domingo, 19 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19804: Agenda cultural (684): Rescaldo do lançamento do Volume III de "Memórias Boas da Minha Guerra", de José Ferreira da Silva, levado a efeito no passado dia 11 de Maio, na Quinta Choupal dos Melros, Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar (Parte 2)

Reportagem do lançamento do Volume III de "Memórias Boas da Minha Guerra", de José Ferreira da Silva, levado a efeito no passado dia 11 de Maio na Quinta do Choupal dos Melros, Fânzeres - Gondomar, enviada ao Blogue pelo José Ferreira


"Memórias Boas da Minha Guerra"

Lançamento do vol. III


Acabada a sessão de apresentação da obra, seguiu-se o Almoço que decorreu no Salão antigo, com 8x10+1, onde não houve lugares marcados, conforme tradição, onde não há distinção de amigos e sim o hábito destes “Melros Bandalhos”

Segue-se a reportagem fotográfica:


Antes do almoço propriamente dito, foram servidas umas excelentes entradas no exterior, como é hábito

 Vista panorâmica da Sala de Almoço




 Uma mesa particularmente "abandalhada".






 Um homem feliz, o nosso José Ferreira porque rodeado de uma bela família.

Aqui, o momento em que se cantavam os parabéns à Gilda, esposa do Zé Ferreira, que neste dia completava "27" anos.
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Nota do editor

Vd. poste de 18 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19800: Agenda cultural (683): Rescaldo do lançamento do Volume III de "Memórias Boas da Minha Guerra", de José Ferreira da Silva, levado a efeito no passado dia 11 de Maio, na Quinta Choupal dos Melros, Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar (Parte 1)

Guiné 61/74 - P19803: Blogpoesia (620): "Cordas e laços", "Princesa do mar" e "Aspirar sempre ao melhor...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Cordas e laços

Desatar cordas e laços nas sendas da vida.
Apertar nossos braços nos espaços vazios.
Abraçar as verdades como se fossem quimeras.
Desfazer as distâncias nas asas do sonho.
Vencer as indiferenças que nos surgem na rua.
Afastar as pelejas com sorrisos e beijos.
Alcançar o infinito vivendo o presente.
Dar voz de prisão aos nossos impulsos vadios.
Lançar sementes de paz e justiça.
Dar pronta a mão a quem nos bate à porta aflito.
Esquecer a ofensa se te pedem perdão.
Só vence na vida quem sabe perder.
Isto não é utopia...

Berlim, 17 de Maio de 2019
8h25m
Dia de sol
Jlmg

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Princesa do mar

Albas vestes lhe escorrem desde os ombros.
Fulgente diadema lhe coroa a cabeça iluminada.
Infindável coro celeste lhe entoa incessante seu hino de glória.
Sentada no seu trono alvinitente.
Rainha-mãe da noite da opulência.

Acompanha de longe as almas sonhadoras.
Dá a volta ao mundo até que nasça o sol e se faça o dia.
Mas nunca abandona o céu donde contempla o mar azul que, logo, vestirá de prata.

Berlim, 12 de Maio de 2019
12h47m
Jlmg

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Aspirar sempre ao melhor...

Pauto a minha vida por aspirar sempre ao melhor.
Sem atropelos nem desvios.
Minha meta é a perfeição.
Meus defeitos espicaçam meus passos.
Uso a borracha para apagar os erros.
Tiro deles a lição.
Somos imperfeitos por natureza.
Mas temos a capacidade de o reconhecer e emendar.
O progresso assenta em tentativas.
Por vezes, é preciso refazer tudo do começo.
Nunca desenvolvemos totalmente nossas capacidades.
Cada um tem seus talentos.
Tanta vez ficam por desabrochar.
Nossa culpa ou da sociedade onde crescemos.

Ouvindo Beethoven: Symphony no. 3 Eroica - Philippe Herreweghe - Full concert in HD
Berlim, 13 de Maio de 2019
16h47m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19778: Blogpoesia (619): "Princesa do mar", "Deserto da existência..." e "Fogão de ferro a lenha", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19802: Álbum fotográfico de João Crisóstomo, ex-alf mil inf, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) - Parte I: Madeira, embarque para o CTIG em 2/8/1965


Foto nº A1


Foto nº A2


Foto nº A3


Foto nº A4


Foto nº A5

Madeira > Funchal > 1965 > CCAÇ 1439 > Dia do embarque para a Guiné  [Fotos A1, A2, A3], depois da IAO [fotos nºs A4 e A5]

A madeirense CCAÇ 1439 teve como unidade mobilizadora o BII 19, partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967, tendo passado por Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole, Missirá, Fá Mandinga. O comandante era o cap mil inf Amândio Manuel Pires, já falecido. Alferes (milicianos): Freitas, Crisóstomo, Sousa,  Zagalo (, este último já também falecido)

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


I. Mensagem de João Crisóstomo, com dat de 30 de abril último: 

[Camarada da diáspora, a viver nos EUA desde 1975, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), casado com a a eslovena Vilma; destacado ativista social luso-americano (de causas célebres como As Gravuras de Foz Coa, Memória de Aristides Sousa Mendes, e Timor Leste); tem cerca de 80 referências no nosso blogue; o casal veio expressaente, de Nova Iorque,  ao XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que se vai realizar em Monte Real, em 25 de maio; veio também ao encontro da CCAÇ 1439, e subunidades adidas, que passaram pelo Enxalé:  Pel Mort 1928, Pel Caç Nat 52, Pela Caç Nat 54]

Caro Luís Graça,

Este primeiro parágrafo é um PS - Post Scriptum….Espero que não leves a mal este "longo arrazoado”. Nem tinha intenção de escrever nada, mas tinha de dar uma explicação para as fotos que seguem. E comecei a falar e … olha o que aqui vai…

Pelo que compreendo é provável que este convívio [,na   Ericeira, Mafra, no dia 18 de maio de 2019,] seja para a CCAÇ 1439 o último encontro de "formatura geral/completa”. Vamos-nos continuar a encontrar com certeza, mas dificilmente conseguiremos encontros de "formatura completa”. 

Estive a imprimir tudo o que de mais perto diz respeito à CCAÇ  1439 ( e associados, Pel Mort 1028, CCAÇ 52, CCAÇ 54...), desde que tive conhecimento destes encontros em 2009. Evidentemente que continuarei a seguir e ler o nosso querido blogue, mas vai-me custar não estar à espera de saber quando é próximo encontro da CCAÇ 1439 , mesmo que nem sempre me tenha sido possível estar presente. 

 Fi-lo para ficar com tudo mesmo em papel, um dossiê que eu possa desfolhar com calma sempre que bem me apetecer. Tabancas, grandes e pequenas... “Encontros", convívios, tantas vivências extraordinárias que tenho experimentado e vivido. Nao foi uma nem duas vezes que tive de limpar os olhos em momentos revividos num misto de saudade, alegria e dor tudo à mistura, pela memória de momentos que me dizem/diziam pessoalmente respeito e pelo relatos de outros camaradas,   a maioria dos quais nem conheço pessoalmente, mas cujos momentos foram iguais ou parecidos aos que eu vivi, porque ao fim e ao cabo, mesmo sem nos conhecermos,  a Guiné fez de nós todos irmãos. 

Tem sido uma grande experiência desde então: não só reatei com os que comigo passaram as ruas da amargura (e bons tempos também) na Guiné, como vim a conhecer tanta gente boa de outras unidades que compartilham da mesma experiência. E com isto acabei por fazer grandes amizades. Até de indivíduos que, me parece, "nunca chegaram a fazer a tropa” mas que o destino,  servindo-se deste blogue, me proporcionou conhecer e a quem hoje eu tenho o privilégio e alegria de incluir agora entre os meus irmãos.

Se “reconhecimentos” dependessem de mim— e não digo isto levianamente ou com alguma intenção estupidamente idiota só para elogiar ou para ficar bem visto na opinião de quem quer que seja—,  eu daria de coração meia dúzia de medalhas… especialmente aos criadores/fundadores deste blogue que ao longo de vários anos nele têm andado envolvidos. Acredito que , embora conscientes de que estavam a fazer algo bom para muita gente, estes não imaginam o que fizeram e o bem,— o muito muito de bom,—que a tantos proporcionaram. 

 Foi através deste blogue, logo no início, que vim a encontrar de novo o Zagalo, a quem tive ainda a possibilidade de abraçar antes que ele nos deixasse. Depois encontrei os meus camaradas próximos ( da minha companhia, a  CCAÇ 1439, e alguns outros) de quem há dezenas de anos —literalmente— não sabia nada… E, meu Deus, que jorrada de emoções sempre que eu podia abraçar de novo estes meus irmãos! 

O mesmo que eu senti um dia, há muitos anos atrás com um amigo— e depois tornei-o a perder e nem sei onde se encontra. De nome Luís Filipe, do Algarve; Tavira?   Alguém sabe dele? Se alguém souber algo dele... PLEASE! Digam-me ! Foi alferes miliciano; esteve em Mafra comigo como cadete e depois, cada um para seu lado, nunca mais soube dele, como de tantos outros em casos semelhantes. 

Um dia, estava eu então na Inglaterra, vim de férias a Portugal - foi mais ou menos há cinquenta anos -, e apanhei o combóio do Porto para Lisboa . Nao me recordo já das circunstancias, mas sei que estava a a passar perto de Vila franca de Xira ; estava no corredor e de repente vejo o Luís Filipe , muito alto, à minha frente... e ao ver-me ele de repente agarra-se a mim e começa a chorar…apertando-me como um louco…. 
- Eh pá, disseram-me que tu tinhas morrido!… Sei que foste para a Guiné; e disseram-me que o Capitão Cera (que tinha sido um dos nossos alferes “treinadores/professores" em Mafra...) tinha perdido as pernas esmagadas e que tu tinhas morrido!…

Desculpem mencionar aqui este relembrar, que pouco tem a ver com a Guiné… excepto que me faz vir as lágrimas sempre que o lembro. Mas estava a falar de memórias e de emoções e foi este o que me veio de repente. Podiam ter sido outros, como o momento em que em Enxalé fizémos um caixão de tamanho normal para levar os restos mortais do Manuel Acoreano, ( que foi pulverizado numa mina quando fomos socorrer a coluna do Zagalo em que — ainda não sabíamos  —  o furriel Mano tinha falecido.)... Nas palavras do nosso camarada Henrique Matos; "quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontrámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos…. Tem a sua campa em Bambadinca"...

São momentos difíceis , mas que por razões muitas, quanto mais não seja como maneira de na nossa mente honrar estes nossos irmãos, não devemos nunca esquecer. E para que estas estas vivências , más ou boas , difíceis ou gradáveis, não passem ao esquecimento… abençoada a hora em que este blogue apareceu.

Bom, eu por mim falo, mas creio não estar só quando digo: Obrigado,  meus caros!. Muito muito obrigado!

E agora vamos às fotos que seguem...  Lembrei-me que, sendo este o último encontro/assembleia geral da CCAÇ  1439, era o momento de partilhar mais algumas velhas fotos/memos que tenho comigo.

E começo com a página A:

Legendas:

Fotos na Madeira, no dia da partida para Guiné [2 de agosto de 1965]: Na A1,   e fáceis de discernir, o Sargento Bicho, já falecido, eu e o furriel António Lopes no momento em que o governador [da Madeira] passava a sua revista.

Na segunda foto, A2,  o alferes Freitas [, madeirense,]  à frente do destacamento a desfilar directo ao barco. Com uma simple lupa podem-se reconhecer alguns outros rostos…

Foto A3: por razões burocráticas fui eu que assumi o comando da companhia durante e até chegarmos à Guiné, onde o capitão  miliciano Armando Pires nos esperava. O Governador [da Madeira], na presença do comandante [do navio]  foi  desejar à Companhia, na minha pessoa, boa viagem. 

Fotos  A4 e A5: nas montanhas onde estávamos a fazer a preparação final [, IAO,]  estava quase na hora de cada um dos "aspirantes a alferes” assumir o comando do seu pelotão; o Zagalo  [, Luís Zagallo,] porém não tinha pressas e mostrava a sua independência mantendo o pijama até ao último minuto [A4]...

(Continua)
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Guiné 61/74 - P19801: Parabéns a você (1621): Joaquim Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142 (Guiné, 1972/74) e Xico Allen, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19798: Parabéns a você (1620): Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil Art da CART 1659 (Guiné, 1967/68)

sábado, 18 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19800: Agenda cultural (683): Rescaldo do lançamento do Volume III de "Memórias Boas da Minha Guerra", de José Ferreira da Silva, levado a efeito no passado dia 11 de Maio, na Quinta Choupal dos Melros, Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar (Parte 1)



Reportagem do lançamento do Volume III de "Memórias Boas da Minha Guerra", de José Ferreira da Silva, levado a efeito no passado dia 11 de Maio na Quinta do Choupal dos Melros, Fânzeres - Gondomar, enviada ao Blogue pelo José Ferreira

"Memórias Boas da Minha Guerra"

Lançamento do vol. III

O lançamento do III volume das “Memórias boas da minha guerra”, de José Ferreira da Silva [na foto à direita] teve lugar, no passado dia 11, em Fânzeres, Gondomar, na Quinta do Choupal dos Melros, onde, em Bando, a “passarada grisalha” poisa todos os meses em excelentes convívios, cheios de camaradagem e amizade. O que une esses “Melros” é um forte denominador comum: o facto de terem sido Combatentes da Guerra do Ultramar.
Já pouco falam da guerra. E se o fazem, já não se assemelha aos tempos imediatamente a seguir ao “feliz regresso”. Parece que já fizeram a catarse e, agora, aproveitam para acentuar um convívio mais saudável que o dos tempos de forçado guerreiro regressado.
Nesta fase, talvez despertados pelas modernas redes sociais, se reaproximam e se identificam como menos guerreiros, mais pacíficos, mais tolerantes e, afinal… mais camaradas.
Por coincidência, ou não, é o período em que surge um outro tipo, inédito, de histórias, através de “memórias boas da minha guerra”.

Virada para a enorme eira de uma grande casa de lavoura, via-se uma grande mesa de granito, sob a ramada de videiras “americanas”. Estava ornamentada com toalha de linho bordada e um pedaço de rede de camuflagem militar. A um canto, junto do “Presidente Bandalho”, em posição activa, estava disponível um bruto aparelho militar de Rádio-Transmissões – o ANGRC9. Na frente salientavam-se a Bandeira Nacional e a Bandeira da CART 1689 (“Os ciganos”). Por cima estavam espalhadas rosas caseiras, lindíssimas, oferecidas pelo anfitrião e proprietário Gil Neves, ex-Piloto da FAP, na Guerra da Guiné.

Mesa da Presidência com: o autor, José Ferreira; Carlos Silva, Régulo da Tabanca dos Melros; Ricardo Figueiredo; Francisco Baptista e Jorge Teixeira (Jotex), Presidente dos Bandalhos

O Régulo da Tabanca dos Melros, Carlos Silva, a abrir a Sessão

Abriu a sessão, o Gondomarense Carlos Silva, chefe da Tabanca dos Melros, que tem ali, também, o seu pequeno Museu sobre a Guerra do Ultramar. Apresentou as saudações da praxe, alguns agradecimentos e endereçou a palavra para o Ricardo Figueiredo, já preparado para coordenar os trabalhos e, também, apresentar a obra.

O Ricardo Figueiredo no uso da palavra

O Ricardo, talvez beneficiando do seu estatuto de “Tarimbeiro dos Tribunais”, versou facilmente os seus pontos de vista sobre a escrita do Zé Ferreira, prendendo a atenção dos camaradas presentes. Falou também sobre as origens (geográficas) que influenciaram o autor, com a respectiva cronologia desde os tempos do Estado Novo, bem como o seu retrato social e político. Afirmou ser evidente que o autor escreve “fugindo” da guerra cada vez mais, salientando a evolução temática dos 3 volumes publicados.

Francisco Baptista, já que fazia parte da Mesa de Honra, teve que deitar faladura. Se bem escreve, bem fala

De seguida, falou o Francisco Baptista que referiu o autor do prefácio, Alberto Branquinho, e do posfácio, Luís Graça.
Prosseguiu lendo um texto escrito e nele ficou bem demonstrada a sua qualidade literária, já bastante conhecida e que muito brevemente ficará eternizada num livro de sucesso.

O Presidente Bandalho, sem pulga atrás da orelha, prepara-se para, como de costume, dizer mal do livro do José Ferreira.

Foi, então, o momento de Jotex, o apelidado “Presidente do Bando”, botar faladura. E, como vem sendo seu hábito, despejou a habitual ironia cáustica sobre as qualidades do livro. Para ele, o livro não vale nada e não é mais do que um “bónus” dado a quem comprar a garrafa de Porto Reserva, alusiva ao acontecimento, que é entregue com o livro. E, referindo-se ao autor, disse que ele é bastante conhecido somente porque usa um chapéu vistoso.
Entretanto, ouviu-se algum sururu orientado na direcção de José Manuel Cancela, conhecido por Zé Manel dos cabritos, acusando-o de roubo dos cabritos e da sua quase extinção na zona de Mampatá. Ele defendeu-se acusando de Peteiros o Poeta Régua, o Carvalho e o próprio autor do livro. Salvou-o, em parte, o Antero Santos que informou que estivera, depois, em Mampatá e que ainda lá havia um ou outro cabrito de estimação. Quanto à acusação de ter criado a primeira mula transexual de Trás-os-Montes, confessou a pouca “habilidade” para tratar de assuntos de sexo, mas que o nome de “Lola” não fora sua autoria.



O Ricardo Figueiredo lembrou que também em Penafiel havia a Festa do Cordeirinho e que está referida uma confissão do querido e saudoso Joaquim Carlos Peixoto, a quem o pai do seu pior aluno oferecera o melhor cordeiro da festa. Houve um momento de grande emoção e foi guardado um minuto de silêncio em sua memória, ao qual se juntou a saudade sentida pelo Jorge “Portojo” e por outros falecidos.

Inconfundível, com o seu inseparável boné, o Zé Manel da Régua faz a sua entrada triunfal no Choupal dos Melros

O Poeta da Régua acabara de chegar. E, entrando de mansinho, trazia uma caixa de cerejas da sua Quinta Sra. da Graça, apresentando-a como o verdadeiro motivo porque chegava atrasado. Teve o cuidado de pedir às pessoas que guardassem os caroços para serem entregues ao Cancela, que os levaria para os cabritos. Falou um pouco da sua/nossa guerra e agradeceu a homenagem que lhe é prestada neste livro.

Falando aos presentes, a Margarida Peixoto, viúva do nosso malogrado camarada Joaquim Carlos Peixoto

Antes de terminar, Margarida Peixoto quis usar da palavra. Agradeceu o carinho e a amizade que lhe temos demonstrado e aproveitou para enaltecer a boa camaradagem reinante entre os ex-Combatentes e, ainda, tecer alguns elogios ao autor.
Como é costume, o autor encerrou o convívio, referindo logo de entrada:
- É com enorme alegria e satisfação que vos vejo aqui a comungar desta minha felicidade. Por favor, não me chamem de escritor. Sou apenas um pobre diabo que quis registar para a posteridade as “Memórias boas da minha guerra” que, na verdade, são as memórias de todos nós.
Aproveitou para os agradecimentos habituais, onde destaca Alberto Branquinho, Luís Graça, Carlos Vinhal, responsáveis por este produto e ainda a todos os amigos que lhe alimentam o sorriso de cada dia.

Visita ao Museu da Tabanca dos Melros

Seguiu-se a visita ao Museu, que está cada vez mais recheado, enquanto já decorria no alpendre a degustação das entradas.

(Continua)

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Texto lido na apresentação do livro “Memórias Boas da Minha Guerra, (da Guiné) Volume III” do meu camarada e amigo José Ferreira.

https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=649470568826873&id=100012918072029

Por Francisco Baptista

Minhas Senhoras e meus Senhores, Amigos e Camaradas

Depois do prefácio e do posfácio, escritos pelo Alberto Branquinho e pelo Luís Graça, dois bons críticos literários e das palavras sábias do Ricardo Figueiredo, um grande tribuno, amigo José Ferreira, podias-me ter dispensado deste sacrifício. Sei que em compensação já me deste o livro, mas não te esqueças de me dar também o vinho do Porto, que deste aos outros.

Sobre o livro direi, como os outros, que tem belas histórias, está muito bem escrito como é timbre do autor. Pessoalmente acho que tem um aspecto mais cuidado do que os dois anteriores e tem algumas fotografias a cores que lhe dão outra beleza.
Gosto particularmente da fotografia da Joan Collins, nas formas perfeitas da sua juventude, das pernas arqueadas com as coxas num conjunto harmónico, dos peitos rosados, brancos e salientes, do rosto onde sobressai um olhar intenso que nos toca, dos lábios vermelhos e carnudos, tão bela, tão sensual que parece fazer-nos aquele convite que nós homens esperamos, embora geralmente não passe de uma ilusão.

Os soldados americanos no Vietname visitados por esta estrela, pela Raquel Welch. e por muitas outras tinham sonhos quentes e cor-de-rosa, nós em África éramos por vezes visitados pela D. Cecília Supico Pinto, um Salazar de saias, e outras tias do Movimento Nacional Feminino que em vez de sonhos nos levavam tabaco e pouco mais.
Quando havia azar no mato ou no quartel, vindas do céu, como se fossem anjos, apareciam as enfermeiras paraquedistas, raparigas do nosso tempo, para socorrer os feridos, mas que nos faziam sonhar com elas ou com outras brancas que viviam longe, a milhares de quilómetros.

O José Ferreira, como já vem sendo hábito, apimentou este livro com histórias pícaras. reais e fictícias, sobre amigos ou conhecidos e histórias picantes sobre sexo, que nos dão muito gozo ao lê-las e que já lhe deram a ele ao escrevê-las. Falando de sexo usa um português vernáculo de calão que era o falado entre os camaradas de guerra.
Hoje já mais libertos das leis severas da Santa Madre Igreja sobre o uso desses termos e sobre a vida sexual, já todos ou pelo menos a maioria admitem isso com naturalidade. Como natural é o sexo como fonte de prazer e de vida.
Deus, depois de criar o Mundo, criou o homem e a mulher, deu-lhes o sexo e disse-lhes:
Usai-o e multiplicai-vos.
Isabel Allende, uma grande escritora chilena disse um dia: "Escrever é como fazer amor. Não te preocupes com o orgasmo, preocupa-te com o processo".
José Ferreira continua a escrever.
Muito obrigado. Sejam felizes, façam amor ou escrevam.
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Notas do editor

Vd. poste de 3 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19741: Agenda cultural (680): "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III, de José Ferreira. Lançamento do livro, dia 11 de maio, às 11 h, seguido de almoço, na Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar

Último poste da série de 12 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19779: Agenda cultural (682): Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa, IndieLisboa 2019: "De los nombres de las cabras", de Silvia Navarro e Miguel H. Morales, Espanha, 2019, 62': um documentário sobre a extinção dos Gaunches, o povo nativo das Canárias... Pode ser visto no cinema Ideal, Lisboa, quarta-feira, dia 15, às 22h00

Guiné 61/74 - P19799: Os nossos seres, saberes e lazeres (326): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
A peça de substância do condado de Oxford é a vetusta e prestigiada cidade universitária, detentora de um belíssimo património, a vida cultural é intensa, do teatro ao cinema, das exposições às conferências, passando pela vida musical, excecionalmente rica.
Era obrigatório por ali deambular e dar a conhecer o interior do mais velho museu do mundo, na lógica com que hoje entendemos um espaço onde se guardam objetos de arte, se conservam e se utilizam no processo educativo.
No regresso, havia resmungos, soubera a pouco, o que era inteiramente verdade, ainda por cima um dos passantes fora aluno do criador do célebre inspetor Morse, Colin Dexter, que visitou com regularidade até ao seu falecimento, intensificou a mágica da visita, a cidade dos doutores também guarda discretamente a lembrança de um inspetor que desvendou habilmente crimes, imagine-se, num dos espaços universitários mais requintados do mundo.

Um abraço do
Mário


No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (5)

Beja Santos

Continua o passeio pela cidade de Oxford, não haverá tempo para farejar os interiores dos colégios mais icónicos, nem as preciosas livrarias, nem o jardim botânico, impõe-se uma rígida disciplina, há a igreja da universidade denominada Santa Maria a Virgem, estamos agora na Bodleian Library, aberta ao público em 1602, ver ao menos por fora a Radcliffe Camera (que agora faz parte da Bodleian), construída na primeira metade do século XVIII, é aqui o coração dos grandes edifícios onde se pode incluir o Sheldonian Theatre. Ainda houve vozes recalcitrantes, queriam ir a Blenheim Palace, a residência ancestral dos Duques de Malborough, pelo caminho queriam ver Woodstock, passear pelas velhas aldeias como Stow-on-the-Wold, fica para o próximo passeio, amanhã é o dia para o Parque e Jardins do Zoológico de Cotswold, Cotswold Wildlife, uma exigência para crianças, uma grata surpresa para adultos. Saboreie o leitor estas abóbadas em leque, nervuras harmoniosas, todos os medalhões a merecerem contemplação, houvesse tempo e o viandante com a sua companha andavam horas e horas com o nariz no ar, mais gracioso tardo-gótico, não se conhece, fica-se com a ilusão que há para ali uma escalada até às nuvens, só falta aparecerem anjos celestiais, ao som de charamelas.




Sai-se da Bodleian Library, ali perto, aparentada uma igreja circular é a rotunda que dá pelo nome Radcliffe Camera, uma joia arquitetónica do século XVII, é um passeio entre ruas circulares ou bem enviesadas até se chegar a uma avenida que nos vai conduzir a um dos objetivos da visita, o Ashmolean Museum, museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford, o mais antigo museu do mundo, com uma riqueza incrível, possuidor de coleções que vão desde a Antiguidade e chegam aos pré-rafaelistas de Arte Moderna.



Paragem obrigatória na Igreja da Universidade, alvo de muitas intervenções, mantém-se como o coração espiritual da velha universidade: o pórtico foi construído no século XVII, ainda há vitrais medievais, mas sofreram alterações profundas no século XIX, ali está o túmulo de Adam de Brome, o fundador do Oriel College, século XIV, muitos visitantes param diante da coluna em memória de Thomas Cranmer, arcebispo de Cantuária designado por Henrique VIII, manteve-se leal ao Papa, foi condenado. É obrigatório visitar a capela-mor e contemplar a Madona e o Menino, obra do barroco francês, saiu da paleta de Simon Vouet.



Uma pausa no mercado furta-cor, é irresistível não parar para sentir a palpitação do consumo. É de todos sabido que quando dois ingleses se encontram falam primeiro do tempo, não escondem a sua satisfação se for dia de sol, depois a conversa pode deslizar para a jardinagem, acima de tudo flores, mas há quem tenha hortas, daí a extraordinária variedade que podemos encontrar em qualquer mercado de plantas aos hortofrutícolas, aqui tudo se vende para semear.


O viandante ainda se lembra do Ashmolean antes destas obras de beneficiação, trouxeram conforto e luminosidade. Como todos os museus públicos, as coleções permanentes são de visita gratuita, as exposições fazem-se pagar. Ao tempo da visita, exibia-se uma coleção modernista norte-americana de O’Keefe a Hopper, 12 libras, uma outra de gravura de várias épocas, o programa indica visitas guiadas, conferências da mais diferente índole, cursos, workshops e outras atividades relacionadas com a coleção do museu.



Esta indumentária pertenceu a um ilustre aluno de Oxford, o Coronel Thomas Edward Lawrence, Lawrence da Arábia, aqui estamos em frente da vestimenta que David Lean reproduziu no célebre filme épico, “Lawrence of Arabia”, o protagonista era Peter O’Toole.




Três imagens que pareceram obviamente sugestivas da grande riqueza que o Museu Ashmolean oferece, desde o mundo antigo, à Ásia, as coleções europeias. No piso inferior, montou-se uma fascinante área pedagógica para explorar o passado, aproveita-se para contar a história do museu, essencialmente feito de doações de grandes colecionadores, explica-se aos alunos que o visitam a arte da conservação de têxteis, coros, a história da escrita e da impressão, o dinheiro, uma belíssima associação entre o objeto e os comentários. Foi o que se pôde ver em Oxford, regressa-se a Faringdon, amanhã está previsto a alegria dos mais pequenos, a ida ao parque da vida selvagem de Cotswold.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 11 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19773: Os nossos seres, saberes e lazeres (324): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19792: Os nossos seres, saberes e lazeres (325): 25 de maio de 1980, Hangzhou, "um paraíso debaixo do céu", segundo um provérbio tradicional

Guiné 61/74 - P19798: Parabéns a você (1620): Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil Art da CART 1659 (Guiné, 1967/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19795: Parabéns a você (1619): António Pinto, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65)

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19797: Notas de leitura (1178): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
O BCAV 490 arribou à Guiné, descobriram o calor de estufa, o desconforto de viver aquartelado, vão agora partir, cada Companhia para seu lado, percebe-se que o vate alinha na CCAV 488, vai dizer cobras e lagartos da comida, conviria que nos esclarecessem por onde se repartiram, onde ficou inicialmente a sede do batalhão, quando começaram a levar pancadaria, mais adiante irá falar da primeira emboscada.
Hoje associamos o escritor Álvaro Guerra, contemporâneo de Santos Andrade, no desembarque em Bissau, com os bizarros primeiros tiros, logo a seguir daremos a palavra a alguém que nos faz companhia na blogue, o Zé Brás e o seu incontornável romance "Vindimas no Capim".

Até à próxima, com um abraço,
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (6)

Beja Santos

“Até que cheguei à Guiné,
a viagem foi regular.
Na fábrica abandonada
vim eu aqui aquartelar.

Houve rapazes a enjoar
dos balanços que o barco dava.
Eu era um dos que estranhava,
mas não cheguei a vomitar.
Só me vinha o mal-estar.
Depois de beber o café,
passeava até à ré,
fazia apetite à comida.
E foram 5 dias nesta vida
até que cheguei à Guiné.

Aos 4 dias de jornada,
vínhamos bem viajando,
uma cabeçada íamos levando
no meio da água salgada.
Do barco não se aproveitava nada
se tivéssemos tido esse azar.
Isso dava que falar:
a morte de tanto indivíduo!
Como isso não foi sucedido,
a viagem foi regular.

O barco esteve ancorado
até que nós desembarcámos
e em seguida nós chegámos
a este quartel mal arranjado,
com carros velhos por todo o lado.
Que coisa disparatada!
Só na parte da madrugada
nós conseguimos dormir
com tanto mosquito a zumbir,
na fábrica abandonada.

O calor não se aguentava
aqui dentro do quartel
o nosso Tenente-Coronel
disso não se importava,
e serviços nos destinava,
não nos podíamos desenfiar
fartávamo-nos de trabalhar,
a carregar camionetas de entulho
e a 27 do mês de julho
vim eu aqui aquartelar.”

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A viagem e o desembarque em Bissau são dois momentos clássicos na literatura memorial da guerra. Irá fazer-nos companhia agora o escritor Álvaro Guerra que combateu e foi ferido na Guiné e que legou no conjunto das obras iniciais uma série de referências à sua comissão. Em “Memória” tem um parágrafo de rara beleza:  
“Nasci na pátria do ódio gentil, na pátria da paz e do sono, do idílio de uma seringa cheia de medo com uma veia cheia de velho sangue, uma veia sossegada e antiga, sem dores de me parir. Cresci entre as histórias mentirosas e as mezinhas mitológicas de adiar mortes serenas, milhões de tranquilíssimas mortes conformadas, ao som do fado-hino e da saudade de destino”.
Nesta fase da sua vida literária, Álvaro Guerra revelou-se um aficionado, direi incondicional, do novo romance, corrente em que a França esteve na vanguarda com nomes de coturno mundial como Marguerite Duras, Alain Robbe-Grillet, Nathalie Sarraute e Claude Simon. Escrita de fragmentos, parágrafos velozes, com tiquetaques, regressos permanentes, remissões a beirar o surreal. Vejamos como arranca este romance Memória:
“no calor morria e nesse medo matava rasgando capim folhas lianas a tiros de raiva e metal escaldante metralha a abrir o caminho para hoje percorrido comigo desde o meu corpo espalmado na terra a beber o suor e o sangue e os olhos fechados invocavam imagens e logo se abriam para a dor real naquele longe de casa que eu era rastejando entre os silvos e explosões zumbidos aos ouvidos meus sentidos todos na fusão com o nada e desesperado disso que eu sabia ser tarde para a escolha que não fiz…”.

A comissão de Álvaro Guerra foi contemporânea da comissão de Santos Andrade, daí a sintonia que é um acaso de felicidade entre este texto com desembarque e instalação e os versos do nosso poeta da BCAV 490:
“A Companhia recém-desembarcada dos três velhos aviões a hélice foi provisoriamente instalada no Liceu da Cidade que, para o efeito, se encontrava equipado com aquilo que habitualmente equipa um liceu: carteiras, mesas de professores, quadros pretos, ponteiros, giz, globos terrestres, animais empalhados, provetas, tubos de ensaio, bicos de Bunsen, estalactites e estalagmites, poliedros, frascos, boiões, um esqueleto muito pouco convincente e, ainda, como extra ali colocado para maior comodidade da tropa, alguns fartos de palha. Quando a soldadesca saltou dos camiões, o capitão ordenou a formatura e disse para terem muita atenção em não escangalhar nada do que estava lá dentro, pois aquilo era Património do Estado e ‘quem escachaporrar alguma coisa tem que s’haver comigo’, após o que se fez a distribuição dos militares pelas várias salas de aula, tendo o gabinete dos professores sido reservado aos oficiais e o laboratório aos sargentos. Montou-se imediatamente um dispositivo de segurança composto por quatro sentinelas, assim colocadas: posto 1 – extremo norte do claustro, junto à retrete das meninas; ponto 2 – porta dos contínuos e pessoal menor; posto 3 – porta da Secretaria; posto 4 – extremo sul do claustro, junto à retrete dos rapazes. Revelando o exemplar poder de adaptação, começaram os militares a disputar a palha que lhes havia de servir de colchão. Então, chegaram as cozinhas rolantes com uma refeição quente, vindas dos superlotados quartéis da cidade e, marmitas na mão, logo todos compareceram a formar uma longa bicha que chegava às imediações do bairro da lata, aliás, próximo.

Acomodados sobre a palha, entre carteiras, dispuseram-se a passar confortavelmente a sua primeira noite no liceu o que teriam conseguido se não fossem os permanentes e ferozes ataques dos mosquitos o que determinou colectiva manhã mal-humorada, com judiciosas quão oportunas observações do tenente-médico.

Cada vez melhor adaptados às circunstâncias, isto é, às carteiras e restante material ex-escolar, mosquitos e camas de palha, foi-se o mau humor adoçando de tal modo que, a meio da tarde do segundo dia, se podia ver o Cabo Serapião, ao som da guitarra do 73 e da gaita-de-beiços do 91, dançando com o esqueleto a quem tinham pintado bigodes à capitão e posto no crânio um capacete, enquanto no laboratório os sargentos assavam chouriço no bico de Bunsen e, na sala dos professores, os oficiais jogavam póquer usando como fichas as rochas e cristais do gabinete de mineralogia. Estava o Alferes Jeremias a arriscar um belo pedaço de quartzo num full de damas e valetes, quando soaram dois tiros, do lado da retrete das raparigas. Alarme geral, abrupta interrupção das actividades lúdicas e outras, apressada procura de armas, improvisada compostura de uniformes e acessórios, corrida para o exterior.

‘Além, atrás daquela cabana! Estavam dois escondidos! Disse: Alto! Quem vem lá? Abalaram a fugir. Disparei’. E acertou, pelo menos num deles, a verdade é que havia na terra castanha uma poça de sangue e pingos que se perdiam para as bandas do bairro da lata, para todos eles o primeiro sangue, para muitos o cheiro do primeiro festim a sério, a inconsciente descoberta da íntima ferocidade, uma vingança qualquer daquele apartamento forçado. No chão, junto do quadro preto, em posição de falsos ossos só possível, o esqueleto abandonado, capacete no crânio, bigodes à capitão e maxilas escancaradas, esperava um par que continuasse a dança que mal começara”

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 13 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19781: Notas de leitura (1177): "Portugal in Africa", por James Duffy, Penguin 1962 (Mário Beja Santos)