Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.
1. A propósito do MNF - Movimento Nacional Feminino, criado em abril de 1961, alguns leitores perguntarão como era possível fazer uma edição de 300 mil discos (LP, em vinil) no Natal de 1973 (*) e distribuí-los pelos 149 mil efectivos militares (metropolitanos e do recrutamento local) que existiam nos três teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique ? (**)
Segundo o livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), o MNF contava com a colaboração, voluntária, de "cerca de 80 mil mulheres" (pág. 319), distribuídas pelas suas estruturas na Metrópole e no Ultramar. E tinha um pequeno "staff" de apoio.
O número de "madrinhas de guerra", por seu turno, era estimado em mais de 162 mil, mas em 1965 (, já com três frentes de guerra) esse número ainda era diminuto (cerca de 24 mil). Parece que não foi fácil "recrutar" madrinhas de guerra...
Estes números não podem hoje ser confirmadados dado que o arquivo do MNF, entregue em 1974 à guarda da Liga dos Combatentes, "desapareceu", pura e simplesmente (!)...
By the way, a quem pode interessar a eventual destruição de documentação de interesse historiográfica ? Alguém com "culpas no cartório" ?...Alguém que queira "reescrever a história" ?... O jornalista Martinho Simões, colaborador próximo de Cecília Supico Pinto, acusou a 5ª Divisão e o coronel Varela Gomes de destruição do espólio do MNF... Varela Gomes, por sua vez, em entrevista telefónica dada, em 2006, à Sílvia-Espírito-Santo diz que encontrou o espaço já todo vandalizado. (Vd. Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, pág. 196).
Recorde-se, por outro lado, que os aerogramas eram de distribuição gratuita para os militares mas os civis (famílias, amigos, etc.) tinham de comprar o impresso (que custava 20 centavos em 1961, o equivalente a 9 cêntimos a preços de hoje). Ao longo da guerra, a despesa média anual em aerogramas, da parte das famílias, seria da ordem dos 2 mil contos (tomando como referência o ano de 1965, equivaleria, a preços de hoje, a um montante da ordem dos 786 mil euros).
Durante a guerra, foram impressos mais de 300 milhões de aerogramas, 14% até 1967, e os restantes 86% entre 1968 e 1974 (pág. 319). Seria interessante perceber a razão de ser deste aumento exponencial a partir de 1968.
Para além da TAP (que fazia o transporte gratuito dos aerogramas), houve uma série de entidades da sociedade civil, nomeadamente emprresas, que contribuiram, inicialmente,com apoios financeiros para o MNF suportar os custos da emissão dos aerogramas:
- Banco de Angola
- Estaleiros Navais de Viana do Castelo
- José Manuel Bordalo
- Lusitânia
- Companhia Portuguesa de Pesca
- Manuel Rodrigues Lago
- SACOR
- Cidla
- Companhia Colonial de Navegação
- Sociedade Central de Cervejas
- Banco Borges & Irmão
- Sociedade Concecionária da Doca de Pesca
Mas o MNF também fazia peditórios de rua, espectáculos, etc. Com base em dados divulgados na RTP pelo MNF, em 1971, por ocasião do seu 10º aniversário, a organização da Cecília Supico Pinto teria, em 10 anos:
- dado a apoio a mais de 169,2 milhares de famílias carenciadas (doação de vestuário...);
- colaborado na colocação no mercado de trabalho de cerca de 70 mil ex-militares;
- realizado 170 mil visitas a hospitais miliatres;
- enviado mais de 8 milhões de lembranças (jogos, baralhos de cartas, tabaco...);
- encaminhado mais de 178 mil encomendas das famílias para os seus militares (pagava-se 5 escudos por cada encomenda até 5 kg) (em 1971 era equivalente hoje a 1,33 euros).(pp. 319/320)
A investigadora Sílvia Espírito-Santo, no seu livro "Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacional Feminino" (Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 87), publica uma cópia do resuno do "orçamento ordinário" para o ano de 1974:
Receita
- Disponível: 9.948.257$00
- Realizável a longo prazo: 51.743$00
- Total: 10.000.000$00
Despesa
- Encargos fixos: 5.298.000$00
- Encargos previstos: 4702.000$00
- Total: 10 000.000$00
Julgamos que estes dez mil contos, de receita ordinária, eram provenientes de subsídios do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério do Interior, as duas principais fontes de financiamento. Em 1973 representavam, a preços de hoje, 2.112.049,60 €. Um ano depois, e com a brutal depreciação dos preços, valeriam menos cerca de 440 mil euros, ou sejam, 1.673.722,97 €.
Mas no fim do resumo do "orçamento ordinário" vem uma "nota muito importante":
"A fim de manter as dotações normais de aerogramas oferecidos aos militares (32.000.000),considerando o agravamento de custos eos níveis a manter, torna-se absolutamento necessário reforçar a verba destinada aos aerogramas num montante de 1.200.000$00 anuais, o que não está incluído no presente orçamento" (pág. 87).
2. A gestão do MNF era pouco profissional, como documenta, no seu livro, a Sílvia Espírito-Santo, crítica a que se somavam outras, retirando à organização credibilidade e apoios da sociedade civil:
(...) O desactualizado registo clerical e beato, a evidente influªencia das cúpulas do MNF nos meios políticos e militares e o uso indevido dessa influência, como base de favorecimentos e clientelismos - uma prática enraizada socialmemte que trabsportaram para dentro da organização -, a defesa pública da guerra e a 'colagem' à política do governo, foram-na desacreditando e dando azo a um reputação de pouca seriedade" (...).
Em todo o caso, é bom recordar que a atividade do MNF incluia ainda a publicação de várias revistas periódicas, a edição do disco de Natal (1971 e 1973) (com uma tiragem total de 600 mil cópias), incuindo um estúdio privativo de gravação e transmissão, responsável pelo programa de rádio "Espaço" (pág. 138).
E, facto menos conhecido dos nossos leitores, "em maio de 1973, a sala de gravações do estúdio e uma parte da sede do MNF [, na Rua das Janelas Verdes, ] foram danificadas por uma explosão ocorrida durante a madrugada".
Para a Cilinha, ter-se-á tratado, sem sombra para dúvidas, de um "atentado" (, versão que a censura não deixou publicar nos jornais)... Para as autoridades da época, não passou de um simples acidente com um botija de gás propano mal fechada... (pp-140/141).
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22792: O meu sapatinho de Natal (7): O LP, em vinill, editado e distribuído pelo Movimento Nacional Feminino, "Natal 73 - Operação Presença", com arranjos e orquestração do maestro Joaquim Luís Gomes (1914-2009) e dedicatórias de artistas famosos na época, da área do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio...)
(**) Último poste da série > 2 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22772: A nossa guerra em números (9): dizia-se que a velha GMC, do tempo da guerra da Coreia, gastava no CTIG "cem aos cem"... E as nossas aeronaves, o AL III, o DO-27, o C-47, o T-6 e o Fiat G-91, quanto é que "mamavam" por hora ?...