terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22806: Fotos à procura de... uma legenda (156): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - Parte I


Foto nº 1  > Sane Sané, régulo de Canquelifá, tenente de 2ª linha, descendente do último rei do império do Gabu (morto na batalha de Cansalá, em 1867), em traje cerimonioso. (Vd. foto dele com o nosso camarada Jorge Ferreira, em 1961, junto ao marco fronteiriço em Buruntuma).

Segundo o nosso calaborador permanente, Cherno Baldé, em mensagem de 27/11/2019, "o actual régulo de Paquessi ou Pakessi que abrange as aréas de Canquelifa, Camajaba e Buruntuma, é o Bacar Sané, um dos filhos do velho régulo dos anos 60."

Por sua vez, o Patrício Ribeiro informou-nos, na mesma data, que o José Bacar Sané, telemóvel nº 00254...119, morador em Canquelifa, é o actual régulo de Canquelifa e Buruntuma, já com alguma idade. (Foi antigo militar português do grupo de Marcelino do Mata)."

 
Foto nº 2 > Lisboa > Agosto de 1960 > Os quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané (, aqui trajado à europeia), Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé ( este último,  padre muçulmano), à varanda da casa do Manuel Joaquim dos Prazeres (que foi o fotógrafo). O religioso  é o segundo a contar da esquerda, portador de um amuleto. O último, com cinto de 
fivela, seria um alferes de 2ª linha,  um dos Embaló. Segundo imformação do Patrício Ribeiro com data de 27/11/2019, atualmente "o Regulado de Piche é desempenhado pelo marido de Djana Embaló, residente em Dara. Em Piche, não há nenhum régulo."

A grafia correta do reliogos deve ser Alage (El-Hadj) Baldé ou Embaló. (Recorde-se que Alage ou El Hadj é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felicidade de fazer, com sucesso, pelo menos uma peregrinação anual, Hajj, a Meca).

 
Foto nº 3 > Agosto de 1960 > Os nosos convidados à porta da casa... O dignitário religioso, é o primeiro da esquerda; o Sene Sané é o terceiro.


Foto nº 4 >Agosto de 1960 > Almoço dos quatro guineenses em casa do Manuel Joaquim dos Prazeres. Eram seus convidados, mas o pai da Lucinda Aranha não os acompanhou nas cerimónias. 



Foto nº 5 > Os quatro membros da comitiva guineense, com dois brancos que não sabemos identificar (podiam ser acompanhantes) junto às instalações da antiga Exposição do Mundo Português de 1940, que entretanto foram demolidas. As Comemorações do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique realizaram-se em Lagos e em Sagres, em 6, 7 e 8 de agosto de 1960, com desfile naval e a  presença dos chefes de Estado de Portugal e do Brasil. Mas realizaram-se outras cerimónias noutros pontos do país.  A Lucianda Aranha que já era aluna do liceu, em 1960, não se lembra se os convidados do seu pai deslocaram-se a Sagres e a Lagos.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Os outros três membros da comitiva guineense em "trajes tradicionais", Sampulo Embaló, Alage Baldé e Duarte Embaló e  (, não sei se por esta ordem). 

Eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes  (Foto nº 5) e um deles uma "medalha" que o identica como religioso.



Foto nº 7 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Legenda no verso da foto nº 6: "Meu caro amigo Manoel Joaquim Prazeres, mando-te esta foto, a fim de lhe cervir (sic) como recordação. Sou eu, Sampulo Embaló e o Alage Baldé e Duarte Embaló. Piche, 11-12-969"


Fotos (e legendas): © Lucinda Aranha (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Lucinda Aranha, 7 de setembro de 2021:

Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iii) autora também dos livros "Melhor que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" ( Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (iv) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014;  (vi)  tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita.

Bom dia, Luís e Carlos.

Espero que tudo esteja bem convosco e família. Aproveito ter de escrever para cumprimentar também o Carlos de quem há muito não tenho notícias.

Luís, infelizmente gravei mal o número de telemóvel da Lena
 [Carvalho], minha amiga de infância que vive nas Caldas, e perdi ainda o cartão dela. 

Acontece que com a morte da minha irmã Ju encontrei uma série de fotografias que estavam perdidas. A Lena está em várias delas e gostava de falar com ela a propósito. 

Encontrei também fotografias de África que me parecem muito interessantes, penso que algumas dizem respeito a sessões cinematográficas e outras de uns certos Sené Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Embaló, algumas com uma "carta" no verso.

Enfim, acho um material interessante, vou pesquisar junto de amigos e conto com vocês os dois para me ajudarem porque penso que não ficariam mal no nosso Blogue.

Desculpem estar sempre a aborrecê-los. Beijos e saudades. Lucinda

2. Nova mensagem de Lucinda  Aranha

Data - Quarta, 8/12/2021, 19:22 
Assunto - Comemorações do quinto centenário da morte do infante D. Henrique

Boa tarde, Luís. Espero que estejas melhor dos teus achaques ósseos.

Como já te disse, encontrei umas fotos que penso podem interessar ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. 

Envio-te só uma parte; há outras que penso serem de uma sessão de cinema mas ainda tenho muitas dúvidas. Se vires que não interessam tudo bem.


Comemorações henriquinas de 1960

Em Agosto de 1960, o Estado Novo comemorou os cinco séculos passados sobre a morte do Infante D. Henrique que a política nacionalista da ditadura guindou a figura primeira dos Descobrimentos portugueses. 

Esta tese é muito contestada por diversos historiadores, nomeadamente por Vitorino Magalhães Godinho que viu o infante como o émulo da expansão pela força das armas ao serviço dos interesses da nobreza.

1960 marca o início da ascendência dos países africanos recém-descolonizados na ONU. Um ano mais tarde, o Conselho de Segurança vota favoravelmente uma resolução condenando a política colonial portuguesa. Portugal enfrentava também ameaças na Índia e em Angola, que rapidamente se estendem a Moçambique e à Guiné-Bissau, onde crescem os movimentos autonomistas.

De nada valeu a Salazar o expediente de 1951, quando extinguiu o conceito de Império dando às Colónias o estatuto de Províncias Ultramarinas, integrando-as no território nacional. Nada fez parar o desejo de emancipação dos povos das Províncias Ultramarinas; a guerra pela independência a que a ditadura chamava guerra terrorista era imparável.

Também de nada lhe valeram outras comemorações que visavam criar a unidade, aproveitando-se datas com heróis insensados pelo regime.

Este pequeno texto procura contextualizar de forma sucinta as fotografias que se seguem pertencentes ao arquivo do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres, de cuja existência tinha conhecimento, mas cujo paradeiro era desconhecido.

Por um acaso, fiquei de posse destas fontes históricas que retratam acontecimentos do quotidiano relacionadas com as comemorações em causa.

Durante estas comemorações, recebemos, em visita social, em nossa casa, por diversas ocasiões, quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé (Fotos nºs 1,2,3,,4,5,6 e 7)

Dos quatro, o de maior hierarquia era Sene Sané (Foto nº 1), régulo de Canquelifá, mandinga, descendente de Mana Djanque Vali, rei do Império do Gabú, que englobava uma parte do Senegal e a Gâmbia até ao nordeste da Guiné-Bissau. Morreu na batalha de Cansalá, 1867, vencido pelos Fulas de Gabu e do Futa Djalon vindos da Guiné Conacri. Assim acabou o reinado dos Mandingas que foram islamizados.

Quanto aos outros três membros da comitiva guineense cujos nomes já referi (Fotos nºs 2, 3 e 6), sei apenas que eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes e um deles uma "medalha" que o identica como religioso (Foto nº 2) 

A importância do Sene Sané  fica clara no título de Régulo, Tenente de 2ª linha, tendo inclusive sido eleito, em 1963, pelas autoridades das regedorias como um dos três vogais representantes das várias etnias ao Conselho Legislativo a funcionar na Província Ultramarina da Guiné, criado pela Portaria n.º 19921, D.G. n.º 150/1963, série I.
 [Os outros dois foram o régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhã, e o régulo de Cachungo, Joaquim Baticã Ferreira, fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência. LG ]

O dito Conselho reuniu pela primeira vez, em 1964, já sob a presidência de Arnaldo Schulz. Uma outra medida destinada a manter a integridade de todo o império, o que fica muito claro num artigo de O Arauto ( Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964, pp 62/63) intitulado "A política da não-discriminação...." Seguem-se alguns excertos do artigo:






Fonte:  Guiné, Bissau, "O Arauto", Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964,  pp 62/63 (Excertos)



Sobre o Sene Sané,  é de referir que morreu em 1969, um ano após o final do seu mandato no Conselho Legislativo.

Quero salientar, de entre os restantos vogais,   António Augusto Esteves e James Pinto Bull por terem sido amigos de família e com as respectivas famílias habitués de nossa casa. O primeiro foi padrinho de casamento de três das minhas irmãs; a mulher e os filhos do segundo viveram, por diversas vezes, quando vinham à metrópole na nossa casa ,em Lisboa, tendo também as nossas famílias convivido numa vivenda da Parede, em férias de verão.







Fotos (com legendas): Extraídas de O Arauto, 14 de junho de 1964

(Continua) 
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Nota do editor:

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22805: O meu sapatinho de Natal (9): Os meus Natais de 1970, em Bambadinca, e 1971, no Saltinho (Mário Migueis da Silva, Ex-Fur Mil Rec Inf)

Ilustrações do cartunista Augusto José de Matos Sobral Cid (Horta, 1941 . Lisboa, 2019). Cromomensagens, Edição dos Estúdios Arte, s/d. É um dos grandes cartunistas portugueses.

"Durante a comissão militar prestada no leste de Angola entre 1966 e 1967 produziu uma série de caricaturas publicadas na Revista Militar de Luanda que, mais tarde, foram compiladas no livro Que se Passa na Frente?!! (editado pelo autor em fevereiro de 1974), onde Cid denuncia o nonsense que é a guerra." (Fonte: Infopédia >Augusto Cid)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, BissauBambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 11 de Dezembro de 2021:

Caro Carlos Vinhal:

Para eventual publicação durante a presente quadra natalícia, junto oito postais de Boas-Festas, os quais me foram remetidos por familiares no Natal de 1970, e outras tantas fotografias alusivas ao Natal de 1971. E, já agora, meia dúzia de letras introdutórias, tal como segue:


O meu primeiro Natal na Guiné passei-o em Bambadinca, onde me encontrava a estagiar por conta do Serviço de Informações Militar. Era meu tutor do estágio o Major Barros e Basto, responsável pelo Serviço de Operações e Informações e 2.º comandante, em exercício, do BART2917. 

Ali encontrei o Luís Graça e os restantes elementos da CCAÇ 12, dois dos quais, o Roda e o Pina (furriéis milicianos), eram meus companheiros de quarto. Ali tinha lugar também, para além de outras unidades, o Pelotão de Reconhecimento Daimler (Cavalaria) do Alferes Jaime Machado, depois substituído, salvo erro, pelo Alferes Vacas de Carvalho, e do Sargento Paulino das bigodaças loiras e retorcidas à senhor morgado. 

Muito haveria/haverá para contar destes três meses passados em Bambadinca, mas o facto de, infelizmente, não poder dizer maravilhas de algumas das personagens que lá conheci e com as quais tive uma relação de muita proximidade por força do “ofício” tem-me refreado os ímpetos que, de longe em longe, me levam ao teclado com vontade de “cortar a direito”. 

E, assim sendo, aqui vai, em alternativa, uma simples mensagem de paz e amor para todos os nossos “tabanqueiros” e simpatizantes, com a reprodução de oito postais de Boas-Festas que, nesse Natal de 1970, me foram remetidos por familiares (é interessante verificar que os nossos familiares, para além de se preocuparem com o nosso bem-estar físico, não esqueciam a importância do nosso estado de espírito, procurando, a cada momento, animar-nos, levantar-nos a moral).

O Natal de 1971, esse, passei-o já no Saltinho, para onde fui destacado, em diligência, após o estágio referido e um mês de formação na Sala de Informações do Comando-Chefe (Fortaleza da Amura). 

Tal como no ano anterior em Bambadinca, não houve ceia na noite de Natal, pois os aquartelamentos estavam de prevenção. Mas, no Saltinho, no dia 25, houve almoço melhorado para todas as praças, tendo os comensais da messe da oficiais e sargentos almoçado numas instalações improvisadas na ampla varanda de um abrigo, dado o elevado número de participantes reunido. É para esse almoço que vos remetem as fotografias que estou a anexar, as únicas, aliás, de que disponho alusivas ao Natal de 1971.

Boas Festas para todos,
Esposende, 10 de Dezembro de 2021
Mário Migueis

N.B. – Já que não fiquei mal de todo face à objetiva de não sei quem, anexo igualmente duas fotos minhas tipo passe, uma de farda nº 2 e crachá do Q.G. – o pipi do ar condicionado –, remontada ao tempo em que estive em Bambadinca, e outra, de camuflado, em que já sou um homem-feito, bigodes de respeito e ares de grande guerreiro, por alturas da minha estada no Saltinho.
25/12/71 - Almoço Natal 71 – Saltinho. Da esquerda para a direita: Fur Mil Migueis da Silva (S.I.M. / Informações); Fur Mil Faria (Transmissões); Fur Mil Bernardes (Armas Pesadas); mais atrás, o 1.º Cabo Lourenço (Messe de Oficiais e Sargentos)
25/12/71 - Almoço de Natal. Ao fundo, da esquerda para a direita: Sargento Calado (Logística), seguindo-se-lhe os furriéis milicianos Migueis da Silva, Faria e Bernardes; de perfil, à esquerda: Fur Mil Reis (Mecânica/Auto).
Fila da esquerda, os três primeiros: furriéis milicianos, Josué e Vale (Atiradores) e Pires (Professor), todos da CCAÇ 2701. Fila da direita, os três primeiros: furriéis milicianos, Freire (Enfermeiro da CCAÇ 2701), ……?…….. e Gomes, ambos do Pel Caç Nat 53.
Sem legenda
1970 > Mário Migueis em Bambadinca
1971 > Mário Migueis no Saltinho
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22797: O meu sapatinho de Natal (8): os últimos cinco Natais (, de 2021 a 2017), pelo nosso "poeta todos os dias", o 1º srgt art ref Silvério Dias, também conhecido como radialista do Pifas ou "senhor Pifas"

Guiné 61/74 - P22804: Notas de leitura (1398): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Isto é jornalismo de reportagem de excelência, por não só a correspondência de guerra numa grande angular, ouvir testemunhos, fazer-nos sentir a comoção de sentimentos inextinguíveis. Organização excelente, ir atrás à Primeira Guerra Mundial, berçário de toda esta correspondência e de um serviço postal que sempre ajudava a mitigar a ausência e a inquietação dos perigos da guerra; recordar os primeiros momentos de 1961, como se constitui o Serviço Postal Militar, chegou o momento dos arrebatamentos das cartas de amor, por definição todas elas distintas, mesmo que o destino tenha vindo a separar os protagonistas; e esta colectânea de cartas de dor, um momento extraordinário de saber pesquisar, escutar e dar ao leitor, em toda a latitude, os horrores da perda, o pleno sofrimento do corpo que não chegou e do luto que não se fez. Seguramente uma obra de referência para as investigações vindouras.

Um abraço do
Mário


Cartas de Amor e de Dor, por Marta Martins Silva (3)

Mário Beja Santos


Descobriu na sua atividade jornalística na revista Domingo do Correio da Manhã, através de desabafos de antigos combatentes, que há uma vertente de guerras gradualmente sumidas na memória dos portugueses, que merece ser revitalizada, é constituída por aerogramas, cartas, bilhetes-postais, folhas de apontamentos, fotografias, é um acervo de consulta marginal pelos historiadores e investigadores dos diferentes países envolvidos. O seu livro mais recente, "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins Silva, Desassossego, chancela de Saída de Emergência, 2021, é um magnífico trabalho de investigação que ela enceta com cartas da Primeira Guerra Mundial, contextualizada depois a chegada da Guerra Colonial, é apresentada uma sinopse do Serviço Postal Militar, seguem-se as cartas de amor e temos agora, a coroar este tão meritório trabalho, cartas de dor.

Inicia a viagem com um jovem alferes que morreu em Moçambique e quem a mãe posteriormente editou poesias e cartas, feriu-se em combate, os médicos não acertavam no diagnóstico, morreu de hematoma cerebral. Legou uma correspondência original, com se exemplifica: “Será que morreste numa esquina anónima dessa rouca cidade? Desejaria ouvir a tua palavra amiga aqui: neste deserto de areia negra. Sim: escreve em última análise diz-me que chove e que Deus é doce”. Este triste fadário de ver a morte ao pé, de pegar num moribundo, de lhe fechar os olhos, de escrever aos pais, à mulher ou à namorada, as descrições que a autora ouviu em pungentes testemunhos orais, andam muito próximos do que podemos ler na literatura, em centenas de livros já publicados e noutros temos esperanças que ainda venham a surgir, uma literatura que mete explosões, tiroteio medonho, descrições cruas de um resto de perna saindo das calças esfarrapadas, o olhar vidrado, uma bota ensanguentada, as vísceras à mostra, as confidências... e há aquela mãe que se dirige a furriéis a quem pergunta angustiada: “Em que condições morreu o meu filho? Gostaria de saber se se encontrava acompanhado, por outros militares, se foi em combate, em desastre, em captura, etc. etc. Assim peço-vos toda a verdade e não receiem, pois toda a mãe que resiste à morte de um filho aguenta saber em que condições a mesma ocorreu, sejam elas quais forem. Agradeço reconhecida todo o conforto que me derem e acreditem que é de todo o coração que vos desejo mais sorte do que aquela que teve o meu querido filho”.

Há também os corpos que não apareceram, alguém testemunhou, viu o corpo subtraído por outro que viera da Tanzânia, depois escreveu à família, no regresso falou com a mãe neste morto de quem não há corpo, quem faz este relato à autora ainda hoje se impressiona com a dor desta mãe que não pode fazer luto.

Testemunhos, recordações, memórias que não se apagam, há também cartas anónimas, há os telegramas anunciar a morte, o preço proibitivo das transladações e Marta lembra-nos a carta de uma mãe dirigida ao Ministro da Defesa, em 1967: “Pedia a Vª Exª. pela sua saúde, já que não tive a sorte de trazer o meu filho vivo, peço que me mandem mesmo morto. Para eu o adorar e rezar ao pé daquele querido filho. Peço imensa desculpa à Vª Exª. estas minhas tristes palavras, mas a dor é tão grande que não sei onde hei de respirar”. E o governo de então passou a assegurar o regresso dos militares mortos. Temos a história daquele que dá uma jovem viúva, ele partiu para a guerra e não chegou a lá estar três meses, a filhota ia fazer 2 anos dois dias depois, ela com 21 anos, o mundo ruiu e ela faz um comentário que desenha a moral de uma época: “As pessoas eram muito críticas, eu muitas vezes tinha vontade de fazer um bolo para a minha filha e então tinha de queimar um trapo para as vizinhas não notarem pelo cheiro que eu estava a fazer um bolo, também não podia sair à rua porque eu não ia passear a minha filha, ia-me passear a mim. Cheguei a andar de casaco grande, lenço na cabeça, meias pretas, o luto que eu tinha no meu coração queriam que eu tivesse em tudo, julgavam-me assim que eu punha um pé fora de casa. Um dos meus cunhados chegou a vir-me buscar para ir passar férias a Lisboa, e assim que chegámos ele disse logo para tirar o lenço e a minha cunhada para eu tirar as meias pretas. Mas quando regressei ao Alentejo as pessoas disseram que eu vinha morena, que tinha ido para a praia e que meias de vidro não era luto. Foi um sofrimento a todos os níveis”.

E há a história daquele homem cujo pai, comunista, fora morto pela PIDE, era filho único, a mãe viu-o partir em 1973, namorava ele a Gracinha. Passou uma boa tormenta, até em 22 de março 1974 a sua vida mudou irremediavelmente, vai numa coluna, num carro blindado em que ele foi o único sobrevivente, perdeu as pernas, a sua relação com a Gracinha deslassou, surgirá a Paulinha e passados estes anos todos ele confessa que teve muita sorte em ter encontrado uma mulher extraordinária.

Sucedessem-se exemplos como este, deficientes das Forças Armadas conseguiram obter um casamento à prova de uma dura guerra. Há mortos que lá ficaram e a família choram-nos. Houve quem perdesse a mãe em menino e encontrasse o amor da madrasta, foi uma carta de intensa dor que ele recebeu do pai, uma narrativa tocante: “Quando regressou, e à medida que se aproximava mais de casa, aumentava o nó na garganta que sentia pela perda que nem teve tempo de chorar: enfrentar a casa sem a sua querida madrinha/mãe, que o criara desde os 5 anos como um filho e de quem se despedira com um até breve quando foi mobilizado. Apesar de ter continuado a trocar correspondência com o pai, não sabia como o ia encontrar e quais as palavras certas para o confortar por tamanha perda. A forma que encontrou foi nunca o deixar. O pai viveu toda a vida com o filho, mesmo depois deste casar e formar família”.

Houve uma mãe cancerosa terminal que pediu ao Ministro da Defesa que lhe concedesse dar o último beijo ao filho, sucedessem-se peripécias, não chegaria a tempo, a burocracia tudo complicou. E temos já perto do final da obra a narrativa que acompanha de perto a importante obra do Coronel José de Moura Calheiros “A Última Missão”, Editora Caminhos Romanos, 2010. Chamava-se António Vitoriano, tinha 20 anos, e morreu em combate no chamado Cerco de Guidaje. Será uma sua irmã, arqueológa, que o irá identificar. Não teve grande dificuldade em identificar o irmão por causa de uma clavícula partida na infância. É um depoimento magnífico: “E a mim, que não sou nada religiosa, que ensino Antropologia, que ensino a evolução dos primatas, que ensino o Charles Darwin, aconteceu-me uma coisa muito estranha. Estavam 42º e só nós, as raparigas, é que trabalhávamos a equipa militar estava toda a olhar. A dada altura comentei para uma colega: ‘Sou só eu que não sinto calor?’ Nenhuma de nós tinha fome nem sede. E só tive coragem de comentar isto com ela passado 3 a 4 dias. ‘São eles’, disse ela, ‘são os nossos anjos da guarda, estão aqui para nos proteger’. E quando eu estava na sepultura eu pedi assim: ‘Se for o meu irmão, que me dê um sinal’. E assim que mexi na terra, onde estava a escavar, surgiu um pendente com um coração cor-de-rosa e pensei: ‘Este foi o sinal que eu pedi’”. A mãe de António Vitoriano pôde finalmente fazer o luto. E quando lhe nasceu um filho pôs-lhe o nome de António. Finaliza a obra com a ida de Ernestina que foi buscar o pai a Angola, 54 anos depois de António ter morrido. A filha de António conseguiu exumar o corpo em novembro de 2017. Nessa altura a viúva de António já estava em Roma, a filha, de nome Cecília disse-lhe: “Mãe, o pai vai voltar para trás” e a coitadinha chorou. A neta de António, hospedeira de bordo, voa sempre com as asas do avô, que nunca conheceu, ao peito".

Obra de leitura imperdível.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22785: Notas de leitura (1397): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 12 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22803: A nossa guerra em números (10): o Movimento Nacional Feminino tinha um orçamento ordinário de 10 mil contos (cerca de 2 milhões de euros, a preços de hoje) e uma gestão pouco profissionalizada, retirando-lhe credibilidade e apoios da sociedade civil


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp. 


1. A propósito do MNF - Movimento Nacional Feminino, criado em abril de 1961, alguns leitores perguntarão como era possível fazer uma edição de 300 mil discos (LP, em vinil) no Natal de 1973 (*) e distribuí-los pelos 149 mil efectivos militares (metropolitanos e do recrutamento local) que existiam nos três teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique ? (**)

Segundo o livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), o MNF contava com a colaboração, voluntária, de "cerca de 80 mil mulheres" (pág. 319), distribuídas pelas suas estruturas na Metrópole e no Ultramar. E tinha um pequeno "staff" de apoio.

O número de "madrinhas de guerra", por seu turno,  era estimado em mais de 162 mil, mas em 1965 (, já com três frentes de guerra) esse número ainda era diminuto (cerca de 24 mil). Parece que não foi fácil "recrutar" madrinhas de guerra...

Estes números não podem hoje ser confirmadados dado que o arquivo do MNF, entregue em 1974 à guarda da Liga dos Combatentes, "desapareceu", pura e simplesmente (!)... 

By the way, a quem pode interessar a eventual destruição de documentação de interesse historiográfica ? Alguém com "culpas no cartório" ?...Alguém que queira "reescrever a história" ?... O jornalista Martinho Simões, colaborador próximo de Cecília Supico Pinto, acusou a 5ª Divisão e o coronel Varela Gomes de destruição do espólio do MNF...  Varela Gomes, por sua vez, em entrevista telefónica dada, em 2006, à Sílvia-Espírito-Santo diz que encontrou o espaço já todo vandalizado. (Vd. Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, pág. 196).

Recorde-se, por outro lado,  que os aerogramas eram de distribuição gratuita para os militares mas os civis (famílias, amigos, etc.) tinham de comprar o impresso (que custava 20 centavos em 1961, o equivalente a 9 cêntimos a preços de hoje). Ao longo da guerra, a despesa média anual em aerogramas, da parte das famílias, seria da ordem dos 2 mil contos (tomando como referência o ano de 1965, equivaleria, a preços de hoje, a um montante da ordem dos 786 mil euros).

Durante a guerra, foram impressos mais de 300 milhões de aerogramas, 14% até 1967, e os restantes 86% entre 1968 e 1974 (pág. 319). Seria interessante perceber a razão de ser deste aumento exponencial a partir de 1968.

Para além da TAP (que fazia o transporte gratuito dos aerogramas), houve uma série de entidades da sociedade civil, nomeadamente emprresas,  que contribuiram, inicialmente,com apoios financeiros para o MNF suportar os custos da emissão dos aerogramas:

  • Banco de Angola
  • Estaleiros Navais de Viana do Castelo
  • José Manuel Bordalo
  • Lusitânia
  • Companhia Portuguesa de Pesca
  • Manuel Rodrigues Lago
  • SACOR
  • Cidla
  • Companhia Colonial de Navegação
  • Sociedade Central de Cervejas
  • Banco Borges & Irmão
  • Sociedade Concecionária da Doca de Pesca
Mas o MNF também fazia peditórios de rua, espectáculos, etc. Com base em dados divulgados na RTP  pelo MNF, em 1971, por ocasião do seu 10º aniversário, a organização da Cecília Supico Pinto teria, em 10 anos:

  • dado a apoio a  mais de 169,2 milhares de famílias carenciadas (doação de vestuário...);
  • colaborado na colocação no mercado de trabalho de cerca de 70 mil ex-militares;
  • realizado 170 mil visitas a hospitais miliatres;
  • enviado mais de 8 milhões de lembranças (jogos, baralhos de cartas, tabaco...);
  • encaminhado mais de 178 mil encomendas das famílias para os seus militares (pagava-se 5 escudos por cada encomenda até 5 kg) (em 1971 era equivalente hoje a 1,33 euros).(pp. 319/320)
 
A investigadora Sílvia Espírito-Santo, no seu livro "Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacional Feminino" (Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 87), publica uma cópia do resuno do "orçamento ordinário" para o ano de 1974:

Receita
  • Disponível: 9.948.257$00
  • Realizável a longo prazo: 51.743$00
  • Total: 10.000.000$00

Despesa
  • Encargos fixos: 5.298.000$00
  • Encargos previstos: 4702.000$00
  • Total: 10 000.000$00

Julgamos que estes dez mil contos, de receita ordinária, eram provenientes de subsídios do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério do Interior, as duas principais fontes de financiamento.  Em 1973 representavam, a preços de hoje, 2.112.049,60 €. Um ano depois, e com a brutal depreciação dos preços, valeriam menos cerca de 440 mil euros, ou sejam,  1.673.722,97 €.

Mas no fim do resumo do "orçamento ordinário"  vem uma "nota muito importante":

"A fim de manter as dotações normais de aerogramas oferecidos aos militares (32.000.000),considerando o agravamento de custos eos níveis a manter, torna-se absolutamento necessário reforçar a verba destinada aos aerogramas num montante de 1.200.000$00 anuais, o que não está incluído no presente orçamento" (pág. 87).

2. A gestão do MNF era pouco profissional, como documenta, no seu livro, a  Sílvia Espírito-Santo, crítica a que se somavam outras, retirando à organização credibilidade e apoios da sociedade civil:

 (...) O  desactualizado registo clerical e beato, a evidente influªencia das cúpulas do MNF nos meios políticos e militares e o uso indevido dessa influência, como base de favorecimentos e clientelismos - uma prática enraizada socialmemte que trabsportaram para dentro da organização -, a defesa pública da guerra e a 'colagem' à política  do governo, foram-na  desacreditando e dando azo a um reputação de pouca seriedade" (...).

Em todo o caso, é bom recordar que a atividade do MNF incluia ainda a publicação de várias revistas periódicas, a edição do disco de Natal (1971 e 1973) (com uma tiragem total de 600 mil cópias), incuindo um estúdio privativo de gravação e transmissão, responsável pelo programa de rádio "Espaço" (pág. 138). 

E, facto menos conhecido dos nossos leitores, "em maio de 1973, a sala de gravações do estúdio e uma parte da sede do MNF [, na Rua das Janelas Verdes, ] foram danificadas por uma explosão ocorrida durante a madrugada".

Para a Cilinha, ter-se-á tratado, sem sombra para dúvidas, de um "atentado" (, versão que a censura não deixou publicar nos jornais)... Para as autoridades da época, não passou de um simples acidente com um botija de gás propano mal fechada... (pp-140/141).
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Guiné 61/74 - P22802: Blogpoesia (763): "Rosto alegre"; "Verdes anos" e "A vida não é um concurso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Rosto alegre

Não é feliz o rosto cavado de rugas e sofrimento.
A vida agreste as rasgou impunemente.
Afogam o coração de amargura e dor.
Trazem as saudades da saúde que se foi.
É o risco de viver, sem regra e juízo.
Mais vale viver no equilíbrio e sobriedade.
Cá se fazem. Às vezes tudo se perde.
Sem remissão.


Berlim, 9 de Dezembro de 2021
9h57m
Jlmg


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Verdes anos

Eram verdes os anos da minha infância.
Havia braços paternais que me guardavam.
Tratavam as minhas feridas quando caía ao chão.
Dormia tranquilamente as noites.
Sonhava sonhos cor da esperança.
Ainda me sobrava tempo para minhas traquinices.
Sem qualquer maldade.
Que pena não ter ficado lá atrás.
Meu futuro foi garantido.


Bar "motocas" arredores de Berlim, 8 de Dezembro de 2021
11h50m
Jlmg


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A vida não é um concurso

Não somos todos iguais.
Cada um é como é e nasceu.
Ninguém melhor que ninguém.
A vida não é um concurso.
Não há vencedores nem vencidos.
Cada um dá o que tem e que sabe.
O progresso vem do concurso de todos.
Que nunca sejam melhores uns que outros.
Cada um rema com os braços que tem.
Só assim o barco avança.


Berlim, 7 de Dezembro de 2021
14h17m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22782: Blogpoesia (762): "Pelas ruas de Berlim"; "As nuvens da horta" e "A vida é uma lição", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22801: Parabéns a você (2013): Francisco Palma, ex-Soldado CAR da CCAV 2748/BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22793: Parabéns a você (2012): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700/BCAÇ 2912 (Dulombi, 1970/72) e Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA da BA 12 (Bissalanca, 1967/69)

sábado, 11 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22800: Documentos (33): Acção Militar na Guiné (1963/1964) - Docs. respeitantes à acção militar na Guiné, pelo General Fernando Louro de Sousa, Junho de 1965 (Vírgínio Briote)

1. Mensagem do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489/BCAV 490 (Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67), com data de 10 de Dezembro de 2021, trazendo em anexo o Relatório do então Brigadeiro Louro de Sousa, CMDT Militar da Guiné nos anos 1963 e 1964, que abaixo se publica:

Caro Carlos,
Não sei se alguma vez foi publicada no Blogue este relatório do Brigadeiro Louro de Sousa, Cmdt Militar da Guiné nos anos 1963 e 1964.

Como é do conhecimento dos Camaradas que têm seguido de perto o nosso Blogue e se interessam pelos assuntos da Guerra na Guiné, a figura do Brigadeiro Louro de Sousa tem sido alvo de críticas e, alguns historiadores consideram-no responsável pela rápida implantação do PAIGC, em especial na região Sul.

Este relatório foi elaborado pelo Brigadeiro e entregue à CECA (Comissão para o estudo das campanhas de África) é o resumo do que foi feito durante o seu Comando.
Vê se tem interesse em publicar.

Desejo-vos um Natal com Saúde.
Até um dia destes, Carlos.
Abraço.
V. Briote


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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22326: Documentos (32): Ordem de Serviço n.º 40 do Comandante-Chefe Interino das Forças Armadas da Guiné com o discurso de despedida do General Spínola, dirigido aos Militares de Terra, Ar e Mar e Mílicias em serviço na Guiné (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)

Guiné 61/74 - P22799: Os nossos seres, saberes e lazeres (481): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (28): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
O Palácio Pimenta faz parte integrante dos passeios da miudagem do Bairro de Alvalade, descíamos pelo Campo Grande fora, naquele tempo muitíssimo bem ajardinado e bem mais largo antes de lhe usurparem o terreno que permite o alargamento das faixas rodoviárias, ainda não havia Cidade Universitária nem cá em baixo a Faculdade de Ciências, vínhamos alugar bicicletas, fazíamos economias de nos passear meia ou uma hora, dentro de um rodado pré-determinado de que ainda subsistem vestígios. Havia residências apalaçadas, ainda lá está uma de pé, a solitária vivenda da então Junta de Freguesia do Campo Grande e um palácio fechado, o Palácio Pimenta, já comprado pela Câmara mas a aguardar obras. Depois de 1979, vivendo eu na Avenida do Brasil e com duas filhas pequenas era um destino possível em dias ensolarados, atravessava-se o Campo Grande, as meninas iam até ao parque de patinagem, havia lanche, caminhávamos por aquela bela avenida de palmeiras e o chamariz para visitar o Palácio Pimenta eram sempre os jardins onde éramos acolhidos pelos grasnidos dos pavões, com algum esforço e conversa do faz de conta, falava-se de azulejos e era obrigatório ir mirar um prodigioso quadro a óleo de Carlos Botelho, que ainda hoje me motiva a entrar neste tão acolhedor museu, e aproveito sempre para recordar essa encantadora senhora que foi a olisipógrafa Irisalva Moita, a quem Lisboa tanto deve.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (28):
As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva


Mário Beja Santos

Em "Um Passeio à volta do Campo Grande", de Manuela Rêgo, Contexto Editora, 1996, fala-nos sobre a história do Palácio Pimenta, situado no n.º 245 do Campo Grande. Foi construído entre 1744 e 1747, habitado por várias famílias, e daí a designação que teve de Palácio Galvão Mexia, residência do Conde de Farrobo. Em 1910, vivia aqui Carlos Luís Ahrends e em 1914 foi adquirido por Jorge Ávila Graça que aqui viveu com os seus herdeiros até 1957. Foi depois vendido à Câmara Municipal de Lisboa. O pintor Manuel Amado, que aqui viveu na sua infância, deixou numerosos quadros sobre esta casa. Não tem fundamento que o palácio tenha sido mandado construir por D. João V para a sua amada Madre Paula. Há a casa, um jardim e uma mata, uma fração desta foi expropriada para a construção da 2ª Circular. O Museu da Cidade encontra-se instalado neste palácio desde 1979.
Saiu recentemente um livro dedicado à impulsionadora deste museu, Irisalva Moita, uma edição do Museu da Cidade que homenageia a arqueóloga que se devotou aos museus municipais. Ali se escreve que partiu do punho de Irisalva Moita as obras faseadas do Museu, um programa que ela delineou em 1971 e que foi patente ao público em 1979: nesse ano apareceram as salas correspondentes aos séculos XVII a XIX; em 1984, as secções A Dinastia de Avis e os Descobrimentos, A Contrarreforma e o Período Maneirista; em 1985, as restantes salas do piso térreo, com as secções Meio Geográfico e Origens Pré-Históricas, Lisboa Romana, Domínio Visigótico e Muçulmano, Lisboa Medieval. Ainda houve outros três novos núcleos expositivos. Apenas um novo pavilhão foi construído, inicialmente fora projetado para expor a coleção da azulejaria, transformou-se em espaço de exposições temporárias. O denominado Pavilhão Preto do Museu da Cidade foi inaugurado em 1994. Circunscreve-se a visita de hoje ao piso térreo, dar-lhe-emos continuidade no próximo sábado.
Entra-se no palácio onde nos aguardam duas brochuras, uma dedicada a uma nova exposição de longa duração, Viagem ao Interior da Cidade e a outra é explicativa da maqueta de Lisboa anterior ao Terramoto de 1755. Na receção temos uma homenagem a um dos mais insignes olisipógrafos, uma escultura de Júlio Castilho, envolvida por belos azulejos.


Na brochura Viagem ao Interior da Cidade faz-se um pequeno histórico sobre o Palácio Pimenta, recorda-se que o então Museu da Cidade funcionava no Palácio da Mitra desde 1942, que o primeiro projeto de adaptação, datado de 1968, foi da autoria do arquiteto Raúl Lino mas vingou a intervenção do arquiteto Duarte Nuno Simões, com programa museológico da olisipógrafa Irisalva Moita. Lembra-se igualmente que a exposição atual permite a visita à antiga cozinha e à capela. Dá-se como missão do museu despertar a curiosidade sobre o lugar físico e a ocupação de Lisboa ao longo dos tempos, a sua relação com o rio enquanto elo entre margens e porta para o mundo. Temos no piso térreo um acervo de salas que incluem: Pré-História e Proto-História, Cidade Romana, Cidade Muçulmana, Cidade Medieval Cristã, Cidade Quinhentista, Cidade do Mundo, Maqueta de Lisboa antes do Terramoto de 1755, Registos de Azulejo, Cozinha, Capela, Produção Cerâmica e Exposições Temporárias. A museografia é excelente e a informação irrepreensível. E assim vamos da Pré-História até à Cidade Romana, o Período Medieval é de enorme riqueza, podem-se contemplar desde um pote da Idade do Bronze, passando por um capitel coríntio do século II d.C. a belas peças romanas.
Quadro representando a retirada de D. João de Castela depois de cercar Lisboa, fugindo da peste, quadro de Constantino Fernandes
Portal manuelino que pertenceu ao Convento de Santos-O-Novo
Quadro em que se reproduz o Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, é patente a atmosfera neogótica
A Virgem e o Menino, escultura em calcário
Uma interessante alusão à Lisboa herdada dos Árabes, simulam-se as suas muralhas até à Alcáçova, a despeito da aceitável falta de rigor, o que terá sido a ocupação espacial da Lisboa tomada por D. Afonso Henriques não andará muito longe da realidade
Nas obras mais recentes encontraram-se vestígios do primitivo Palácio Pimenta, aqui se mostra os restos de um forno, seguramente do século XVIII, é uma surpresa museográfica que não pode deixar de cativar o visitante
Um vestígio da presença árabe em Lisboa, uma pedra tumular
E chegamos à importante exposição de objetos do Hospital de Todos Os Santos, sediado no que é hoje a Praça da Figueira, as obras do Metropolitano permitiram descobrir inúmeros vestígios que o visitante pode agora contemplar. A visita prossegue para a maquete de Lisboa antes do terramoto e tudo o que ainda falta ver no piso térreo. Recorda-se aos interessados que na receção do Museu de Lisboa há um acervo de publicações à venda sobre exposições realizadas ou estudos de olisipografia que podem ser adquiridas a preços altamente abordáveis

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22779: Os nossos seres, saberes e lazeres (480): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20): O génio de Almada Negreiros nas gares marítimas do Porto de Lisboa (Mário Beja Santos)