Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 10 de junho de 2019
Guiné 61/74 - P19878: Notas de leitura (1185): “As Papaias da Guiné”, por António Coelho Ferreira; Chiado Books, Agosto de 2018 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2019:
Queridos amigos,
António Coelho Ferreira foi alferes miliciano na Guiné entre 1963 e 1965. Terá vivido, pelo menos, em Ingoré, S. Domingos, Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá, foi ao Morés, depois esteve em Bolama, Canchungo e Madina do Boé. Um farto currículo portanto, era esperável um rico caderno de memórias. Esquissou uma viagem de barco, metaforicamente uma viagem de retorno às memórias. Magicou serões a bordo do "Ana Mafalda", um comandante, dois alferes e duas senhoras, um formato Xerazade a contar façanhas, encontros e desencontros, sempre histórias para o dia seguinte. Cedo vem o desnorte da trama, acotovelam-se situações, misturam-se tempos, é uma desordem completa a que não falta o kitsch do nosso alferes entender estar numa atmosfera propícia para falar dos 500 anos da presença portuguesa na Guiné, a tudo falta nervo substituído por estirador e compasso, um desastre, mais do que incompreensível.
Bom seria que António Coelho Ferreira se ressarcisse e voltasse à Guiné para nos contar a verdade dos factos, mesmo sob o manto diáfano da fantasia.
Um abraço do
Mário
As Papaias da Guiné, por António Coelho Ferreira
Beja Santos
Ficamos com alguns dados do autor de “As Papaias da Guiné”, António Coelho Ferreira, Chiado Books, agosto de 2018: nascido em 1941, foi oficial miliciano, esteve na Guiné de 1963 a 1965, licenciou-se em História, foi funcionário bancário, tem experiência autárquica e associativa. Pelo que escreve no seu romance, sabemos que esteve no Ingoré, percorreu Olossato, Farim, Mansabá, terá estado em Madina do Boé. Organizou a trama do seu romance numa viagem de regressos, finda a sua comissão, na falta de transporte aéreo, o alferes Ricardo (alter-ego do autor) viu-se na contingência de viajar no Ana Mafalda. É nesta embarcação, e numa viagem de Bissau que passa por Cabo Verde, que uma tempestade leva até Lanzarote e depois Lisboa, que haverá, como nos contos de Xerazade, diante de uma assistência restrita, onde pontificava o comandante do navio, a narrativa guineense, nesse círculo despontarão amores de circunstância. Se a ideia inicial era uma viagem de regressos, em termos literários o leitor será confrontado com uma trama mal cozida, um desnorte de peripécias, uma pastelada de exposições de um pseudónimo caricatural de erudição, em suma, um extraordinário desastre, incompreensível.
O alferes Ricardo embarca cheio de memórias de Ingoré, S. Domingos, Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá, do Morés, Bolama, Canchungo, das colinas de Madina do Boé. Perfizera 26 meses de atividade operacional. E quando se espera um desfilar de operações, de afetos construídos, sai-nos pelo caminho uma escrita atropelada, aparece o alferes Pimenta que se dizia surdo mas era tudo mentira, o capitão-comandante do navio apresenta duas companheiras de viagem, Benilde e Beatriz, o comandante anuncia paragens na Praia, ilhas de Santiago e Sal e S. Vicente, 18 dias, será este o tempo do romance. O enredar da escrita também não ajuda, já estamos no cotejo de memórias, vamos ouvir o alferes Ricardo:
“Para ali transportado de emergência para assumir o comando, apelou à autoexperiência de 18 meses de guerrilha para que o guiasse, sem cometer erros irreparáveis.
Era uma evidência que o inimigo retornaria mais refinado e com redobrada força.
Preventivamente, era necessário proceder à abertura de trincheiras, organizar a defesa, reestruturar abrigos para onde se passaram as enxergas, as metralhadoras e respetivas munições.
Situado numa encosta ao lado da fonte de Madina de belíssima água potável, o aquartelamento era o que restava da escola local. A guarnição, cerca de 50 homens entre europeus e africanos.
Acontecera que, dias antes, um pretenso habitante aparecera perante a tropa a anunciar que os do PAIGC estavam na estrada de Dandum, onde aguardavam pelos do exército.
‘Ele, arauto, fora obrigado, sob ameaça de morte, a cumprir aquela ordem expressa’.
Os nossos, numa decisão de imprudência, em pequeno número, meteram-se numa berliet e foram-se a eles, como quem se mete nas goelas do leão. – Apenas um furriel e um cabo tiveram a sorte de, tarde e más horas, regressarem ao quartel, em tempos desencontrados”.
Só mais adiante voltamos ao cerne da questão, a remodelação do quartel, e estamos nisto e chega-se à Praia, logo se passa a falar do Tarrafal, do tráfico de escravos, seguem-se divagações, agora a memória salta da estrada de Bissorã para Encheia. No serão, no tal corolário das mil e uma noites, Ricardo irá perorar sobre os primeiros séculos da administração portuguesa na Guiné, a companhia feminina parece encantada com os elevados conhecimentos do denudado alferes. E, súbito, começa-se a falar de mangos e de papaias, chegou o momento de tentar entender o título da obra, o autor dá uma ajuda:
“As papaieiras, com o corpo em forma de coluna grega, os capitéis adornados de papaias douradas com tons esparsos esverdeados, como se fossem peitos de bajuda, e a folhagem, a cabeça, ocupam posições estratégicas. – Na dianteira, onde começa o caminho, ladeado de arbustos até à entrada, como a receber quem chega; em frente, a alegrar as conversas na frescura da varanda; ou para trás, cautelosas, vigilantes por quem, no silêncio e na escuridão, pode acarretar perigo aos residentes, em horas de inseguro repouso. Papaieiras feiticeiras! São as mulheres da Guiné!”
Em Bolama, Ricardo tentou o seu pé de alferes, mais conversa erudita sobre os quinhentos anos da presença portuguesa na Guiné, conversa puxa conversa, ergue-se a primeira fortaleza em Cacheu, em 1753 foi estabelecida a capitania de Bissau, temos depois as campanhas da pacificação, estamos outra vez a bordo, fala-se de guerra mas os dois alferes já sentem uma certa atração por aquelas duas senhoras, a seguir fala-se em emboscada de abelhas, em minas, não estamos em Bissorã nem no Olossato, estamos em Nova Lamego, depois fala-se de Hélio Felgas, de um nobre, valoroso, intrépido e destemido capitão, Luís de Atayde, ficamos a saber que Ricardo tem noites de insónia, de vez em quando temos direito a um poema do autor, há derriços no serão entre Ricardo e Benilde e Pimenta e Beatriz.
Como o desnorte é enorme, avassalador, castigue-se o leitor com estas “Papaias da Guiné”, estas conversas desconchavadas, a viagem prossegue, uma das senhoras foi denunciada à PIDE, os alferes são cavalheiros, Pimenta foge com Beatriz, Ricardo tem paixão assolapada, mas tudo vai correr mal, cada uma das meninas parece ter uma maldição, andam perseguidas pela guerrilha, aqui e acolá, umas vezes em sonho, outras vezes em conversa, fala-se de operações, do muito sofrimento, das penas de África e da sua História, voltamos ao Homem do Neandertal, aos povos do Nilo, ao Saara, ao Império do Gana, ao Império do Mali, já não sabemos se é na conversa de serão se resulta de um apontamento improvisado, apanhamos de chofre com a História de Portugal em África, os motivos da exploração da costa africana, voltamos à questão da PIDE, é invocado o capitão Saraiva que encarnava a bravura de Mouzinho de Albuquerque e a experiência de um contestável… Há fugas entre vários países e regressos a Santa Apolónia, para coroar todo este devaneio até surge o Doutor Ricardino, é melhor não falar dele nem no mangueiro cretcheu… Não há ponta por onde se pegue, e a desilusão é muitíssimo maior quando era previsível a autenticidade, o vigor e o distanciamento de um depoimento de alguém que combateu na Guiné entre 1963 e 1965. Que António Coelho Ferreira se redime e escreva novo romance para nos falar da verdadeira história da sua comissão, de quem não se duvida da importância e do fôlego do testemunho.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P19877: Efemérides (303): a Tabanca Grande marca presença, hoje, 10 de junho de 2019, às 12h00, em Belém, Lisboa, junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, debaixo do "poilão" mais frondoso que lá houver... Juntamo-nos todos, os que puderem aparecer, para uma "foto de família"...
CONVITE
A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes 2019 convida os portugueses a participarem, no Dia de Portugal, nas comemorações em memória dos seus combatentes.
As cerimónias decorrem na Igreja de Santa Maria de Belém, aos Jerónimos, e junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa, e serão marcadas pelo espírito de fraternidade lusófona e pela elevação e dignidade do propósito que as enforma: celebrar a pátria honrando os nossos Combatentes.
O Presidente da Comissão Executiva,
João Manuel Lopes Pires Neves,
Vice-Almirante
PROGRAMA
IGREJA DOS JERÓNIMOS
10H30 – Missa por intenção de Portugal e de sufrágio
pelos que tombaram pela Pátria;
MONUMENTO AOS
COMBATENTES DO ULTRAMAR
12H15 – Abertura da cerimónia junto ao Monumento;
12H15 – Palavras de abertura do Presidente da
Comissão Executiva;
12H20 – Leitura da mensagem de Sua Excelência o
Presidente da República, pelo Presidente
da Comissão Executiva;
12H24 – Discurso alusivo pelo orador
Professor Doutor Bernardo Pires de Lima;
12h32 – Cerimónia inter-religiosa
católica e muçulmana;
12H40 – Homenagem aos mortos e deposição de flores;
13H03 – Hino Nacional pela banda da GNR: salva
protocolar por navio da Marinha (no final
passagem de aeronave da Força Aérea);
13H10 – Passagem final pelas lápides;
13H30 – Salto de Pára-quedistas do Exército;
13H35 – Almoço-convívio nos terrenos
frente ao Monumento.
CONFERÊNCIA (11 de junho de 2019)
O PAPEL DO SERVIÇO POSTAL
MILITAR DURANTE A GUERRA
DO ULTRAMAR (1961/1974)
A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes promove uma Conferência
dedicada ao Serviço Postal Militar (SPM), a realizar
nas instalações da Liga dos Combatentes (Forte do
Bom Sucesso, em Belém), em 11 de Junho, com o
seguinte programa:
16H00 – Abertura pelo moderador
VAlmirante (Ref.) Victor Lopo Cajarabille;
16H10 – A história do Serviço Postal Militar,
pelo TCoronel (Ref.) José Aparício;
16H40 – Intervalo
17H00 – O papel do Serviço Postal Militar no apoio
aos Combatentes e suas Famílias,
pelo TGeneral (Ref.) Manuel Vizela Cardoso;
17H30 – Período aberto a debate
18H00 – Encerramento
Nota: Estará patente uma exposição alusiva às atividades do SP
____________________________________________
Progama do XXVI Encontro Nacional de Homenagem aos Combatentes, Lisboa, Belém, 10 de junho de 2019.
A Tabanca Grande marca encontro em Belém, hoje, a partir das 12h00. Telemóvel do editor do blogue, Luís Graça, 931 415 277... Escolham o "poilão" mais frondoso do espaço em redor... Marcamos lá presença... para uma foto de família!
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 25 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19824: Efemérides (302): Faz hoje 46 anos que morreu, na sequência de ferimentos em combate (, um estilhaço de RPG 7, ) o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, do EREC 8740/73, sediado em Bula... Era meu amigo e vizinho do Sobreiro Curvo, A dos Cunhados,Torres Vedras, e eu fui o último dos seus conhecidos a vê-lo, ainda com vida, mas já em coma profundo, no HM 241, em Bissau (Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil da Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, jan 1973 / set 1974)
Progama do XXVI Encontro Nacional de Homenagem aos Combatentes, Lisboa, Belém, 10 de junho de 2019.
A Tabanca Grande marca encontro em Belém, hoje, a partir das 12h00. Telemóvel do editor do blogue, Luís Graça, 931 415 277... Escolham o "poilão" mais frondoso do espaço em redor... Marcamos lá presença... para uma foto de família!
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 25 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19824: Efemérides (302): Faz hoje 46 anos que morreu, na sequência de ferimentos em combate (, um estilhaço de RPG 7, ) o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, do EREC 8740/73, sediado em Bula... Era meu amigo e vizinho do Sobreiro Curvo, A dos Cunhados,Torres Vedras, e eu fui o último dos seus conhecidos a vê-lo, ainda com vida, mas já em coma profundo, no HM 241, em Bissau (Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil da Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, jan 1973 / set 1974)
Marcadores:
10 de Junho,
2019,
efemérides,
Lisboa,
Monumentos aos Combatentes do Ultramar,
Serviço Postal Militar (SPM),
Tabanca Grande
Guiné 61/74 - P19876: Parabéns a você (1636): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador do BART 2913 (Guiné, 1967/69) e António Joaquim Alves, ex-Soldado At Cav do COMBIS (Guiné, 1972/74)
___________
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19872: Parabéns a você (1635): Ernesto Duarte, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1421 (Guiné, 1965/67)
domingo, 9 de junho de 2019
Guiné 61/74 - P19875: O nosso blogue em números (59): o momento em que o nosso contador registou a visita nº 9,3 milhões (desde maio de 2010) (Jorge Araújo)
1. Mensagem do nosso coeditor Jorge Araújo:
Data: sábado, 8/06/2019 à(s) 13:32
Assunto: 9.300.000 Visitas / Visualizações
Caro Luís,Data: sábado, 8/06/2019 à(s) 13:32
Assunto: 9.300.000 Visitas / Visualizações
Bom dia.
No momento em que estava a trocar e-mails com os meus alunos, eis que dei conta da proximidade de mais um número redondo de visitas ao blogue... para memória futura.
Assim, e para os devidos efeitos, anexo o registo nove milhões e trezentos mil (9.300.000) gravado às 12h21.
Bom fim-de-semana e um óptimo "Dia de Camões".
Um abraço, Jorge Araújo
2. Comentário do editor LG:
Obrigado, Jorge, não deixas escapar nada... Mas o teu gesto é revelador do teu carinho pelo nosso blogue...
Se acrescentares aos 9,3 milhões, mais 1,8 milhões de visualizações de páginas desde o início do nosso blogue (23/4/2004) até maio de 2010, temos um total de 11,1 milhões, no espaço de 15 anos... É obra!... mas não trabalhamos para o Guiness... Simplesmente, não temos tempo para comemorar!... E o tempo urge. Temos de chegar, até ao fim do verão, aos 800 membros da Tabanca Grande, estamos com 792... E dentro de dois meses, no máximo, haveremos de chegar aos 20 mil postes. Também com a tua preciosa ajuda, entusiasmo e criatividade.
Este ano vamos com um ritmo menor de visualizações, uma média de 1266 por dia, contra uma média de mais de 2 mil em 2018 (*). O número de postes vai em 506, o que dá uma média diária de 3,2. Quanto ao número de novos membros da Tabanca Grande entrados em 2019, são nove. Aqui vão os seus nomes, do mais recente para o mais antigo: Abel Rei, Maria de Fátima Santos, Carlos Filipe Gonçalves, José Ramos (STM), Carlos Soares, João Rosa, Fernando José Estrela Soares, João Afonso Bento Soares, António C. Morais da Silva. (**)
Boa semana, bom feriado do 10 de junho. Talvez apareça em Belém.
_______________
2. Comentário do editor LG:
Obrigado, Jorge, não deixas escapar nada... Mas o teu gesto é revelador do teu carinho pelo nosso blogue...
Se acrescentares aos 9,3 milhões, mais 1,8 milhões de visualizações de páginas desde o início do nosso blogue (23/4/2004) até maio de 2010, temos um total de 11,1 milhões, no espaço de 15 anos... É obra!... mas não trabalhamos para o Guiness... Simplesmente, não temos tempo para comemorar!... E o tempo urge. Temos de chegar, até ao fim do verão, aos 800 membros da Tabanca Grande, estamos com 792... E dentro de dois meses, no máximo, haveremos de chegar aos 20 mil postes. Também com a tua preciosa ajuda, entusiasmo e criatividade.
Este ano vamos com um ritmo menor de visualizações, uma média de 1266 por dia, contra uma média de mais de 2 mil em 2018 (*). O número de postes vai em 506, o que dá uma média diária de 3,2. Quanto ao número de novos membros da Tabanca Grande entrados em 2019, são nove. Aqui vão os seus nomes, do mais recente para o mais antigo: Abel Rei, Maria de Fátima Santos, Carlos Filipe Gonçalves, José Ramos (STM), Carlos Soares, João Rosa, Fernando José Estrela Soares, João Afonso Bento Soares, António C. Morais da Silva. (**)
Boa semana, bom feriado do 10 de junho. Talvez apareça em Belém.
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19363: O nosso blogue em números (55): em nove anos (de 2010 a 2018) temos em média cerca de um milhão de visualizações de páginas / visitas por ano
(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19363: O nosso blogue em números (55): em nove anos (de 2010 a 2018) temos em média cerca de um milhão de visualizações de páginas / visitas por ano
(**) Último poste da série > 7 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19376: O nosso blogue em números (58): em 2018, tivemos 3900 comentários, uma média de 3,3 comentários por poste... Voto para 2019: recuperar a média de 2015, de 4 comentários por poste...
Guiné 61/74 - P19874: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (7): o inferno de Bissá: a morte do balanta Abna Na Onça, capitão de 2ª linha (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)
Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
Foto nº 1 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa
Foto nº 2 > O António Rodrigues no porto fluvial de Bissá durante um reabastecimento
Foto nº 3 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), uma companhia da qual não tínhamos, até agora, referências no nosso blogue
Foto nº 4 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411. Inscrição: "Sangue, suor e lágrimas".
Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > Fotos do álbum de António Rordirgues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2587, 3º Gr Comb:
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Agradecemos a gentileza. Já em tempos o António Rodrigues [, foto atual à esquerda,] nos tinha mandado fotos do Enxalé e duas de Bissá, com a seguinte nota:
"Junto também duas fotos de Bissá, talvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas. É um dos locais com poucas referências, em tudo o que tenho lido sobre a guerra na Guiné." (*)
Acompanha o nosso blogue desde longa data. Mora em Coimbra. É fundador, administrdor e editor do blogue Batalhão de Caçadores 2885 (Guiné, 69/71). que continua ativo desde fevereiro de 2009, com mais de centena e meia de postes. Por todas as razões e mais uma: é um rapaz do meu tempo e meu vizinho...O pessoal do BCAÇ 2885, incluinmdo a CCAÇ 2587, partiu para o CTIG, no T/T Niassa em 7 deemaio de 1969, e regressou a no T/T Uíge, em março de 1971, em 24 de fevereiro de 1971. A minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, independente, embarcou para o CTIG 3 semanas depois, em 24/5/1969. Graduados e especialistas, metropolitanos, da priemria geração da CCAÇ 12, eram todos de rendição individual e regressámos no T/T Uìge em 17/3/1971. Fiz operações no subsetor da CCAÇ 2587...É possível que nos tenhamos encontrado. De qualquer é louvável o esforço que o António Rodrigues tem feito para manter ativo e produtivo o
blogue do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).
Abel Rei, Porto Gole, c. 1967/68 |
1. Excertos das minhas notas de leituea (***)
Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do ten gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002).
Um título enganador
O inferno? Seguramente, para o Abel e os seus camaradas, o inferno foi Porto Gole, Bissá, Enxalé, pela dureza das condições de vida, nos dias de paz e nos dias de guerra… Paraíso ? Não sei se o autor se refere à breve estadia, no início da comissão, em Fá Mandinga, onde a guerra só se antevia ou pressentia, ao longe… Há também momentos, de alguma felicidade, passados em Porto Gole e e no Emxalé, à beira rio, ajudando a esquecer as praias atlânticas da infância e da adolescência do autor (Praia da Vieira, São Pedro de Moel…).
O inferno? Seguramente, para o Abel e os seus camaradas, o inferno foi Porto Gole, Bissá, Enxalé, pela dureza das condições de vida, nos dias de paz e nos dias de guerra… Paraíso ? Não sei se o autor se refere à breve estadia, no início da comissão, em Fá Mandinga, onde a guerra só se antevia ou pressentia, ao longe… Há também momentos, de alguma felicidade, passados em Porto Gole e e no Emxalé, à beira rio, ajudando a esquecer as praias atlânticas da infância e da adolescência do autor (Praia da Vieira, São Pedro de Moel…).
Entre o inferno e o paraíso ?... Eu diria que o Abel conheceu algumas estações do inferno, como todos nós; e que também conheceu um pedacinho do paraíso; em todo o caso, é preciso entender o uso, que se fazia na época, destas duas metáforas, e que hoje não podem ter a mesma leitura. (...)
A 30 de março de 1967, o Abel, nascido em 1945, em Maceira. Leiria, comemora, como devia ser, o seu 22º aniversário natalício:
“À noite, e depois de várias misturas, emborrachei-me” (…) (p. 59).
Porto Gole não tem ainda electricidade: em 4/4/67, o Abel passa a ficar encarregue da manutenção e reparação dos ‘petromaxes’ em serviço na tabanca e aquartelamento. Como se não bastasse já a ‘chatice’ de ser 1º cabo, passa também a desempenhar as funções de ‘vagomestre’ (competindo-lhe adquirir e distribuir os géneros no rancho) (12/4/67).
Não esconde a conflitualidade entre camaradas, em especial dentro da sua secção, com destaque para o relacionamento com o seu furriel:
Porto Gole não tem ainda electricidade: em 4/4/67, o Abel passa a ficar encarregue da manutenção e reparação dos ‘petromaxes’ em serviço na tabanca e aquartelamento. Como se não bastasse já a ‘chatice’ de ser 1º cabo, passa também a desempenhar as funções de ‘vagomestre’ (competindo-lhe adquirir e distribuir os géneros no rancho) (12/4/67).
Não esconde a conflitualidade entre camaradas, em especial dentro da sua secção, com destaque para o relacionamento com o seu furriel:
“Quem nos obriga a andar cá, não olha às ‘qualidades’ dos que comandam, e somos nós os que sofremos consequências. Esse meu registo, gostaria um dia passar uma ‘esponja’ sobre tudo isto!” (9/4/67, p. 65).
Em Bissá, as relações com o seu alferes, um antigo seminarista, também foram tensas: é obrigado a trabalhar de pá e pica, sob um sol escaldante (15/5/1967, Bissá, pp. 85/86). (...)
Em Bissá, as relações com o seu alferes, um antigo seminarista, também foram tensas: é obrigado a trabalhar de pá e pica, sob um sol escaldante (15/5/1967, Bissá, pp. 85/86). (...)
Abna Na Onça, c. abril de 1967. Foto de José António Viegas (2017) |
Entretanto, alguns dias depois da ocupação de Bissá, em 7/4/67, que passou a ser um destacamento, guarnecido por um pelotão (-) da CART 1661 e uma companhia (-) da Polícia Administrativa de Porto Gole, o dia 15 de abril de 1967 seria um “dia trágico”: um ataque do PAIGC a Bissá, de duas horas, na noite de 14 para 15 de abril de 1967, fizera sete mortos e cinco feridos . Na sequência deste desastre, o destacamento foi (temporariamente) abandonado…
Pela primeira vez o autor não esconde que lhe vieram “as lágrimas aos olhos” (p. 69). A tragédia abatera-se sobre Bissá e Porto Gole:
“Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante, dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco, chegado do rio… Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis nativos, todos da Polícia Administrativa, e todos eles com as famílias cá na tabanca de Porto Gole. Morria o homem em quem se tinham fortes esperanças para acabar com a guerrilha inimiga na zona – o capitão Abna Na Onça por ser corajoso e respeitado por negros e brancos”.
E sobre a importância deste aliado, balanta, das autoridades portuguesas, acrescenta o Abel Rei:
“Um homem que, desde o início da guerra, vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família; perseguindo [o Inimigo], matando, capturando armas. Este foi o seu fim, só porque estava do nosso lado". (15/4/67, Porto Gole, pp. 69/70).
(Não temos maneira, por falta de outras fontes, independentes, de confirmar ou infirmar a tragédia que se terá abatido sobre a família de Abna Na Onça, e que explicaria a aliança com os 'tugas', aparentemente 'contra natura', deste lendário chefe balanta. Jorge Rosales, que era seu amigo pessoal, disse-me que o PAIGC havia cometido o erro fatal de matar duas das suas mulheres e roubar-lhe centenas de cabeças de gado, no início da guerra)
Em 20 de abril de 1967, uma força, comandada pelo próprio capitão da CART 1661, e composta pelo 1º Gr Comb e pelo Pel Caç Nat 54, partiram para Bissá, com a intenção de reocupar o destacamento, que na altura pertencia ao sector do BCAÇ 1888 (Bambadinca).
Bissá: lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um
Em 20 de abril de 1967, uma força, comandada pelo próprio capitão da CART 1661, e composta pelo 1º Gr Comb e pelo Pel Caç Nat 54, partiram para Bissá, com a intenção de reocupar o destacamento, que na altura pertencia ao sector do BCAÇ 1888 (Bambadinca).
Capa do livro do Abel Rei (2002) |
Em 13 de maio de 1967, o Abel (integrado no seu Gr Comb, o 3º) é destacado para Bissá (onde permanece 15 dias).
É “um destacamento composto por oito casernas-abrigos, vedado com arame farpado e iluminado com (…) petromaxes”(14/5/67, Bissá, p. 84)…
E acrescenta o autor:
“Está cercado por tabancas cujos habitantes são de raça balanta, das quais foram queimadas as mais próximas para melhor defesa do mesmo. Fica rodeado de bolanhas (terrenos planos cobertos de capim) a nascente, sul e poente, e matas pelo norte – o ponto mais perigoso, e pelo qual os turras têm possibilidades de nos atacar. Há imensas árvores, e de grande porte, que foram deixadas mesmo dentro do aquartelamento”…
A força ali destacada era composta por um grupo de combate da CART 1661 e duas secções de polícia administrativa, além de uma secção de sapadores [do BENG 447 ?]:
“Está cá uma secção de sapadores que, além de vedarem o destacamento e armadilharem os pontos mais estratégicos, fizeram um forno para cozer o pão, e estão a fazer um refeitório e cozinha” (pp. 84/85).
A fonte de abastecimento de água é um charco:
A fonte de abastecimento de água é um charco:
“Pelas cinco horas, vou habitualmente tomar banho, a uma poça com água da cor de barro, acinzentada, mas que constitui a nossa única base para limpeza, e também onde vamos buscar água para beber” (17/5/67, Bissá, p. 87).
Há uma hostilidade passiva por parte da população local, agravada pela atitude de suspeição dos militares portugueses em relação aos balantas:
Há uma hostilidade passiva por parte da população local, agravada pela atitude de suspeição dos militares portugueses em relação aos balantas:
(…) “Fui apanhar alguns mangos, e dar os bons dias a quatro bajudas (…) que andavam a carregar com feixes de palha à cabeça, mas que se limitaram a olhar-me com curiosidade, não respondendo nada!”… Comentário (ingénuo) do autor: “Não entendo como é que a nossa cultura, que há meio milhar de anos se espalhou por estas terras, nunca os ensinou a falar a nossa língua?!” (18/5/67, Bissá, p. 88).
No dia seguinte, numa coluna de duas viaturas a Porto Gole, para ir buscar o correio e levar um “soldado castigado” para a sede do comando da companhia, o Abel e os seus camaradas encontram treze bajudas e dois homens:
No dia seguinte, numa coluna de duas viaturas a Porto Gole, para ir buscar o correio e levar um “soldado castigado” para a sede do comando da companhia, o Abel e os seus camaradas encontram treze bajudas e dois homens:
“Estavam munidos de catanas e machados” (…) e “quando nos viram, largaram logo a fugir (sendo o mais natural que tivessem ido fazer algum ‘serviço’ aos turras). Fizemos um cerco, e apanhámos o ‘bom pessoal’ (termo usado em relação aos civis nativos, que jogam com os dois lados) – que disse andar à lenha!" (…).
Em setembro de 1967, o Abel voltou para Bissá com o seu Gr Comb. No dia 3 há um primeiro contacto com o IN que faz uma flagelação a um tabanca das proximidades, Funcor, em pleno dia, às 14h… Os de Bissá respondem com morteiro 81 mm; o PAIGC riposta com morteiro 60 mm (p. 105).
Em setembro de 1967, o Abel voltou para Bissá com o seu Gr Comb. No dia 3 há um primeiro contacto com o IN que faz uma flagelação a um tabanca das proximidades, Funcor, em pleno dia, às 14h… Os de Bissá respondem com morteiro 81 mm; o PAIGC riposta com morteiro 60 mm (p. 105).
A 6 de setembro, uma força da guerrilha (estimada, com evidente exagero, em 180 elementos, segundo a história da unidade, citada pelo Abel), entra na tabanca de Bissá e flagela o destacamento. Há uma baixa mortal, confirmada, entre os atacantes, sendo enterrado dentro do arame farpado:
“Foi a primeira vez que vi de perto, um turra fardado (embora morto!). Tratava-se de um homem forte e tipo da raça balanta” (6/9/67, Bissá, pp. 105/106). Estava equipado com uma espingarda semi-automática Simonov M21, devendo por isso ser um milícia popular do PAIGC e não propriamente um guerrilheiro das FARP (reorganizadas no final de 1967)…
“Foi a primeira vez que vi de perto, um turra fardado (embora morto!). Tratava-se de um homem forte e tipo da raça balanta” (6/9/67, Bissá, pp. 105/106). Estava equipado com uma espingarda semi-automática Simonov M21, devendo por isso ser um milícia popular do PAIGC e não propriamente um guerrilheiro das FARP (reorganizadas no final de 1967)…
A 8 de setembro há uma nova flagelação a Bissá, com morteiro 82 e armas automáticas… Aumentam as dificuldades de abastecimento do destacamento, devido à chuva, às minas e às emboscadas…
Setembro e outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661. O primeiro morto da companhia, devido a explosão de uma mina anti-carro, ocorre a 16 de setembro de 1967, com oito meses de comissão, quando uma coluna auto seguia de Porto Gole para o cruzamento da estrada para Mansoa onde se iria encontrar com forças de Bissá, para entrega de géneros alimentícios.
“Balanço: quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!” (…) (16/5/67, Bissá, p. 110).
Os mortos, todos do Pel Caç Nat 54 (com excepção do condutor), foram o fur mil Álvaro Maria Valentim Antunes, casado, natural de Portalegre, comandante da coluna, e os soldados guineenses Mamadu Jamanca e Adulai Sissé. O condutor era o sold da CART 1661, Manuel Pinto de Castro.
Esta ocorrência é referida pelo José Brandão, no seu livro Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Miçambique, 1961-1974 (Lisboa: Prefácio, 2008, p. 165):
Setembro e outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661. O primeiro morto da companhia, devido a explosão de uma mina anti-carro, ocorre a 16 de setembro de 1967, com oito meses de comissão, quando uma coluna auto seguia de Porto Gole para o cruzamento da estrada para Mansoa onde se iria encontrar com forças de Bissá, para entrega de géneros alimentícios.
“Balanço: quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!” (…) (16/5/67, Bissá, p. 110).
Os mortos, todos do Pel Caç Nat 54 (com excepção do condutor), foram o fur mil Álvaro Maria Valentim Antunes, casado, natural de Portalegre, comandante da coluna, e os soldados guineenses Mamadu Jamanca e Adulai Sissé. O condutor era o sold da CART 1661, Manuel Pinto de Castro.
Esta ocorrência é referida pelo José Brandão, no seu livro Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Miçambique, 1961-1974 (Lisboa: Prefácio, 2008, p. 165):
"16/9/1967: Morrem em combate na Guiné 4 militares do Pelotão de Caçadores 54”.
No dia seguinte ao tentar recuperar a viatura sinistrada, as forças de Porto Gole sofrem um emboscada…
A 2 de outubro de 1967, Bissá volta a ser atacada, durante três horas… Eram 9h30 quando rebentou a primeira roquetada… O Abel escrevia dentro da enfermaria, “onde durmo, e estava a ouvir rádio”…A história da unidade fala em 150 elementos IN, os quais raptaram seis elementos da população e destruíram várias moranças…
A 5 de outubro, uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá faz accionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos.
No dia seguinte ao tentar recuperar a viatura sinistrada, as forças de Porto Gole sofrem um emboscada…
A 2 de outubro de 1967, Bissá volta a ser atacada, durante três horas… Eram 9h30 quando rebentou a primeira roquetada… O Abel escrevia dentro da enfermaria, “onde durmo, e estava a ouvir rádio”…A história da unidade fala em 150 elementos IN, os quais raptaram seis elementos da população e destruíram várias moranças…
A 5 de outubro, uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá faz accionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos.
A 6, uma nova mina (desta vez incendiária!) com emboscada (por um grupo calculado em 80 elementos), junto ao local do rebentamento da mina anterior, faz 10 mortos e mais de duas dezenas de feridos, “com queimaduras, todos evacuados para a Metrópole”…
Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).
Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de cabo vagomestre, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.
“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115).
O José Brandão, na sua Cronologia da Guerra Colonial, limita-se a referir que no dia 5/10/1967 “morrem em combate na Guiné 2 militares da CART 1661”, o 1º cabo José Andrade Couto Pinto, natural de Santo André, Bustelo, cocnelho de Peanfiel, e o sold Manuel, natural de Lixa, Fornos, concelho de Castelo de Paiva. E que no dia seguinte morrem mais cinco: 1º cabo Abel Carvalho Martins (Montalegre), 1º cabo António Ribeiro Machado Sousa (Mato, Ataíde, Amarante), sold Artur Rodrigues Alves (Sabuzedo, Mourilhe, Montalegre), sold João Pimentel Fernandes (Boi Morto, Oriz, São Miguel), sold José Coelho do Nascimento (Cepelos, Amarante)…
O Abel Rei fala em 7 mortos. A história da unidade fala em 10 mortos, algumas das mortes tendo provavelmente ocorrido já no hospital… Até na contabilidade das nossas baixas mortais na guerra colonial, há critérios divergentes…
O rol de desgraças não se fica por aqui:
Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).
Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de cabo vagomestre, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.
“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115).
O José Brandão, na sua Cronologia da Guerra Colonial, limita-se a referir que no dia 5/10/1967 “morrem em combate na Guiné 2 militares da CART 1661”, o 1º cabo José Andrade Couto Pinto, natural de Santo André, Bustelo, cocnelho de Peanfiel, e o sold Manuel, natural de Lixa, Fornos, concelho de Castelo de Paiva. E que no dia seguinte morrem mais cinco: 1º cabo Abel Carvalho Martins (Montalegre), 1º cabo António Ribeiro Machado Sousa (Mato, Ataíde, Amarante), sold Artur Rodrigues Alves (Sabuzedo, Mourilhe, Montalegre), sold João Pimentel Fernandes (Boi Morto, Oriz, São Miguel), sold José Coelho do Nascimento (Cepelos, Amarante)…
O Abel Rei fala em 7 mortos. A história da unidade fala em 10 mortos, algumas das mortes tendo provavelmente ocorrido já no hospital… Até na contabilidade das nossas baixas mortais na guerra colonial, há critérios divergentes…
O rol de desgraças não se fica por aqui:
Abel Rei, Marinha Grande, c. 2002 |
“(…) em Bissá, se não temos mortos, os vivos não têm que comer. Há mais de oito dias que não temos vinho, cerveja ou outros líquidos que se bebam”… Por seu turno, “o comer acabou: estando-se a comer, ora carne de vaca, ora bacalhau com pão e… água!” (p. 115/116).
A 1 de novembro de 1967, come-se peixe miúdo, “pescado nas poças da bolanha” (p. 117).
Em conclusão, Bissá “cá sabi”… A 11 de novembro, o Abel regressa a Porto Gole, sendo rendido o seu Gr Comb. “Lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um” (p. 118).
Em conclusão, Bissá “cá sabi”… A 11 de novembro, o Abel regressa a Porto Gole, sendo rendido o seu Gr Comb. “Lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um” (p. 118).
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7722: Memória dos lugares (132): Fotos de Enxalé (Virgínio Briote/António Rodrigues)
(***) Vd. postes de:
12 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)
14 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)
(****) Vd. postes de:
16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18851: Recordações de Porto Gole, Enxalé e Missirá: fotos de Abna Na Onça e outros camaradas (João Crisóstomo, Nova Iorque; ex-alf mil, CCAÇ 1439,1965/67)
28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17707: (De) Caras (96): O cap 2.ª linha Abna Na Onça, balanta, e o 1º srgt Arlindo Verdugo Alface, alentejano do Cano, concelho de Sousel, dois "irmãos de sangue", e dois "homens grandes" com quem tive o privilégio de conviver (Jorge Rosales, ex-al mil, 1ª Companhia Indígena, Porto Gole, 1964/66)
27 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17704: (De)Caras (95): Abna Na Onça, cap 2ª linha, comandante de uma companhia de polícia administrativa, regedor do posto do Enxalé, prémio "Governador da Guiné" (1966), morto em combate em Bissá, em 14/4/1967, agraciado a título póstumo com a Cruz de Guerra de 1ª Classe (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)
(...) Ai vai uma foto do capitão de 2ª linha Abna na Onça, tirada poucos dias antes de ele morrer em Bissá, esse homem valente com quem o meu Pel Caç Nat 54 saiu várias vezes, com ele e a sua polícia administrativa.
Na primeira levada para se implantar o aquartelamento em Bissá, foi o Capitão Abna na Onça com os seus homens mais um pelotão da Cart 1661, ao 2º. ou 3º. dia, já não me recordo, foram atacados em força com canhão sem recuo e morteiro 82 , tendo o cap Abna na Onça sido atingido com estilhaço de granada de canhão sem recuo no peito, enquanto teve forças comandou os seus homens até ao fim. Houve dificuldade de comunicações e só quando chegaram mensageiros de Bissá se soube da tragédia.
Foram depois retirados os mortos e os feridos para Porto Gole a aguardar por ordem, o que foram 2 dias terriveis com o cheiro, tendo eu gasto pacotes de detergente para tentar amainar o cheiro. Ao segundo dia vieram ordens para enterrar os policias administrativos, o que o fiz junto ao monumento e o cap Abna na Onça viria uma LDP buscá-lo.
Vim a saber depois pelo cabo manobra dessa lancha que a viagem de Porto Gole a Bissau, foi horrível com o cheiro, tendo os marinheiros vomitado todo o caminho.
(...) Foi substituído no comando da Policia Administrativa pelo seu irmão Sagna Na Onça. (...)
9 junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça
Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (...)
O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. Possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.
Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). Podiam deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (BART 645, que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá) .
Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e o respeito. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais. (...)
Marcadores:
15 anos a blogar,
1967,
Abel Rei,
Abna Na Onça (Cap 2ª linha),
António Rodrigues (1º cabo aux enf),
Bissá,
CART 1611,
CART 2411,
mortos
Guiné 61/74 - P19873: Blogpoesia (624): "Aldeias suaves, serenas...", "Frescura do bosque" e "Subjectividade...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Aldeias suaves, serenas...
Aldeias, suaves, serenas, plenas de vida,
cobrem as encostas e vales.
São lugarejos tisnados ao sol, à chuva e ao vento.
Igrejas, ermidas e bosques.
Couves nas hortas e campos lavrados.
Ramadas e vinhas ladeiam caminhos.
Por onde, de cornos ariscos, passam as cabras.
Patronos divinos abençoam as casas, de dia e de noite.
Fazem-lhe promessas as almas aflitas dos corpos, com dores.
Repicam alegres os sinos e chovem as graças.
A gente pacata saúda os vizinhos, tirando o chapéu,
- Bom dia, boa tarde!
E, se passa o abade, de vestes cumpridas, pedem-lhe a bênção e a graça de Deus.
Aldeias suaves, serenas, tantas havia.
Agora, rareiam.
Alfobres de paz...
Berlim, 2 de Junho de 2019
16h26m - dia luminoso de sol
Jlmg
********************
Frescura do bosque
São densas as ramagens.
O sol fica à porta e não entra.
Só o vento em lufadas brandas.
Está-se bem aqui.
Deve ser assim o Éden.
Esvoaçam em liberdade as aves.
Sempre em grupos.
Têm cá os seus filhotes.
Já sou deles conhecido.
Fui adoptado plenamente.
Andam ao meu redor sem cerimónias.
Mal me sento no mesmo banco, aí vêm a saudar-me.
Casais de pombas e de melros negros.
Os corvos andam mais altos.
Enchem o bosque de sinfonias.
Ser feliz depende muito da liberdade.
Berlim, 4 de Junho de 2019
10h8m - dia franco de sol
Jlmg
********************
Subjectividade...
O mundo é plurifacetado.
Tantos tons, tantas sombras e tantas cores revestem a realidade.
Os olhos a filtram e espelham tendências da nossa alma.
Pintam-na conforme a hora e o calor da luz do dia.
Depois, vêm as distorsões das enfermidades: miopia, dislexia e presbitia.
Como as recebeu da natureza.
E, apesar de tudo, como somos influenciados pelas ideias dos poderosos?
Como é possível, assim, não haver tantos juízos diversos sobre tudo o que nos rodeia?
ouvindo Comptine d'Un Autre Été- Die fabelhafte Welt der Amélie Piano
Berlim, 5 de Junho de 2019
14h27m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19850: Blogpoesia (623): "Mas velhos são os trapos" (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)
Aldeias suaves, serenas...
Aldeias, suaves, serenas, plenas de vida,
cobrem as encostas e vales.
São lugarejos tisnados ao sol, à chuva e ao vento.
Igrejas, ermidas e bosques.
Couves nas hortas e campos lavrados.
Ramadas e vinhas ladeiam caminhos.
Por onde, de cornos ariscos, passam as cabras.
Patronos divinos abençoam as casas, de dia e de noite.
Fazem-lhe promessas as almas aflitas dos corpos, com dores.
Repicam alegres os sinos e chovem as graças.
A gente pacata saúda os vizinhos, tirando o chapéu,
- Bom dia, boa tarde!
E, se passa o abade, de vestes cumpridas, pedem-lhe a bênção e a graça de Deus.
Aldeias suaves, serenas, tantas havia.
Agora, rareiam.
Alfobres de paz...
Berlim, 2 de Junho de 2019
16h26m - dia luminoso de sol
Jlmg
********************
Frescura do bosque
São densas as ramagens.
O sol fica à porta e não entra.
Só o vento em lufadas brandas.
Está-se bem aqui.
Deve ser assim o Éden.
Esvoaçam em liberdade as aves.
Sempre em grupos.
Têm cá os seus filhotes.
Já sou deles conhecido.
Fui adoptado plenamente.
Andam ao meu redor sem cerimónias.
Mal me sento no mesmo banco, aí vêm a saudar-me.
Casais de pombas e de melros negros.
Os corvos andam mais altos.
Enchem o bosque de sinfonias.
Ser feliz depende muito da liberdade.
Berlim, 4 de Junho de 2019
10h8m - dia franco de sol
Jlmg
********************
Subjectividade...
O mundo é plurifacetado.
Tantos tons, tantas sombras e tantas cores revestem a realidade.
Os olhos a filtram e espelham tendências da nossa alma.
Pintam-na conforme a hora e o calor da luz do dia.
Depois, vêm as distorsões das enfermidades: miopia, dislexia e presbitia.
Como as recebeu da natureza.
E, apesar de tudo, como somos influenciados pelas ideias dos poderosos?
Como é possível, assim, não haver tantos juízos diversos sobre tudo o que nos rodeia?
ouvindo Comptine d'Un Autre Été- Die fabelhafte Welt der Amélie Piano
Berlim, 5 de Junho de 2019
14h27m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19850: Blogpoesia (623): "Mas velhos são os trapos" (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)
Guiné 61/74 - P19872: Parabéns a você (1635): Ernesto Duarte, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1421 (Guiné, 1965/67)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19870: Parabéns a você (1634): Antero Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18 (Guiné, 1972/74) e João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66)
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19870: Parabéns a você (1634): Antero Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18 (Guiné, 1972/74) e João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66)
sábado, 8 de junho de 2019
Guiné 61/74 - P19871: Os nossos seres, saberes e lazeres (331): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (8) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2019:
Queridos amigos,
Final de viagem mais feliz não podia ter acontecido, com a visita a Burford e a Kelmscott Manor, no coração das Cotswolds.
A cidadezinha de Burford é cativante, aprazível e oferece ao visitante uma igreja de alto valor arquitetónico e artístico. A casa de Verão desse artista genial que foi William Morris guarda a essência da sua presença, ele chamava a Kelmscott o paraíso na terra, era uma casa de férias onde ele trabalhou afanosamente, aqui se viveu o seu drama amoroso quando um dos seus maiores amigos, Dante Rossetti se apaixonou pela sua mulher - coisas do romantismo ou sofrimentos de pré-rafaelita.
Foram dias maravilhosos e o pretexto era um casamento. Convém não esquecer que a viagem nunca acaba desde que o viandante mantenha acesa essa luminária que dá pelo nome de curiosidade, uma prima direita do entusiasmo, ou vice-versa.
Um abraço do
Mário
No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (8)
Beja Santos
Pega-se numa brochurinha à entrada da igreja, logo assomam os encómios: “Galardoada com cinco estrelas por Sir Simon Jenkins no seu livro ‘As Mil Melhores Igrejas de Inglaterra’, a Igreja de Burford combina beleza e complexidade arquitetónica com uma história fascinante. A metade inferior da torre e a parede oeste foram construídas à volta de 1170, a igreja foi ampliada por fases até ficar concluída com a colocação do pináculo em 1475. É tida por muitos como o coração palpitante das igrejas paroquiais de Cotswolds”.
A igreja merece uma visita demorada, tal a riqueza dos vitrais, os elementos das capelas, os monumentos, o esplendor do transepto sul, os túmulos, a porta normanda.
Este é o monumento funerário Tanfield, estão aqui sepultados Sir Lawrence e Lady Elizabeth Tanfield. Terão sido profundamente odiados, o povo queimou as suas efígies, no entanto os Tanfield ensaiaram ficar para a eternidade, não foram pecos a gastar dinheiro em tumbas esplenderosas.
Deambula-se pela igreja e os vitrais são omnipresentes. Atenção, nem tudo é medieval, no transepto sul há um famoso vitral de Artes e Ofícios executado por Cristopher Whall. Se o leitor tiver a feliz ideia de aqui vir, só se espera que tenha mais sorte que o viandante, que apanhe um dia ensolarado para captar o esplendor da nave, a imponência dos monumentos, a riqueza das capelas, a imponência do púlpito, tudo merece uma visita demorada, será compensado pelo esplendor de um monumento gótico que foi retocado até ao século XIX. Teve a felicidade de conhecer intervenções cuidadosas e oportunas. Concluída a visita, viandante e companha aceleram o passo, o último destino deixa-os aguados, é Kelmscott Manor, construída no início do século XVII, alvo de sucessivas intervenções até que em 1871 um dos nomes sonantes da Arte britânica, William Morris, foi por ela seduzido, dizia que Kelmscott era o Paraíso na Terra.
Recomenda-se a todos os visitantes que beneficiem da beleza dos jardins e contemplem o exterior com detalhe. O interior da casa guarda a personalidade do seu proprietário e há recordações de um dos seus maiores amigos, o artista e poeta Dante Gabriel Rossetti. A mansão merece ser saboreada em todo o primeiro andar, aqui se situavam os quartos e o estúdio de Rossetti, o rés-do-chão conserva a sala de jantar e espaços pitorescos que nos fazem sentir numa atmosfera do génio pré-rafaelita. Na loja, o viandante sente-se tentado pelos livros e tecidos, controla-se com dificuldade, alivia a consciência pois guarda nas suas estantes dados fundamentais sobre este génio e o seu laborioso trabalho. No fundo, estes pré-rafaelitas são arautos da Arte Nova. E o legado de Morris jamais se perderá, é uma segura referência para as Artes Plásticas e para as Artes Decorativas de todos os tempos.
Aqui acaba a viagem que teve como pretexto um casamento em Fairford, uma semana de felicidade, e o viandante estava tão feliz que desejou desde a primeira hora partilhar estes tempos tão vibrantes com todos os seus amigos. Faz-se agora uma pausa, o viajante já desenhou a próxima viagem, é o eterno regresso à Bélgica.
____________
Notas do editor:
Poste anterior de 1 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19846: Os nossos seres, saberes e lazeres (329): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (7) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 5 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19861: Os nossos seres, saberes e lazeres (330): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte IX: Huhehot, Mongólia Interior, 10 de Julho de 1981: visita ao túmulo de uma das mais belas e famosas mulheres da China clássica, Wang Zhaojun (76 a.C.-33 a.C.)
Queridos amigos,
Final de viagem mais feliz não podia ter acontecido, com a visita a Burford e a Kelmscott Manor, no coração das Cotswolds.
A cidadezinha de Burford é cativante, aprazível e oferece ao visitante uma igreja de alto valor arquitetónico e artístico. A casa de Verão desse artista genial que foi William Morris guarda a essência da sua presença, ele chamava a Kelmscott o paraíso na terra, era uma casa de férias onde ele trabalhou afanosamente, aqui se viveu o seu drama amoroso quando um dos seus maiores amigos, Dante Rossetti se apaixonou pela sua mulher - coisas do romantismo ou sofrimentos de pré-rafaelita.
Foram dias maravilhosos e o pretexto era um casamento. Convém não esquecer que a viagem nunca acaba desde que o viandante mantenha acesa essa luminária que dá pelo nome de curiosidade, uma prima direita do entusiasmo, ou vice-versa.
Um abraço do
Mário
No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (8)
Beja Santos
Pega-se numa brochurinha à entrada da igreja, logo assomam os encómios: “Galardoada com cinco estrelas por Sir Simon Jenkins no seu livro ‘As Mil Melhores Igrejas de Inglaterra’, a Igreja de Burford combina beleza e complexidade arquitetónica com uma história fascinante. A metade inferior da torre e a parede oeste foram construídas à volta de 1170, a igreja foi ampliada por fases até ficar concluída com a colocação do pináculo em 1475. É tida por muitos como o coração palpitante das igrejas paroquiais de Cotswolds”.
A igreja merece uma visita demorada, tal a riqueza dos vitrais, os elementos das capelas, os monumentos, o esplendor do transepto sul, os túmulos, a porta normanda.
Este é o monumento funerário Tanfield, estão aqui sepultados Sir Lawrence e Lady Elizabeth Tanfield. Terão sido profundamente odiados, o povo queimou as suas efígies, no entanto os Tanfield ensaiaram ficar para a eternidade, não foram pecos a gastar dinheiro em tumbas esplenderosas.
Deambula-se pela igreja e os vitrais são omnipresentes. Atenção, nem tudo é medieval, no transepto sul há um famoso vitral de Artes e Ofícios executado por Cristopher Whall. Se o leitor tiver a feliz ideia de aqui vir, só se espera que tenha mais sorte que o viandante, que apanhe um dia ensolarado para captar o esplendor da nave, a imponência dos monumentos, a riqueza das capelas, a imponência do púlpito, tudo merece uma visita demorada, será compensado pelo esplendor de um monumento gótico que foi retocado até ao século XIX. Teve a felicidade de conhecer intervenções cuidadosas e oportunas. Concluída a visita, viandante e companha aceleram o passo, o último destino deixa-os aguados, é Kelmscott Manor, construída no início do século XVII, alvo de sucessivas intervenções até que em 1871 um dos nomes sonantes da Arte britânica, William Morris, foi por ela seduzido, dizia que Kelmscott era o Paraíso na Terra.
Recomenda-se a todos os visitantes que beneficiem da beleza dos jardins e contemplem o exterior com detalhe. O interior da casa guarda a personalidade do seu proprietário e há recordações de um dos seus maiores amigos, o artista e poeta Dante Gabriel Rossetti. A mansão merece ser saboreada em todo o primeiro andar, aqui se situavam os quartos e o estúdio de Rossetti, o rés-do-chão conserva a sala de jantar e espaços pitorescos que nos fazem sentir numa atmosfera do génio pré-rafaelita. Na loja, o viandante sente-se tentado pelos livros e tecidos, controla-se com dificuldade, alivia a consciência pois guarda nas suas estantes dados fundamentais sobre este génio e o seu laborioso trabalho. No fundo, estes pré-rafaelitas são arautos da Arte Nova. E o legado de Morris jamais se perderá, é uma segura referência para as Artes Plásticas e para as Artes Decorativas de todos os tempos.
Aqui acaba a viagem que teve como pretexto um casamento em Fairford, uma semana de felicidade, e o viandante estava tão feliz que desejou desde a primeira hora partilhar estes tempos tão vibrantes com todos os seus amigos. Faz-se agora uma pausa, o viajante já desenhou a próxima viagem, é o eterno regresso à Bélgica.
____________
Notas do editor:
Poste anterior de 1 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19846: Os nossos seres, saberes e lazeres (329): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (7) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 5 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19861: Os nossos seres, saberes e lazeres (330): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte IX: Huhehot, Mongólia Interior, 10 de Julho de 1981: visita ao túmulo de uma das mais belas e famosas mulheres da China clássica, Wang Zhaojun (76 a.C.-33 a.C.)
Guiné 61/74 - P19870: Parabéns a você (1634): Antero Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18 (Guiné, 1972/74) e João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19865: Parabéns a você (1633): Ernesto Marques, ex-Soldado TRMS Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73)
sexta-feira, 7 de junho de 2019
Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2019:
Queridos amigos,
Chegou a hora do bardo invocar a primeira perda do BCAV 490, o que nos remete para lembranças dolorosas e poderosos textos em que a literatura de guerra é fértil. A nossa memória esvoaça para aqueles acidentes estúpidos de viaturas, de afogamentos, saltamos para teatros de operações onde o apontador de dilagrama se enganou no cartuxo e só não morreu por acaso, jaz a nossos pés como um Cristo a descer da Cruz. Por acidente ou combate, é uma perda. E decidi-me remexer nessa obra-prima que é o "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz para bater à porta do horror.
Um abraço do
Mário
Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (9)
Beja Santos
“Quando veio do Continente
Quando veio do Continente
trouxe o destino marcado.
A 28 de Agosto
morreu num tronco estampado.
Quem lhe havia de dizer,
quando de lá abalou,
quando seus pais abraçou
que os não tornava a ver.
Neste sítio veio morrer,
numa morte tão de repente.
Deixou pena a muita gente
e à sua família querida.
Trazia a sina já lida,
quando veio do continente.
Conduzindo uma viatura,
no dia 28 a certa hora
saiu da estrada fora
onde teve a desventura.
Ali teve a morte escura
este pobre malfadado.
Em Bissau foi sepultado.
Tão longe da sua terra,
morreu sem lutar na guerra,
trouxe o destino marcado.
A morrer foi o primeiro
cá do nosso Batalhão,
a todos deixou paixão
este amigo e companheiro;
esse soldado solteiro
andava sempre bem disposto.
Sua mãe já não vê o rosto
do filho que tanto amou
porque numa árvore se estampou a 28 de Agosto.
Pois ele vinha a guiar
ao lado um superior.
Foi ele quem viu o condutor
com a morte labutar.
O Furriel não pôde salvar
o rapaz por ele estimado.
Já não mais se pôs ao lado
de António Silva Pereira,
porque na maldita 4.ª-feira
morreu num tronco estampado.”
********************
É por demais sabido que a mina ou emboscada, a troca de tiros numa operação, o descabelado acidente pesam mais na memória, quando é a primeira vez. E a literatura da guerra está pejada destes momentos infaustos, obrigatório é contá-los, fazem parte do narrador, é um dever não o obliterar, na narrativa devem constar todos os ingredientes, a dor própria e a dor alheia, o acabrunhamento que se instala nos circunstantes. E assim se chega a um romance maior, "Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, começa-se por um episódio relacionado com a primeira operação de uma Companhia de Comandos:
“O jovem comandante da Companhia, seco de carnes e de rosto de feições regulares, inspirava confiança, apesar de ser quase da mesma idade dos homens que comandava. Mantinha uma distância de reserva entre si e eles que alguns confundiam com arrogância. Deu as ordens com voz calma, como se estivesse ainda em exercício de preparação e só depois se aproximou do soldado ferido deitado sobre um pano de tenda.
O Pedro, que ele escolhera pessoalmente para número um do primeiro Grupo, era o primeiro ferido da sua Companhia. Um dos pés estava transformado numa massa de formas irregulares onde se misturava o coiro preto da bota com a terra castanha empapada em sangue, e de onde emergiam tendões brancos desligados dos ossos.
À vista deste espectáculo empalideceu. Não conseguiu evitar esse sinal de fraqueza. Sentou-se a observar os gestos do enfermeiro: primeiro, uma injecção de morfina, depois, apertar o garrote para estancar o sangue, de seguida, uma injecção de vitamina K para facilitar a coagulação e, por fim, os movimentos tensos de limpar o melhor possível a pasta avermelhada antes de a envolver num penso.
Depois de acabar o penso que envolvia o que restava do que fora o pé do soldado Pedro, o enfermeiro arrumou a bolsa dos primeiros socorros, enterrou os novelos de algodão ensanguentados, as gazes sujas e as ampolas vazias, para o inimigo não saber que um soldado fora ferido, e preparava-se para se sentar um pouco mais longe.
- Fica aí perto, ele está a recuperar – mandou o capitão ao enfermeiro.
Vindos de muito longe, chegaram ao soldado Pedro a voz e o rosto do capitão. Lentamente começou a ver as folhas brilharem ao sol, a ouvir um zumbido na cabeça. Tentou mexer os dedos das mãos, dobrou as pernas. Parecia estar inteiro. Ele era ribatejano e tinha sido forcado amador. Sentia-se como depois de uma pega de caras: dorido, mas completo, quando muito, com alguma coisa fora do lugar.
- Não me dói, meu capitão, só tenho sede.
- É assim mesmo, vamos mandar vir um helicóptero para a evacuação, vais ver que ficas bom – disse-lhe enquanto lhe dava água.
Só então o Pedro olhou para a extremidade da perna e viu a bola branca a tingir-se de vermelho, as ligaduras ensopadas em sangue. Mas sentia o pé lá em baixo, até podia mexer os dedos!”.
Esta Companhia de Comandos, destinada a ir ao assalto de santuários da Frelimo, viverá horas de horror, aqui se deixa alguns parágrafos dispersos de uma escrita universal sobre os nossos trabalhos africanos, uma lembrança intemporal para as dores que qualquer combatente tem pouca vontade de transmitir:
“Os homens moveram-se sem necessidade de ordens. Ligaram os cabos dos guinchos de reboque ao casco e à torre da autometralhadora para libertarem do interior do blindado o corpo meio esmagado do furriel do Esquadrão de Cavalaria a escorrer sangue e espuma da boca. Desceram-no, desarticulado, da velha lata para os braços do enorme soldado Bento, que pegou nele ao colo como a um menino.
Deitou-o docemente à sombra de um arbusto compondo-lhe os membros. A cara de criança em corpo de gigante do soldado dos Comandos enfrentou a do outro, com a face branca da morte, sem acreditar que já não estivesse vivo. O gigante Bento, que mal cabia na farda camuflada, voltou pelo mesmo caminho na sua passada de urso cansado, com a espingarda, que parecia um brinquedo, pendurada às costas, à espera de o mandarem fazer mais algum serviço.
- O apontador da metralhadora também está morto, esmagado pela torre que saiu dos encaixes. O condutor é que não sei, não se pode passar para o seu lugar – explicou um dos que tentavam enfiar-se dentro da Fox. – Pelo menos os pés devem estar desfeitos…
- Para já é preciso tirar este caixão com rodas daqui para podermos continuar.”
E despedimo-nos com outra água-forte deste notabilíssimo romance, o fim do desventurado Casal Ventoso:
“No rescaldo, ainda com o coração a saltar debaixo da pele os homens correram para ele, para amparar o Casal Ventoso. O capitão, o Cardoso, o Lencastre, o Lino, o Torrão, o Transmissões, chegaram perto do soldado criado no maior barro de lata de Lisboa.
O Lencastre foi o primeiro a levar a mão ao nariz e a engolir um vómito seco, mas os outros também não conseguiram reprimir um gesto de repulsa quando encararam a barriga aberta do Casal Ventoso e viram as volutas azuladas dos intestinos a engrossarem viscosas entre os dedos ensanguentados. O Casal Ventoso espalhava diante deles o que todos temos trazido escondido no nosso interior, e sentiram as pernas fraquejar à vista do repugnante espectáculo das vísceras que nos fazem idênticos aos animais de talho. Agoniaram-se com o cheiro das fezes soltas e escorrerem pelo camuflado roto”.
(continua)
____________
Notas do editor
Poste anterior de 31 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19844: Notas de leitura (1182): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (8) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19853: Notas de leitura (1183): "Entre o Paraíso e o Inferno (De Fá a Bissá)", por Abel de Jesus Carreira Rei; edição de autor, 2002 (Mário Beja Santos)
Marcadores:
Angola,
BCAV 490,
Beja Santos,
Bibliografia de uma guerra,
Carlos Matos Gomes,
Comandos,
Missão Cumprida,
notas de leitura,
Santos Andrade
Subscrever:
Mensagens (Atom)