terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

 

Feliz capa do livro "Memórias fotográficas da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974". editado pelo Grupo Vila-Realense de Ex-Combatentes do Ex-Ultramar. Coordenação: Carlos Almeida e Duarte Carvalho. Vila Real, 2021, 191 pp. Foto da capa: Guiné, 1966, coleção de José Ferreira Barros.


1. Chegou-nos, pelo correio, um exemplar desta obra, com dedicatória, oferta do nosso camarada Miguel Rocha, membro da Tabanca Grande desde 21/11/2019, natural de Vila Real, a residir em Oeiras: 

"Para o amigo Luís Graça com um abraço do transmontano Miguel Rocha, 12/12/20212". (Às vezes, ele brinca com a região da sua naturalidade, dizendo-me: "Olha, é o Rocha, o transmontano, não o alentejano"!... Na Tabcanca da Linha, onde o conheci, eu achava que ele era alentejano,  por ser amigo, vizinho e companheiro de mesa do Manuel Macias, que, esse, sim, é da Aldeia Nova de São Bento, Serpa...)


O Miguel é um dos 56 ex-combatentes, naturais de Vila Real, que passaram pelos teatros de operações de Angola, Guiné e Moçambqiue, entre 1961 e 1974, e quiseram agora partilhar as fotos dos seus álbuns, numa bonita iniciativa que, se não é inédita, tem  grande mérito e pode até servir de exemplo (contagiante) para outros grupos.

O pretexto são os 60 anos do início da guerra do ultramar / guerra colonial e o objetivo desta obra é singelo, mas nem por isso digno de realce: dar a conhecer "retalhos do nosso dia-a-dia" destes homens, uma valiosa contribuição, afinal, para a"pequena história" que tem de (ou deve...) ir a par da "grande história" com a H... 

É uma homenagem também aos 15 vila-realenses que perderam a vida neste conflito, e cuja memória é lembrada, todos os anos, a 1 de dezembro, por este grupo de ex-combatentes.

Grato ao Miguel e demais camaradas que congregaram esforços para a materialização deste projeto, deixo aqui alguns excertos da obra, numa primeira nota de leitura.

Mandei há dias ao Duarte Carvalho a seguninte mensagem:

 "Duarte, parabéns pelo vosso trabalho (e em especial pelo teu). O Miguel Rocha já teve a gentileza de oferecer ao blogue um exemplar do vosso livro e vamos dar-lhe o devido destaque, com menção da lista de autores, e ficha técnica, e reprodução de algumas fotos (uma de cada TO).

Peço desculpa por não ter publicado, em tempo oportuno, o teu convite . Houve um lapso na gestão do correio. Mas farei referência à cerimónia. Vejo que fazes falta aqui no nosso blogue e na nossa Tabanca Grande. Aceita o convite para te juntares a esta comunidade virtual, dos amigos e camaradas da Guiné, e onde já estão camaradas transmontanos como o MIguel e outros,


Em 24 de novembro passado, o Duarte Carvalho mandara-nos a notícia (e o convite) do lançamento da obra:

"Dia 1 de Dezembro de 2021 pelas 15h30 nos claustros do antigo Governo Civil de Vila Real. Apresentação do álbum de fotografias “ADEUS…ATÉ AO MEU REGRESSO”. Memórias fotográficas de 56 Vila-Realenses que participaram na Guerra Colonial (1961/1974). Apresentador: Eduardo Varandas."

Sublinhe-se, com apreço, o apoio a esta obra (ou o patrocínio), dado por diversas instutuições e empresas locais: Câmara Municipal de Vila Real, Junta de Freguesia de Vila Real, Liga dos Combatentes - Núcleo de Vila Real, CIMAGOM, realcópia, CA - Crédito Agrícola e Adega Vila Real.

Reprodução do preâmbulo:






Guiné- Bissau > 1968-70 > Coleção Miguel Rocha:  Dois irmãos na Guiné, Carlos Jorge Ribeiro Rocha, e Miguel José Ribeiro Rocha. Foto Iris (Bissau), outubro de 1969.


Guiné> 1968-70 > Coleção Miguel Rocha: s/d, s/l >  O Miguel 


Guiné > 1968-70 > Coleção Miguel Rocha: s/d, s/l >  O Miguel é o primeiro da esquerda  

O Miguel Rocha foi alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70).  O irmão Carlos esteve no sul, na região de Tombali, em Aldeia Formosa (1969/71), segundo informação (telefónica) do mano. Vive em Vila Real.

(Pág. 87)


segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22827: In Memoriam (420): Jaime Brandão, ex-Fur Mil Pil da FAP, falecido em 18 de Dezembro de 2021 - Adeus e até já, Jaime. Partiu hoje um dos maiores amigos que tive na minha vida! (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp)

1. Com a devida vénia ao nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) e ao Blogue da Tabanca do Centro, reproduzimos o Poste 1321 de 19 de Dezembro onde o Joaquim se despede do seu velho amigo Jaime Brandão, ex-Fur Mil Piloto da FAP, recentemente falecido por doença.


ADEUS E ATÉ JÁ, JAIME!

Partiu hoje um dos maiores amigos que tive na minha vida!

As histórias com o Jaime Brandão são inúmeras desde garotos, passando pela Guiné, pela dita revolução e até aos dias de hoje.

Por causa da nossa amizade passei fins de tarde quase contínuos na BA5, mormente na Esquadra dos Falcões, e por isso mesmo me foi concedido algo único na minha vida: um voo de A7.

Claro que, embora houvesse outros “candidatos” amigos que me queriam levar, não poderia deixar de ser o Jaime a dar-me esse raro prazer, quase impossível a civis.

Foi um dia memorável.

Tal como o dia em que, envolvido na primeira Operação Militar na Guiné, no segundo mês da minha chegada, com o camuflado ainda a “cheirar a goma”, desembarco no quartel de Porto Gole e quando estou a subir a rampa para as instalações vejo o Jaime vir direito a mim a sorrir e abraçando-me com toda força.

Perguntei-lhe como era possível ao que ele me respondeu a sorrir que sabia que eu estava envolvido naquela Operação e que ia desembarcar em Porto Gole para passar a noite e como vinha de regresso a Bissau, declarou que tinha a porta aberta do DO27 e que tinha de aterrar em Porto Gole.

As histórias são inúmeras, (de dia ou de noite), e todas elas são memórias fantásticas que me trazem agora lágrimas aos olhos

O Jaime era um homem franco, honesto, sério, que não pedia licença para dizer o que pensava e sentia, mesmo que isso lhe acarretasse incompreensões ou mesmo problemas.

Amigo do seu amigo, levava a amizade muito a sério, tão a sério que não se coibia de me dizer algo que eu fizesse mal, como eu lhe dizia também a ele.

É assim a amizade verdadeira!

Mas tinha também um humor muito especial e vivemos momentos hilariantes ao longo de todo este tempo que Deus nos deu de amizade verdadeira e vivida.

Muitas vezes as nossas conversas eram quase um monólogo tal a identidade de pensamento e opinião que tínhamos os dois.

Em bom e antigo português era quase um: “se um diz mata o outro diz esfola”!

Espero, (fazendo humor), que no Céu haja cerveja, porque ele tem que ter uma esplanada onde a beber esperando por mim e por muitos mais que nos faziam companhia.

Pouco apreciador do cozido que habitualmente nos era servido nos nossos convívios, isso limitou a sua presença à mesa connosco. Mas não deixou de estar presente por várias vezes, satisfazendo-se com a sopinha do cozido ou, numa situação pontual, com uma feijoada vegetariana trazida de propósito de Lisboa pela sua camarada e amiga Giselda.

Há homens que nunca fizeram nada por Portugal e são recordados como se o tivessem feito.

O Jaime foi voluntário para a Força Aérea, serviu o seu país na Guiné e em Portugal, serviu o seu país na sua profissão como civil, lutou por um país melhor do que o “politicamente correcto”, e ninguém, com certeza desta gente que nos governa terá uma palavra para ele, o que ele, julgo eu, até agradece.

Envolvo a sua família, mulher, filhas, netos, irmãs e irmão no meu estreito e muito amigo abraço, sem palavras que as não tenho para dizer.

Estou profundamente triste, embora acredite que aos homens bons como o Jaime, Deus tem sempre junto de Si, mas isso ainda não mitiga a saudade imensa que já sinto em mim.

Como dizemos em Monte Real, pelo menos no tempo em que eramos garotos, quando as pessoas se encontram: Adeus!

Eu digo-te, Jaime meu querido amigo, adeus e até já!

Marinha Grande, 18 de Dezembro de 2021

Joaquim Mexia Alves

____________

Notas do editor:

À família do nosso camarada Jaime Brandão, a tertúlia e os editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné apresentam as suas mais sentidas condolências.

O Jaime Brandão participou no V e VI Encontros Nacionais da Tabanca Grande em Monte Real. Nesta foto em conversa com o Victor Barata, também ex-militar da Força Aérea Portuguesa e também ele recentemente falecido.

Último poste da série de 25 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22749: In Memoriam (419): Tibério Paradela (1940-2021), capitão da marinha mercante, um "lobo do mar" ilhavense, que nos deixa um notável testemunho da epopeia da pesca do bacalhau, no seu romance "Neste mar é sempre inverno"

Guiné 61/74 - P22826: O meu sapatinho de Natal (15): Boletim nº. 073 de “Olhar do Mocho” – Órgão Informativo e Cultural da Associação Cultural e Social dos Seniores de Lisboa (Academia de Seniores de Lisboa), dedicado ao Natal (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas da CART 1659, "Os Zorbas" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 12 de Dezembro de 2021, trazendo em anexo o Boletim "O Olhar do Mocho", de que reproduzimos as seis páginas dedicadas ao Natal:

Caros Camaradas
Luís, Carlos e todos os Homens Grandes da Tabanca Grande.
Envio, em Anexo o Boletim 073 de “Olhar do Mocho” – Órgão Informativo e Cultural da Associação Cultural e Social dos Seniores de Lisboa (Academia de Seniores de Lisboa).
Fui fundador deste Boletim em 2005 e seu primeiro Director.
Este número foi dedicado ao Natal.

Desejo para o Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, e Todos os Seus Aderentes:
UM FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO DE 2020, COM SAÚDE E ALEGRIA.

Abraço
Mário Vitorino Gaspar


____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22825: O meu sapatinho de Natal (14): Votos de boas festas para todos os "residentes" da Tabanca Grande... E uma prendinha: a notícia da última viagem do N/M Niassa, em 8/5/1979, a caminho do sucateiro de Bilbao, Espanha... (Carlos Arnaut, ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)

Guiné 61/74 - P22825: O meu sapatinho de Natal (14): Votos de boas festas para todos os "residentes" da Tabanca Grande... E uma prendinha: a notícia da última viagem do N/M Niassa, em 8/5/1979, a caminho do sucateiro de Bilbao, Espanha... (Carlos Arnaut, ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)

 






Recorte do "DN - Diário de Notícias", 10 de maio de 1979. 
 Cortesia de Carlos Arnaut (2021)


1. Noticiava o matutino lisboeta, em 10 de maio de 1979, que o nosso conhecido N/M Niassa partia para a sua última viagem, a caminho da sucata, em Bilbau, Espanha... O seu "cadáver" ainda valeu mais de 25 mil contos (c. 1.612.500 euros, a preços atuais).

Pertencia à Companhia Nacional de Navegação. A notícia "necrológica" (, os navios também se abatem como os cavalos e os seres humanos,) acrescentava:

"Com alojamento para 322 passageiros, o paquete efectou durante longos anos, as carreiras regulares entre Lisboa e as colónias de África, tendo servido como transporte de tropas e, durante alguns meses, foi o elo de ligação entre o Continente e a Madeira [em 1978 ]. Pela tarde [do dia 8 de maio de 1979] a sirene do "Niassa" anunciava a saída para a última viagem".

Foi mandado construir em Antuérpia, Bélgica, em 1952, no âmbito da modernização da nossa frota da marinha mercante. Custo: 135.000.000$00 (equivalente, a preços atuais, a cerca de 66,4 milhões de euros,  de acordo com a aplicaçãodo INE,  Atualização de Valores com base no IPC - Índice de Preços  ao Consumidor). 

Foi lançado ao mar em 1955 e logo a seguir fez a sua viagem inaugural à África Orienatl. Foi fretado, inúmeras vezes, ao Ministério do Exército para transporte de tropas e material de guerra, nomeadamente a partir 1959.

2. Mensagem de Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72, tem cerca de uma dezena de referências no nosso blogue; entrou para a Tabanca Grande em 12/9/2020) (*):

Data - sexta, 17/12/2021, 00:53
Assunto - Niassa

Olá Luís,

Como tenho lido diversas citações ao paquete "Niassa" nos posts da rapaziada que nele viajou, junto envio notícia do seu falecimento em Maio de 79.

Se entenderes que vale a pena recordar a notícia, aqui segue a foto.

Aproveito a oportunidade para desejar a todos os residentes da nossa Tabanca Grande um Feliz Natal, fazendo votos para que 2022 seja diferente para melhor do que este 2021 cheio de "bichos". (**)

Grande abraço, Carlos Arnaut

P.S. - Não mereci parabéns no dia 22 de Setembro, quase chorei ...

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, Carlos,  estes pequenos recortes de jornal são preciosos para alimentar as nossas memórias vividas ou construídas...  Sim, o N/M Niassa, que foi um dos principais transportes de tropa no nosso tempo, tem mais de uma meia centena de referências no nosso blogue...

Afinal os navios também se abatem, como os cavalos e os homens... 

Fizemos um poste para a série "O meu sapinho de Natal" (**), não apenas com esta tua "prendinha", mas também   inserindo a tua mensagem de boas festas, sem omitir o teu reparo por não termos sinalizado o teu aniversário, a 22 de setembro último. 

Carlos, fui verificar, e tu o ano passado tiveste, de facto, direito ao teu "cartanito" de parabéns... Enfim, foste tratado como devias e queirias, mas nem todos os camaradas nos dão a data de nascimento para este efeito. Este ano houve, de facto,um lapso. Já te pedi desculpa. Vou pedir ao Carlos Vinhal para corrigir a "anomalia"...

Ultimamente temos estado a "exigir" a prova de vida... A tua está feita. Espero que o 2022 nos corra a todos melhor do que o 2021. 

Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973



Foto nº 1 


Foto nº 1A

Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > c. Natal de 1973 Algures entre Cumbijã e Nhacobá > Base de lançamento das granadas de canhão sem recuo do IN contra o Cumbijã... São bem visíveis  duas valas cavadas feitas à medida do apontador e do municidor do canhão s/r  (Foto nº 1A) > Foto: Cortesia de Carlos Machado 



Foto nº 2

Foto nº 2A

Foto nº 2 B

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74 >  c. Natal de 1973  > Pelotão da “Marcha Louco” > Marchar, marchar… até encontrar o covil do IN e seu amigos Cubanos... 2º pelotão sendo eu o primeiro de pé à esquerda  (Foto nº 2A) e o líder “louco” da marcha, alferes Afonso, o primeiro de pé à direita (Foto nº 2B).



Foto nº 3 


Foto nº 3 A

Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > 1974 > Algures entre Cumbijã e Nhacobá: Os furriéis: Machado e Costa... Na base móvel do PAIGC utilizada com sucesso nos ataques ao Cumbijã com canhóes sem recuo. O Machado tentando encontrar o local das minas por ele colocadas depois deste ser alvo de uma queimada, fazendo desaparecer as referências da sua localização. Esta desminagem ocorreu já depois do 25 de Abril de 74, com o objetivo de sinalizar o local com tampas de “bidon” pintadas (Foto nº 3A). Na altura o Furriel Machado já usava calças da moda, rotas nos joelhos! 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. 
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI




“A MARCHA LOUCA” 
(para garantir que não haveria “fogo de artifício” no dia de Natal)




Não tenho nenhuma memória do meu segundo Natal no TO da Guiné (1973), contudo julgo que esta “marcha louca” teve lugar nas vésperas desta quadra, tendo em conta o redobrar dos esforços no sentido de garantir alguma tranquilidade neste dia, do qual a tradição não fala de fogo de artifício...

As nossas rotinas continuavam: Patrulhamentos de reconhecimento e proteção na mata, fazer segurança aos trabalhos da estrada, levantar minas e proteger pontões, e, aceitar como fizesse parte destas rotinas as recorrentes flagelações com canhão sem recuo.

Sempre que as flagelações atingiam em pleno o perímetro do destacamento não descansávamos até encontrar o local do lançamento das mesmas, que mais tarde ou mais cedo lá conseguíamos.

Não estávamos preparados para aceitar mais mortes dentro do próprio destacamento com estas flagelações!

Não tínhamos dúvidas que os operadores destes canhões sem recuo eram elementos cubanos,  muito bem preparados tecnicamente. Impressionante a forma como à segunda ou terceira tentativa as metiam quase todas dentro do destacamento. Contudo, é minha convicção que algo mais havia para além da competência técnico dos operadores… “No creo em las brujas, pero hay”.

Enquanto as granadas caiam fora do destacamento,  lá íamos tolerando a ousadia do IN (e seus amigos cubanos). Contudo, quando começavam a cair dentro do perímetro do destacamento a coisa “piava mais fino” e todas as contas eram feitas no sentido de confirmar a direção das mesmas e aferir a distância do local, tendo em vista a sua “caça”.

Geralmente o ataque começava ainda com a luz do dia e acabava já noite posta. Sempre assim atuavam. A noite sempre foi a “praia” do IN, deslocando-se, montando minas e infiltrando-se para o interior do território sem nenhum obstáculo a não ser uma ou outra emboscada noturna e uma ou outra granada de obus.

Os ataques nesta “nesga” de tempo tinha como objetivo evitar a nossa perseguição bem como não denunciar a sua posição,  tendo em conta o clarão provocado pela saída das granadas. Contudo, as últimas canhoadas, já com a noite a cair, acabavam por denunciar a sua direção. Quanto à distância? Alguém disse com toda a propriedade: “é só fazer as contas”, sabendo que a velocidade do som é de 340 m/s...

Já dois pelotões tinham saído com o objetivo de encontrar a base de lançamento das granadas de canhão sem recuo. Nada foi encontrado, pelo que chegou a nossa vez de tentar a sorte. Nesta altura já estava no meu pelotão o meu grande amigo “alfero” Afonso (amigo para a vida), que, não tendo passado todo o calvário da companhia até aí, estava, contudo, imbuído de uma determinação, quase doentia, em encontrar o local do ataque. Na saída vira-se para mim e diz-me com toda a convicção: "Costa, só regressamos ao destacamento depois de encontrarmos a base". Ao que eu repliquei: "Então era melhor reforçarmos as rações de combate !"

Inicia-se assim a “marcha louca”, atravessando trilhos, bolanhas e rasgando a mata com a faca de mato na direção do objetivo que o homem tinha gravado na sua cabeça, sem o auxílio de mapas ou bússolas, que segundo ele só complicavam.

Assumiu a dianteira, substituindo-se ao guia, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o seu andamento. A determinação era tanta que nem nos apercebemos que já estávamos a algum tempo a andar em círculo, com o primeiro da coluna a juntar-se ao último (perante o susto e a estupefação dos dois), caminhando em passo cada vez mais acelerado, mas não saindo do mesmo sítio.

Todas estas voltas se justificavam já que o seu “GPS” marcava que tínhamos chegado ao destino/objetivo. Este estava bem dissimulado na mata. “Manga de ronco”, o nosso homem conseguiu!

Encontramos o local junto a um Baga Baga com duas valas cavadas para se protegerem das nossas granadas de obus (Foto nº 1).

Regressamos ao Cumbijã,  eufóricos e só não demos uma medalha ao nosso “herói” porque foram todas gastas no torneio de futebol inter- turmas (pelotões).

Se o Marcelo da altura fosse o Marcelo de hoje, havia medalha!

No dia seguinte um outro pelotão foi ao local minar a zona, tendo encontrado uma das valas minada.

Felizmente tivemos sossego durante algum tempo, ao fim do qual a rotina voltou…

Continua...

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 26  de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...

Guiné 61/74 - P22823: Notas de leitura (1400): "Guiné, Minha Terra", pelo jornalista bolamense Armando de Aguiar; uma edição da Agência-Geral do Ultramar (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra de um jornalista nascido em Bolama que aqui regressa nas primícias da luta armada, traz a exaltação patriótica e rasgados elogios às políticas das últimos governadores. É recebido com pompa e circunstância em Bolama, botou conferência para a comunidade local, apareceu sorridente e de laço na camisa, vem tudo em "Bolamense", órgão de propaganda regional de cultura e de turismo, cujo primeiro número saiu em 1 de agosto de 1956, e que terá uns anos de vida. O aspeto mais curioso, falo por mim, são os dados que ele enuncia sobre a prospeção de petróleo, a haver fidelidade nos dados, petróleo era só miragem. Mas a esperança continua.

Um abraço do
Mário



Guiné, minha terra, por Armando de Aguiar

Beja Santos

Armando de Aguiar foi jornalista do Diário de Notícias, gostava imenso de viajar, era natural de Bolama, encontrei no jornal “Bolamense” uma sua conferência ao lado do inspetor Santos Lima, que o apresentou. Tratando-se de uma edição da Agência-Geral do Ultramar, com data de 1964 mas anteriormente escrito (ele di-lo, entrevistou o Governador de então, o Comandante Peixoto Correia, estaríamos seguramente no início da década de 1960), é todo redigido num tom laudatório, cheio de exclamativas, com muitos encómios dirigidos aos últimos governadores que fizeram estradas, portos, trouxeram equipamentos, a saúde, a educação e a cultura; refere sempre que por detrás estão cinco séculos de colonização, que aquela terra é irremissivelmente portuguesa, que houve a obra de um herói chamado Teixeira Pinto, entre outros gloriosos; viaja de Santiago para Bissau, entretanto passa pela Gâmbia e passeia-se por Zinguinchor, em Bissau repertoria tudo quanto se tem construído e mostra os sinais do desenvolvimento. Em suma, uma obra que se regista mas praticamente sem história. Porém, já estamos a caminhar para o final desta exaltação ultramarina quando ele nos traz um capítulo que espicaça a curiosidade, tem o título “Haverá Petróleo?”. Vamos ver o que ele escreve:
“Quando em Abril de 1958 a Esso Exploration Guiné, Inc., que acabava de ser fundada com sede naquela capital e subsidiária da Standard Oil Company, de Nova Jérsia, solicitou do governo permissão para estudar, em primeiro lugar, e realizar depois a pesquisa e eventual exploração de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos que porventura existissem na área da concessão solicitada, grande onda de entusiasmo avassalou a província.
A área da concessão, que ocupa cerca de 40.000 quilómetros quadrados, pode ser definida da seguinte maneira: abrange uma zona continental limitada a norte pela fronteira com o Senegal e a leste pelo rio Geba, e uma zona marítima que inclui o arquipélago dos Bijagós.
A pesquisa do petróleo compreende duas fases que se completam. A prospeção indireta é feita por intermédio de sondagens de profundidade executadas em locais selecionados, com base nas informações obtidas pelas investigações geológicas e geofísicas.
A existência ou não existência de petróleo é uma incógnita a que só as sondagens de profundidade poderão dar uma resposta concreta. As pesquisas por métodos indiretos levadas a efeito pela Esso da Guiné na área da concessão consistiram no reconhecimento geológico e nos levantamentos gravimétrico e sísmico.

Haverá petróleo na Guiné?
Para responder conscienciosamente a esta pergunta, a Esso contratou três grupos de técnicos americanos, aos quais se juntaram alguns portugueses, que realizaram um após outro, importantes trabalhos de campo e de laboratório: levantamento sísmico, marítimo e terrestre de toda a Guiné e levantamento gravimétrico. Aguardava-se com o maior interesse o resultado das sondas perfuradoras quando elas atingissem os lençóis petrolíferos. O poço Safim n.º 1 é um poço exploratório destinado a fornecer informações que permitiriam verificar determinadas hipóteses formuladas pelos geólogos e geofísicos quanto às caraterísticas estruturais do subsolo. Naquele local, situado a menos de 30 quilómetros de Bissau, estabeleceu a Esso um dos seus acampamentos. A sonda funcionava 24 horas por dia. Infelizmente, o poço Safim n.º 1 foi abandonado à profundidade de 3244 pés sem que se tivessem encontrado quaisquer vestígios de petróleo ou outros hidrocarbonetos. O mesmo aconteceu no 2.º  poço – Có n.º 1 –, que foi abandonado à profundidade de 6569 pés. A terceira sondagem – Cagongué n.º 1 –, a 10 quilómetros para oeste de Teixeira Pinto, atingiu cerca de 8000 pés de profundidade. Teoricamente também não assinalou a existência de petróleo, razão por que as pesquisas foram suspensas e os trabalhos dados por terminados. Ao fim ao cabo os americanos souberam aquilo que pretendiam. A verdade é que essa curiosidade custou-lhes rios de dinheiro. Tenho, porém, fortes razões para julgar que não foi trabalho totalmente perdido…”


Na verdade, com o crescendo da luta armada, estes poços foram selados e nunca mais se falou em petróleo. A haver, não passava de conjetura. Depois da independência, como é sabido, as prospeções estenderam-se à plataforma marítima, entre a Guiné e o Senegal, continuavam a não existir resultados conclusivos, mas só a hipótese de haver petróleo fez suscitar um grave litígio entre os dois Estados – ninguém quer perder o quinhão, cedendo um quilómetro de mar ao outro.

Haverá petróleo na Guiné?

____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22819: Notas de leitura (1399): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte I: "Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!"

Guiné 61/74 - P22822: Parabéns a você (2016): José Botelho Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557 (Cachil e Bafatá, 1963/65) e José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CART 8350/72 e CCAÇ 11 (Gulieje, Gadamael e Paunca, 1972/74)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22820: Parabéns a você (2015): Humberto Reis, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

domingo, 19 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22821: Fotos à procura de... uma legenda (158): Tão meninos que nós éramos!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)




Espinho > Silvade > Fevereiro de 1969 > Jantar de despedida antes da partida, a 18, para o TO da Guiné... Um grupo de sargentos e furriéis milicianos da CART 2479, futura CART 11

À  esquerda, sentaados: Canatário (armas pesadas), e Cunha;  em pé Silva (transm.), Abílio Duarte e Pinto, atrás Macias e Pechincha (operações  especiais); ao alto Sousa, ao centro 1º. Sarg  Ferreira Jr., Renato Monteiro, Ferreira (vagomestre), Edmond (enfermeiro), Pais (mecânico) e eu, sentado, à direita,  Valdemar Queiroz (armado em finório).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz 2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70); e não se esqueçam de lhe mandar um alfabravo, por msn, neste Natal: telem 965 290 110; ele precisa e vai gostar; até ao dia 22, porque depois já tinha a companhia do Menino Jesus e do Pai Natal, que vêm da Holanda, ou Países Baixos, como se diz agora 
]

Data -  14 dez 2021 15:23

Assunto - Foto à procura de uma legenda

Luís,

Esta fotografia foi tirada em Espinho num jantar de despedida (???)  na semana anterior (05-02-1969) ao embarque, não para a colónia de férias, para a guerra na colónia da Guiné, também chamada de jure Guiné Portuguesa e por cá Província da Guiné. Chamem o que quiserem: fomos para a guerra na Guiné
.
Vemos na foto, excepção feita ao 1º. Sargento, uma  rapaziada de Furriéis milicianos de 20/21 anos de idade. 

Para completar a classe de Sargentos da CART 2479 (futura CART 11) falta o 2º. Sarg. Almeida (o velho Lacrau), o Fur mil Vera Cruz e o Fur mil Aurélio Duarte que já tinha partido à frente para tratar dos "hotéis e aluguer de carros de passeio".

Na legenda da fotografia vão todos identificados, e destes, infelizmente, já faleceram o 1º. Sarg Ferreira Jr, o meu amigo Renato Monteiro (*) e o outro meu amigo Aurélio Duarte  (**) que não está na fotografia.(***)

Temos na fotografia à ess sentados Canatário (armas pesadas) e Cunha, em pé Silva (transm.), Abílio Duarte e Pinto, atrás Macias e Pechincha (op. especiais), ao alto Sousa, ao centro 1º. Sarg. Ferreira Jor., Renato Monteiro, Ferreira (vagomestre), Edmond (enfermeiro), Pais (mecânico) e sentado Valdemar Queiroz (armado em finório) (****).

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

___________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 20 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17684: In Memoriam (302): Morreu o Aurélio Duarte, mais um dos nossos, da nossa seita, da nossa guerra... Nunca mais ouvirei o teu grito de guerra coimbrão, Eferreá!... Eferreá!... Mas para ti vai tudo, amigo e camarada!... Ficas à sombra do nosso poilão, no lugar nº 750!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

(***) Vd. poste de 1 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19935: (De)Caras (131): Um ninho de "lacraus", em Espinho, Silvalde, fevereiro de 1969, na véspera de partida para o CTIG (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte, CART 2479 / CART 11, 1969/70)

Guiné 61/74 - P22820: Parabéns a você (2015): Humberto Reis, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22807: Parabéns a você (2014): Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)

sábado, 18 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22819: Notas de leitura (1399): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte I: "Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!"

 

Capa do livro do nosso camarada Arsénio Chaves Puim, "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada,  Santa Maria, Câmara Municipal de Vila do Porto, 2021, 286 pp. Capa: Ilha de Santa Maria, do cartógrafo Luís Teixeira, 1587, Biblioteca Nacional de Florença.


1. Estou em dívida para com o meu amigo e camarada da Guiné, o ex-alf mil capelão Arsénio Puim (CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72) que me mandou, pelo correio, um exemplar autografado (e com dedicatória) do seu livro, há 5 meses atrás.

Prometi-lhe fazer uma ou mais notas de leitura, mesmo que o livro não tenha a ver diretamente com a Guiné, ou as memórias da guerra da Guiné. Mas a Guiné está sempre presente, entre nós (*), até na dedicatória, que reza assim: 
"Ao companheiro da Guiné e grande amigo de sempre, Luís Graça. Vila Franca do Campo, 5 de julho d2 2021, Arsénio Chaves Pum".   Confesso que já li o livro, de fio a pavio, e, não sendo sequer açoriano, e só conhecendo 4 ilhas do arquipélago (Terceira, onde fiz férias em 1993, São Miguel, Horta e Pico) fiquei com ganas de dar um saltinho a Santa Maria, logo    que as "novas" pernas mo permitam...

Esta primeira nota de leitura é apenas  para dar conta da publicação  da obra que teve uma 1ª edição em  2008. E fazer uma apresentação (sumária) deste trabalho de pesquisa, revelador de uma grande sensibilidade socioantropológica e, mais do que isso, de um grande amor à sua terra, à sua gente, às suas raízes.  O livro é dedicado aos seus pais e ao povo da ilha, mostrando-se o autor "grato pela herança moral, cultural e linguística que me legaram". E começa por lembrar que o seu pai, António Carvalho Puim, nascido em 1903, "foi uma enciclopédia viva da linguagem mariense de sabor arcaico" (pág. 15).

Este interesse etnográfico pelo "falar" (, a língua mais oral que escrita,) que dá identidade a cada povo ou comunidade, já se revelava, na Guiné. Veja-se por exemplo, o poste P13314, da série "Memórias de um capelão" em que ele exalta as competências linguísticas do povo guineense, a que chama, com propriedade, um povo "poliglota" (**).

O autor, um "jovem" de 85 anos, natural da freguesia de Espírito Santo, Santa Maria,  vive atualmente na Ilha de São Miguel,  em Vila Franca do Campo, estando reformado (desde 1995)  da sua profissão de enfermeiro, do Serviço Regional de Saúde, a que se dedicou em exclusividade, tendo deixado em 1979, o múnus espiritual enquanto sacerdote católico.  Foi ainda professor de História e Português no Externato do Aeroporto, Santa Maria, na década de 60. Opositor político ao regime então vigente, foi mobilizado para a Guiné como capelão militar em 1970, sendo expulso do CTIG, um ano depois,  em maio de 1971. Regressado aos Açores, continuou a paroquiar, manteve o seu empenho cívico e concluiu, entretanto, o curso de enfermagem em 1976. É casado, tem dois filhos e dois netos.

Nunca abandonou, porém, o prazer e o dever da escrita, nomeadamente como jornalista e escritor: foi cofundador da  II série do jornal “O Baluarte”, juntamente com João de Braga e José Dinis Resendes. Foi diretor deste mensário entre 1977 e 1982.
 
É autor ainda  dos  livros «A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria"  (edição do Museu de Sta Maria e da junta de Freguesia de Sto Espírito, 2001), e  «As Ribeiras de Santa Maria - Seus Percursos e História» (edição do jornal “O Baluarte”, 2009).
 
 2. E de  que é que trata esta 2ª edição de "O Povo de Santa Maria: seu falar e suas vivências" ? Embora fazendo apelo a técnicas da pesquisa etnográfica (como a  observação participante, a entrevista, a biografia, a acão-investigação, a análise documental, etc.), o autor não tem a pretensão de fazer obra académica, o seu objetivo é apenas o de "identificar, coligir e contextualiar um vasto conjunto de elementos e características respeitantes ao falar, muito castiço, muito expressivo e muito bonito, da pequena comunidade de Santa Maria", com a introdução, nesta 2ª edição, de novos temas como a cozinha tradicional,  a cultura da vinha nas fajãs e o casamento rural. 

Mas vejamos o índice do livro (de que se fizeram 500 exemplares). Esquematicamente:

I - Linguagem Popular Mariense (pp.. 19-114), incluindo: léxico popular, locuções e expressões populares, terminologia anatómica e sexual popular, americanismos, e alguns aspectos específicos do falar mariense. 

II - Atividades Tradicionais Marienses e sua Expressão Linguística (pp. 115-218): o carrear e o carro de bois; a lavra da terra, o arado e a grade; a debulha do trigo na eira; o trabalho doméstico do linho; o artesanato; a cozinha tradicional; a arquitetura rural ( a casa tradicional e sua chaminé; moinhos de água e de vento);  a cultura da vinha nas fajãs; a pesca à baleia e o seu léxico baleeiro).

III - Celebrações Festivas: sua Caracterização e Linguagem ( pp. 219- 268):  a Senhora das Candeias na Freguesia do Espírito Santo;  o Império Mariense: praxes, folias e linguagem: o São João de antigamente; os serões na aldeia: a 'matação' do porco; o casamento rural em tempos passados.

Breves Notas sobre a Literatura Popular Mariense (pp. 269-283).

Bibliografia.

Ficam os nossos leitores, espero, com "água no bico", aguardando a segunda nota de leitura, que há de sair, em passando o Natal... Ao nosso autor, só tenho que felicitá-lo pelo seu livro, usando uma expressão tipicamente mariense (das muitas que ele recolhe): ""Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!".. Remeto a explicação para o autor: "Era assim, em repetição tripla emitida num só fôlego, que as pessoas felicitavam os vizinhos e conhecidos por ocasião de uma acontecimento feiz, como um nascimento, um casamento, a chegada da vida militar, a recuperação deuma doença, etc." (pp. 75/76)... E eu acrescento: a publicação de um livro, como este, que é uma prova de muio amor, paciência e saber.  (***)

Parto também mantenhas natalícias, com o nosso camarada Puim!... Muita saúde e longa vida, que tu mereces tudo!... LG

(**) 20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13314: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69 / Mai 71) (12): O crioulo (e as suas virtualidades)