domingo, 18 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23892: Direito à indignação (15): A homenagem do Presidente da República Portuguesa a Amílcar Cabral, no passado dia 10, no Mindelo




1. O poste P23865, de 11 do corrente, deu origem a cerca de duas dezenas e meia de comentários (*).

A origem dos comentários, na maior parte de repúdio e indignação,  esteve na notícia da homenagem a Amílcar Cabral, por parte do Presidente da República Portuguesa. Recorde-se aqui a notícia (lacónica) publicada na página oficial da Presidência:

Presidente da República em homenagem a Amílcar Cabral
10 de dezembro de 2022


O Presidente da República participou, na Universidade do Mindelo, em Cabo Verde, na Cerimónia de Doutoramento Honoris Causa, a título póstumo, de Amílcar Cabral.

Acompanhados pelo Reitor da Universidade, instituição que comemora este ano o seu 20.º aniversário, o Presidente da República e o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, integraram o cortejo académico e foram recebidos por estudantes na entrada da Universidade.

Já no auditório Onésimo Silveira, onde decorreu a cerimónia, o Presidente da República, após ter feito o discurso de elogio académico ao homenageado, agraciou, a título póstumo, Amílcar Cabral, com o Grande-Colar da Ordem da Liberdade, tendo entregado as insígnias ao Presidente da Fundação Amílcar Cabral e antigo Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires.


2. Damos o devido relevo  aos comentários dos nossos camaradas e leitores (**):

(i) António Graça de Abreu:

Porque há valores e dignidade, e porque deveria haver respeito pelos nossos mortos, de ambos os lados da guerra, recordo:

O chefe supremo do PAIGC chamava-se Amílcar Cabral, tão querido e dado como exemplo de grande líder africano por algumas pessoas deste blogue, Mário Beja Santos, etc.,e hoje por Marcelo Rebelo de Sousa. 

O meu comentários ao post 21000, a 23 de Maio de 2020, sobre o cobarde assassinato dos três majores e do alferes do meu CAOP 1, em 1970, que foram desarmados ao encontro dos guerrilheiros, numa missão de paz, mortos a tiro, os corpos retalhados à catanada, leio, nos documentos do PAIGC:

Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral. Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai. Secretário: Vasco Cabral.

Amílcar Cabral – "Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais." (...)
 
Que nos valha Marcelo Rebelo de Sousa.

11 de dezembro de 2022 às 16:26

(ii) António J. P. Costa:

Qual vai ser a reacção de uma associação de ex-combatentes perante um atitude destas?
Seja ela qualquer for,  gostava de saber em que se fundamenta.

11 de dezembro de 2022 às 18:10

(iii) Antº Rosinha:


"...Cerimónia na qual participaram os chefes de Estado de Cabo Verde e de Portugal, José Maria Neves e Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Fundação Amílcar Cabral (FAC) e ex-Presidente cabo-verdiano Pedro Pires".

Umaro Sissoco Embaló, actual presidente da Pátria de Amílcar Cabral, não foi convidado? 

Rui Semedo (PAICV) e Domingos Simões Pereira (PAIGC) não fazem nenhuma falta para a história ficar mais completa ?

Claro que o nosso Presidente, quando diz que,  por uns meses, Amílcar não foi presidente, não se devia referir a Cabo Verde, porque nas colinas do Boé foi declarada a independência apenas da Guiné Bissau, em 24 de Setembro de 1973, nove meses após o seu assassinato.

11 de dezembro de 2022 às 18:44

(iv) Ramiro Jesus:
 
Ainda bem que as mães dos que morreram ou vieram estropiados da Guiné, já poucas cá estarão e muitas das vítimas directas também já partiram.

Como já lembrou o Graça de Abreu e eu aplaudo - pois também pisei a parada do CAOP1, que tinha o nome desses três majores cobardemente assassinados - considero esta condecoração uma traição.

Tenho até a impressão de que, se cá estivesse, até o progenitor do nosso Comandante-Chefe sentiria vergonha ou, pelo menos, algum incómodo com esta atitude.

Enquanto sofrermos de tantos complexos ninguém respeitável nos respeitará! (..:)

11 de dezembro de 2022 às 18:52

(v) Carlos Gaspar:

Vivemos tempos em que vale tudo, ou seja já nada, vale nada.A não ser ficar na fotografia, mesmo que se fique mal perante a história.

Subscrevo as opiniões de Ramiro Jesus, António Graça de Abreu António Pereira Costa e António Rosinha.Estamos de luto. Já no passado recente o mesmo actor correu para os braços de Fidel, sem querer saber dos que sofreram ou morreram por acçâo dos agentes de Fidel na Guiné e em Angola, Cabinda.

11 de dezembro de 2022 às 20:26

(vi) Benjamin Bacelar:

Quando ouvi a notícia fiquei mesmo muito indignado. Para quando é que este presidente reconhece que existem Antigos Combatentes ?!
 
11 de dezembro de 2022 às 21:29

(vii) José Belo:

Pode-se respeitar o inimigo (!) (... sem necessidade de rebaixamentos complexados perante o mesmo). E, ao mesmo tempo ,desvalorizar o sacrifício supremo de alguns, arrastados por forças políticas que em tudo os ultrapassava.

São estas vergonhosas “valorizações” que separam os oportunismos políticos de alguns,de todos os outros que nas guerras de África participaram e….sofreram!

Desnecessários rebaixamentos efectuados (em nome dos portugueses) por quem os representa instuticionamente. Políticos actuais então beneficiadas por resguardadas, e convenientes,”retaguardas” do governo da ditadura.

Traz à memória uma exclamação de personagem histórica do século passado ao referir um certo tipo de portugueses:

- Que choldra! 

11 de dezembro de 2022 às 22:07

(vii) Valdemar Queiroz:

"....o primeiro dia da visita oficial a Cabo Verde, Cavaco Silva foi agraciado com o primeiro grau da Ordem 'Amilcar Cabral', uma condecoração que selou o entendimento entre os dois povos e que levou Cavaco Silva a participar nesta segunda feira nas cerimónias...."

Não sei se por razões editoriais, em julho de 2010, no nosso Blogue nem uma palavra sobre o assunto da visita de Cavaco Silva a Cabo Verde. Provavelmente em julho de 2010, a música era outra ou não era 'à la mode'.

12 de dezembro de 2022 às 00:31

(viii) Eduardo Estrela:

Pois..... Deve ter sido isso, Valdemar!... Questões do âmbito editorial.

12 de dezembro de 2022 às 07:39

(ix)António J. P. Costa:

Peço desculpa por ter pedido uma reacção deste blog/associação de ex-combatentes perante a atitude do presidente Marcelo. De mais me valeria ter ficado calado...

De qualquer modo gostava de saber se o blog toma uma atitude e qual, sendo certo que lhe deveria ser chamada a atenção para a acção do "Homem Grande" da qual resultaram 9.000 mortos e um número elevado de pessoas a quem falta um bocado do corpo (ou do espírito) e com os quais ele se cruza(?) quando vai à pastelaria tomar a meia de leite antes de anunciar que se vai candidatar ao 2.º mandato. E até pode ser que alterem a constituição e ele faça um 3.º mandato...

12 de dezembro de 2022 às 09:43

(x) Carlos Vinhal:

Camarada Valdemar Queiroz: Na minha opinião, uma coisa é o Prof. Cavaco Silva ter sido, durante uma visita oficial a Cabo Verde, agraciado com da Ordem (cabo-verdiana) Amílcar Cabral, outra, bem mais grave pelo menos para nós Antigos Combatentes, é o Prof Marcelo Rebelo de Sousa ter-se deslocado a Cabo Verde para agraciar postumamente Amílcar Cabral com a Ordem (portuguesa) da Liberdade.

Aos olhos de hoje, estivemos na Guiné combatendo contra aquele povo que lutava pela sua liberdade. O nosso PR, ao agraciar Amílcar Cabral, está, como agora é moda, a pedir desculpa e a reparar moralmente os males que infligimos a coberto do regime anterior.

No meio disto tudo, qual foi então e qual é agora a nossa posição, enquanto Antigos Combatentes? O que fomos ontem e o que somos hoje? É isto que devemos discutir no Blogue e não andarmos aos "tiros" uns aos outros.
 
12 de dezembro de 2022 às 11:40

(xi) Eduardo Estrela:

Longe de mim qualquer ideia de alfinetar quem, com tanto esforço dedicação e entrega, tem contribuido ao longo de todos estes anos para a memória colectiva de Portugal, deixando um legado extraordinário para as gerações futuras.

Quando fiz menção a questões editoriais, foi no sentido de dizer que há assuntos que muito provavelmente não deveriam ser abordados no blogue, em respeito aos princípios que o norteiam de não se discutir religião política e clubite desportiva.

Penitencio-me por eventuais mal entendidos e apresento aos camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal as minhas desculpas, extensivas ao resto dos intervenientes no blogue.
 
12 de dezembro de 2022 às 11:46

(xii) Manuel Luís Lomba:

Com ou sem contradições - e contraditórios - a história não se reescreve! Amílcar Cabral nasceu e morreu português, logo foi um libertador português, merecedor da condecoração da Ordem da Liberdade: Libertou Portugal da Guiné....

O libertador de Cabo Verde não foi Amílcar Cabral - foi o MFA! Na libertação de Cabo Verde, o PAIGC nunca deu um tiro, nunca fez um prisioneiro: O MFA deu tiros e fez prisioneiros...

12 de dezembro de 2022 às 12:39

(xiii) Abilio Duarte:

(...) Não estou de acordo, com o que o Presidente Marcelo fez...ponto. Não é desta maneira, que se branqueia tanto sofrimento.

12 de dezembro de 2022 às 16:50

(xiv) Valdemar Silva:

Meu caro Carlos Vinhal, no que eu me fui meter. Na verdade, e atiro-me pró chão, esqueci-me de escrever o que escrevi, por forma a não deixar dúvidas quanto ao não querer referir a tua intenção ou do Luís Graça na publicação deste poste. Note-se, quanto à intenção, de trazer à nossa Tabanca o tema 'vejam o que o Marcelo foi fazer'.

Como entendo, que estas questões são levadas para a política partidária, dá sempre azo a pontos de vista, que por isso até são conforme a "música" do momento.

Com certeza todos sabemos quem foi Amilcar Cabral, ele e todos os do PAIGC, que nos atacaram quando estivemos na guerra longe da nossa terra.(e podia desenvolver sobre os culpados de ter havido uma guerra mais de dez anos).

O exemplo que apontei, por não ter tido a mesma clave de dó, quanto a outro presidente ter ido a Cabo Verde, poderia ter feito o mesmo com Mário Soares e Jorge Sampaio, que quando foram em visita não disseram 'não me falem no Amilcar por causa daqueles majores'.

Mas porque os majores, quando todos dias Amilcar ou outros do PAIGC diziam 'mais uns colonialistas foram mortos pelos nossos valentes combatentes'? Já não falando das condecorações de Angola e Moçambique.

Por ser 'à la mode', provavelmente estará ou estarão a ser contactadas as Assembleias Municipais, respectivas, para picaram as placas toponímicas de Amilcar Cabral, em ruas ou praças de várias localidades do país. Quanto ao resto, meu caro Carlos Vinhal, a enaltecer a tua dedicação:

(...) Quanto abrires o teu armário
das surpresas imprevistas,
não desistas, não desistas.
E se encontrares dentro dele
farrapos velhos, desbotados,
desdenhados. Não desistas.
E se vires viscosa aranha
com peçonha no seu ventre,
olha pra ela de frente
que ela passa sem tocar-te.
Não desistas, não desistas.

(poema muitas vezes dito pelo meu amigo e nosso camarada Renato Monteiro)

12 de dezembro de 2022 às 18:11

(xv) António J. P. Costa:

O blog é, suponho eu, uma associação de ex-combatentes. Já foi perguntado aos ex-combatentes afinal o que queriam. A resposta foi simples e complexa ao mesmo tempo: Respeito.

Depois vieram aquelas "benesses" de que todos desfrutamos e que aceitamos sem contestar.
Mas isto a que se assistiu passou das marcas. Não é necessário fazer grandes esforços de memória. Basta recordar os que morreram ou ficaram com um bocado do corpo (ou do espírito) a menos por se terem agrupado connosco sob o mesmo número de unidade militar. Não é sequer necessário procurar as mortes ou os ferimentos mais "relevantes" e que não esqueceremos. Sabemos que os dolorosos factos ocorreram e é isso que é suficiente para se tornar imoral a atribuição de condecoração da Ordem da Liberdade ao Chefe do Inimigo, pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa e com um discurso verdadeiramente inaceitável em que as "frases bombásticas" e laudatórias atingem a ofensa.

Já disse que perdi a guerra, mas temos de concordar que o presidente do meu pais (democraticamente eleito), vir a público louvar o chefe dos inimigos é uma desconsideração é um desrespeito para com todos os que deram o seu esforço durante onze anos na guerra da Guiné.(...)

13 de dezembro de 2022 às 13:01

(xvi) Valdemar Queiroz:

Isto é tudo muito bonito, como diria o outro. E acrescentava:

- 18-06-1990: Nino Vieira em Portugal é recebido pelo 1º. Ministro Cavaco Silva
- 01-07-1996: Nino Vieira visita Portugal é oferecido um banquete com as principais figuras
do Estado
- 1999 a 2005: Nino Vieira viveu em Portugal.

Quantos portugueses teriam morrido por ataques dirigidos por Nino Vieira ou até por ele próprio?

Os tempos eram outros, calhando a clave de dó não se percebia e nem sequer havia música.
Agora só falta chamar nomes aos camaradas que vão à Guiné como cooperantes e que vão sempre abraçar antigos INs, do PAIGC, que várias vezes lhes atacaram o Quartel.

(xvii) Carlos Vinhal

Caríssimo Valdemar Queiroz: Em 18/06/1990, o Presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, foi recebido pelo Primeiro-Ministro de Portugal, Prof Cavaco Silva e pelo Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares. Em 01/07/1996, o Presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, esteve em visita oficial a Portugal. Entre 1999 a 2005, Nino Vieira esteve a viver em Vila Nova de Gaia na qualidade de refugiado da Guiné-Bissau.

Em Dezembro de 2022, o nosso Presidente desloca-se expressamente a Cabo Verde para condecorar, postumamente, com a Ordem da Liberdade, o fundador do PAIGC, Amílcar Cabral, a quem esta condecoração não aquenta nem arrefenta. Qual terá sido o motivo desta distinção? Por que não foi explicada? Acho até que se fez um silêncio ensurdecedor em volta desta viagem relâmpago e do seu motivo principal.

14 de dezembro de 2022 às 19:51

3. Acrescente-se mais dois comentários que nos chegaram por email ou Formulário de Contacto do Blogger:

(xviii) António Carlos Morais Silva (através do Formulário de Contacto do Blogger,  em 17/12/2022, 22:47):

O 'homem grande' Amílcar Cabral", disse ainda o chefe de Estado, ao anunciar a entrega à família do Grande Colar da Ordem da Liberdade "em nome de Portugal". "Como esperar um dia mais para prestar uma homenagem por tanto tempo adiada?"

Assim se desonra a memória dos 1127 expedicionários Mortos em Combate nas terras da Guiné. Amparado no grande Miguel Torga repito: “Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”

(xix) Morais Silva, por mensagem de hoje, às 11:25:


Por ser leitor do blog https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com, sei que Mexia Alves é um ex-combatente (Guiné). Também eu não aceito que se condecore o Chefe Inimigo responsável pela morte de 1127 expedicionários, Mortos em Combate na Guiné, entre os quais uma dezena dos meus subordinados.

Marcelo é um populista que em cada 24 horas transforma a presidência num circo. Condecorar, em nome da República, quem destruiu/destrói a vida dos Nossos só merece o desprezo de quem combateu em África e não renega o que fez nem ensaia tardios e cobardes actos de contrição.

Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


 1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:

Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.

Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.

Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa. 


2. Comentário do editor LG: 

Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e  "Furriel Pequenina", que complementam o teu  livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".  É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã.  Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue.  Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
 

 Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I:  A pomada milagrosa

O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão

Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.

O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família

O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).

A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!

O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.

A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.

Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:

  Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)

Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:

 Muito bem,  sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.

Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:

  Boa tarde,  sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.

Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:

  Então o que o trás por cá, sr. José?

O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.

“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.

Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio

Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.

Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:

  Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?

  Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.

  Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?

 
  Trouxe...

  Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…

 
   Diacho de mulher!…     desabafa o Zé.

(Continua)

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Guiné 61/74 - P23890: Blogues da nossa blogosfera (170): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (75): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


Atravessei o deserto infinito

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ


Atravessei o deserto infinito
aqui e ali um oásis repousante.
Por cada terra que passei a ambivalência cresceu.
Virgem ou não
deus ou demónio
a tudo o corpo cedeu
idêntico a si mesmo
na espiral concêntrica do desejo.
Ao cimo de todas as escadas nada vi
e para descer dentro de mim
tive de pendurar meus passos
nas descarnadas sílabas
do silêncio da madrugada.
Fechei as feridas do mundo
em versos secretos e fechados
e rasguei-os mais tarde na feira
perante o riso dos pobres.
No silêncio dos ruídos e das ruínas
me escondi
de metáforas democráticas
me discursei.
Um dia
cheguei ao rio que vai dar ao mar…
ainda me encontro a caminho do mar
onde espero sentar-me
na rocha húmida e fria
vestida de algas e maresia
olhar bem longe…
e começar alguma vida nesse dia.

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Nota do editor

Poste anterior de 26 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22846: Blogues da nossa blogosfera (168): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (74): Palavras e poesia

Último poste da série de 26 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23461: Blogues da nossa blogosfera (169): O blogue de Alberto Hélder, antigo árbitro de futebol, e que fez a comissão de serviço militar em São Tomé e Príncipe (1964/66): destaque para as séries já concluídas: A Polícia Militar no Ultramar, Os Comandos nos três teatros de operações da guerra do ultramar; o Estado da Índia - 466 anos de história... E para a série em curso, As Companhias Móveis de Polícia

Guiné 61/74 - P23889: Boas festas 2022/2023 (5): Mensagens dos nossos camaradas e amigos: José Firmino, ex-Sold At Inf; Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav; José Carlos Mussá Biai, amigo Grã-Tabanqueiro e Luís Fonseca, ex-Fur Mil TRMS

BOAS FESTAS DOS NOSSOS CAMARADAS


1. Mensagem do nosso camarada José Firmino (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71):

Desejo a todos os Antigos Combatentes, familiares e amigos, Boas Festas
José Firmino


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2. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71), hoje médico reformado:

Caros amigos
Votos de um Feliz Natal e um Ano 2023 cheio de saúde e tudo oque mais desejarem, extensivos à Família.


Um grande abraço,
Ernestino Caniço


********************


3. Mensagem de boas festas do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime",  hoje engenheiro florestal, a trabalhar na Direção-Geral do Território:

Haja saúde.
Cumprimentos,
José C. Mussá Biai


********************


4. Mensagem natalícia do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73:

Em mais um ano.
Da cidade que continua a ser a minha, os meus votos de um Feliz e Santo Natal e que 2023 possa concretizar todos os nossos anseios.


Luiz Fonseca

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23884: Boas festas 2022/2023 (4): O meu postal de Natal para todos os antigos combatentes em especial para a minha CART 3494 (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)

sábado, 17 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23888: Os nossos seres, saberes e lazeres (546): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (81): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Foi um golpe de sorte, encontrar um low cost de pechincha, viajar para a Britânia, nos tempos de hoje, é indispensável gastar umas boas centenas, depois há que contar com as viagens intermináveis de autocarro, também os preços dos comboios andam pela hora da morte. Tinha saudades, contava com a hospitalidade familiar de amigos muito queridos, o que ajudou à festa, e seguimos do sul para o norte para abraçar um moribundo. Era 15 de junho, e havia multidões em toda a Londres, foi um dia de viagem, as autoestradas com um trânsito frenético, nas suas seis faixas em cada lado. E lá cheguei a Faringdon, dei conta das mudanças que a pandemia provocou e o quadro de depressão que se perfila no horizonte. Depressão a sério foi dado ver-me em Swindon, nunca vi tanta loja fechada, gente quase andrajosa. O comércio também começa a mudar de look e natureza, isso vi eu em Oxford, uma lendária livraria a ceder espaço para comes e bebes, pouco antes da pandemia também vi fechar estabelecimentos de música de reputadíssima fama. Proliferam as chamadas lojas de caridade, artigos oferecidos para angariar dinheiro em função desta ou daquela causa, bem me abasteci no passado de boa roupa, música e porcelanas, agora o peso que se transporta tem que ser mínimo, uma mala pode custar um suplemento de 70 libras. Adorei voltar, por múltiplas razões. Espero que gostem destas imagens deste anglófilo inveterado.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (81):
Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (1)


Mário Beja Santos

Chego ao aeroporto de Stansted, aqui toma-se um autocarro até Oxford, são 3 horas por autoestrada e estradas secundárias, há sempre manchas de verde, aproximamo-nos de Londres, reconheço Golders Green, é um subúrbio com muita arquitetura do chamado período entre as guerras, tudo numa mistura por vezes caótica com edifícios eduardianos, Arte Deco e muita arquitetura arrojada, entra-se em Londres por Marble Arch, dá para observar os magotes de gente que percorrem as traseiras do Palácio de Buckingham, aproximam-se as cerimónias fúnebres, hoje é dia 15 de junho. Em Victoria Station apanha-se o Oxford Tube, mais 2 horas no meio de um trânsito infernal até apanhar a M40, segue-se uma enorme circulação à volta da cidade, na estação novo autocarro, o 66, até Faringdon. Cá estamos, infelizmente estadia curta, seguir-se-á viagem para o norte, até Yorkshire, para abraçar alguém acometido de doença incurável. Esboça-se um programa para ver o que ainda não foi visto e tomar o pulso ao que aconteceu a este lugar depois da pandemia. Nada como começar pelo museu local, pequenino, mas sugestivo, a personalidade principal é a de um homem excêntrico, cultíssimo e generoso, Lord Berners, recebeu em Faringdon House notabilidades com Ígor Stravinski ou Salvador Dali, escreveu e teve notoriedade na época no campo musical.
Fotografia tirada por Cecil Beaton a pintar em Faringdon House, nem falta uma égua na sala…
Ballet Sirènes, escrito por Lord Berners, dançado pelo Royal Ballet em 1946 pela inesquecível Margot Fonteyne
Faringdon Folly é o ícone da terra, é uma torre só para ver, Lord Berners consternado com o profundo desemprego que assolava a região mandou construir esta torre no alto de uma colina, era só para dar emprego, não se pode visitar este encantador lugar sem por aqui caminhar e ficar especado a contemplar este rasgo da bondade humana.
Imagem do Museu de Faringdon
No exterior do museu dei com esta imagem insólita de um escafandrista, ninguém me dava uma explicação plausível, voltei ao museu e obtive esclarecimento. Quando Salvador Dalí visitou Faringdon House, Lord Berners propôs-lhe que se passeasse dentro de um escafandro, o genial pintor aceitou o repto, do acontecimento se lavrou em pedra, tal como se vê.
Impossível não andar à volta deste velho edifício camarário, pensei sempre que viesse do período tardo-medieval, puro engano, é do século XVIII, mas cirando sempre à volta, aprecio imenso a espacialidade, e do lado oposto ao que aqui vemos homenageiam-se os combatentes de duas guerras mundiais, eterna memória a quem tombou pelo dever.
Edifício do período vitoriano, é a antiga bolsa de cereais, hoje é um espaço multiusos, uma manhã dei com aquela porta aberta e com rapaziada da minha idade a fazer ginástica de manutenção, até me apeteceu juntar-me ao rebanho, mas vinha morto de curiosidade em entrar no estabelecimento ao lado, é uma charity shop, ou seja, há uma causa e uma organização não-governamental que a lidera, neste caso ajuda humanitária a África, aqui se encontram centenas e centenas de tarecos, jogos infantis, livros, CDs e DVDs, roupa para todas as idades, etc., aqui tenho comprado boas calças a 4 libras, boa música e porcelanas, agora há que ter imenso cuidado com as limitações de peso impostas pelo low-cost.
A pandemia fez fechar muitos pubs, o álcool está cada vez mais taxado, sente-se que os britânicos já olham para o dinheiro com muito mais cautela, naquele mês de junho já se previam as consequências para diferentes aumentos de preços e para o surto inflacionista. Registei as imagens de dois pubs históricos que desapareceram, era impossível não fotografar a homenagem a Arturo Barea, um republicano espanhol que beneficiou da hospitalidade de Lord Berners e que seguramente deixou boa memória em The Volunteer.
Um dos fenómenos sociais que melhor caracteriza a comunicação dos britânicos é esta indústria de postais que se enviam a torto e a direito, não precisam do Natal nem do aniversário, tem a ver com lembranças, é uma indústria original, mete imagens cómicas, ternas, quem as recebe retribui, é uma circulação que não se apaga, não conheço outro país onde tal aconteça e com tal frenesim.
Visitei Swindon, que no passado recente era dada como uma das regiões mais prósperas, uma rede fulgurante de serviços, um exemplo do dinamismo britânico. Agora tudo mudou, no passado Swindon significava moda, os compradores das classes média e alta agora preferem outros lugares, o comércio degradou-se, é impressionante o número de lojas fechadas, vê-se à vista desarmada que as pessoas vivem com dificuldades. Preferi registar o velha e imponente edifício camarário, a estátua de Brunel, o lendário construtor de caminhos de ferro dos tempos imperiais e mostrar uma recordação de Isabel II, não havia lugar onde não se lembrasse aquela que foi a rainha que mais tempo reinou, deixando um legado de serviço que os britânicos, adeptos da monarquia ou do republicanismo, profundamente respeitam, como pude observar.
Estou agora em Oxford, diante da livraria Waterstone, um dos ex-libris de Oxford, também os tempos mudaram, a livraria encurtou e cedeu espaço aos comes e bebes, para manter o pleno funcionamento. Estou profundamente saudoso de visitar o belo Museu de Oxford, o Ashmolean, de arte e arquitetura, verão como vale sempre a pena aqui entrar.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23863: Os nossos seres, saberes e lazeres (545): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80): Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23887: O nosso livro de visitas (217): Pedro Galriça, filho do ex-cap art Fernando Manuel Jacob Galriça, cmdt da CART 1647 / BART 1904 (Bissau, Quinhamel e Binar, 1967/68)


Guiné-Região do Oio  > Binar > Abril de 2017 >  "Uma pequena capela construída encostada a um poilão, que felizmente ainda se encontra de pé, e em cujo interior se encontrava exposta uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, que já lá não está. Fui aqui Comandante, como Capitão Miliciano, da então CCAÇ 17, que era constituída por 23 militares do Continente e por 144 militares da Guiné. Na frente da capela, situava-se a parada do nosso quartel." 

Foto do álbum de António Acílio Azevedo (ex-cap mil,  1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74). (*)

Segundo o nosso leitor, Pedro Galriça, esta capelinha teria sido construída pela companhia que o seu saudoso pai, o então cap art Fernando Manuel Jacob Galriça, comandou, a CART 1647 (Bissau, Quinhamel e Binar, 1967/68).

Foto (e legenda): © A. Acílio Azevedo (2017).
Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Pedro Galriça, filho do ex-cap art  Fernando Manuel Jacob Galriça, cmdt CART 1647 / BART 1904 (Bissau, Quinhamel e Binar, 1967/68)

Data - 16 dez 2022,  14:56  
Assunto - Guiné, Binar

Boa tarde,
Em pesquisas na Net, sobre referências ao meu Pai, cheguei ao blog que criou. O meu Pai foi oficial do exército, e esteve numa comissão na Guiné, em Binar e em Bula.

Pelo que sei,  a capela existente na árvore do aquartelamento de Binar terá sido construída por elementos da companhia que ele comandou;

Recordo-me de ele fazer referência a isso e ter inclusivamente algumas fotos/slides das várias fases da sua construção.
Esses slides, presumo que ainda em condições, devem estar por casa da minha Mãe, em Lisboa.
Interessa-vos este tipo de documentação, para instruir o vosso blog?

Cumprimentos,
Pedro Galriça

2. Resposta do editor Luís Graça:

Pedro, obrigado pelo seu contacto. O único oficial com o apelido Galriça, que passou pelo TO da Guiné, durante a guerra colonial / guerra do ultramar, só pode ser o seu pai, de nome completo Fernando Manuel Jacob Galriça. Foi comandante da CART 1647 / BART 1904, e esteve efetivamente em Binar, de setembro de 1967 a outubro de 1968, conforme ficha da unidade que reproduzimos a seguir.

Temos 25 referênciasao BART 1904 mas muito poucas às suas subunidades de quadrícula. Da CART 1647 não temos inclusive nenhum representante na nossa tertúlia (Tabanca Grande): o número de membros registados é já de 867 (entre vivos e mortos, desde 2004).

Tudo indica, pelo que me diz, que a construção da referida capelinha seja dessa época (set 67/out 68). O nosso camarada António Acílio Azevedo passou por Bula e Binar em abril de 2017 com mais um pequeno grupo de malta do Norte, numa viagem de "turismo de saudade", e tirou a foto que reproduzimos acima e a que o Pedro muito provavelmente se refere.

Se o Pedro um dia destes nos quiser e puder mandar algumas imagens digitalizadas não só da construção da capelinha como do resto da comissão de serviço do seu pai no CTIG, ficar-lhe-emos gratos. Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são... Bem haja por honrar a memória do seu pai e dos seus homens, nossos camaradas,  da CART 1647. Bom Natal e Melhor Ano Novo de 2023. Luís Graça

3. Ficha de unidade > Batalhão de Artilharia n.º 1904

Identificação:  BArt 1904
Unidade Mob: RAP 2 - Vila Nova de Gaia
Cmdt: TCor Art Fernando da Silva Branco
2º  Cmdt: Maj Art Adolfo Jorge Vilares da Costa
OInfOp/Adj: Cap Art Manuel Henrique Lestro Henriques

Cmdts Comp:
CCS: Cap Art João Gonçalves Vila Chã
Cap Art Artur Olímpio de Sá Nunes
CArt 1646: Cap Mil Art Manuel José Meirinhos
CArt 1647: Cap Art Fernando Manuel Jacob Galriça
CArt 1648: Cap Art Diogo Baptista Coelho | Cap Mil Art José Reis Fernandes Leitão
Divisa: "Firmes e Generosos"
Partida: Embarque em 11Jan67; desembarque em 18Jan67 | Regresso: Embarque em 310ut68

Síntese da Actividade Operacional

Inicialmente, foi colocado em Bissau, rendendo o BCaç 1876 e assumindo as responsabilidades de segurança e defesa dos pontos sensíveis do sector a partir de 23Jan67, com as subunidades que lhe foram atribuídas, com a sede em Bissau e englobando os subsectores de Brá (Bissau), Nhacra e Quinhámel, tendo colaborado intensivamente no recenseamento da maior parte da população suburbana da cidade.

Após ter sido substituído no sector de Bissau pelo BCaç 2834, assumiu, em 18Jan68, a responsabilidade do Sector LI, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime, Xitole e Bambadinca e, a partir de 06Mai68, ainda o subsector de Mansambo, então criado, tendo rendido no referido sector o BCaç 1888.

Desenvolveu intensa actividade operacional, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que tentavam fixar-se na zona de acção, para assegurar a ocupação territorial e para promover a autodefesa, segurança e promoção socioeconómica das populações.

Dentre o material capturado mais significativo salienta-se: 1 metralhadora pesada, 4 metralhadoras ligeiras, 6 pistolas-metralhadora e 17 espingardas.

Em 160ut68, foi rendido no sector de Bambadinca pelo BCaç 2852 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

* * *

A CArt 1646 foi inicialmente colocada em Bissau, ficando integrada no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, em substituição da CCaç 799, na dependência do seu batalhão, sendo, de 21Mai67 a 23Jun67, transitoriamente, substituída pela CCaç 1683. 

Após ter cedido temporariamente um pelotão para Bula, em reforço do BCaç 1876, de 01
a 20Abr67, foi atribuída na totalidade em reforço do BCaç 1876, para tomar parte em operações nas regiões de Bipo, Choquemone, Ponta Matar e Pelundo, entre outras, de 21Mai67 a 04Ag067. 

Depois de ter sido substituída no sector de Bissau pela CArt 1742, foi transferida para Fá Mandinga, em 04Ag067, a fim de integrar o dispositivo e manobra do BCaç 1888, com um pelotão destacado em Bambadinca.

Em 14Nov67, por troca com a CCaç 1551, assumiu a responsabilidade do subsector de Xitole, com pelotões destacados em Saltinho e Mansambo, este até 05Mai68, ficando integrada no BCaç 1888 e depois no seu batalhão.

Em 18Set68, foi rendida pela CArt 2413 por troca e voltou a Fá Mandinga em 20Set68, onde se manteve até 060ut68. Em seguida, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, sendo transitoriamente integrada no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área a cargo do BCaç 1911.

***

A CArt 1647 foi inicialmente colocada no sector de Bissau a fim de colmatar a saída anterior da CCaç 1589 no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área a cargo do BArt 1904.

Em 24Mar67, por troca com a CCaç 1438, iniciou o deslocamento para o subsector de Quinhámel, com destacamentos em Ilondé, Orne, Ponta Vicente da Mata e Ondame, tendo assumido a responsabilidade do referido subsector em 31Mar67.

Em 05Ag067, rendida pela CCaç 1549, foi colocada de novo em Bissau, a fim de substituir a CCaç 1438 no dispositivo do sector e, cumulativamente, desempenhar as funções de subunidade de reserva do CTIG, sendo atribuída a partir de 07Ag067 ao BCaç 1876, para realização de operações na região de Bula.

Em 11, 16 e 20Set67, deslocou-se por fracções para Binar, a fim de render a CCaç 1498, assumindo a responsabi lidade do respectivo subsector em 19Set67 e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1876 e depois do BCav 1915.

Em 130ut68, foi substituída pela CCaç 2404 e recolheu a Bissau, a fim de  aguardar o embarque de regresso e sendo integrada transitoriamente no dispositivo do BCaç 1911, com vista a cooperar na segurança e protecção das instalações e das populações da área.

***

A CArt 1648 ficou colocada em Bissau como subunidade de intervenção e reserva do CTIG, sendo utilizada em diversas operações realizadas na região de Pelundo, Queré, Churobrique e Tiligi, em reforço do BCav 1905 e na região de Bula-Jolmete, em reforço do BCaç 1876.

Em 3IJu167, rendendo a CCaç 1487, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, com efectivos destacados em Safim, João Landim, Dugal e ponte de Ensalmá, ficando integrada no dispositivo do BArt 1904.

Depois de ter sido substituída no subsector de Nhacra pela CArt 1614, assumiu, em 13Jan68, a responsabilidade do subsector de Binta, com um pelotão destacado em Guidage, onde rendeu a CCaç 1546 e ficou integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1932 e depois do COP 3.

Em 140ut68 foi substituída pela CArt 2412 e recolheu a Bissau a fim de aguardar o embarque de regresso, sendo transitoriamente integrada no dispositivo do BCaç 1911, com vista a cooperar na segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 80 - 2ªDiv/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 212/ 214
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Nota do editor:


(...) Percorridos cerca de 10 quilómetros por uma estrada bem asfaltada e com muitas retas, chegámos a Binar, onde no período de 1973 e 1974, se sediou o aquartelamento da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17), constituída por 23 homens do Continente Português (1 Capitão, 4 Alferes, 1 Sargento, 9 furriéis, 5 cabos e 3 praças e mais 144 elementos africanos (5 furriéis, 11 cabos e mais 128 soldados, que comandei, como Capitão Miliciano, durante cerca de oito meses.

Ao chegarmos ao cruzamento da localidade, virámos para norte, para cerca de 500 metros depois, chegarmos ao local onde existiu o antigo aquartelamento, tendo de imediato sentido um arrepio ao ver o local onde estive instalado e em zona onde também existiam habitações da administração e tabancas da população local.

Começando por falar da vedação das nossas antigas instalações, referiria que da mesma, na altura constituída por duas redes de arame farpado paralelas e separadas cerca de uns 15 metros uma da outra, com entrada/saída nos topos norte e sul, nem sinais dela agora existem.

Mal estacionámos no local onde era a parada do antigo aquartelamento, senti logo uma profunda emoção ao ver ainda de pé e em estado de boa conservação, uma antiga capelinha, encostada a um enorme poilão, que continha no seu interior um pequeno oratório, onde estava colocada uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, capelinha essa que havia sido construída pela Companhia de Militares Portugueses que nos antecedeu e da qual não me recordo a sua identificação.

Essa capelinha, creio que foi construída como agradecimento a Nossa Senhora pelo facto de quase no topo dessa árvores e bem lá em cima, ainda se poder ver uma granada de RPG, que havia sido disparada por tropas do PAIGC e que lá ficou espetada, sem explodir. (...)


(**) Último poste da série > 18 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23439: O nosso livro de visitas (216): Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) foi meu colega de carteira no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos de 1957/58. Guardo dele uma terna recordação (Francisco A. Monteiro e Souza, natural de Cabo Verde, a viver nos Açores, ex-membro da FAP e da TAP)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à recensão desta obra onde se procura passar em revista as atividades da FAP na guerra da Guiné, dá-se a palavra aos autores para fazerem uma apreciação dos condicionalismos em termos de abastecimento e recursos, uma constante que jogou a desfavor das operações aéreas, ao longo dos anos da guerra. Passa-se igualmente em revista a natureza do armamento bélico, o tipo de armas de destruição usadas pela FAP, a necessidade de desenrascar peças, canibalizando aviões avariados. Estamos já no início da guerra, vamos seguidamente apreciar a evolução dos primeiros anos, pautados, primeiro, pelas dificuldades sentidas em captar a natureza da estratégia da luta armada, a sua escolha de pontos de apoio em locais do Sul, do Leste e da região do Morés; a resposta de fixação de destacamentos para apoio das populações e a imprescindível utilização da FAP não só em missões de soberania, de acompanhamento das atividades operacionais e de transporte de feridos, tanto militares como civis.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte. Verificou-se que um dos problemas mais prementes que se punha à FAP eram as peças, que demoravam muito a chegar e levantavam seríssimos problemas de manutenção. A situação prolongou-se pelos anos seguintes, num relatório de 1961 escrevia-se que a frota DO-27 estava quase totalmente aterrada e só 3 dos 19 helicópteros Alouette-III estavam em perfeitas condições para o combate. Os sucessivos pedidos para estabelecer instalações de manutenção na Guiné não foram atendidos, o que forçava a FAP a canibalizar alguns aviões para obter peças. Estes problemas de manutenção afetaram também as aeronaves que serviam a Guiné: por exemplo, 1 em cada 5 voos dos transportes DC-6 da FAP sofria de falhas de motor enquanto voava de Portugal para África.

O abastecimento de munições também se revelou muito difícil, para o general Diogo Neto revelou-se um dos maiores problemas: “Utilizámos sempre o que estava disponível, o que nem sempre foi o mais adequado. O arsenal nunca esteve satisfatoriamente abastecido, o que obrigava a restrições mensais no consumo”. Dada a intensidade da guerra na Guiné, esta situação só poderia deteriorar-se. No auge da guerra, a FAP consumia mais munições na Guiné do que em Angola e Moçambique juntas. Para mitigar a carência, recorria-se ao fabrico português, incluindo metralhadoras recuperadas de aviões desmantelados.

As bombas de gravidade usadas na Guiné eram de 500 libras, havia bombas comuns de 50 kg e bombas de fragmentação de 20 libras, 15 kg e 200 kg. Usaram-se igualmente foguetes de fragmentação e a munição usada com menos frequência eram foguetes de alta velocidade de 5 polegadas lançados do Neptune e os foguetes de 68 mm disparados pelos T-6 em algumas missões. A partir de 1964, a FAP também empregaria armas incendiárias na Guiné.

Oficialmente, o napalm e o fósforo branco deveriam ser usados “apenas contra alvos militares bem referenciados e em áreas de difícil penetração”. A despeito da crítica internacional contra o uso do napalm e armas semelhantes, as autoridades portuguesas continuaram o seu uso durante a guerra.

Qualquer arsenal aéreo, por mais bem abastecido que esteja, será irrelevante desde que não disponha de pessoal treinado para o empregar. A FAP na Guiné avaliou sempre as suas tripulações em escassez crónica. O ex-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Lemos Ferreira, observou a disparidade de haver 40 mil homens a combater em meios terrestres contra 60 ou 70 pilotos. Durante os primeiros anos da FAP na Guiné o número nunca ultrapassou os 30, número por demais insuficiente para operar com as aeronaves disponíveis. O número de pilotos aumentaria no final de 1964 e teve o seu ponto mais alto em setembro de 1963, seja como for era um número insuficiente. Em resultado da permanente falta de tripulações, os pilotos voaram um número extraordinariamente elevado de horas e em diferentes aeronaves.

No início da década de 1970, o tempo médio de voo acumulado para cada um dos pilotos é de 2731 horas, número excessivamente elevado. 2 anos de comissão era já um período de exaustão, atendendo às condições de vida, ao clima e à natureza da luta. Não se encontravam voluntários para mais 2 anos. Em 1967, o Ministro da Defesa Nacional visitou a Guiné, e pôde constatar uma série de fatores que impactavam negativamente o moral das forças portuguesas, o clima era considerado devastador. Houve mesmo um diplomata norte-americano que visitou a Guiné e que observou durante os 5 dias de estadia que era mais quente do que ele tinha experimentado na selva amazónica. Até os assessores cubanos do PAIGC se queixavam do calor e das durezas do clima. Mesmo na pacífica Bolama passavam-se tarde opressivas, esperava-se impacientemente pelas ventoinhas do teto para estar no refeitório.

A despeito deste quadro de constrangimentos, pode observar-se que a FAP na Guiné pôde a seu modo constituir-se um modelo de organização. Essa organização e a doutrina que lhe estava subjacente, pessoal e aeronaves, iriam ser postos à prova na escalada da guerra.

Estamos agora em novo capítulo, entrou-se na guerra, contrariando todas as previsões que apostavam em ataques fronteiriços, a primeira flagelação do PAIGC foi em Tite, a 25 kms em linha reta de Bissau, nessa mesma data militantes do PAIGC emboscaram forças portuguesas na região de Fulacunda, a 25 kms a leste de Tite. Entrava-se num quadro estratégico que fora esboçado em agosto de 1961, a passagem para a insurreição armada, envolvendo formas possíveis de sabotagem, flagelações e outras formas de intimidação das forças portuguesas. No segundo semestre de 1962, o PAIGC lançara uma campanha de ataques de pequena escala, cortando comunicações, desarticulando as vias comerciais, lançando em pânico as populações, isto na região sul. Em dezembro de 1962, o PAIGC anunciou publicamente “o uso de todos os meios necessários na luta pela autodeterminação e pela independência”. Nesse mesmo mês, as informações policiais colheram provas de que elementos armados do PAIGC estavam reunidos em Koundara, na fronteira da Guiné-Conacri, serão porventura estes os efetivos que atacaram Tite. Por este tempo já se tinha reforçado consideravelmente o efetivo militar no território, em termos terrestres. O contingente, em 1958, era de cerca de 900 militares do Exército, operando a partir de Bissau e Bolama, estes efeitos aumentaram em 1959. No final de 1962, o efetivo rondava os 5 mil homens distribuídos por 10 pontos em todo o território.

Neste contexto de início de guerra, os aviadores e pessoal de apoio cumpriram uma variedade de requisitos operacionais. Com efeito, as missões pré-guerra do ZACVG incluíam formação, obtenções de informações, faziam voos de soberania, sobretudo nas áreas menos acessíveis pelos meios terrestres. As aeronaves de transporte e outras revelaram-se da maior importância quando o Exército procurou estabelecer-se no interior. Mas os seus ativos eram criticamente escassos.

Todos os três teatros viram aumentar o uso de napalm, apesar do consumo ter sido mais intenso na Guiné do que em Angola ou Moçambique (Coleção Jochen Raffelberg)
Manutenção de um T-6 em Bissalanca (Coleção José Nico)
Bombas de napalm de 80 kg (Coleção Jochen Raffelberg)
Uma amostragem das munições transportadas por um F-86F (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé