir o documento supracitado, que nos chegou, em tempos, pela mão dos nossos camaradas António Pimentel e A. Marques Lopes, e que já foi publicado, no nosso blogue em 2007 (**) , com revisão e fixação de texto do nosso coeditor Virgínio Briote.  

Esta é a II Parte (***). Esperamos que o A. Marques Lopes que nos confirme: (i) o número de páginas da brochura (emprincípio, 9); e (ii) se o texto foi publicado na íntegra na altura. Uma ou outra palavra está ilegível. E a resolução da imagem dos mapas (nºs 1 e 2) poderá ser melhorada.

Por outro lado, estamos a  pedir aos nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné, que nos disponibilizem textos, fotografias e outros documentos sobre os reordenamentos populacionais. Tanto quanto sabemos, não há trabalhos académicos publicados sobre este tópico. Muitos de nós estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos reordenamentos populacionais no TO da Guiné, nomeadamente no tempo do Com-Chefe e Governador Geral António Spínola (1968-1973).

Gostávamos de poder fazer um levantamento de todos os reordenamentos populacionais realizados ma Guiné, durante toda a guerra. E idenficar os nossos camaradas que integraram as equipas técnicas dos reordenamentos (graduados e praças) (, caso. por exemplo, do Luís R. Moreira) e que no BENG 447 planearam, coordenaram, apoiaram e/ou supervisionaram a construação de reordenamentos (caso,. pro exemplo, do Fernando Valente Magro).


Reprodução do documento [Revisão e fixação de texto: VB / LG]. 


LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEMOGRÁFICA (pag.4)

1. É difícil fazer uma exacta localização geográfica das diferentes etnias da Guiné, atendendo principalmente ao factor emigração. Efectivamente, mercê de muitas e várias circunstâncias históricas e políticas, os povos guineenses constituíram muitas, e algumas delas significativas, correntes migratórias que, partindo do seu chão originário, se estabeleceram um pouco por todo o território, por tal forma que se pode dizer que vivem hoje, indistintamente, lado a lado, etnias animistas e islamizados, muitas vezes interpenetrando-se e constituindo, como já foi notado anteriormente, subgrupos híbridos.

Uma das circunstâncias mais importantes para o surto migratório foi sem dúvida a eclosão do terrorismo, obrigando povoações inteiras a desalojarem-se e a imigrarem para zonas sob a protecção das Nossas Tropas.

No mapa 1, apresenta-se a localização das principais etnias nos seus chãos de origem. 



2. A localização histórica dos povos da Guiné, dada a infinidade de etnias existentes, torna-se difícil. Em apontamentos desta natureza, não cabem pormenores que se destinariam a um estudo aprofundado. Bastará, talvez, dizer que a maioria das etnias aparece como fusão de várias outras que foram as originárias e são referidas largamente pelos navegadores e descobridores nas suas crónicas. Nelas se dá conta de existirem no século XVI Balantas e Papéis na ilha de Bissau, e Buranos (nome primitivo dos Papéis) e Felupes na zona do Cacheu. Estas três etnias são das mais antigas, sendo os Felupes considerados os mais antigos dos povos originários.

Alguns outros povos existiam já no actual território da Guiné Portuguesa – colónias de Mandingas e Fulas – aquando da sua descoberta. No entanto, o contacto com eles só se verificou mais tarde, dado o tipo de colonização portuguesa, feita através de feitorias junto aos rios. Assim, o contacto fez-se primeiro com os habitantes da faixa litoral e, mais raramente, com povos que vinham transaccionar com os portugueses, de pontos mais afastados do interior.

Já a partir do século XV se inicia a invasão de povos provenientes de vários países do continente Africano. No entanto, só mais tarde há a grande invasão vinda especialmente do Futa-Jalon e territórios limítrofes (Labé, Boé Francês, Futa-Tere, Futa-Quebo, etc.), da Bandú (território situado entre o Alto Senegal e o Alto Gâmbia), Sudão, etc.

Fulas e Mandingas instalam-se na zona do Gabú, trazidos por lutas intestinas, pela necessidade de novas almas para a difusão do Alcorão, pelo desejo de novas pastagens para o seu gado e novas lavras. Travaram lutas com os povos aí estabelecidos (os Beafadas principalmente que se viram subjugados pelos Fulas-Forros em Jaladú que mais tarde se tornou na Forro-ia ou Forreá) e conquistaram posições [...] [ilegível].


Mapa 1- Os chãos dos Povos da Guiné


3. Povo nómada, os Fulas emigraram do Gabú para quase todo o território, especialmente o Leste, onde se encontra ainda hoje em força. Mas, de uma maneira geral, como já foi dito, todas as etnias registam movimentos migratórios. Apontaremos dois ou três exemplos:


A região de Mansoa é chão Balanta. No entanto encontramos aí estabelecidas, a par da maioria Balanta, Mandingas e Fulas.

Na zona de Farim, onde existiam primitivamente os Oincas (ou do Oio, subgrupo Mandinga), encontramos Fulas e Balantas. Aqui, notamos como curiosidade, Balantas e Mandingas permanecem em quase constante conflito, por causa dos roubos que os primeiros praticam por costume tradicional e é condenado pelo Alcorão. Alguns Balantas foram absorvidos pelos islamizados constituindo os Balantas-Mané, que também encontramos em Mansoa.

No actual concelho de Bafatá, habitado primeiramente por Beafadas, Mandingas e Fulas, encontram-se numerosas colónias de Manjacos, Papeis, Saracolés e Balantas, estes em maior percentagem.

No mapa 2, podem ver-se, como curiosidade, as primeiras migrações de Mancanhas (ou Brames), Manjacos e Balantas.


FUNÇÕES CIVIS EXERCIDAS POR MILITARES (p 6/7)


1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo [QA] com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e, ainda, por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sózinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.

Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas [FA].

As FA são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].


2. (...) Os civis do Quadro Administrativo (QA) pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio QA e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros.

As Forças Armadas são uma organização profundamente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultrapassados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do QA têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum.

3. O tratamento para com as populações terá de ser diferente também. Não se podem obrigar as populações a tomar determinadas posições ou aceitar determinadas soluções pela força ou coacção, excepto quando o determine o interesse colectivo, o bem comunitário. Interessa muito mais usar argumentos válidos, convicentes e visíveis para os levar a optar melhor. No caso concreto das populações com quem vamos trabalhar, há que contar com os seguintes factores de oposição às nossas soluções:
  • são populações menos evoluídas; 
  • têm sofrido pressões físicas e psicológicas dos agentes subversivos; 
  • são muito arreigados aos seus costumes étnicos e às tradições e práticas religiosas; 
  • são diferentes entre si, na sua evolução natural; 
  • duvidam por sistema, devido à estagnação sócio-económica anterior à guerra, às promessas que nunca foram cumpridas antes nessa época e à propaganda inimiga orientada para esse passado. 


Sintetizando, é preciso entender os civis do QA e as populações como tal e como tal actuar nas relações com eles.


IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (pag. 6/9)


1. A ideia de se fazer o reordenamento das populações em aldeamentos, tem três razões de ser fundamentais:

  • a defesa e controle; 
  • o desenvolvimento social; 
  • o desenvolvimento económico. 
Deixando de parte as questões da defesa, vamo-nos debruçar mais [...ilegível]




Mapa 2 - Primeiras migrações


2. A constituição geográfica da Guiné - sulcada de muitos rios, plana, densamente urbanizada-, a exploração agrícola fazendo-se especialmente junto das bolanhas e as diferenças étnicas que individualizam os agregados, conduziram à dispersão por inúmeros núcleos populacionais.

Com uma população dispersa em áreas muito vastas, torna-se difícil, se não impossível, tomar medidas de desenvolvimento que abranjam a totalidade ou, mesmo a maioria. O esforço económico e humano seria insustentável de momento e, especialmente, moroso.

3. O que se pretende, pois, com os reordenamentos? Agrupar as populações de uma determinada zona num só ou em vários agregados populacionais significativos, possibilitando:

  • a construção de casas com melhores condições de higiene e construídas com materiais mais resistentes aos factores climáticos e aos incêndios; 
  • a construção de condições de protecção social que abranjam um maior número de pessoas (escolas, postos sanitários, fontanários, assistência médica); 
  • a construção de condições de carácter económico que englobem uma população maior (construção de celeiros colectivos, garantia de mercados para venda da produção agrícola, condições técnicas para maior produtividade e outrs possíveis a desenvolver futuramente); 
  • o mais rápido desenvolvimento comunitário considerando um melhor rendimento no aproveitamento dos meios e quadros técnicos empenhados no esforço do desenvolvimento. 

4. Pode parecer sem discussão, a priori, que o reordenamento das populações oferecendo tantas vantagens para o seu desenvolvimento, é sempre bem aceite. Efectivamente, nem sempre isto acontece e por várias razões. Vamos apontar esquematicamente, algumas das principais:

Motivações étnicas:

  • questões havidas entre grupos de uma mesmo etnia que os opõem e obstam a uma vida comunitária; 
  • receio de perda de autoridade dos Chefes tradicionais; 
  • proibição dos Guardas do Irã por motivos de interesse pessoal; 
  • desejo de não mudar de chão; 
  • receio de que faltem, no novo aglomerado, os meios suficientes de subsistência; 
  • desejo de não se separarem dos seus haveres; 
  • outras [razões} que só localmente poderão ser detectadas.

(Continua)

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Notas do editor:


(**) Vd. postes de: