Capa do livro do nosso camarada Arsénio Chaves Puim, "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada, Santa Maria, Câmara Municipal de Vila do Porto, 2021, 286 pp. Capa: Ilha de Santa Maria, do cartógrafo Luís Teixeira, 1587, Biblioteca Nacional de Florença.
1. Estou em dívida para com o meu amigo e camarada da Guiné, o ex-alf mil capelão Arsénio Puim (CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72) que me mandou, pelo correio, um exemplar autografado (e com dedicatória) do seu livro, há 5 meses atrás.
Prometi-lhe fazer uma ou mais notas de leitura, mesmo que o livro não tenha a ver diretamente com a Guiné, ou as memórias da guerra da Guiné. Mas a Guiné está sempre presente, entre nós (*), até na dedicatória, que reza assim: "Ao companheiro da Guiné e grande amigo de sempre, Luís Graça. Vila Franca do Campo, 5 de julho d2 2021, Arsénio Chaves Pum". Confesso que já li o livro, de fio a pavio, e, não sendo sequer açoriano, e só conhecendo 4 ilhas do arquipélago (Terceira, onde fiz férias em 1993, São Miguel, Horta e Pico) fiquei com ganas de dar um saltinho a Santa Maria, logo que as "novas" pernas mo permitam...
Esta primeira nota de leitura é apenas para dar conta da publicação da obra que teve uma 1ª edição em 2008. E fazer uma apresentação (sumária) deste trabalho de pesquisa, revelador de uma grande sensibilidade socioantropológica e, mais do que isso, de um grande amor à sua terra, à sua gente, às suas raízes. O livro é dedicado aos seus pais e ao povo da ilha, mostrando-se o autor "grato pela herança moral, cultural e linguística que me legaram". E começa por lembrar que o seu pai, António Carvalho Puim, nascido em 1903, "foi uma enciclopédia viva da linguagem mariense de sabor arcaico" (pág. 15).
Este interesse etnográfico pelo "falar" (, a língua mais oral que escrita,) que dá identidade a cada povo ou comunidade, já se revelava, na Guiné. Veja-se por exemplo, o poste P13314, da série "Memórias de um capelão" em que ele exalta as competências linguísticas do povo guineense, a que chama, com propriedade, um povo "poliglota" (**).
O autor, um "jovem" de 85 anos, natural da freguesia de Espírito Santo, Santa Maria, vive atualmente na Ilha de São Miguel, em Vila Franca do Campo, estando reformado (desde 1995) da sua profissão de enfermeiro, do Serviço Regional de Saúde, a que se dedicou em exclusividade, tendo deixado em 1979, o múnus espiritual enquanto sacerdote católico. Foi ainda professor de História e Português no Externato do Aeroporto, Santa Maria, na década de 60. Opositor político ao regime então vigente, foi mobilizado para a Guiné como capelão militar em 1970, sendo expulso do CTIG, um ano depois, em maio de 1971. Regressado aos Açores, continuou a paroquiar, manteve o seu empenho cívico e concluiu, entretanto, o curso de enfermagem em 1976. É casado, tem dois filhos e dois netos.
Nunca abandonou, porém, o prazer e o dever da escrita, nomeadamente como jornalista e escritor: foi cofundador da II série do jornal “O Baluarte”, juntamente com João de Braga e José Dinis Resendes. Foi diretor deste mensário entre 1977 e 1982.
É autor ainda dos livros «A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria" (edição do Museu de Sta Maria e da junta de Freguesia de Sto Espírito, 2001), e «As Ribeiras de Santa Maria - Seus Percursos e História» (edição do jornal “O Baluarte”, 2009).
2. E de que é que trata esta 2ª edição de "O Povo de Santa Maria: seu falar e suas vivências" ? Embora fazendo apelo a técnicas da pesquisa etnográfica (como a observação participante, a entrevista, a biografia, a acão-investigação, a análise documental, etc.), o autor não tem a pretensão de fazer obra académica, o seu objetivo é apenas o de "identificar, coligir e contextualiar um vasto conjunto de elementos e características respeitantes ao falar, muito castiço, muito expressivo e muito bonito, da pequena comunidade de Santa Maria", com a introdução, nesta 2ª edição, de novos temas como a cozinha tradicional, a cultura da vinha nas fajãs e o casamento rural.
Mas vejamos o índice do livro (de que se fizeram 500 exemplares). Esquematicamente:
I - Linguagem Popular Mariense (pp.. 19-114), incluindo: léxico popular, locuções e expressões populares, terminologia anatómica e sexual popular, americanismos, e alguns aspectos específicos do falar mariense.
II - Atividades Tradicionais Marienses e sua Expressão Linguística (pp. 115-218): o carrear e o carro de bois; a lavra da terra, o arado e a grade; a debulha do trigo na eira; o trabalho doméstico do linho; o artesanato; a cozinha tradicional; a arquitetura rural ( a casa tradicional e sua chaminé; moinhos de água e de vento); a cultura da vinha nas fajãs; a pesca à baleia e o seu léxico baleeiro).
III - Celebrações Festivas: sua Caracterização e Linguagem ( pp. 219- 268): a Senhora das Candeias na Freguesia do Espírito Santo; o Império Mariense: praxes, folias e linguagem: o São João de antigamente; os serões na aldeia: a 'matação' do porco; o casamento rural em tempos passados.
Breves Notas sobre a Literatura Popular Mariense (pp. 269-283).
Bibliografia.
Ficam os nossos leitores, espero, com "água no bico", aguardando a segunda nota de leitura, que há de sair, em passando o Natal... Ao nosso autor, só tenho que felicitá-lo pelo seu livro, usando uma expressão tipicamente mariense (das muitas que ele recolhe): ""Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!".. Remeto a explicação para o autor: "Era assim, em repetição tripla emitida num só fôlego, que as pessoas felicitavam os vizinhos e conhecidos por ocasião de uma acontecimento feiz, como um nascimento, um casamento, a chegada da vida militar, a recuperação deuma doença, etc." (pp. 75/76)... E eu acrescento: a publicação de um livro, como este, que é uma prova de muio amor, paciência e saber. (***)
Parto também mantenhas natalícias, com o nosso camarada Puim!... Muita saúde e longa vida, que tu mereces tudo!... LG
(**) 20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13314: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69 / Mai 71) (12): O crioulo (e as suas virtualidades)